Ano I - Nº 03 - Dezembro de 2001 - Quadrimestral - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178

A Incompletude do ordenamento jurídico

Wellington Soares da Costa*

 

Introdução

A completude do ordenamento jurídico, provinda dos primórdios do Estado de Direito, especialmente da Escola da Exegese, significa que o Direito positivado abarca toda a fenomenologia que, direta ou indiretamente interessando ao homem, requer tutela estatal. Noutras palavras, o Direito, entendido como o corpo de normas jurídicas vigentes, regula ou dispõe de mecanismos que venham a regular quaisquer situações fáticas de interesse do homem. Assim, o Direito, na acepção citada, é pleno, não apresentando, portanto, lacunas ou vazios, que deixariam aquelas situações sem amparo - o Direito resolve tudo, desde que seja relevante, pois apenas os fatos de relevância exigem proteção estatal por esse meio.

Discorrer sobre tal herança mítica é o objetivo do trabalho que ora se inicia.

O problema das lacunas

Conceitua-se completude como a falta de lacunas no ordenamento jurídico, de sorte que todos os fenômenos sociais possam ser regulados pelo Direito positivado, entendendo-se essa positivação no sentido de vigência e não no aspecto da dicotomia geralmente feita entre Direito Positivo e Direito Natural.

A existência de lacunas configura a incompletude por deficiência, cuja solução é a integração, consoante Carnelutti apud Bobbio (1999, p. 117).
O denominado dogma da completude pressupõe a validade de duas regras no ordenamento, quais sejam: a) a obrigação do juiz de julgar todos e quaisquer casos sub judice; b) a obrigação de os julgamentos judiciais pautarem-se em normas do sistema jurídico.

Salienta-se que, "num ordenamento onde o juiz está autorizado a julgar segundo a eqüidade, não tem nenhuma importância que o ordenamento seja preventivamente completo, porque é a cada momento completável" (BOBBIO, op. cit., p. 119), sabendo-se que eqüidade é a justiça para o caso concreto. Daí que completude, rigorosamente falando, afasta a possibilidade de ocorrer julgamentos por eqüidade.

O dogma da completude

Graças à inquestionável ascendência do Direito Romano no desenrolar evolutivo da ciência jurídica ocidental, que o tem como pedra angular, nasce o dogma da completude - o entendimento de que o ordenamento jurídico é completo e fornece ao juiz a solução para todos e quaisquer litígios, não havendo necessidade de a autoridade judicial recorrer à eqüidade com vistas à solução supramencionada.

O dogma da completude desenvolve-se pari passu com a monopolização do Direito por parte do Estado. Presente está no Direito estatal desde o famigerado Código de Napoleão, que fez eclodir a Escola da Exegese, caracterizada pela "confiança cega na suficiência das leis" (BOBBIO, op. cit., p. 121). Assim, fala-se em "fetichismo da lei" (BOBBIO, op. cit., p. 121), significando o apego ferrenho aos primeiros códigos surgidos em razão da suposta auto-suficiência das leis na regularização da vida humana em sociedade. É o "conformismo diante do estadismo", consoante Eugen Ehrlich apud Bobbio (op. cit., p. 122).

Tece críticas ao dogma da completude o jurista alemão Eugen Ehrlich, destacando a passividade generalizada dos juristas frente ao Direito posto e imposto pelo Estado, bem como asseverando que o dogma ora tratado pauta-se no seguinte: a) silogismo lógico-jurídico, tendo a norma como premissa maior; b) origem exclusivamente estatal da norma jurídica; c) formação, pelas normas, de um verdadeiro sistema jurídico, sendo uma de suas características a unidade.

A crítica da completude

A Escola do Direito Livre procede à crítica do fetichismo da lei, do dogma da completude da lei, da monopolização jurídica pelo Estado, enfim. Preconiza a necessidade de o juiz ser criativo no desempenho de suas atribuições, preenchendo as lacunas existentes no ordenamento jurídico.

O surgimento dessa Escola se explica pelo evoluir jurídico-social, reconhecendo-se a dinamicidade da vida humana, em seus inter-relacionamentos, a exigir rápida mudança e adaptação das leis no atendimento aos novos reclamos da sociedade.
Nesse aspecto, a contribuição da sociologia é inegável, especialmente na pessoa de Ehrlich, dentre outros. Partindo-se da realidade de que o Direito surge e se desenvolve no seio da sociedade, sendo um produto também desta e não somente do Estado, constata-se a imprescindibilidade de os juristas interpretarem:

as regras jurídicas, adaptadas às novas necessidades, [a partir] do estudo da sociedade, da dinâmica das relações entre as diferentes forças sociais, e dos interesses que estas representavam [e representam], e não das regras mortas e cristalizadas dos códigos (BOBBIO, op. cit., p. 125).

