Introdução
As questões que envolvem o mundo da escola são assuntos discutidos
incessantemente durante nossa formação, enquanto licenciandos, na
Universidade. No entanto, existem aspectos dentro da formação acadêmica que
não são colocados em evidência. A Educação Inclusiva é uma delas, pois mesmo
durante a prática de ensino, essa não é discutida. Dessa forma, quando um
professor se depara com uma situação para qual não havia se preparado, caso
das propostas inclusivas, vem a pergunta: qual estratégia utilizar?
Segundo Pelosi (2000), a escola inclusiva parte do pressuposto de que todas
as crianças podem aprender e fazer parte da vida escolar e comunitária, na
medida em que a diversidade é valorizada como meio de fortalecer a turma de
alunos e oferecer a todos os membros maiores oportunidades de aprendizagem.
Partindo do princípio que “a proposta de inclusão enfatiza a igualdade
concreta entre os indivíduos, com o reconhecimento das diferenças” (LIMA,
2005, p.21), a efetivação de uma proposta inclusiva tem início com a revisão
de práticas e pressupostos que regem o ambiente escolar e também no modo
como as disciplinas escolares serão abordadas.
Como educador e professor de Geografia, disciplina a princípio ligada ao
visual, onde “o olhar é freqüentemente tomado – sobretudo como decorrência
das tradições clássicas da Geografia – como o mais importante dos sentidos
da observação que fundamentam o conhecimento” (HISSA, 2002, p. 179) era de
se esperar que, no campo da educação inclusiva, minhas preocupações
estivessem voltadas aos alunos cegos. Todavia, minha questão está vinculada
ao aluno que possui um sistema de comunicação diferente do nosso, no caso os
educandos surdos, que se comunicam utilizando a Libras.
As pesquisas
que tratam especificamente da educação de surdos, estão centradas no
desenvolvimento do domínio da leitura e da escrita do Português.
Porém, no ensino de Geografia, acredito que tanto professores quanto alunos
surdos também encontrem dificuldades. No caso dos professores, na medida em
que a discussão sobre educação não se apresenta de modo efetivo em sua
formação inicial. No caso dos alunos surdos, é possível que tenham
dificuldades em articular e demonstrar compreensão de conceitos e linguagens
específicas desse campo de conhecimento.Desta forma, apontam-se algumas
questões sobre educação inclusiva e ensino de Geografia, tomando como ponto
de partida duas escolas de ensino fundamental em Belo Horizonte, capital de
Minas Gerais, que recebem alunos surdos, sendo uma municipal e outra
estadual.
Considerando que o processo inclusivo ocorre em situações especificas em
cada ambiente escolar (LIMA, 2005), este estudo, de caráter qualitativo,
procurou estabelecer quais as concepções sobre ensino de Geografia e escola
inclusiva que os professores que trabalham com alunos surdos incluídos
tinham no momento da pesquisa.
O que a bibliografia oficial e as pesquisas
que discutem a educação inclusiva dizem a respeito do ensino dessa
disciplina para alunos surdos? Será que os docentes que trabalham com
educandos com necessidades educacionais especiais conhecem as recomendações
do MEC para o ensino especial? Se as conhecem, como interagem com esses
documentos? Independente de conhecerem ou não essas recomendações, que
estratégias adotam para ensinar seu conteúdo para alunos surdos? Como esses
docentes concebem a presença de surdos em turmas mistas?
Que avaliação fazem disso, diante de sua realidade de ensino?
Para tentar responder, pelo menos em parte,
a essas indagações, procurou-se centrar as análises em dois pontos:
primeiro, o estudo de alguns documentos oficiais sobre educação inclusiva;
segundo, a realização de entrevistas com os docentes de Geografia dessas
duas escolas que atuam em turmas mistas, com a presença de um ou mais de um
estudante surdo.
