por GLAUBER RABELO MATIAS

Sociólogo formado pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), atualmente pesquisador-bolsista de extensão pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF).

 

 

 

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Intelectuais como missão

revisitando Karl Mannheim

Glauber Rabelo Matias

 

Resumo: Pretendo trabalhar neste artigo as recepções e interpretações do pensamento do sociólogo húngaro Karl Mannheim (1893-1947), basicamente na sua identificação, presente em "Ideologia e Utopia" e "Sociologia da Cultura", sobre a conformação do novo sentido dos intelectuais na modernidade, sob a configuração da Intelligentsia, estrato social desvinculado que possui um papel diferenciado na cena histórica.

Palavras-chave: Karl Mannheim, intelectuais, missão.

Abstract: I pretend to work in this article the receptions and interpretations of the thought of the Hungarian sociologist Karl Mannheim (1893-1947), basically in his identification, in “Ideology and Utopy” and “Sociology of the Culture”,  about the conformation of the new sense of the intellectuals in modernity, in the configuration of the Intelligentsia, disentailed social group that possess a paper differentiated in the historical scene.

Key-Words: Karl Mannheim, intellectuals, mission.

 

MANNHEIM, Karl (1893-1947)Apresentação

Susan Hekman em "Hermenêutica e Sociologia do Conhecimento" (1990) nota a relevância contemporânea da posição de Mannheim a justificar a análise de sua obra em seus paradoxos e desafios hoje. Observa que a sociologia do conhecimento de Mannheim tem uma afinidade notável com os princípios do antifundacionalismo, no que se aproxima de Gadamer (1900-2002) [1]. Por isso, assim como Gadamer, Mannheim concentra-se em atacar a concepção de verdade iluminista, aderindo a uma perspectiva que, apesar de não ser por ele, em momento algum, chamada de "hermenêutica", é uma teoria da interpretação que tem mais em comum do que se diz à primeira vista com a hermenêutica contemporânea.

Certamente, o contributo de Mannheim não é equivalente ao de Gadamer, o qual é muito mais sofisticado filosoficamente. Não apenas porque Mannheim evita as questões filosóficas e epistemológicas, mas porque está comprometido com elementos de um historicismo, bem como não opta por uma ruptura radical com um certo positivismo, sendo ambas as escolas antitéticas ao pensamento antifundacional. Ainda assim, Mannheim adere ao programa básico da hermenêutica de Gadamer quando contraria o conceito de verdade utilizado nas ciências naturais e, também, ao reconhecer a inevitabilidade dos "preconceitos" tanto por parte do intérprete como por parte do interpretado de modo a insistir na importância de se examinar - eis o desiderato da sociologia do conhecimento - as formas nas/pelas quais o conhecimento é produzido.

Para Mannheim, todo o significado está historicamente relacionado às condições de sua produção. Descrê na "Razão Intemporal" iluminista assim como apóia a legitimidade do que chama conhecimento subjetivo que, para o Iluminismo, não é conhecimento.  Mas, não está tão à vontade com o conceito de relativismo e, também, busca encontrar uma alternativa à "teoria relativa historicista da verdade" (HEKMAN, 1990, p. 94). Suas ambigüidades neste aspecto revelam a honestidade de sua tensa busca de uma equação a definir caminhos de superação de uma velha epistemologia em que a objetividade há de ser buscada a-historicamente ou, numa proposta radicalmente contrária, inexiste a possibilidade do conhecimento mesmo. Mannheim, crivado de críticas, chega a se justificar por suas ditas inconsistências, atribuindo-as efetivamente a sua posição metodológica a buscar uma "síntese".

Não por outro motivo, Miglievich Ribeiro (1998) chamou atenção para o fato de que em sua famosa "Ideologia e Utopia" (1986), Karl Mannheim dá especial relevo ao não-formalismo e à incompletude de uma abordagem que não se pretende exaustiva e a chama de ensaio. Mannheim compreendia tal forma estilística de exposição do pensamento como notoriamente reconhecida nos séculos XVI ao XVIII, "caracterizando o trabalho dos intelectuais em sua perplexidade diante de um mundo em profundas transformações que os levava a propor questões inéditas cujas respostas eram, se não impossíveis, especialmente difíceis" (MIGLIEVICH RIBEIRO, 1998, p.2).

Observando que o ensaio surgia como um modo de apresentar temas imediatos e urgentes, ainda não percebidos ou meditados totalmente numa época, para os quais ainda não se têm construídos sistemas mais completos e consistentes de compreensão, Miglievich Ribeiro ressalta a opção de Mannheim em se reconhecer no sentimento mesmo de se estar no início de um movimento, e não no fim, relatando problemas que, de imediato, lhe apareciam à consciência, observando-os por tanto tempo e sob tantos ângulos que, finalmente, por meio de um caso individual acidental, iluminava-se alguma questão maior do pensamento e da existência que, até então, não ocupava o centro dos debates de uma época (MIGLIEVICH RIBEIRO, 1998.). “Ideologia e Utopia é, na parte em que proponho concentrar-me, um ensaio em oposição ao que se entende por tratamento sistemático de um objeto do conhecimento, confirmando a opção metodológica mannheimiana de se deixar perceber em suas dúvidas, apostas, ambigüidades:

(...) o pensador sistemático oculta cuidadosamente suas contradições, tanto para si mesmo como para seus leitores. Enquanto para o sistematizador as contradições constituem uma fonte de desconcerto, o pensador experimental nelas percebe pontos de partida, em que o caráter fundamentalmente polêmico de nossa situação atual torna-se, pela primeira vez, realmente aberto ao diagnóstico e à investigação (MANNHEIM, 1986, p.78).