A cartada final contra o estadismo jurídico foi dada por Kantorowicz. Para esse autor, o Direito emanado do Estado é lacunoso e tais lacunas só podem ser preenchidas por intermédio do Direito livre.

O espaço jurídico vazio

Em se contrapondo às doutrinas do Direito livre e da livre pesquisa do Direito, os positivistas passaram a discorrer sobre o espaço jurídico vazio, a fim de demonstrar que "A completude não era um mito, mas uma exigência de justiça; não era uma função inútil, mas uma defesa útil de um dos valores supremos a que deve servir a ordem jurídica, a certeza" (BOBBIO, op. cit., p. 128). Essa é a fase crítica da teoria da completude (não mais a mera dogmatização).

Consoante Bergbohm apud Bobbio (op. cit., p. 129), o espaço jurídico vazio nada mais é que a esfera do livre agir humano em termos absolutos, ou seja, a face humana da vida social que não é regulada por nenhuma norma jurídica, o que implica em "esfera do juridicamente irrelevante", excluindo falar-se em lacunas jurídicas: tratam-se de casos fora da alçada do Direito.

A crítica feita à teoria do espaço jurídico vazio é a de que, nos dias atuais, uma liberdade pretensamente não-protegida pelo Direito significa a "licitude do uso da força privada" (BOBBIO, op. cit., p. 131), uso que infringe os fundamentos do Estado de Direito no que guarda pertinência ao uso exclusivo da força pelo Estado. Fazer "justiça" pelas próprias mãos contraria os dispositivos legais de quaisquer dos hodiernos Estados existentes; conseqüentemente, a existência dessa liberdade, a permitir ações humanas não balizadas juridicamente (a permissão configura por si só a atuação magna do Direito), é impossível nos tempos contemporâneos. O que realmente existe, portanto, é o espaço jurídico pleno.

A norma geral exclusiva

A teoria da norma geral exclusiva afirma a completude do ordenamento jurídico a partir do entendimento de que as ações humanas não regulamentadas são implicitamente admitidas e aceitas por esse ordenamento.

Observa-se que não se confundem a falta de regulamentação aqui exposta e a ausência de expressa disposição legal. Nessa última hipótese, a ratio legis do sistema jurídico, notadamente no que pertine aos princípios gerais do direito, estará regendo todos os casos não dispostos na literalidade da lei, desde que com estes guarde o imprescindível nexo causal - eis o porquê de Maximiliano (2000, p. 245) afirmar que, "Descoberta a razão íntima e decisiva de um dispositivo, transportam-lhe o efeito e a sanção aos casos não previstos, nos quais se encontrem elementos básicos idênticos aos do texto (2)". O mesmo não corre nas situações em relação às quais o Direito mostra-se alheio, e é neste sentido que se fala, para os fins de análise no presente artigo, em não regulamentação.

Dito de outra forma, a norma geral exclusiva implica em que todas as ações não proibidas são permitidas pelo ordenamento, o que redunda em liberdade, compreendida como " 'a faculdade natural de fazer aquilo que apraz a cada um, salvo o que seja impedido pela força ou pelo Direito' " (Digesto apud MAXIMILIANO, op. cit., p. 231), até mesmo em razão da impossibilidade de o Direito positivo abarcar, seja de forma explícita, seja de forma implícita, todas e quaisquer nuances da vida em sociedade.

A respeito do fato de o Direito acompanhar o progresso das relações sociais, Platão apud Kelsen (1998, p. 499) doutrina:

'pois a lei jamais pode abarcar com exatidão todos os casos concebíveis, prescrevendo, assim, o melhor para todos. E isso porque as desigualdades dos homens e de suas ações, bem como a inconstância permanente e sem exceção das coisas humanas, não permitem que uma arte qualquer, em qualquer que seja a área, apresente uma regra simples (que permaneça sempre idêntica a si própria), aplicável a todos os casos e em todos os tempos (...) A lei, entretanto, evidentemente almeja tal regra, qual um homem teimoso e inculto, que não admite qualquer outra vontade paralelamente à sua e não permite pergunta alguma, nem mesmo em presença de uma situação nova, que escapa às suas prescrições e para a qual este ou aquele caso seria melhor'. É, de fato, 'impossível que aquilo que permanece sempre idêntico a si mesmo (a lei) se relacione de forma suportável com o que jamais permanece idêntico a si próprio (as relações humanas)'.690 [refere-se à obra Político] O sentido dessa argumentação é a irracionalidade do objeto a ser regulado pela lei, isto é, por normas gerais: a matéria social, caracterizada como o 'que jamais permanece idêntico a si próprio', como 'a inconstância permanente e sem exceção das coisas humanas'. Ela não pode ser abarcada normativamente de uma maneira abstrata e universalmente válida. Uma ordem justa das relações humanas não pode resultar de um princípio universalmente válido. Se a questão sobre a essência da justiça é a questão em torno de tal princípio universal - ou seja, de uma norma geral -, a resposta é que não existe uma justiça nesse sentido.