Assim, este estudo se desenvolveu nas
seguintes etapas: pesquisa e análise do material oficial (MEC) sobre ensino
especial e educação inclusiva, principalmente o que se reporta ao
ensino/aprendizagem para alunos surdos; observação do ambiente escolar;
contato com os professores de Geografia do Ensino Fundamental que trabalham
com alunos surdos; realização de entrevistas com base em um roteiro
semi-estruturado com esses professores. E, finalmente, análise do material e
confronto entre as entrevistas (percepção dos professores de Geografia) e os
documentos sobre educação do MEC.
Partindo do princípio de que “os discursos
devem ser tratados como práticas descontinuas, que se cruzam por vezes, mas
também se ignoram ou se excluem” (FOUCAULT, 2001, p. 52/53) o objeto de
estudo é a análise dos discursos
desses docentes sobre surdez e Geografia, construídos em sua prática diária.
As duas escolas da rede pública, analisadas,
estão localizadas nas regiões sul e leste de Belo Horizonte. A escolha
dessas duas instituições foi motivada por sua receptividade a estudos
acadêmicos que abordam essa temática, e também para que houvesse um
comparativo entre os modelos de ensino, uma vez que esses dois segmentos
(municipal e estadual) têm projetos político-pedagógicos distintos.
Procurou-se a partir desse procedimento,
identificar elementos que contribuam para reflexão tanto sobre o
ensino/aprendizagem da Geografia, quanto e principalmente, para compreender
os sentidos que esse conteúdo específico pode ter frente às necessidades
educacionais específicas dos alunos surdos.
Portanto, os objetivos específicos deste estudo visam compreender as
concepções dos professores de Geografia sobre educação inclusiva, tendo como
foco a inclusão de educandos surdos. Objetivou-se também, identificar a
metodologia utilizada por esses docentes para o ensino de seu conteúdo a
portadores de necessidades especiais e suas concepções sobre os sentidos da
educação inclusiva, surdez e o educando surdo.
Estratégias dos professores para o ensino
de Geografia
As estratégias utilizadas pelos professores
de Geografia se desenvolvem a partir de um tema e dos objetivos que se
pretende alcançar com determinado conteúdo. Segundo Cavalcanti (2002)
o caminho mais
adequado para desenvolver o tema de procedimentos no ensino de Geografia é o
de uma reflexão inicial sobre os objetivos de ensino. Ensino é o processo de
conhecimento mediado pelo professor, no qual estão envolvidos, de forma
interdependente, os objetivos, os conteúdos e as formas organizativas do
ensino. (CAVALCANTI, 2002, p. 71).
Os professores foram questionados, primeiro,
quanto à organização do conteúdo, ou seja, de que modo eles procuram
construir uma relação com a realidade dos alunos e se isso é, para eles, uma
preocupação.
“- Com a realidade deles... a gente, né?
Vamos pegar um assunto:” Meios de orientação “, né? É... Também” localizar o
seu bairro na cidade “, é” localizar a sua cidade no estado “, né? A gente
dá essa noção de dimensão pra eles, no caso eles tem que saber... se
locomover, né? Então, os meios de orientação assim... ajudam
bastante”.(Professor 2)
“- É... por exemplo... tava tendo a
Guerra
ai eu perguntei: “Como que vocês acham que os americanos conseguem acertar
um determinado prédio no Iraque assim... bum!?, num exato ponto... Eles
usam Latitude/Longitude, coordenadas geográficas... né?”... Ai eles ahm...
eles entenderam.
- Uma coisa que deu certo também, quando
eu pedi pra eles desenharem é... a rua deles...os quarteirões... a rua
deles, o tipo de comércio.”(Professor 1)
Os professores demonstraram a preocupação em
articular o conteúdo ao vivido, variando da dimensão mais operacional (o
bairro, a localização) até um contexto mais amplo (a Guerra do Iraque).