Gláucia Villas Boas (2002), ao estudar a recepção das idéias de Mannheim entre sociólogos alemães, norte-americanos e brasileiros, corrobora o fato dos escritos do teórico terem sido marcados por oscilações que permitiram até que seus intérpretes identificassem "dois" Mannheim.

Não se nega que nas traduções para outros idiomas, na perspectiva da "recepção das idéias", tende-se a valorizar aspectos da obra de um autor e a secundarizar outros. Entre a tradição alemã e a tradição anglo-saxã, há diferenças que não podem ser ocultadas. O grande apresentador de Karl Mannheim aos círculos intelectuais de língua não-germânica, Louis Wirth, aproxima-o do pragmatismo anglo-saxão, ao defender que os problemas relativos à eficácia das idéias na esfera pública e da ação política tornaram-se problemas não exclusivamente alemães, mas universais, enfrentados pelo homem moderno. Wirth não hesita em aproximar as influências de Kant (1724-1804), Marx e Weber de Mannheim ao pensamento de James, Pierce, Dewey e Mead naquilo que era "lido" como a centralidade do debate em "Ideologia e Utopia", o tema da "objetividade". 

Em pouco tempo, o "Mannheim da Escola de Chicago" não mais dialogava com o "Mannheim da tradição alemã". De outra feita, sua recepção na Escola de Frankfurt foi completamente distinta e seu conceito de ideologia duramente criticado, sobretudo por Horkheimer (1895-1973) e Adorno (1903-1969) que reclamam a ausência de uma "teoria geral explicativa dos processos históricos que leve em conta as contradições sociais" (VILLAS BOAS, 2002).

A autora recusa a idéia de "dois" Mannheim - o da tradição alemã e o da tradição anglo-saxã - optando por estudar as recepções de Mannheim em distintos contextos nacionais, onde inclui o Brasil, onde sua leitura é ainda bastante diversa das anteriores. Partilha, sim, a percepção de que as propostas mannheimianas sobre a relação entre "pensamento" e "ser", da qual pretendo tratar apenas sumariamente, bem como seu indefinido conceito de "esferas do pensamento" e, não por acaso, seu exame dos intelectuais, causaram mal-estar e provocaram discórdia, a princípio, entre os próprios críticos alemães, incomodados por não reconhecer no autor de "Ideologia e Utopia"  filiação a alguma vertente de pensamento (VILLAS BOAS, 2002, p.126-8).

Villas Boas atenta para o "mundo em crise" que Mannheim propunha pensar bem como suas conseqüências morais. A autora indica que, em um só tempo, Mannheim argumentava contra o historicismo conservador, o pensamento burocrático conservador, o liberalismo burguês, o socialismo e o comunismo, o fascismo. Suas teses implicavam na legitimação de um grupo específico a fazer a "síntese" das mais diversas tendências que agitavam o mundo político, a saber, os intelectuais.

Suas proposições sobre a origem e validade das idéias agitaram os meios intelectuais europeus e americanos, antes e depois da II Guerra Mundial. A morte em Londres, em 1947, aos 54 anos de idade, não interrompeu o impacto de suas idéias. Mannheim continuou sendo lido por gerações de intelectuais e sociólogos, estimulando um debate intenso sobre a verdade, a neutralidade, a objetividade, o papel dos intelectuais e o controle das diferentes esferas da vida social (VILLAS BOAS, 2002, p.125).

As armadilhas intelectuais em que Mannheim teria supostamente caído, segundo um de seus alunos, Norbert Elias (2001, p.114-121), nesta análise, são o método mesmo de Karl Mannheim de examinar um mundo em crise, concebendo o conhecimento como intimamente vinculado à crise que pretende compreender.

Uma breve abordagem de "Ideologia e Utopia"

Em “Ideologia e Utopia (1986), Mannheim atentou para a relação-chave de sua proposta, a saber, aquela entre conhecimento e existência. O conhecimento tem sua base precisamente em condicionantes sociais e históricos; é, portanto, um elemento que não se pode tomar de modo desvinculado da esfera social na qual emerge e de seus produtores.

Aí está a idéia de "perspectiva", que se baseia na situação histórico-social em que se encontra este ou aquele produtor de determinado conhecimento, porém sempre coletivamente substanciado. É necessário ressaltar que, em Mannheim, a análise de uma idéia individual sociologicamente relevante tem de passar pela observação de sua origem social. Este é um ponto fundamental aqui.

