Ano I - Nº 04 - Maio de 2002 - Quadrimestral - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178

 

 

Poderes Executivo e Legislativo: um painel sobre a nova fase de organização de interesses no interior do Estado (Brasil–anos 90)

 

Rosane Cristina de Oliveira *

 

 

Resumo

O presente artigo tem como finalidade discutir a questão da representação e organização de interesses no interior do Estado brasileiro, tendo como objeto de análise a elite empresarial e suas novas estratégias diante dos poderes Executivo e Legislativo, a partir da Constituição de 1988.  A assimetria entre os poderes e o contexto histórico nos permite perceber que as relações de interesses assumiram, a partir dos anos 90, uma nova etapa: deixaram de ser mediadas pelo Chefe do Executivo e se aproximaram do Poder Legislativo.

Abstract

Executive and Legislative: a board on the new phase of organization of interests in the inward of the State (Brazil – years 90)  

The present work has as purpose to argue the question of the representation and organization of interests in the inward of the Brazilian State, having as analysis object the industrial elite and its new strategies ahead of Executive them and Legislative, from the Constitution of 1988. The asymmetry between them to be able and the historical context in allow them to perceive that the relations of interests had assumed, from years 90, a new stage: they had left of being mediated by the Executive’s Leader and had passed to the of the Legislative.

 

A Constituição de 1988, além de redefinir as políticas voltadas para as questões econômicas e sociais, reorganizou a relação entre os poderes Executivo e Legislativo no interior do Estado, além de inaugurar uma nova etapa no processo de representação do setor privado diante desses Poderes ao longo dos anos 90. E é esse processo que será analisado ao longo desse trabalho.

O sucesso ou não na implementação de reformas, os mecanismos de representação de grupos de interesse, a supremacia do Executivo diante do Legislativo constitui, de acordo com a literatura observada, uma fonte essencial para a compreensão dos novos meios de articulação de interesses do setor privado e o Estado.

 

Contexto histórico

 

O advento da Nova República trouxe como questão principal no discurso do novo governo a estabilização econômica, uma vez que o Brasil encontrava-se numa crise de caráter aparentemente irreversível. O empresariado industrial esteve presente de forma significativa integrando-se à chamada “Frente Democrática”, dando nítido apoio ao movimento pelo fim do autoritarismo. Porém, no primeiro ano de governo transitório, o empresariado mostrou sua face ainda conservadora, ao ser colocado em pauta as chamadas reformas prioritárias. Quanto ao operariado, as greves de 1985, serviram para acelerar as discussões acerca da legislação trabalhista que estava em vigor. A primeira medida econômica foi o Plano Cruzado, que consistia na reforma monetária e suas características, contando com a adesão de diversos setores empresariais. O respaldo dado pelo empresariado ao Plano Cruzado começou a declinar quando foi anunciado o congelamento dos preços por período indefinido. Mesmo com o sistema de fiscalização ativado, não foi possível conter os índices de irregularidade promovidos para burlar o congelamento (DINIZ, 1997 e 2000).

Após as eleições de 1986, foi anunciado pelo governo o Plano Cruzado II. A recepção do referido plano por parte da população foi violenta, com a convocação de uma greve geral pela CUT e CGT, de caráter explicitamente político argumentando contra o plano econômico. O mesmo ocorreu com a classe empresarial ao promover protestos contra o adiamento do retorno à liberdade dos preços, solicitando o descongelamento imediato, o fim do gatilho salarial, a drástica contenção dos gastos públicos e o fim do chamado dirigismo econômico.

O fracasso do Plano Cruzado, em suas duas versões, suscitou mudanças ministeriais e o governo perdeu credibilidade junto ao operariado e a elite empresarial. Em junho de 1987 o então ministro da economia, Dílson Funaro, foi substituído por Bresser Pereira, cuja primeira medida foi o anúncio do Plano de Consistência Macroeconômica. As metas desse plano estavam voltadas para a estabilidade econômica e salarial, bem como o refrescamento das pressões das cobranças de pagamento dos juros da dívida externa.