As normas existentes, denominadas particulares e inclusivas, trazem em seu bojo as normas gerais exclusivas, que lhes são correspondentes. Assim, "toda a atividade humana é regulada por normas jurídicas, porque aquela que não cai sob as normas particulares cai sob as gerais exclusivas" (BOBBIO, op. cit., p. 133).

É contestada essa teoria com a observação de que existem nos ordenamentos jurídicos as normas ditas gerais inclusivas, as quais regulam "os casos não-compreendidos na norma particular, mas semelhantes a eles, de maneira idêntica" (BOBBIO, op. cit., p. 136), diferentemente das normas gerais exclusivas, que os regulariam de maneira oposta à utilizada pelas normas particulares. Vê-se que a semelhança dos casos deve ser detectada através do processo interpretativo.

Cita-se como norma geral inclusiva o Art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, que prevê o emprego da analogia na solução dos casos sub judice para os quais a lei é omissa.

Ainda se questiona a teoria da norma geral exclusiva e se propõe a existência de lacunas no ordenamento jurídico, ao se constatar em boa hora:

o fato de que o caso não-regulamentado oferece matéria para duas soluções opostas [consideradas as normas gerais inclusivas] [...] Se existem duas soluções, ambas possíveis, e a decisão entre as duas cabe ao intérprete, uma lacuna existe e consiste justamente no fato de que o ordenamento deixou impreciso qual das duas soluções é a pretendida. [...] a lacuna consiste justamente na falta de uma regra que permita acolher uma solução em vez da outra (BOBBIO, op. cit., p. 137).

As lacunas ideológicas

Chamam-se lacunas ideológicas as lacunas que existem em razão da falta de norma jurídica satisfatória ou justa, isto é, adequada à solução do litígio. Não se trata, aqui, da lacuna real, que é a falta de norma jurídica expressa ou de norma jurídica tácita.
As lacunas ideológicas apresentam-se ao jurista quando este compara ao ordenamento desejável, ideal, o ordenamento jurídico positivado, podendo-se chamá-las "lacunas de iure condendo (de direito a ser estabelecido)" (BOBBIO, op. cit., p. 140), reconhecendo-se, então, que todo e qualquer ordenamento positivo as apresenta e que somente o Direito Natural delas está isento.

De conformidade à doutrina de Brunetti, tais lacunas "não interessam aos juristas" (BOBBIO, op. cit., p. 142).

Vários tipos de lacunas

Inicialmente, distinguem-se lacunas próprias e impróprias.

Lacunas próprias confundem-se com lacunas reais. São as existentes no sistema jurídico tal qual este se apresenta, desde que nele estejam presentes tanto as normas gerais exclusivas quanto as normas gerais inclusivas. São sanadas a partir da interpretação das leis positivadas. Aqui cabe falar-se em (in)completude do ordenamento jurídico. "A lacuna em sentido próprio existe quando se presume que o intérprete [...] decidiu com uma dada norma do sistema e essa norma não existe ou, para ser mais exato, o sistema não oferece a devida solução" (BOBBIO, op. cit., p. 145).

Lacunas impróprias são as que se fazem presentes quando o ordenamento jurídico contém apenas as normas gerais exclusivas, além das normas particulares, exigindo uma solução por intermédio de normas a serem criadas pelo legislador. Assemelham-se às lacunas ideológicas.

Também pode ser feita a diferenciação entre lacunas subjetivas e lacunas objetivas. Subjetivas são as lacunas que têm como causa existencial a pessoa do legislador, que ora deixa de criar a norma voluntariamente, ora involuntariamente não regulamenta um fato ou ato jurídicos. Por sua vez, objetivas são as lacunas cuja fonte de existência não é imputada ao legislador, mas a fatores outros que fazem surgir necessidades inéditas nas relações sociais, necessidades que passam a reclamar ao Direito a regulamentação condizente à harmonia dos homens que na sociedade interagem.

Ainda procede-se à distinção entre lacunas præter legem e intra legem. As lacunas præter legem existem quando as regras jurídicas não abarcam em seu campo de incidência os fatos sociais semelhantes aos regulamentados, exigindo-se, para a integração do ordenamento jurídico, a criação de normas que os regulamentem. As lacunas intra legem, por outro lado, ocorrem quando as normas positivadas apresentam tal grau de generalidade que vazios aparecem no ordenamento, a reclamar solução por parte do intérprete.