Os aspectos relacional e perspectivista são dois pilares da sociologia do conhecimento mannheimiana; são, como o próprio procurou demonstrar, precondições para a feitura da sociologia do conhecimento. O retorno analítico à base das idéias, originariamente do lugar e/ou posição social que dão sentido às mesmas, é tarefa daquele que procura a análise do conhecimento válido sociologicamente.

A base de todo conhecimento produzido tem como ponto de partida, e sendo assim, fator explicativo, o grupo social específico daquele que produz o conhecimento. Desta forma, Mannheim procura romper com o método de análise da história das idéias descolado do processo social (Hegel), o qual fornece sentido e substância. Em última instância, os processos sociais exercem influência sobre o processo de produção de conhecimento.

Em nossos dias, já parece estar perfeitamente claro o fato que o antigo método da história intelectual, orientado para a concepção a priori de que as mudanças de devessem ser entendidas ao nível das idéias (história intelectual imanente), bloqueava o reconhecimento da penetração do processo social na esfera intelectual (MANNHEIM, 1986, p. 289).

Chegamos, assim, ao ponto do pensamento mannheimiano que nos interessa aqui, na medida em que o processo histórico social exerce influência fundamental sobre a produção de conhecimento. Como as transformações histórico-sociais podem ter indicado novos rumos e caminhos do conhecimento?

A relação entre pensamento e realidade histórico-social ganha, em Mannheim, duas configurações psicossociais, que se contornam de acordo com o grau de tensão da referida relação: estamos falando de ideologia e utopia. Ambas as noções vão de encontro à existência historicamente determinada, ou no mínimo, tem-na como parâmetro configurador, na medida em que são transcendentes à própria existência social. Ideologias e utopias são, antes de tudo, para Mannheim, estados de espírito, sejam individualmente ou coletivamente determinados (principalmente no caso de ideologias), porém a transcendência destes estados de espírito têm fins de realização distintos.

As ideologias são idéias situacionalmente transcendentes que jamais conseguem de facto a realização de seus conteúdos pretendidos. Embora se tornem com freqüência motivos bem intencionados para a conduta subjetiva do indivíduo, seus significados, quando incorporados efetivamente à prática, são, na maior parte dos casos, deformados (MANNHEIM, 1986, p.218).

O escopo ideológico enquanto mentalidade constituída pode ser encontrado, segundo Mannheim, de forma parcial (ou individual) e coletiva (ou de grupo). A primeira diz respeito a ideologias individuais, que por assim serem, acabam tendo interferência em intensidade na realidade histórico-social, é a chamada concepção parcial de ideologia, realizada no nível psicológico. A concepção parcial de ideologia que possui efeito coletivo (e justamente por isso tem importância sociológica) refere-se, em Mannheim, a grupos sociais historicamente conformados, como a “classe”, por exemplo.

A última e a mais importante etapa de criação da concepção total de ideologia surgiu igualmente do processo histórico-social. Quando a “classe” tomou o lugar do “folk” ou da nação, como portadora da consciência historicamente em evolução, aquela mesma tradição teórica, o que já nos referimos, absorveu a noção de que  a estrutura da sociedade e suas formas intelectuais correspondentes variam com as relações entre as classes sociais (MANNHEIM, 1986, p.94).

Quer o conceito de ideologia particular, quer o total, como relevantes na construção do conhecimento, já traduziam um ataque frontal ao iluminismo. Francis Bacon (1561-1626), num dos mais claros enunciados da atitude iluminista em relação à razão humana, afirma: "A formação de noções e axiomas com base na verdade indução é o único remédio adequado à prevenção e expulsão desses ídolos" (Apud. HEKMAN, 1999, p.19).  Kant, em nítida oposição ao método indutivo, defendia, não menos, o ambicioso programa iluminista de emergência dos seres humanos da tutela auto-imposta da irrazão, isto é, da superstição, do preconceito, da ilusão.

O Iluminismo vinha propor as verdades eternas da natureza humana contra os preconceitos históricos e culturais. Mas, nisto, defendiam o conhecimento "puro” , como o objetivo da investigação quer nas ciências sociais, quer nas ciências naturais. Contra isto, a sociologia do conhecimento mannheimiana insurgia-se e propunha como tarefa inadiável explorar o modo como os fatores históricos e culturais moldavam o pensamento dos seres humanos. 

O colapso da "visão unitária do mundo", com a destruição do monopólio da interpretação eclesiástica do mundo, não caberia ser substituído por um novo "ponto de Arquimedes de objetividade" que negasse as circunstâncias históricas particulares. Tratava-se de defender uma "forma desmascarada do pensamento" pautada na reflexividade do conhecimento, ou seja, na análise das condições de sua própria emergência propiciada pela sociologia do conhecimento.

Mais especificamente, ele (Mannheim) defende que quatro fatores foram instrumentais (para o "desmascaramento" do pensamento): o primeiro, a auto-relativização do pensamento e do conhecimento; o segundo, o surgimento da forma 'desmascarada' da mente; o terceiro, o aparecimento de um sistema de referência, a esfera social, no qual o pensamento se pode conceber como relativo; e o quarto, a aspiração a tornar esta relativização social total (HEKMAN, 1990, p. 99. Os parênteses são nossos).

