Ano I - Nº 01 - Maio de 2001 - Bimensal - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178
    
     
    
    
Nilson Nobuaki Yamauti*
 
As doutrinas políticas existentes não estavam solucionando 
    o problema do entendimento entre os homens, ou seja, garantindo a efetividade 
    de sua convivência pacífica em sociedade. Thomas Hobbes constatava as devastações 
    produzidas pela guerra civil na Inglaterra e concluía que as lutas fratricidas 
    resultavam de um poder político que não era reconhecido como legítimo por 
    todos.
O filósofo inglês acreditou que a solução seria aplicar 
    o método da Matemática que propicia conclusões certas e indiscutíveis ao contrário 
    das ciências morais que produzem apenas controvérsias infindáveis. Partiu 
    da suposição de que a formulação de uma teoria política baseada em fundamentos 
    lógico-racionais poderia estabelecer a paz social. O autor de O Leviatã irá, 
    portanto, aplicar o método lógico-dedutivo a fim de demonstrar a necessidade 
    de um poder absoluto para eliminar os conflitos existentes.
Hobbes inicia a sua argumentação com a premissa de que no estado de natureza todos os homens são movidos pelo instinto de conservação. A luta pela sobrevivência instaura a guerra de todos contra todos.
O medo da morte violenta 
    associado à consciência de que é mais vantajoso viver no estado civil (instinto 
    de conservação + razão) produz no homem o desejo de viver em paz.
Desta forma, de livre vontade, 
    visando apenas o interesse próprio de conservação, os homens chegam, então, 
    a um acordo. Todos irão renunciar aos seus direitos naturais e submeter-se 
    integralmente a um poder soberano.
A função do soberano é 
    assegurar que todos respeitem o contrato social e, dessa forma, garantir a 
    vontade de todos que é a paz e a segurança individual. Para desempenhar bem 
    esta função, o soberano deve exercer um poder absoluto, sem estar subordinado 
    a ninguém; e nem mesmo a uma Carta Magna. Só dessa forma seria possível subjugar 
    os interesses particulares, o individualismo cada vez mais acirrado presente 
    na sociedade de relações mercantilizadas, o qual colocava em xeque o interesse 
    geral, isto é, a convivência pacífica dos homens.
Através deste raciocínio 
    lógico-dedutivo, desta construção do pensamento, chega-se à justificação do 
    poder absoluto, do poder inquestionável. O poder soberano é legítimo, enfim, 
    porque:
 
    
    a)       
    
    é constituído 
    a partir da vontade livre de indivíduos livres e iguais; e de comum acordo, 
    ou seja, do consenso.
 
    
    b)       
    