Cavalcanti (2002) aponta o papel do
professor como sendo de extrema importância para o desenvolvimento do
conteúdo estudado através de “ligações do conteúdo com a matéria
anteriormente estudada e com o conhecimento cotidiano do aluno. É preciso,
sobretudo problematizar o conteúdo a ser estudado”.(CAVALCANTI, 2002, p. 80)
Os professores foram questionados sobre as
estratégias utilizadas em classe e seus resultados. Ao refletir sobre as
estratégias que não deram certo, as justificativas para o fracasso se
confundem muitas vezes com outros elementos que não são relativos aos
conteúdos ministrados. Por exemplo, o Professor 2 esclarece que a escola tem
poucos recursos para trabalhar determinadas questões, mas não expôs os
procedimentos adotados em sala de aula que não foram bem sucedidos. De certa
forma, é uma tentativa de preservar sua prática, atribuindo à estrutura da
escola elementos que a limitam.
“- [...] olha a gente acaba sendo muito
limitado, né? A gente tem assim,é... pouco espaço na escola para estar
trabalhando determinadas questões, até mesmo para sair da sala de aula, para
estar olhando o sol assim é um tanto complicado, né? A gente sai atravessa o
pátio, o pátio é super pequeno pra gente ta olhando o sol, vendo com o
aluno... sol nasce, essa coisa toda, né? A gente depende muito de fazer uma
excursão pra tá saindo de sala de aula e a gente não tem recurso pra isso,
então a dificuldade tá ai, na falta de recurso que a gente não tem.”
(Professor 2)
Além de fatores associados à escola, os
professores alegaram que os alunos não têm bom desempenho nas atividades
escritas, como no exemplo a seguir:
“- Agora quando eu pedi pra ele
escreverem sobre a rua deles, deu totalmente errado. Eles não escreveram...
eles não escrevem... aliás eles não fizeram, só dois alunos fizeram, porque
tem um pouco de audição, né? Mesmo assim...uma coisa que não deu certo...
- Quando eu expliquei a diferença entre
populoso/povoado é... eles entenderam, mas mesmo assim eles ficavam na
dúvida...
- Eu já tentei explicar quinhentos e
cinqüenta e cinco mil de vezes a diferença, mas mesmo assim alguns na hora
da prova travam. Não sabem olhar na tabela.”(Professor 1)
A representação escrita da atividade
proposta pelo Professor 1 não deu certo, pois os alunos não a fizeram. O
problema na redação dos textos pode estar relacionado à dificuldade de
compreender o que foi explicado pelo professor, pois segundo o MEC/SEESP
(1997)
a dificuldade
do surdo em redigir em português está relacionada à dificuldade de
compreensão dos textos lidos (conteúdo semântico) e que essas dificuldades
impedem a organização ao nível conceitual. Muitas vezes, só compreende o
significado das palavras de uso diário, o que interfere no resultado final
do trabalho com qualquer texto, mesmo o mais simples. (MEC/SEESP, 1997, p.
309)
O Professor 3, quando questionado sobre a
relação estabelecida entre os conteúdos ministrados e a realidade dos
alunos, esclareceu que não procurava estabelecer relações e justificou isso
alegando que os alunos eram “todos iguais” e que isso não era necessário.
Portanto, aqui, ele nega a diferença e as propostas de inclusão e desconhece
o aluno com o qual trabalha.
Kaercher (2007) aponta a necessidade de se
fazer algumas ponderações sobre as observações colocadas em pesquisas que
analisam a prática dos professores distantes do “calor do dia-a-dia” da sala
de aula, destacando que “seria um exercício idealista e inócuo: projetar um
modelo ideal de professor, a partir da adição de uma série de
positividades”. Não é pretensão desse estudo projetar um modelo de
profissional, mas levantar algumas contradições vividas na prática que nos
impedem de discutir e avançar no ensino de Geografia.
“- Olha, eu não... eu não estabelecia
muito não, eu era sim... pra mim eles era todos iguais, sabe?! eu não
estabelecia... não havia diferença. Só uma coisa, uma vez eu dei um trabalho
que eu achei que eles não iriam fazer, eu dei uma palavra chave para eles
levantarem uma cruzadinha, foi assim fantástico! Eles conseguiram pegar a
palavra, quer dizer ler e tirar dali um objetivo ou uma afirmativa sabe,
então assim eu achei fantástico.” (Professor 3)
Considero que a relação com o conteúdo
ministrado e a realidade do aluno é um elemento importante para que ele
possa materializar os conteúdos até então abstratos para sua realidade,
independente da sua condição física e assim, desenvolver mais plenamente
habilidades e competências. O Professor 4 coloca como elemento principal,
para que o aluno entenda o que ele diz, a articulação do conteúdo com a
realidade. Dessa forma, ele faz uma análise que parte do meio onde o aluno
vive e a inserção desse espaço no contexto mais geral.