Nada mais coerente do que tais ambições nascerem na época moderna, ou modernidade, um período de mudanças na forma e conteúdo do pensamento e conhecimento humanos justamente por ter como moldura tempos de efervescência histórica. A modernidade inaugura, sem precedentes, um tempo de consciência social, consciência esta que será base do pensamento e ação, coletivamente determinados e historicamente direcionados. "Nossa época caracteriza-se não só por uma crescente autoconsciência como também por nossa capacidade de determinar a natureza concreta dessa consciência: vivemos um tempo de existência social consciente" (MANNHEIM, 1974, p.73).

A percepção do novo e fundamental papel a ser exercido pela autoconsciência faz com que Mannheim veja que, no conhecimento social e político, a perspectiva do observador é, necessariamente, dotada de um elemento valorativo inextirpável, o qual não pode remover-se. A ciência da política incorpora assim a inevitabilidade da ideologia. A posição do investigador é tão determinada historicamente quanto à do investigado.

Villas Boas (2002, p.126) ratifica que a relação entre pensamento e ser traduziu-se de várias maneiras, dentre elas, como a relação entre modos de pensar e grupos de interesse, posição social, classes sociais, existência social, partidos, seitas e gerações de maneira que não é equivocado acusar Mannheim de uma indefinição do que chamou Seinsgebundenheit des Denkens ou Seinsverbundenheit des Denkens ou ainda Standortgebundenheit des Denkens, todas traduzidas como "ligação do pensamento com o ser".

Aceitando, em parte, a crítica dos seguidores de Robert Merton (1919-2003) a Mannheim, a autora admite o caráter polissêmico da relação entre conhecimento e existência que teria permitido interpretar a idéia de "existência" como posição social, interesses, perspectiva a partir de dada posição social, pré-condições sócio-estruturais, por exemplo. Também constata a dúvida persistente em torno do caráter de determinação ou não do pensamento pelo ser. Entretanto, enfatiza que tais debates eram mais comuns do que seus receptadores parecem atentar. Marx (1818-1883) já revolucionara o mundo das idéias afirmando a determinação da consciência pelo ser; Lukács (1885-1970), do círculo de Mannheim em Budapeste, tratara do tema sob os ecos de Dilthey (1833-1911).

Mannheim, não ingenuamente, advertira para o equívoco de qualquer leitura mecanicista de sua sociologia do conhecimento, descrevia os processos sociais em suas contradições e indefinições, alertara para a necessidade de pesquisas empíricas a demonstrar as correlações entre pensamento e ser. Mas, aos críticos, pareceu mais confortável apontar apenas suas incoerências.

Não à toa, podemos afirmar: a concepção total da ideologia, segundo Mannheim, refletia um espírito de época (Zeitgeist), que tornava possível a passagem da concepção parcial à total, sobretudo por meio da evolução da consciência, de uma consciência individual para uma (auto) consciência de grupo. Mas, num tempo de crise moral e política, Mannheim se negava a creditar o conhecimento verdadeiro a uma única corrente de pensamento, tanto que criticou e foi criticado por todas de seu tempo.

Mas seu ponto fundamental aqui é o da análise de uma concepção total de ideologia (teoria da ideologia) pela sociologia do conhecimento a ponto de por causa disso, se constituir a síntese.

Com a emergência da formulação genérica da concepção total de ideologia, a teoria simples da ideologia evolui para a Sociologia do Conhecimento. O que anteriormente constituía o arsenal intelectual de uma das partes se transformou em um método de pesquisa da história intelectual e social em geral. A princípio, um dado grupo social descobre a “determinação situacional ” (Seinsgebundenheit)  das idéias de seus opositores. A seguir, elabora-se o reconhecimento deste fato em um princípio inclusivo, de acordo com o qual o pensamento de cada grupo é visto como surgindo de suas condições de vida. Assim, torna-se a tarefa da história sociológica do pensamento analisar, sem considerar tendências partidárias, todos os fatores da situação da situação social efetivamente existente que passam influenciar o pensamento (MANNHEIM, 1986, p. 104).

Eis sua proposta de síntese: reconhecer a relatividade dos pontos de vista e transcendê-la. Nada garantiria para ele, contudo, a validade da síntese, apenas sua exeqüibilidade. Afirmava que o máximo que poderíamos antecipar era que a sociologia do conhecimento viesse a ultrapassar a 'conversa mútua' dos vários grupos revelando as fontes da discordância parcial entre eles, mas atingisse o exame das bases sociais do conhecimento a fim de justapor os vários pontos de vista diferentes que prevalecem na atualidade. Influenciado por distintas correntes de pensamento da tradição alemã, Hekman chama atenção para o fato de que:

O resultado (síntese) é um 'novo tipo de objetividade' atingível apenas através 'da consciência crítica e do controle' das avaliações. Isto equivale a um ponto de vista muito weberiano. Mannheim afirma que, ao assimilar perspectivas particulares, emerge um conjunto compreensivo, o qual se edifica a partir dos pontos de vista particulares e não a partir da 'objetividade' de qualquer um deles (HEKMAN, 1990, p. 102. Os parênteses são nossos).