Os anos do governo de José Sarney foram marcados pelos sucessivos fracassos dos planos econômicos. A instabilidade partidária, a fragmentação e o voto de protesto formam uma gama de acontecimentos que caracterizam o fim do mandato de Sarney. Diante desses acontecimentos, o discurso assumido por Fernando Collor de Mello durante a disputa pela presidência da república em 1989, foi justamente o rompimento com a estrutura econômica assistida até então. Quanto ao apoio do setor empresarial, muito embora o candidato assumisse uma postura de repúdio à classe, durante toda campanha observou-se um esvaziamento no que dizia respeito aos aspectos mais substantivos ligados ao enfrentamento da crise econômica.

O “desmonte da Era Vargas”, iniciado pelas políticas reformistas do governo de Fernando Collor de Mello, e intensificado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, teve como principal fator a reformulação do Estado, retirando deste o seu caráter empresarial, inaugurado a partir da criação de estatais de peso como a Companhia Siderúrgica Nacional (1941), a Petrobrás (1953) e a Eletrobrás (1961). Além da privatização, a redefinição do Estado diz respeito aos mecanismos institucionais a serem utilizados para que o Estado possa ser adaptado à nova ordem global.

A crise que atingia o Brasil e os demais países da América Latina (LANGONI, 1997), despertou a atenção dos credores norte-americanos, e em 1989, na cidade de Washington, representantes do FMI, Banco Mundial e BID se reuniram para discutir a questão. Esta reunião recebeu o nome de Consenso de Washington, e tinha como finalidade desencadear uma série de medidas para acelerar o desenvolvimento econômico nos países do Terceiro Mundo, seguindo os pressupostos neoliberais. Dessa reunião, entre os assuntos de maior relevância, podemos citar a importância das reformas iniciadas ou adiantadas na América Latina, menos no Brasil e no Peru. As reformas seriam, então, o ponto de excelência para a ratificação da proposta neoliberal recomendada pelo governo norte-americano para aquelas regiões.

Desde o começo da administração de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, o neoliberalismo vinha sendo transmitido e apreendido por uma grande parcela das elites empresariais, políticas e intelectuais dos países da América Latina. No Brasil, um exemplo da absorção do que foi exposto no Consenso de Washington foi o documento publicado pela Fiesp, em agosto de 1990, intitulado “Livre para crescer – Proposta para um Brasil moderno”, cuja sugestão de reformas segue o mesmo caminho da firmada no Consenso, que consiste na adoção dos mecanismos neoliberais para o combate à crise (BATISTA, 1994).

A singularidade do documento produzido pela Fiesp está na proposta de inserção internacional do Brasil através revalorização da agricultura de exportação. De resto, as recomendações feitas durante o Consenso de Washington, segundo o documento da Fiesp, seriam fielmente seguidas. O governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), apoiou de forma integral as recomendações expostas no referido documento, mas não levou adiante, uma vez que seu governo durou apenas dois anos e foi marcado por uma sucessão de crises e escândalos financeiros.

Nos primeiros dois anos de governo de Fernando Collor de Mello a agenda pública alterou-se drasticamente. O Plano Collor I lançou no seio da sociedade brasileira uma modificação radical na ordem econômica e social: reteve, nas cadernetas de poupança, cerca de 50% da renda investida pela população brasileira, refletindo negativamente principalmente nos setores da pequena e média empresa e trabalhadores assalariados. Em 1992, em decorrência dos sucessivos processos de uso indevido dos bens públicos e o pedido de impeachment de Collor, esse governo ficou conhecido como o responsável pelo maior esquema de corrupção da história da república brasileira. (DINIZ, 1997)

No entanto, não nos deteremos na análise da crise econômica na América Latina, apenas chamamos a atenção para a singularidade na recepção dos ditames neoliberais no Brasil, cuja finalidade seria reorganizar o Estado retirando a sua marca corporativa inaugurada no governo de Getúlio Vargas. O marco para o desmonte efetivo da chamada Era Vargas foi o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998), com a implantação do processo de privatização e pondo fim à característica empresarial do Estado.