“- Procuro... eu tenho que fazer isso
para eles é... entenderem a matéria, então eu começo explicando por exemplo
Belo Horizonte e suas regiões, depois eu repasso para a região
metropolitana, depois para Minas Gerais para eles entenderem o contexto...
ai Brasil e vou passando.” (Professor 4)
Concepções dos professores sobre ensino
de Geografia para portadores de necessidades educacionais especiais.
Paganelli (2002) acredita que o profissional
que conhece os pressupostos teóricos metodológicos que fundamentam a
Geografia como Ciência, tem condição de se situar em sua prática pedagógica
definindo, por assim dizer, os objetivos da Geografia como disciplina
escolar. Considerando isso, perguntou-se aos professores quais referenciais
teóricos os ajudam na abordagem dos conteúdos geográficos para alunos
surdos. O Professor 2 não compreendeu bem a pergunta e respondeu:
“- Olha... Eu penso que a Geografia é um
conteúdo que todo mundo pratica, né?Então eu acho assim...A Geografia
você...você pratica então... o tempo todo você está se deslocando, você tem
que estar vendo as direções, você estar vendo com certeza os assuntos nos
jornais, é... na televisão. Eles estão vendo, então assim... é...”
Refiz a pergunta, e o Professor 2 respondeu
fazendo um dissociação entre prática e teoria, na medida em que ele afirma
não utilizar nenhum referencial teórico para construção de sua prática, que
aprendeu a fazer, fazendo.
“- Não, eu busquei tudo na prática mesmo,
porque é um tanto difícil a gente estar ali preso à teoria, sendo que você
tem que estar atuando [risos] dentro de sala de aula.”
O ensino de Geografia na concepção desse
docente corresponde ao passível de ser desenvolvido a partir de atividades
“práticas”. Essa função “prática” da Geografia é compreendida por ele
através da realização de atividades como a confecção de material didático
pelos alunos. No entanto, os alunos não podem ficar somente na “prática”. Em
atividades práticas como desenhar o lugar onde moram, ou descrever as
paisagens, a Geografia acaba por se tornar “prática”, mas as dificuldades
relativas ao entendimento e domínio da Língua Portuguesa tornam-se um
obstáculo para que os alunos surdos possam compreender os conteúdos. A
dificuldade de interpretação, associada ao domínio da linguagem privilegiada
pela escola (oralidade), caracteriza um problema para o ensino da Geografia,
pois segundo esse professor, os estudantes surdos parecem não construir
conceitos.
“- Olha a minha maior dificuldade mesmo,
é quando eu noto que eles têm grande dificuldade de interpretar. A
interpretação pra eles é muito complicado”.(Professor 2)
O Professor 1, perguntado sobre quais
referenciais teóricos utiliza, relatou:
“- A tradicional... mas eu não peguei lá
e vi... e vou ficar com essa...
- No aspecto de 5ª a 8ª eu primo pelo
tradicional, porque o aluno precisa saber do tradicional para poder chegar a
uma conclusão no 2º grau, porque ele está mais maduro... ele tá mais maduro
no 2º grau..., 1º grau ele não ta. Ele tá recebendo informação, ele tá
recebendo conceito... Aluno de 5ª a 8ª tá recebendo conceito.“
Através do relato do professor, podem-se
perceber elementos característicos de uma concepção bancária de educação. A
Educação Bancária transforma os alunos em meros recipientes, nos quais o
professor deposita o conhecimento.