Curiosamente, o conceito de utopia é bem menos importante do que o de ideologia na obra de Mannheim. Sobre a mentalidade utópica, o teórico afirma que:

As utopias também transcendem a situação social, pois também orientam a conduta para elementos que a situação, tanto quanto se apresente em dada época, não contém. Mas não são ideologias, isto é, não são ideologias na medida e até o ponto em que conseguem, através da contra-atividade transformar a realidade histórica existente em outra atividade, mas de acordo com suas próprias concepções (MANNHEIM, 1986, p. 219).

Utopia conforma-se como um parâmetro de análise e de intervenção da realidade histórico-social concreta, de maneira paralela à própria realidade. Realiza-se de forma integral no plano do pensamento, jamais na realidade determinada. As utopias apresentam fins que não podem se realizar em situações sociais existentes, logo, falham na transformação da realidade de acordo com os seus objetivos.

Não há "dois" Mannheim como em algum momento se entendeu. O propositor da sociologia do conhecimento como instrumento de realização da "síntese de perspectivas" mediante o exame das ideologias particulares e de suas bases de constituição é o mesmo que propõe o planejamento democrático. Aqui se pode entender melhor a recepção pela perspectiva pragmática da filosofia norte-americana bem como as severas críticas de Horkheimer e Adorno, também antes destas, de Lukács, à "inadequada" interpretação mannheimiana do instrumental marxista onde a luta de classes, a esfera econômica da vida na determinação das ideologias desaparecem em seu intento de conciliar tendências diversas (VILLAS BOAS, 2002, p.137).

O que é importante nestas definições é que Mannheim especifica que ambos os conceitos - ideologia e utopia - contêm "o teste imperativo com a realidade" (...). Contrariando alguns de seus críticos, o teste com "uma realidade concreta histórica e socialmente determinada, que está num constante processo de mudança" (HEKMAN, 1999).

Desejar transcender as ideologias sem recair na utopia, realizar, pois a síntese exigia que Mannheim desse um passo à frente, ou seja, definisse e atribuísse autoridade ao sujeito capacitado a fazer a síntese das mais diversas tendências que agitavam o mundo político. Conclama, para isso, os intelectuais; dedica-se, pois, a defini-los sociologicamente.

A Intelligentsia mannheimiana em "Sociologia da Cultura": algumas notas

Em “Sociologia da Cultura” (1974), Mannheim busca traçar uma tipologia da Intelligentsia no devir histórico e para tanto situa na época moderna o salto qualitativo da forma organizacional da Intelligentsia como grupo social específico. Apóia-se em dois pontos básicos na fundamentação do argumento sobre o "novo sentido" da Intelligentsia ou de seu "sentido moderno". O primeiro refere-se à consolidação e êxito do mercado livre como instituição a direcionar a conduta social, sendo a ação no mercado aquela estritamente consciente referida por mudanças intensas, suplantando modos de agir, tradicionais e mitológicos. O segundo ponto, ao qual o autor fornece maior atenção, é a relevância da educação moderna como suporte formativo do indivíduo moderno e pressuposto social para a noção de grupo e para o alcance de sua autoconsciência. "O segundo fator que favorece a consciência de grupo é a moderna prática de educar uma pessoa numa atmosfera socialmente neutra cuja inexistência no tipo tradicional de educação inibia o surgimento de uma orientação grupal nova e independente." (MANNHEIM, 1974, p.76). 

A educação moderna surge para Mannheim como condicionante social para novas conformações sociais. A Intelligentsia desfruta dessa base moderna de acesso ao conhecimento amplo porque percebido sob todos os ângulos e matizes, isto é, perpassando ideologias.

A base mannheimiana de explicação da Intelligentsia como grupo social específico remete-nos à concepção de Alfred Weber (1868-1958) de "Intelligentsia socialmente desvinculada" ou "Intelligentsia livremente flutuante" (Freischwebende Intelligenz). Com esta noção, Alfred Weber "(...) partia do princípio segundo o qual a cultura é certamente criada pelo homem, e, por conseguinte, deve ser sempre interpretada em função da situação dos homens na sociedade”.(Apud. ELIAS, 2001, p.114). Neste caso, os intelectuais são tomados como um estrato social aberto não constituindo desta forma uma classe social determinada.

Há de se esclarecer que a idéia do intelectual "desenraizado" não indica a ausência de interesses de classe. A classe e o estatuto não se tornam completamente irrelevantes para este grupo, mas, o fato de que os modernos intelectuais, ao invés dos seus correspondentes eclesiásticos, não serem mais recrutados numa classe única com interesses definidos já os coloca historicamente numa posição ímpar. Trata-se, pois, do surgimento de uma classe relativamente desligada do processo econômico. A Intelligentsia reúne em si diversas origens sócio-econômicas, o que demonstraria sua heterogeneidade enquanto grupo social.