Um ponto importante a ser destacado em nossa análise acerca da sucessão de fracassos dos planos econômicos e a dificuldade de implementação das reformas do Estado é a chamada crise de governabilidade (DINIZ, 1997). O uso abusivo das Medidas provisórias, a partir da Constituição de 1988, contrastando drasticamente com os mecanismos de gestão do Estado visivelmente desgastados, acentuou o funcionamento precário do Estado nas diversas áreas da sociedade. O Estado brasileiro não se mostrou capaz de realizar suas atribuições mais elementares, como por exemplo, a segurança pública e condições mínimas de existência e exercício pleno da cidadania.

A partir de 1994, com Fernando Henrique Cardoso à frente da presidência da república, a política econômica adotada seria em prol da privatização e da desvinculação do Estado das questões que envolvem o mercado. Foram privatizadas grandes empresas estatais, como a Vale do Rio Doce, Embratel e Eletrobrás. E, não menos importante, temos o aumento da inserção de multinacionais, especialmente na área de telecomunicações.

Neste sentido, a redefinição dos poderes Executivo e Legislativo, a partir da Carta de 1988, foi fundamental para que o governo (Chefe do Executivo) implementasse as reformas necessárias para que o Brasil se inserisse, de fato, na nova ordem global. 

 

A assimetria entre os poderes

 

A notória supremacia do Executivo diante do Legislativo advém de vários aspectos. Na área orçamentária, por exemplo, o Executivo não teme a ação do Legislativo, uma vez que este não dispõe de mecanismos eficientes de negociação (PESSANHA, 1997). Por outro lado, um ponto importante a ser destacado diz respeito aos casos em que o poder legislativo é controlado pelo presidente, cuja determinação da agenda é atribuição do Chefe do Executivo.

No caso brasileiro, segundo Argelina Figueiredo e Fernando Limongi, usando o exemplo da questão orçamentária, a desvantagem do Legislativo aparece no fato de que este “não dispõe de um poderoso trunfo para barganhar o orçamento com o Executivo. Por outro lado, o Executivo pode retardar o envio da proposta orçamentária com o objetivo de limitar o tempo disponível para a apreciação da matéria pelo Legislativo” (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1999, p. 25).

A Carta de 1988 manteve uma das principais características do regime militar: a continuação da supremacia do poder legislativo do Executivo. No entanto, ainda seguindo a análise de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi, o sistema político brasileiro hoje é bastante divergente do que vigorou em 1946 e durante o período autoritário, isto é, não há problemas com relação à disciplina partidária e a votação no Congresso ocorre de maneira pacífica e cooperativa diante do poder Executivo.

Vale ressaltar que esta ausência de conflito se dá porque o Legislativo brasileiro possui características centralizadoras e está alicerçado na atuação partidária e, além disso, o presidente detém plenos poderes. Em geral, uma vez que é o Executivo que tem o poder de agenda, o Legislativo por ser altamente centralizado, proporciona ao presidente meios para “induzir os parlamentares à cooperação”. E é esta configuração institucional que inibe os parlamentares de se dedicarem aos seus próprios interesses, produzindo uma ação parlamentar disciplinada e coletiva.

O papel exercido pelo presidente, isto é, o seu poder legislativo, é uma característica bastante interessante para compreendermos a relação entre os poderes. O presidente brasileiro, de acordo com a Constituição de 1988, se compararmos com o norte-americano, constataremos que o seu poder é, sem dúvida, superior. Diz Argelina Figueiredo e Fernando Limongi:

A Constituição brasileira de 1988, por exemplo, confere iniciativa exclusiva ao presidente em matérias orçamentárias e veda emendas parlamentares que impliquem a ampliação dos gastos previstos. O presidente brasileiro tem ainda exclusividade da iniciativa em matérias tributárias e relativas à organização administrativa (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1999, p. 25).

No entanto, a assimetria entre os poderes se torna mais evidente com a aprovação das chamadas Medidas Provisórias instaurada pela Constituição de 1988. Mas, ainda no regime militar, podemos constatar que tal assimetria era evidente: no artigo 58 da Constituição de 1967, que dava ao Chefe do Executivo o poder de criação de decretos-lei em casos de urgência ou diante de questões relevantes, o prazo para a votação seria de 60 dias, e ao final deste prazo a lei era aprovada “por decurso de prazo”. O que a Carta de 1988 tentou minimizar para romper com a ordem anterior foi a retirada dos chamados decretos leis, e a introdução das MPs. Isto porque não havia como retirar, por completo, o poder do presidente.