Segundo Freire (1996, p. 23-25) a relação
ensinante e ensinado se constrói a partir de uma relação de troca em que,
segundo o autor, “[...] quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina
ao aprender [...]”, e isso se caracteriza como prática formadora. Para que
essa relação ensinante e ensinado possa se perpetuar, o ensinante deve ter
consciência de que “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
possibilidades para sua produção e sua construção [...]”, pois, se
ele for contra esse principio, apenas estará, como o próprio Paulo Freire
descreve, “depositando conhecimento”.
Questionado sobre qual a maior dificuldade
em lidar com alunos surdos, esse docente assim se manifestou.
“- Nossa Senhora...! É eu me comunicar
com eles, pelo Amor de Deus! Eu falo lá... e eles não estão olhando pra mim,
eu fico desesperado... eles estão olhando pra intérprete, muitas vezes uma
expressão minha pode ser mais importante que a dela, então...
é...”.(Professor 1)
O ensino de Geografia caracterizado pelo
Professor 1 tem sua maior dificuldade na comunicação entre professor e
alunos, associada à falta de recursos didáticos. Mesmo quando mediado pela
intérprete,
o professor sente que a atenção dos alunos é o que falta. Mas a expressão do
professor na comunicação com os alunos não tem efeito para toda a turma,
pois a atenção dos mesmos está voltada para a intérprete.
O próprio docente parece não compreender as
dificuldades que os educandos surdos possuem e que talvez como ele, estejam
temerosos e ansiosos com o contato construtivo numa sala de aula.
A Geografia assim, se torna difícil de ser
ensinada para os alunos surdos na medida em que o professor, não conhecendo
a linguagem de sinais, fica impossibilitado de se comunicar com os alunos,
dependendo da intérprete para “estabelecer contato”.
Para os professores 4 e 3, o ensino de
Geografia para alunos surdos tem sua dificuldade aliada à interpretação de
textos, gráficos e mapas por parte dos alunos.
“- eu diria que a maior dificuldade,
apesar de ter uma intérprete, mas eu sempre dependo de uma intérprete,
porque se ela faltar eu estou sem comunicação com eles, compreende? É não
dominar a linguagem de sinais... (Professor 4)
“- [pausa]... Interpretação de mapas...
gráficos, muito complicado trabalhar com alguns textos isso porque eles não
dominam muito ainda o vocabulário, então a gente tem que colocar textos com
palavras que eles já conhecem. (Professor 3)
Com relação ao referencial teórico utilizado
pelos professores 3 e 4 para a abordagem dos conteúdos, mais uma vez o
Professor 3 utilizou o argumento de igualdade entre os alunos para
justificar a não utilização de tais subsídios.
“-Especificamente para eles não, igual eu
te falei eu sempre via eles como pessoas iguais... sem diferenciar”.(Professor
3)
Perguntado sobre o referencial teórico, o
Professor 4 compreendeu referencial teórico como recurso didático. A
justificativa para esse tipo de procedimento é o referencial que a Geografia
tem na construção do conhecimento, partindo do ambiente local para o mais
genérico ou global.
“-Você diz recursos áudio-visual...? Eu
trabalho muito com imagens, retroprojetor direto, mapas... eles recebem
muitos mapas. O caderno deles de Geografia é o mais volumoso que tem, o que
tem mapas... é... eu trabalho muito com isso, para que eles entendam a...
tenham referência daquilo que eles estão aprendendo no mundo, para que eles
se situem... é importante que eles se situem localmente para gente chegar no
que é mais global... genérico. Muitos textos, muitos questionários... eles
trabalham muito”.(Professor 4)
Novamente aparece o reforço à concepção
bancária, que se caracteriza por uma prática conteudista, quando o Professor
4 afirma que o caderno de Geografia “é o mais volumoso”.
A questão aqui é se basta “entulhar” os
alunos com informações para construir um melhor entendimento da realidade.
De fato, será que apenas oferecer informações em um mundo tão mutante é
suficiente para compreender a velocidade e/ou os processos que as
determinam/impõem? Em que medida ter “um caderno volumoso” ajuda a construir
conhecimentos?