Sem dúvida, ocorre que em grande parte de nossos intelectuais provém dos estratos rentistas, cujos rendimentos derivam direta ou indiretamente de aluguéis e juros sobre investimentos. Mas, nesse caso, certos grupos de funcionários e das chamadas profissões liberais seriam igualmente membros da Intelligentsia. Entretanto, um exame mais próximo da base social destes estratos mostrará que são menos claramente identificados no processo econômico (MANNHEIM, 1974, p. 76).

O critério sociológico relevante para a análise da conformação de uma Intelligentsia é, para Mannheim, a presença da educação na formação do indivíduo, sendo princípio norteador da autoconsciência de grupo. A educação está ligada ao rompimento do monopólio do saber que na modernidade emerge e, assim sendo, abre a "caixa preta" do conhecimento àqueles que estariam situados socialmente distantes do seu acesso.

Nísia Trindade Lima (1999) chama atenção para o fato de que a socialização nas instituições especializadas de conhecimento passa a desempenhar papel central no processo de construção da identidade dos intelectuais na sociedade moderna e no que o autor denominou como uma produção artística singular e estilos de pensamento próprios. Adverte-nos ainda para o significado, segundo Mannheim, da atividade intelectual num mundo em que se rompera o monopólio do saber e se democratizava o acesso ao conhecimento.

Dito de outro modo, o que está posto de modo mais fluido na modernidade para Mannheim é o antigo monopólio da interpretação do mundo outrora nas mãos do clero, e, agora, passando para uma dimensão laica e pública onde os interesses de classe e outros podem ser explicitados e confrontados. “A evolução do saber e da educação ultrapassa um marco de incomparável significação quando os leigos rompem e usurpam o monopólio sacerdotal da interpretação pública.” (MANNHEIM, 1974, p.97).

Assim sendo, a produção de conhecimento e sua base social ganha o sentido que é típico da modernidade: a laicização do saber e a emergência da relevância da coisa pública como critérios da configuração social moderna. Em que medida, então, surge na modernidade um novo tipo de intelectual, voltado para questões mais gerais? Como definir o “intelectual mannheimiano”?

Mannheim afirma que o sentido peculiar do intelectual contemporâneo ou moderno relaciona-se às condições histórico-sociais, também, singulares na história da humanidade, nas quais tal identidade nasce. Os critérios do individualismo moderno e da autonomia são a base para se entender a viabilidade de um projeto individual de adesão ao conhecimento científico como princípio de conduta e diretriz de sociabilidade que tende a superar, em certa medida e em alguns casos, as limitações dos grupos, estratos ou classes de origem.

Também na modernidade, onde nasce a Intelligentsia, nasce a sociologia do conhecimento. O papel da sociologia como "saber total e universal" está para Mannheim no centro da cena intelectual moderna, e por assim ser, baliza as preocupações intelectuais de realizar a síntese das múltiplas perspectivas mediante um exame rigoroso das ideologias em embate e, como se disse, de constante auto-reflexão acerca das próprias. “O intelectual moderno que sucedeu ao escolástico não pretende reconciliar ou ignorar as visões na ordem de coisas ao seu redor, mas procura identificar as tensões e participar das polaridades de sua sociedade.” (MANNHEIM, 1974, p.92).

A configuração da Intelligentsia é, antes, para Mannheim, uma ação politicamente direcionada, não isenta valorativamente; é, portanto, "lugar social" onde seus participantes expõem seus engajamentos de classe ainda que em outro patamar - o da vontade - sem lograr transformá-lo em estrato socialmente superior.

Ainda que Mannheim afirme a posição única nas interações sociais que fornece aos intelectuais a oportunidade de formular a síntese dos diversos pontos de vista representados no mundo moderno, nem por isso afirma que a síntese produzida será necessariamente válida. Supõe intelectuais conscientes da sua situação única e da missão nela implícita: o empenho na síntese, mas não ignora, na relação entre conhecimento e existência, sua tensão mais aguda: ainda que no ideal do posicionamento "neutro" frente a um mundo de interesses e ideologias necessariamente parciais, não é o lugar do intelectual igualmente parcial? Mais fidedignamente às palavras de Mannheim: “Como atingir e levar a cabo decisões incondicionais em face de uma existência condicionada?” (1974, p.70).

O retorno às origens, isto é, aos engajamentos de classe não é a saída para a crise do intelectual moderno segundo Mannheim. Este opta por reafirmar a "identidade missionária" do novo intelectual, potencialmente capacitado, nas atuais condições sociais, a se voltar para objetivos universais, transclassistas (não supra-classistas).

Devemos a possibilidade de interpretação mútua e compreensão das correntes de pensamento existentes à presença desse estrato médio relativamente desvinculado que se encontra aberto ao ingresso constante de indivíduos das mais diversas classes e grupos sociais, com todos os pontos de vista possíveis. Só nessas condições pode surgir a síntese incessantemente nova e ampla a que nos referimos (MANNHEIM, 1986, p. 186).