Ainda que a Carta de 88 tenha delegado maiores poderes ao Legislativo, em resposta aos anos de atrofiamento durante o regime autoritário, podemos notar que o poder legislativo do Executivo continuou em vigor. Extinguiu-se os decretos-lei, mas instaurou-se o mecanismo das Medidas Provisórias. O artigo 62, referente às MPs, diferente dos decretos-lei, permite ao presidente editar a medida em 30 dias, e caso o prazo se esgote o presidente pode reeditá-la. A recusa de uma determinada MP lançada pelo governo pode ter altos custos aos parlamentares devido à centralização do Legislativo e o poder do Executivo de legislar, o que inibe a rejeição das MPs.

Outro elemento importante para compreendermos a relação entre o Executivo e o Legislativo, do ponto de vista conceitual, é o estudo do chamado “poder de decreto”, e para isso nos deteremos no estudo desenvolvido por John M. Carey e Matthew Shugart. Por definição, o poder de decreto diz respeito à autoridade do Executivo em estabelecer leis no “lugar do legislativo”.

O uso do poder de decreto pelo Executivo, para os autores, corresponde à usurpação dos poderes do legislativo, levando em consideração as conclusões feitas a partir de elementos pouco convincentes. Pode-se destacar três pontos principais para a análise do uso do poder de decreto pelo Executivo: o poder de barganha entre os legisladores, a proporção das perdas do poder de agência por parte das maiorias legislativas e a freqüência do controle do executivo diante do processo de elaboração e aceitação de emendas constitucionais.

Quando o Executivo implementa políticas públicas a primeira constatação seria a de que as políticas são ligadas diretamente aos seus próprios interesses. No entanto, não se pode destacar a possibilidade do executivo ter se antecipado a interesses do legislativo, muito embora a idéia de supremacia dos interesses do executivo seja constatada a partir de estudos empíricos. O exemplo mais comum para obtermos uma melhor visualização desses estudos é a série de reformas econômicas implementadas, através de decretos, na América Latina durante os anos 80.

Porém, não podemos observar somente os exemplos da América Latina, que indicam usurpação do poder do legislativo ou poder usado para seus próprios interesses. Em países como o Peru, a Bolívia e o Equador, a Constituição delega ao Executivo poderes do Legislativo. Isso revela que a maioria das interpretações acerca do poder de decreto do Executivo, enquanto “instrumento para implementar políticas para as quais eles não contam com o apoio legislativo” (CAREY e SHUGART, 1998, p. 151), deve ser analisado criteriosamente. Para John M. Carey e Matthew Shugart, há uma série de fenômenos que envolvem a questão que devem ser rigorosamente observados de acordo com a diversidade dos sistemas políticos e suas características institucionais:

O que observamos como decreto é com freqüência tanto o poder delegado pelas legislaturas através de lei, como o poder de decreto assegurado nas Constituições. Mais do que isto, quando examinamos as características institucionais de sistemas onde o decreto é observado, encontramos padrões consistentes com a proposição de que os decretos não significam necessariamente que os interesses legislativos – tanto interesses em políticas públicas como interesses institucionais – estejam sendo marginalizados (CAREY e SHUGART, 1998, p. 178).

A assimetria entre os poderes aparece, ainda, a partir do controle externo do Legislativo sobre o Executivo, que irá determinar a inoperância do Legislativo no que diz respeito aos gastos públicos. Neste sentido, Charles Pessanha chamou a atenção para o estudo do Tribunal de Contas e as auditorias gerais, que são instituições superiores destinadas ao controle externo independente, orçamentário e financeiro (PESSANHA, 1998).

Diante desse aspecto, a formação de grupos de interesse no interior do Estado se faz necessário. Até 1988, a representação de interesses era mediada via Estado. A clássica relação entre capital e trabalho, ou Estado e Sociedade Civil, era regulada pelo Estado Corporativo. O que a Constituição de 1988 faz é justamente redimensionar o papel do Estado, abalando a sua estrutura corporativa de funcionamento. A partir de então, as elites empresariais e as organizações trabalhistas buscam novas estratégias para fazer valer suas reivindicações junto ao Estado.