    assegura o interesse 
    de todos que é viver em paz, com segurança, livre do medo da morte repentina 
    e violenta.
Se o poder soberano não 
    conseguir realizar o interesse de todos, isto é, a obediência de todos ao 
    contrato social, pode vir a ser deposto por uma rebelião. Concluir-se-á, nesse 
    caso, que o soberano não era legítimo.
Por que Hobbes defende o absolutismo
A instauração da era moderna 
    é desencadeada pela expansão do comércio que dá origem a uma poderosa classe 
    burguesa ao mesmo tempo em que promove a avidez consumista da nobreza.
Estas classes passam a 
    se orientar por uma nova ética, individualista e instrumental, que justifica 
    a busca do interesse privado pelo indivíduo sem se importar com os interesses 
    da coletividade. O calvinismo e as idéias dos pensadores modernos irão fundamentar 
    esta nova ética revolucionária, de fundo mercantil.
Essa nova ética dos tempos 
    modernos gera uma energia social fabulosa que transformará a face do planeta. 
    Mas, ao mesmo tempo, irá produzir muita miséria, violência e destruição.
O indivíduo que despontava 
    na era moderna — livre dos grilhões estabelecidos pela ética católica — encarnado 
    na figura do comerciante, banqueiro e proprietário de terras, estava convulsionando 
    a ordem social, destruindo valores morais comunitários, favorecendo a ocorrência 
    de guerras civis, expulsando os camponeses das terras, explorando os mais 
    fracos, saqueando as terras descobertas. 
A propriedade da terra, 
    por exemplo, estava deixando de ser a suposta fonte destinada ao bem estar 
    da comunidade para se tornar fonte de acumulação de riquezas de indivíduos 
    particulares. Era para Hobbes, certamente, um imenso escândalo ético considerar 
    a terra, — que era um bem sagrado da comunidade —, uma mercadoria como outra 
    qualquer, passível de ser vendida e comprada livremente apenas para atender 
    a interesses privados de indivíduos em prejuízo de milhares de camponeses 
    que ficavam sem trabalho. A garantia da propriedade para todos era fundamental, 
    segundo Hobbes, para a paz social.
A divisão do poder soberano 
    entre o monarca e o parlamento não pode, segundo Hobbes, garantir a estabilidade 
    política e social. Pelo contrário, fomentaria a eclosão da guerra civil.
O conflito político crucial 
    da Inglaterra naquele momento é definido pelo interesse do rei em consolidar 
    o poder absoluto e pelo interesse da burguesia em conquistar o poder político 
    a fim de garantir seus interesses econômicos, livre das decisões arbitrárias 
    do monarca.
A solução antevista por 
    Hobbes é o poder absoluto. A partir de 1640, Hobbes passou a estar a serviço 
    do rei, Carlos I, na luta contra os interesses burgueses presentes no Parlamento.
O Estado nacional, concebido, 
    em tese, para a defesa do interesse público, estava se tornando, com a divisão 
    de poderes, um instrumento da burguesia e dos grandes proprietários de terra 
    para, através do parlamento, defender seus interesses privados, cada vez mais 
    poderosos.
O poder soberano absoluto, 
    segundo Hobbes, poderia expulsar da sociedade aqueles que se esforçassem por 
    guardar coisas que para eles fossem supérfluas enquanto outros sofressem da 
    sua carência e privação. O soberano é que deveria ficar encarregado de distribuir 
    as terras do país em nome da eqüidade e do bem comum.
O poder absoluto seria 
    necessário enfim para impedir os abusos e a violência cometida pelos mais 
    fortes contra os mais fracos porque isso poderia desagregar a sociedade e 
    destruir a paz civil. O Estado absoluto, o Leviatã, deverá ser o monstro bíblico 
    cruel que protegerá os peixinhos miúdos contra a ameaça dos tubarões graúdos 
    que desejam devorá-los.
Significado histórico da teoria política de Hobbes
O trabalho teórico de Hobbes 
    está vinculado à preocupação com a formação do Estado nacional. E, mais particularmente, 
    com a constituição do governo soberano, com a centralização do poder político.
O autor de O Leviatã inaugura 
    uma discussão dentro da teoria política que é a da legitimação racional 
    do poder. Em outros termos, a legitimação racional da obediência do indivíduo 
    ao Estado.
Hobbes detecta a força 
    social que despontava na era moderna e que estava convulsionando a Europa: 
    o indivíduo autônomo que luta apenas pelos seus interesses materiais particulares 
    encarnado na burguesia nascente cada vez mais poderosa. Como controlar essa 
    força social revolucionária que parecia desagregar os fundamentos da vida 
    em sociedade?
O autor, na verdade, funda 
    a visão moderna de Estado. As leis e o governo não têm a função de realizar 
    a síntese dos interesses particulares dominantes na sociedade mas garantir 
    apenas um interesse comum: a paz e a segurança individual. E para poder realizar 
    este interesse comum o poder político precisa ser autônomo em relação a todos 
    os interesses particulares.
Se o Estado garantir a 
    segurança individual, cada um pode ser livre para fazer o que bem entender 
    em sua vida privada — seguir a religião que julgar a verdadeira, a ideologia 
    que considerar a correta, votar no partido que quiser, escolher a profissão 
    que for de seu agrado, ir morar onde preferir. Antecipa-se assim a tese liberal 
    de que o jogo do mercado é que deve regular as relações sociais e não o Estado.
E Hobbes lança uma idéia 
    que vai se constituir no fundamento da democracia: o poder político legítimo 
    é aquele que se institui a partir do consenso, do consentimento de todos, 
    visando realizar o interesse comum de toda a sociedade. Ou seja, Hobbes promove 
    uma revolução: não é mais o indivíduo que existe em função do Estado, mas 
    é o Estado que deve existir em função do indivíduo. E mais que isso, o Estado 
    e a Sociedade são fundados e ordenados a partir da vontade livre de indivíduos.
Hobbes insinua um outro 
    fundamento do Estado nacional. Dentro de um território nacional, os indivíduos 
    vivem juntos não em razão de uma cultura, costumes, tradições, religião, visão 
    de mundo, língua, raça, etnia ou uma meta ideológica e política comum. Mas 
    podem conviver pacificamente, apesar das desigualdades sociais e das diferenças 
    existentes, pelo simples fato de que todos estão subordinados a regras comuns, 
    a direitos, deveres e obrigações comuns.
Na teoria de Hobbes percebe-se 
    o fundamento essencial do Estado: a segurança individual, o desejo comum de 
    viver em paz como aquilo que possibilita a convivência de indivíduos desiguais 
    em sociedade.
A idéia de que o Estado 
    e a sociedade nascem a partir da vontade livre de indivíduos que estabelecem 
    contratos entre si é uma idéia que exprime os tempos modernos. Hobbes fundamenta 
    o poder político a partir de uma lógica instrumental individualista própria 
    do novo espírito burguês nascente, apesar de reagir, em termos políticos, 
    contra este novo espírito. O papel do Estado é garantir a segurança do indivíduo 
    porque é isso que promove condições para a sua efetiva liberdade.
O que funda o poder político 
    e as relações sociais não é o respeito ao próximo (Moral); o temor a Deus 
    (Religião); os interesses nacionais (Razões de Estado); a honra (Códigos da 
    nobreza). Mas sim o interesse próprio, o bem estar e a segurança de cada indivíduo 
    na esfera da vida privada (Utilidade).
* Professor de Ciência Política - Departamento de Ciências Sociais (UEM); Doutor em Política pela Universidade de S. Paulo (USP).