A proposta mannheimiana é marcadamente moderna e somente nesta época poderia ser levada a cabo. Vincula-se às descrições da hegemonia da ciência e da técnica que, para Mannheim não traz o significado negativo da Escola de Frankfurt em sua denúncia da reificação da vida e dos sentidos, mas é condição de sua desejada planificação democrática da sociedade que entendia em processo de construção. Certamente, afasta-se de Marx nas conseqüências dessa tomada de consciência total do momento histórico. A aposta mannheimiana está na construção de um novo ethos societário a partir da síntese do realmente existente.

Mannheim rejeita o intelectual conservador que não se coloca como portador da síntese e, assim, apenas corrobora o status quo, mas, em igual medida, nega o utopista. Neste ponto, é interessante pensar o intelectual mannheimiano em diálogo com os casos-limite (extremos) que Norberto Bobbio cuida de construir.

Bobbio, em “Intelectuais e o Poder (1997), toca questões caras à temática do intelectual ao apontar os dois casos-limite de intelectuais: o primeiro seria o "utopista" (também chamado de "idealista") voltado para conformações de ideologias e de sua eficácia, e o segundo seria o "puro", aquele embrenhado no mundo técnico e perito do conhecimento moderno. Os modelos ajudam Bobbio a refletir acerca de algumas questões.

O utopista é aquele que, ficando inteiramente preso ao fim, descuida dos meios, o puro técnico é aquele que, prendendo-se inteiramente aos meios descuida do fim. Mas do mesmo modo que geralmente em uma disputa ideológica o discurso sobre os fins não está separado do discurso sobre os meios em uma discussão técnica, o problema dos meios geralmente não está separado da discussão sobre os fins (BOBBIO, 1997, p.74).

Ao rejeitar o intelectual utopista parece que Bobbio deseja referir-se ao intelectual mannheimiano, o que seria um engano decisivo. Mannheim jamais propôs que a intelligentsia pudesse aparecer "pairando acima das classes contrapostas" (BOBBIO, 1997, p.130), mas observou sua localização entre as classes, num lugar social diferenciado, assumindo um papel específico na época moderna.

Não por acaso, em "Homem e sociedade numa era de reconstrução social" (1935), Mannheim reafirmou sua percepção das mudanças históricas e democratizantes que propiciou um novo princípio de seleção dos integrantes do estrato intelectual, insistindo que a composição social mais aberta e diferenciada facultava a estes assumir o papel de "mediadores" entre os diversos grupos e camadas a fim de "fazer o exame dos principia media" e planejar a reconstrução da sociedade mediante formas de controle racional (VILLAS BOAS, 2002, p.128).

Bobbio sustenta que a concepção de intelectual oposta a de Mannheim era a do intelectual orgânico de Gramsci que, de maneira genérica, contrapõe-se ao intelectual tradicional - que também é orgânico - e representa na luta pela hegemonia os interesses de sua classe. Assim, o intelectual orgânico gramsciano como "organizador da cultura" tem seu lugar privilegiado no Partido Revolucionário onde realiza plenamente seu engajamento intelectual na defesa da causa proletária. Para Bobbio,

Mannheim se encontraria sobre a linha que parte da separação entre engajamento intelectual e engajamento político, embora não excluísse o interesse ativo dos intelectuais pelos problemas da cidade, que, ainda não fosse a cidade de Deus, era, porém sempre uma cidade ideal, que devia ser projetada sem ilusões de uma completa e rápida realização. Gramsci, ao contrário, continuava, embora com espírito crítico, a linha de identidade entre engajamento político e engajamento cultural que havia caracterizado a história dos intelectuais revolucionários (BOBBIO, 1997, p.130).

A principal diferença para Bobbio entre as duas concepções reside num ponto: enquanto o engajamento político constitui o intelectual gramsciano, ligado diretamente ao partido (o "intelectual coletivo"), para Mannheim, a associação de intelectuais a partidos restringe sua visão e concepção de mundo mais amplas. A participação política do intelectual mannheimiano está em sua capacidade de prover meios de interpretação e explicação do mundo para o processo de mudança social [2].

Considerações finais

A razão historicamente condicionada enquanto base de um pensamento desmistificador, direcionado para questões efetivas da realidade social, tende a ocupar um lugar fundamental no esquema do pensamento moderno, notadamente, sociológico que justifica a figura do intelectual como “missão”. Não sem razão, Bobbio pondera que, na busca da eficácia da razão no uso público da mesma, os intelectuais modernos acabam se descuidando dos “meios universais” para a realização de "suas idéias", embrenhando-se na máquina estatal - Poder Público - e desta fazendo um uso antiético para o sucesso de seus empreendimentos políticos e particularistas. Em Bobbio, a tensão entre intelectuais e poder político é digna de menção:

De fato, o principal antagonista do intelectual revolucionário é aquele que, por excesso de amor aos ideais abstratos de verdade e de justiça, não deseja “sujar as mãos” (...) assim como o maior adversário do intelectual puro é aquele que, por excessivo amor ao sucesso das próprias idéias, termina por prostrar-se ao demônio do poder (BOBBIO, 1997, p.125).