Para que possamos identificar de forma mais objetiva como os grupos de interesse se articulam, tendo em vista a relação assimétrica entre os poderes Executivo e Legislativo brasileiro, nos deteremos na análise de algumas estratégias de controle por parte da elite empresarial, uma vez que a reorganização das relações de interesses no interior do Estado atingiu diretamente as formas de intervenção da referida classe no processo político e econômico posto em prática no Brasil, durante os anos 90.

 

Assimetria entre os poderes e organização de interesses dentro do Estado

 

Para que possamos identificar de forma mais objetiva como os grupos de interesse se articulam, tendo em vista a relação assimétrica entre os poderes Executivo e Legislativo, nos deteremos na análise de uma entidade específica: a elite empresarial. Essa elite empresarial, representada pela Confederação Nacional das Industrias, desde de 1995 produz um documento oficial, cujos estudos desenvolvidos dizem respeito às análises de todas as leis que estão tramitando no Congresso Nacional (ou que já foram votadas).

Além de um esclarecimento minucioso acerca das leis, a elite empresarial esboça, na Agenda Legislativa, as suas posições (favoráveis ou não), e apontam novas soluções (no caso de parecer desfavorável). A CNI possui um escritório em Brasília, e a principal argumentação para sua existência é a proximidade do Congresso Nacional, podendo, dessa forma, acompanhar com maior eficiência os trabalhos parlamentares.

Nas 5 edições anteriores, a Agenda Legislativa contemplou 337 Proposições Legislativas, das quais 169 ainda estão tramitando, 168 foram finalizadas (aprovadas, rejeitadas, retiradas ou prejudicadas), e 51 foram transformadas em Normas Jurídicas. Dentre estas últimas, estão a Lei de Patentes (Lei nº 9.279, de 1996); a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 1996), a regulamentação das Emendas Constitucionais do Petróleo, das Telecomunicações e do Transporte Aquaviário (Leis nº 9.478, de 1997, nº 9.472, de 1997, e nº 9.432, de 1997), a Lei de Software (Lei nº 9.609, de 1998), a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 1998), a que instituiu o Fundo de Garantia à Exportação (Lei nº 9.818, de 1999), Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei nº 9.841, de 1999), a Lei que instituiu as Comissões de Conciliação Prévia (Lei nº 9.958, de 2000), as Leis que instituíram os Fundos Setoriais de Desenvolvimento Científico e Tecnológico para os setores de Energia Elétrica, Transportes, Mineração e Fundo Espacial (Lei nº 9.991, de 2000, nº 9.992, de 2000, nº 9.993, de 2000 e nº 9.994, de 2000), a Lei que criou a Agência Nacional de Águas (Lei 9.984/2000), a Lei que instituiu o Programa de Estímulo a Interação Universidade-Empresa (Fundo Verde-Amarelo) (Lei nº 10.168, de 2000) e a que instituiu a Participação dos Trabalhadores nos Lucros das Empresas (Lei nº 10.117, de 2001).

A Agenda Legislativa, elaborada por especialistas da área jurídica e política da CNI, expressa, por um lado, a efetiva atenção que a elite empresarial mantém acerca dos assuntos de seu interesse, e por outro lado, é uma espécie de mecanismo de cobrança aos seus representantes no Congresso Nacional.

Neste ponto, chamamos a atenção para os seguintes fatores: a Agenda Legislativa significou uma reação da elite empresarial diante das medidas políticas e econômicas, implementadas pelo governo, com a finalidade de promover o desmonte da Era Vargas, cuja mediação de interesses entre capital e trabalho se dava através do Estado corporativo. Este Estado corporativo, que inaugurou a sua característica empresarial na década de 50, precisava ser revisto e reorganizado, uma vez que a economia global e a necessidade dos países latino americanos em inserir-se na nova ordem tornaram-se inevitáveis no final da década de 80.

A sucessão de medidas lançadas pelo governo brasileiro, bem como a declaração feita por Fernando Henrique Cardoso, em 1994, acerca das privatizações e reforma tributária, levaram a elite empresarial, representada pela CNI, a institucionalizar uma nova forma de “defender” seus interesses no Congresso Nacional.

