Ano I - Nº 01 - Maio de 2001 - Bimensal - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178

 

Representantes nada representativos

 

Elizandra Signorini

 

A sociedade como a conhecemos não se sustenta sem um centro de governo, o qual deve trabalhar sob a égide do interesse comum e da vontade geral. Porém, vemos constantemente o Estado brasileiro se entregando ao egoísmo das vontades particulares.

Esta é uma questão que não preocupa apenas a sociedade de nosso tempo, sendo objeto de vários pensadores do passado (mas que permanecem com suas idéias vivas e atuais).

Usando por exemplo a ótica rousseauniana, para observar o povo brasileiro, poderíamos dizer que temos perdido a qualidade de povo. Nosso corpo político tem sido lesado, a partir do momento em que só alguns têm realmente acesso a ele, e a maioria , simplesmente recebe, aceita e obedece.

Para Rousseau, o silêncio popular pode ser tido como sinal de aceitação, nosso caso, porém, traduz-se mais em apatia , inércia, alienação e comodismo. Muitos não têm consciência de que participam de um corpo político, e acreditam que sua cidadania se resume ao momento de depositar o voto na urna. É muito comum ouvir alguém dizendo que não gosta desse negócio de política. Pobre dele por não saber o que é “esse negócio” ao qual ele não dá valor que dirige praticamente toda sua vida, desde o nascimento até seu óbito e mesmo depois dele, passando por seu casamento a compra de seu carro , ou pelo leite comprado na venda da esquina.

Mas ele não deve saber que a soberania inalienável, indivisível e que faz a lei, a qual ele tem que obedecer, fica ao sabor da vontade particular de alguns representantes, nada representativos.

É fácil enganar o povo, este não é suficientemente informado, e o que tem reinado como vontade geral, são as vontades das facções, ou , numa linguagem mais contextualizada, dos lobbies, dos banqueiros, dos agricultores, dos usineiros, etc., cada um defendendo seus interesses.

Todos são iguais perante a lei, reza nossa Constituição Federal, todos devem ser igualmente favorecidos, porém vemos muitas pessoas sendo tomadas separadamente, recebendo favores e privilégios. Não deveria haver superiores e inferiores, mas há.

Caso evidente de que a lei não é igual para todos é a lei dos crimes ambientais, onde um agricultor humilde, que raspa a casca de uma árvore é preso e humilhado, enquanto os “ricaços” da Petrobrás, ficam tranqüilos em seus luxuosos gabinetes, dando entrevistas sobre as tragédias e derrames de petróleo ocorridos, isso quando não mandam representantes.

O Estado não tem o direito de onerar mais um cidadão que a outro, mas, alguém que não está nem conseguindo pagar o IPTU, tem seu imóvel retido pelo governo, mas uma grande empresa, que tornou seu dono multi-milionário, pela sonegação fiscal, quando pego pelo fisco, livra-se da pena oferecendo um “presentinho” ao fiscal.

Traidores do corpo político deveriam ser punidos pelo bem da soberania. É certo que aqui os impostos são abusivos, e alguém que paga direitinho pode até falir, mas a solução é então mudar as leis, para que se pague uma quantia justa, mas que todos paguem, não só o assalariado, mas também os grandes empresários.

Rousseau, diz ser legítima a pena de morte para defender o corpo social, aqui, solução tão drástica não seria necessária. Bastaria que as penas fossem efetivamente aplicadas, a todos, sem concessões. Este trecho retirado de sua obra : “Do contrato social”, elucida bem a situação brasileira:

“Num estado bem governado, há poucas punições, não porque se concedam muitas graças, mas por haver poucos criminosos; o grande número de crimes assegura sua impunidade quando o Estado definha”

Se nossas leis fossem realmente justas e efetivas, a situação seria diferente. Se todos tivessem educação - de verdade, não só aprender a ler e escrever, mas receber cultura, aprender a pensar criticamente e desenvolver suas próprias idéias. É preciso que as pessoas conheçam as leis e saibam quais os seus direitos, para que possam também acompanhar o sistema legislativo, valorar e fiscalizar a atuação de seus representantes, sendo cidadãos verdadeiramente participativos. Trabalho digno e boas condições de vida, muitos nem sabem que leis existem , como poderiam depositar nelas suas vontades ? Como afirma Rousseau é necessário uma vontade esclarecida. Com certeza haveria uma incidência bem menor de criminalidade e o Estado poderia incidir sobre os criminosos mais eficientemente. Sem boas leis, não há justiça.

Mesmo seguindo o conselho de abstratividade, as leis ainda podem ser parciais, veja-se as que dizem respeito, por exemplo, ao Presidente da República, aos Ministros ou Senadores, maiores privilégios não existem, e ainda passam o tempo discutindo se vão poder se reeleger, ou quando vão aumentar seus salários sem contar as votações compradas ou fraudadas.

Para Rousseau, o legislador é necessário pois o povo não sabe discernir o que é melhor, carecendo de alguém capaz de mudar sua natureza humana, para uma existência parcial e moral, extraordinário por seu gênio e por seu ofício.

Não gostaria de decepcionar Rousseau, mas a menos que Deus viesse a ser Deputado, Senador ou Vereador, não encontraríamos ninguém que se encaixe nestes primorosos requisitos de perfeição. Resta-nos então, optar por um povo consciente e participativo, que zele pela política de seu país.

Mas, está correta sua afirmação de que o primeiro passo de um bom governo, é uma Constituição sábia e forte, que não se deixe ser burlada, como muitas vezes é a nossa. Esta, para ele, ratificando as leis naturais (o que lhe conferirá estabilidade), deve prover a abundância e a paz, a igualdade e a liberdade, não só no papel, mas efetivamente.

Para ele, liberdade é a do contrato e igualdade é a da lei ( conceitos próprios da época ), mas para nós hoje, esta igualdade, além de legal, deve existir também fora do papel, efetivamente, dando acesso à justiça a todos.

* Acadêmica (Direito - UEM)