Horácio Gonzalez (2001), procurando sistematizar tipologias de intelectuais, recepciona o pensamento de Mannheim de modo a enfatizar a idéia do "intelectual precursor" aquele que "(...), todavia, resulta num cativante problema, que focaliza a relação do conhecimento com as bases sociais que sustentam qualquer forma de compreensão da realidade." (2001, p.86). Extrai, portanto, da obra mannheimiana, em sua crítica à "objetividade" postulada pelo Iluminismo e em sua defesa do conhecimento relacional,  a legitimação do "intelectual público" como intérprete por excelência do mundo, aquele que logra realizar o nexo explicativo entre a sua consciência (ou autoconsciência) e a realidade social na qual está imerso. É o que Gonzalez identifica como "portadores de percepção histórica" sui generis, que na tradução mais fidedigna de Mannheim, são os "portadores da síntese".

O pensamento de Mannheim sobre os intelectuais nos direciona questões que são de sobremaneira atuais. Primeiro, a observação de quais atores sociais levam à cabo um processo de mudança social, no caso, os intelectuais. Segundo, a reafirmação do papel destes na transformação histórica, sobretudo no fomento de idéias para empreendimentos públicos e universais. O esquecimento da contribuição de Mannheim, ou a simples interpretação enviezada de sua obra como vimos, concorre para a afirmação de um tipo intelectual desconectado do senso de mudança social, aquele que se furta a fornecer a base epistemológica que a sua posição social condiciona em um processo de mudança. A "missão" que ainda nos cabe é a consciência (ou autoconsciência) de que o grau de acirramento das transformações históricas pode ser percebido e potencializado se levarmos a cabo o papel clássico de produção e difusão de um conhecimento que tenha como meta a superação de condições sociais desfavoráveis à própria democratização do conhecimento.

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Referências Bibliográficas

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ELIAS, Norbert. Norbert Elias por ele mesmo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

FORACCHI, Marialice Mencarini.(Org.). Mannheim. Sociologia. São Paulo: Ática, 1982.

GONZALEZ, Horácio. O que são intelectuais? São Paulo: Brasiliense, 2001. HEKMAN, Susan J. Hermenêutica e sociologia do conhecimento. Lisboa: Ed. 70, 1990.

LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil. Intelectuais e representação geográfica da identidade nacional. Rio de Janeiro: Revan; IUPERJ; UCAM, 1999.

MANNHEIM, Karl. Sociologia da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1974.

______ . Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

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VILLAS BOAS, Gláucia. Os portadores da síntese: sobre a recepção de Karl Mannheim. Cadernos CERU, série 2, n°13, 2002.

[1] Hans-Georg Gadamer em "Verdade e Método" (1975) define a hermenêutica como a exploração filosófica do caráter e das condições fundamentais de toda a compreensão, bem mais do que a realização de investigações metodológicas no domínio de uma única disciplina, propondo a superação entre as preocupações mais gerais e aquelas ditas mais "objetivas". Ainda assim, alguns de seus intérpretes insistem que Gadamer realiza uma "hermenêutica filosófica" em oposição aos então representantes da hermenêutica "objetiva". Efetivamente, Gadamer não se propõe a uma hermenêutica das ciências humanas ou contrariaria sua idéia mais próxima a de uma "teoria geral da interpretação". É conhecida sua tese acerca da "fusão de horizontes", entendendo horizonte como o fizeram Nietzsche (1844-1900) e Husserl (1859-1938), isto é, como "extensão da vida que inclui tudo o que se pode ver de um ponto de vista particularmente vantajoso".  Defende que o horizonte daquele que conhece e daquele que é conhecido supõe necessariamente um "horizonte histórico" e rejeita em caráter definitivo o ponto arquimédico de objetividade. Para Gadamer, a objetividade não apenas é impossível de se realizar como implica uma auto-alienação, a antítese da auto-reflexividade. Cf. HEKMAN, 1990.

[2] Ainda que Mannheim tenha se oposto ao iluminismo sem, contudo, aderir ao relativismo radical, em sua sociologia do conhecimento, base para ação do intelectual, sua teoria é passível de recepções tais quais a que é feita por Bobbio e, também, por grande parte dos sociólogos brasileiros que passam a entender a sociologia do conhecimento como um procedimento iluminista contra as várias manifestações de "irracionalidade". Todo cuidado é pouco neste item, afinal, a aposta na razão que justifica, na modernidade periférica, a "missão civilizatória" do intelectual e o eleva à condição de liderança carismática inexiste na proposta mannheimiana onde a razão celebra o advento da "racionalidade funcional" que se aproxima da noção weberiana de "racionalidade ligada a fins". Mas é também a adesão à razão que faz de Mannheim motivo de crítica de Adorno que, ao contrário daquele, identifica na irracionalidade (e na libido) seu potencial destruidor, mas também criador. Cf. Miglievich Ribeiro, 1993, p. 11.

 

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Publicada em 21.12.06 - Última atualização: 12 dezembro, 2006.