Estruturalmente, a Agenda Legislativa abarca todas as questões referentes aos interesses específicos da classe e, também, revela sua posição acerca de assuntos sociais. Além disso, o documento esclarece que se destina à tentativa de estreitar as relações da classe empresarial com o legislativo, que julgam ser o “mais democrático” dos poderes. A elaboração da Agenda é feita pelo Conselho de Assuntos Legislativos da CNI.

No entanto, os mecanismos de articulação entre elite empresarial e Estado não passam somente no âmbito da Confederação Nacional da Indústria. Não menos importante, destacamos a atuação das Federações Industriais (principalmente a Fiesp e a Firjan) no acompanhamento das atividades parlamentares, que se intensificou a partir da segunda metade dos anos 90. A Fiesp, desde o ano de 1998, vem alimentando um banco de dados sobre a atuação dos congressistas, cujo objetivo principal é perceber quais são os parlamentares que representam de maneira positiva os anseios da classe empresarial.

A Firjan têm setores responsáveis pelo acompanhamento do Legislativo como, por exemplo, a Assessoria Jurídica, que é responsável pelo relatório dos principais projetos de lei relacionados com o setor nos níveis federal, estadual e nos diversos municípios do estado. Além disso, a Assessoria Jurídica participa como representante da indústria junto a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, elaborando pareceres sobre todos os projetos de interesse desse segmento. A Fiesp produz semanalmente, através da internet, a Agenda do Congresso, que destaca os principais projetos apresentados no Congresso Nacional. No entanto, o caráter da publicação é informativo, diferente da Agenda Legislativa publicada anualmente pela Confederação Nacional das Indústrias.

Contudo, as estratégias de organização de interesses da elite empresarial no interior do Estado não se esgotam no âmbito dos poderes Executivo e Legislativo. A questão social, como a problemática do analfabetismo, o desemprego, e as relações trabalhistas, que antes da Constituição de 1988 eram setores mediados pelo Estado, aparecem nas agendas e nos projetos promovidos pela referida classe.

 

Conclusão

 

A nova fase de organização de interesses no interior do Estado, portanto, pode ser constata a partir de dois momentos. O primeiro, na configuração assumida pelo Estado desde a Constituição de 1988, com medidas liberalizantes e a retirada do seu caráter empresarial, e o segundo na assimetria entre os poderes. A relação entre Estado e sociedade assumiu novas formas, que exemplificamos através da análise de algumas medidas de controle do que acontece no interior do Estado por parte da elite empresarial.

O fato de a elite empresarial considerar o poder executivo “o mais democrático” dos poderes, pode significar que a classe encontra maior absorção de seus interesses pela via do Legislativo. Mas, embora essa constatação não signifique sua reprovação às ações do Executivo, no que diz respeito ao seu poder de legislar de acordo com o que for de maior interesse para o Chefe do Executivo, nota-se que a escolha foi feita de a partir de quem poderia “escutar” e intervir nos assuntos de maior interesse da elite empresarial no interior do Estado.

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* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

Referências

 

Agenda legislativa da industria 2001 / [coordenação: Carlos Alberto Cidade, Godofredo Franco Diniz, Pedro Aloysio KloecKner]. Brasília, D. F.: CNI, CAL:COAL, 2001.

BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington.  In: SOBRINHO, Barbosa Lima e outros Em defesa do interesse nacional: desinformação e alienação do patrimônio público. São Paulo: Paz e Terra, 1994.

CAREY, John e SHUGART, Matthew. Poder Executivo de Decreto: chamando os tanques ou usando a caneta? In: RBCS - Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 13, nº 37, 1998.

DINIZ, Eli. Globalização, Reformas Econômicas e Elites Empresariais. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2000.

_____. Crise, Reforma do Estado e Govenabilidade. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1997.

FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1999.

LANGONI, Carlos Geraldo (coord.). A Nova América Latina: ajustamento e modernização. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2ª ed., 1997.

PESSANHA, Charles. O controle do Legislativo sobre o Executivo no Brasil (1946-1998). Trabalho apresentado no XXII Encontro Anual da Associação Nacional e Pós-Graduação em Ciências Sociais – ANPOCS, Caxambu, Minas Gerais, 1998.

_____. Relações entre os Poderes Executivo e Legislativo no Brasil: 1946-1994. 1997. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1997.