Parece, após a pesquisa, que os professores
se sentem despreparados, “soltos”, e inseguros para lidar com a realidade da
inclusão de portadores de necessidades especiais. As condições materiais,
salvo algumas exceções, também dificultam as discussões e o entendimento do
que seria a escola inclusiva e o ensino para esses alunos.
Talvez falte maior visibilidade dessas
questões, tanto na sociedade quanto na academia, ou mesmo, na elaboração de
políticas públicas mais eficazes. Construir uma legislação sem discuti-la,
impor métodos e procedimentos, implantar “modelos” ou desconsiderar a
realidade, pode acarretar mais problemas que soluções, como parece ter sido
compreendido por parte dos docentes entrevistados.
Por desconhecerem a realidade da formação
dos educandos surdos, os professores vão construindo idéias muitas vezes
equivocadas a partir de informações do senso comum. Em parte, esse processo
pode ser associado à própria formação docente, onde tais questões aparecem
de modo periférico, quando aparecem.
A Escola Inclusiva
tal como percebida no decorrer da pesquisa, mostrou que foi construída em
uma base frágil, em que o professor não tem conhecimento sobre as reais
necessidades dos alunos incluídos na sala de aula, e nem é preparado
adequadamente para lidar com essas problemáticas. Um dos professores
entrevistados, quando perguntado sobre as condições de trabalho, relatou que
até a escola se organizar para atender aos alunos com necessidades
especiais, eles foram utilizando o sistema de “ensaio e erro”.
Os professores pesquisados, em sua maioria,
desconhecem as leis que regulamentam o direito dos portadores de
necessidades especiais e os documentos que caracterizam o processo de
inclusão. Nos relatos, os professores mencionaram a LDB, a Constituição
Federal, mas não falaram especificamente sobre a educação dos portadores de
necessidades especiais. Os professores se mostraram não motivados a
continuar o trabalho com educandos com necessidades especiais por motivos
diversos (desde o despreparo em sua formação inicial, até questões
salariais), implícitos nas falas ou até mesmo explicitamente.
Um ponto comum em sua fala diz respeito às
críticas feitas aos governos estadual e municipal. Em todos os relatos, os
professores mencionam da falta de planejamento e incentivo por parte do
Estado, da falta de estímulo na organização de projetos de ensino e formação
de professores. No caso da prefeitura, as críticas estão centradas no modelo
de escola inclusiva implantado, em que os alunos são colocados em sala de
aula sem um atendimento complementar que auxilie seu desenvolvimento.
Tomando como referência as escolas
observadas, nota-se que o atendimento aos educandos com necessidades
especiais dentro de um modelo inclusivo não ocorre. Os alunos surdos estão
freqüentando instituições regulares, mas só isso não é suficiente para
garantir sua efetiva inclusão. O modelo de Educação Inclusiva – conforme
proposto pela Declaração de Salamanca – requer primeiramente, que os
direitos e as especificidades dos educandos envolvidos no processo sejam
respeitados para que o processo educativo obtenha sucesso.
Os professores precisam ter consciência das
dificuldades e limitações desses educandos, em suas práticas diárias e assim
construí-las tendo-os como referência. A presença de alunos surdos em sala
de aula de ensino regular, nas escolas observadas, fez com que os
professores adaptassem sua didática de forma a atendê-los. Mas os
professores fazem isso com base em “ensaio e erro”, não tendo recebido
formação para trabalhar nesse contexto. Os alunos devem aprender juntos
sempre que possível, mas a instituição de ensino tem que assegurar condições
para que esse processo seja concluído. Porém, nas duas escolas, observou-se
que os professores relataram carência material para trabalhar tanto com
educando “normais”, quanto com portadores de necessidades especiais.
