Ano I - Nº 01 - Maio de 2001 - Bimensal - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178
O
estranho mundo de “Erótica MTV”
Fábio Viana Ribeiro*
Apesar da idéia “honesta”, típica e ultra-batida da MTV, de “promover” um papo descontraído, desencanado, franco e despreconceituoso sobre um determinado assunto, a sensação é a de que ou os apresentadores ou quem está assistindo a coisa perdeu a noção da realidade... Por um lado, são escolhidas pessoas bonitinhas e gostosinhas (tanto entre platéia como entre apresentadores e convidados) para discutirem temas eventualmente “polêmicos” e que, não fosse o clima surrealista criado pela produção do programa, poderiam até chamar alguma atenção... Por outro, e contradizendo tudo isso, todos os assuntos são discutidos, até a exaustão, de forma “técnica” ou sustentados unicamente nos mais óbvios princípios do “politicamente correto” (do tipo: “ah, eu acho que não tem nada a ver, que é uma questão de escolha pessoal”; ou “em sexo tudo é permitido, desde que as duas pessoas estejam de acordo”; ou “claro, eu tentaria entendê-lo(a), porque, afinal de contas, não tem nada a ver a sua opção”; etc.). No final das contas fica a impressão de se estar assistindo a um programa do SENAC sobre sexualidade; tão técnico, tão postiço e tão distante tudo parece estar daquilo que todos conhecemos como sexualidade e relacionamentos. E que lá fica ilustrado apenas por conta da tal cama redonda, das perguntas e respostas “politicamente corretas” e dos tais figurantes bonitinhos.
Como alguém já disse a respeito de outro assunto, boa parte da programação da MTV (as outras emissoras são, quase todas, hors concours...) constitui um dos meios mais eficazes de promover a idiotização segmentada (a em massa fica por conta das outras emissoras). Talvez justamente por tentarem tão “sinceramente” aparentar não serem aquilo que justamente os tornam iguais a qualquer emissora “ligada ao sistema”. Como a credulidade humana parece não ter mesmo limite e o número de bobos do planeta cresce em proporções geométricas, haverá sempre público disponível para essas coisas e outras piores.
Em se tratando de uma emissora
voltada para o assunto música, a sinceridade dos apresentadores só é comparável
a daqueles vendedores de lojas de CD’s “alternativos”, para os quais, quando
perguntados sobre “se esse aqui é legal”, respondem infalivelmente que sim,
que é um de seus preferidos, um dos melhores trabalhos do grupo, etc... A
pergunta óbvia é: que mal há em se montar uma programação menos cínica e menos
postiçamente “simpática” que a utilizada por quase todas as emissoras (e,
de modo especial pela MTV, considerando que tenta ser ainda mais “simpática”
e “descomprometida” que todas as outras...)? Provavelmente isso
não seria possível em função do comprovado número de bobos que assistem
televisão, de modo a ser inviável fazer as coisas de outro modo. Em função
disso, parece ser inevitável continuar sendo um sacrifício quase insuportável
ter de aturar a dúzia de apresentadores bobíssimos da MTV, suas propagandas
também 80% bobíssimas, seus programas idem, etc., se se quiser ter o quase
impossível prazer de ver a imagem de uma música ou de alguém que realmente
interesse.
Tenho sempre a impressão (meio lugar comum, inclusive) de que o que há de “legal” na televisão para a maior parte das pessoas, é ver outros fazendo numa tela o que, com esse recurso da técnica, elas não precisam mais fazer ou efetivamente viver. No caso de “Erótica MTV”, onde o telespectador assiste alguém falando sobre a experiência de um terceiro, essa espécie de “voyerismo” acaba sendo como um espelho refletido em outro.
* Professor de Sociologia na Universidade Estadual de Maringá; doutorando na PUC/SP.