Ano I - Nº 01 - Maio de 2001 - Bimensal - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178
As
Crianças Precisam de Filosofia?
As crianças precisam de filosofia? Não. É claro que
não. Platão, que sabia das coisas ¾ sabia tanto que inventou
essa conversa que hoje chamamos de filosofia ¾ queria ver os bípedes sem
penas envolvidos com filosofia somente após os trinta anos de idade. E dizia,
não sem argumentos, que nem todos os bípedes sem penas, mesmo após os trinta
anos de idade, estariam aptos a estudar filosofia.
É claro que em muitos sistemas de ensino, hoje em
dia, no mundo todo, se estuda filosofia bem antes dos trinta anos de idade.
Aliás, se os filósofos que conhecemos, desde o tempo de Platão até hoje,
tivessem seguido seu conselho, provavelmente nós não os conheceríamos como
filósofos. A maioria deles começou cedo a ler filosofia. Alguns leram muito,
outros leram pouco. Mas que a maioria leu filosofia bem jovem, isso é uma
verdade.
Todavia, Platão continua certo. Criança precisa de
um bocado de coisa, mas filosofia é realmente a última coisa que eu pensaria em
dar a um filho pequeno. Se houvesse na escola do meu filho de sete anos algo
chamado “filosofia para criança”, fosse o que fosse, eu o colocava em outra
escola. Filosofia, ao contrário do que os filósofos fizeram, mas de acordo com
que Platão queria, não é coisa de criança. Nem de nem para nem pela
criança.
Criança pode jogar bola. Bola e criança foram feitas
uma para a outra. Criança pode ter um animal. Cachorro e criança foram feitos
um para o outro. Criança pode também ter um carrinho. Criança e carrinho
combinam. Criança pode ter bichos de pelúcia e bonecas. Tais coisas são de
criança. Filosofia, não.
Criança não deve trabalhar, embora deva conhecer o
que é o dever, o serviço; conhecer ¾ conhecer muito bem. Mas
onde há um serviço que tenha a ver com filosofia, criança não deve entrar.
Violência, pornografia, drogas e filosofia: essas quatro coisas não combinam
com criança.
Quem lida no Brasil com filosofia, criança e ensino,
juntando tudo, junta criança com droga, pornografia e violência. Deveria estar
na cadeia. Eu sei disso. Platão, para felicidade dele, não viu o Brasil e nem
soube da existência de uma febre de “filosofia para crianças” e “ensino de
filosofia”.
Criança pode ir para a escola. Todo mundo acha hoje
que criança deve ir para a escola. Eu também. Criança não combina com
geografia, matemática, história, química, línguas etc., mas aos poucos ela vai
combinando. Aos poucos criança vai fazendo continhas e logo podemos dizer que a
matemática é uma festa para uma criança motivada a pensar. Criança também lê
histórias e quando a gente menos espera elas podem nos parecer literatas,
geógrafas, historiadoras e comediantes. Nada há de insalubre nisso, contanto
que no meio disso não tenhamos ninguém falando de filosofia! Droga, sexo
pornográfico, violência e filosofia: tire seu filho ou filha disso o quanto
antes. Siga Platão, ele sabia das coisas ¾ principalmente dessa coisa
de filosofia.
Se seu filho está conversando de futebol, é bom
sinal. Se sua filha está falando para uma amiga que acha a nova coleção de
bonecas do momento “uma graça”, isto é ótimo. Se seu filho trouxe para casa um
gatinho molhado, acolha e incentive-o a proteger os animais. Se sua filha gosta
das novelas da TV, assista junto. Se seu filho acha que há bons filmes na
madrugada, acompanhe o jovem. Se seu guri acha que você deve trabalhar mais
para lhe dar um computador, não titubeie, trabalhe ¾ ele merece! Se sua filha conseguiu um bom
lugar nos exames, nem pergunte: de acordo com suas posses, compre um presente.
Mas se você os ver conversando seriamente com alguém que diz que lida com
filosofia, e que filosofia é algo bom para as crianças, corte tal relação. Se
for um parente, evite a pessoa. Se for um amigo seu, arrume outras amizades. Se
for um colega de seu filho, fale com o pai dele sobre o que Platão dizia, pois
Platão sabia das coisas ¾ principalmente desse
negócio de filosofia. Filosofia de um lado, seus filhos de outro. Preserve suas
crianças.
Algumas crianças se interessam em imitar super
heróis. Isso é muito bom: compre histórias em quadrinhos. Se não puder gastar,
incentive-a a pegar na biblioteca da escola ou na biblioteca municipal. Outras
crianças preferem gibis cômicos, e não de super heróis. Não perca a
oportunidade de dar uma “Mônica” para um filho seu. Experimente Monteiro
Lobato. Quem sabe, depois, Machado de Assis. Isso vai colocando seu menino ou
sua menina longe de drogas, violência, sexo pornográfico e filosofia.
Se fizer isso, como eu estou falando, você poderá criar
um bom jovem e/ou uma boa jovem. E talvez um dia você, já mais velho, se pegue
conversando com eles sobre como Davidson achava, no final do século XX, que
se dá a relação entre linguagem e mundo, ou seja, através do que Rorty batizou
como a “triangulação de Davidson”. Será um prazer ter tal conversa com algum
filho seu, aquele que, sabe-se lá como, veio a ler livros de filosofia escondido
de você. Aquele que você conseguiu proteger dos que sabem “filosofia para
criança” e discutem “ensino de filosofia”. Mas se você os deixar expostos
aos que falam sobre “ensino de filosofia” e “filosofia para crianças”, ele
estará, uma vez mais velho, discutindo “ensino de filosofia” e “filosofia
para crianças”. E você o terá perdido para tudo que é droga, sexo pornográfico,
violência e pseudofilosofia.
* Porfessor Titular de Filosofia na Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus de Marília.