Todavia, não é possível atribuir toda culpa à escola, pois ela é apenas a
ponta do “iceberg”. Os Estados e Municípios deveriam assegurar-lhes as
condições materiais para o pleno atendimento a todos os educandos e mais
ainda, aos portadores de necessidades educacionais especiais. Na fala de um
professor entrevistado, o processo da Escola Inclusiva fica caracterizado
como “atropelado”. De certa forma, no caso dos professores contratados
pelo Estado, a situação é ainda pior,
devido sua precariedade contratual que se associa à elevada rotatividade
entre escolas. Nesse caso, nota-se a falta de compromisso do órgão gestor,
que não se preocupa em garantir estabilidade profissional aos docentes e
possibilitar o desenvolvimento do trabalho pedagógico, o que por sua vez,
dificulta um atendimento adequado às necessidades dos educandos.
Considerações Finais
A realidade das escolas públicas observadas,
de Belo Horizonte, no que diz respeito à inclusão de educandos surdos,
mostra situações não muito diferentes.
A escola municipal observada apresenta uma
estrutura mais consolidada no ambiente da sala de aula, professores com mais
experiência no atendimento aos educandos surdos, mas isso não os isenta de
equívocos, sobretudo na abordagem e tratamento relativo a esses educandos.
Algumas escolas da rede municipal estão passando por uma reformulação com
relação ao atendimento de educandos surdos, em que a figura da intérprete
passa a não mais existir, cabendo ao professor ter o domínio da LIBRAS.
Talvez isso possa significar um avanço em relação ao ensino desses
estudantes, bem como sinaliza para uma preocupação com a qualificação dos
docentes. Nesse sentido, talvez essas dificuldades cotidianas, na lida com
educandos com necessidades especiais sejam diminuídas, tanto por parte dos
professores, quanto das instituições escolares.
Já escola da rede estadual se caracterizou
pela quase ausência de uma estrutura que garanta apoio à prática do
professor, como recursos didáticos adequados, materiais de consulta e, até
mesmo, apoio pedagógico para a realização de um trabalho mais efetivo, sendo
oferecida apenas a presença de intérpretes.
Com relação ao ensino de Geografia para
alunos surdos, nos dois ambientes eles se diferenciam pela postura dos
profissionais envolvidos. Na escola estadual pesquisada, os professores
enfatizam as dificuldades dos educandos em assimilar determinados conteúdos,
principalmente em relação à interpretação de textos. As avaliações são
colocadas como referenciais em que são detectados o que o aluno assimilou ou
não. Muitas vezes a culpa pelo fracasso recai sobre o intérprete, que “não
soube transmitir de forma correta o que havia sido explicado”. Os
professores não dominam a língua de sinais, como já foi dito, o que
dificulta a interação e o entendimento de determinadas situações de sala de
aula, como o fato de os alunos olharem para a intérprete e não para o
professor. Os professores muitas vezes se escondem atrás das condições de
trabalho precárias (apesar de estas serem reais) e, dessa forma, se isentam
de buscar informações a respeito dessa nova situação em sala de aula.
Os problemas relativos ao ensino de
Geografia para surdos, nos relatos dos professores da escola municipal
pesquisada parecem restritos a conteúdos específicos, como o trabalho com o
sistema de coordenadas geográficas. Em contrapartida, a compreensão das
dificuldades dos educandos é colocada de uma forma mais tranqüila. Os
professores mostraram um entendimento das questões relativas à interpretação
e ao processo de formação escolar do educando surdo. Um elemento presente na
fala dos professores da escola municipal é o fato de que os alunos pareciam
não ter dificuldades em entender o que era dito pelo professor. Além do
mais, aspectos relativos à normalidade e igualdade entre a totalidade dos
estudantes sempre foram repetidos nas suas entrevistas, talvez como forma de
suavizar a presença desses alunos em salas mistas.
Oferecer escolaridade e a possibilidade de
inclusão já significam, em si, um ganho. Porém, nos parece necessário
avançar rumo à discussão sobre qual inclusão e qual escola queremos e
praticamos.
Espera-se com esse trabalho, suscitar novas
pesquisas, sobretudo no ensino de Geografia, e que a compreensão das
diferenças e especificidades do ensino para portadores de necessidades
especiais propiciem maior reflexão da prática em sala de aula, dos
significados da educação inclusiva e de suas especificidades.
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