Heterointegração e auto-integração

Heterointegração e auto-integração são duas formas de tornar completo o ordenamento jurídico, consistindo a primeira na utilização de ordenamentos alienígenas e/ou de fontes diversas da lei positivada, ao passo que a segunda não recorre a ordenamentos estrangeiros e minimiza ao máximo o uso de fontes que não sejam a lei.
No que se refere à heterointegração, constata-se o seguinte:

1)lançando-se mão de ordenamentos outros que não o pátrio, esses podem ser os vigentes na atualidade, os que vigeram ou o Direito natural "imaginado como um sistema jurídico perfeito" (BOBBIO, op. cit., p. 147);

2)quanto ao recurso a outras fontes de Direito que não sejam as leis, têm-se:

a)o costume, cuja utilização pode ser ampla ou restrita, quando, respectivamente, a lei lhe dá grande margem de atuação enquanto nascedouro do Direito ou limita essa mesma atuação. Nesse último caso, é exemplificativo o direito brasileiro, pois o Art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro consigna: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito" (grifo nosso) - aplicam-se os costumes, e não somente eles, nos casos em que ocorrer omissão da lei, e apenas nesses casos;

b)as sentenças judiciais, configurando o Direito judiciário (BOBBIO, op. cit., p. 149), bem como a opinião abalizada dos juristas, que é o Direito científico, consoante Savigny apud Bobbio (op. cit., p. 150).

A propósito, os costumes integram o direito internacional público, notadamente as normas internacionais fundamentais, consoante lição de Barroso (1999, p. 20). E o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, em seu Art. 38, reza:

Artigo 38 - 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:
a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;
c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.
(...)

A analogia

É o procedimento mediante o qual aplica-se a um caso não previsto em lei a norma jurídica que regula um caso de semelhança relevante, isto é, de mesmo fundamento, substância, essência, ratio legis. Vale dizer, " 'onde se depare razão igual à da lei, ali prevalece a disposição correspondente, da norma referida' " (MAXIMILIANO, op. cit., p. 209). Assim, "é preciso ascender dos dois casos a uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras conseqüências" (BOBBIO, op. cit., p. 153). É essa analogia que se encontra na norma geral inclusiva, já comentada.
A analogia pode ser explicada sob a seguinte forma (MAXIMILIANO, op. cit., p. 206):

... A assemelha-se a B; será, por isso, muitíssimo verossímil que o fato m, verificado em A, seja também verdadeiro relativamente a B (4).

O argumento não procede, se é demonstrável que os fatos, ou propriedades comuns a B e A, não têm a menor ligação com m (5)

Maximiliano (op. cit., p. 207) observa, todavia, que a analogia "fornece uma dose de probabilidade mais ou menos considerável conforme o grau de semelhança dos objetos comparados, porém não vai além da probabilidade".

Dintinguem-se a analogia legis e a analogia iuris:

. analogia legis - é a analogia propriamente dita, linhas atrás comentada;
. analogia iuris - é a analogia que surge não da aplicação de uma norma jurídica específica, porém da aplicação de todo o sistema jurídico (ou pelo menos de uma parte deste) e dos princípios gerais de direito, levando ao surgimento de uma norma expressa inédita (diz-se norma expressa porque a norma já existia em estado latente e, agora, eclode na literalidade da lei).

Cabe aqui, também, o esclarecimento acerca da interpretação extensiva, diferenciando-a da analogia. Interpretação extensiva é o mecanismo que consiste na extensão de uma norma jurídica aos casos que esta não prevê, significando que tais casos não são previstos expressamente pela norma, todavia o são de forma tácita, uma vez que o legislador apenas não os alinhou com os consignados na literalidade legal. O alcance da norma, enfim, é alargado para englobar as espécies não registradas pela letra da lei. Na interpretação extensiva, "nos limitamos à redefinição de um termo, mas a norma aplicada é sempre a mesma" (BOBBIO, op. cit., p. 156).

A analogia requer identidade "consistente no fato de se encontrar, num e noutro caso, o mesmo princípio básico e de ser uma só a idéia geradora tanto da regra existente como da que se busca" (MAXIMILIANO, op. cit., p. 212).

Os princípios gerais do direito

Previstos na LICC (Art. 4º), no CPC (Art. 126) e na CLT (Art. 8º), os princípios gerais do direito são conhecidos como analogia iuris. São as normas jurídicas mais gerais (fundamentais), que orientam todo o sistema jurídico, inclusive o internacional público, segundo Barroso (op. cit., p. 20) e, ainda, de conformidade com o Art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, linhas atrás transcrito.
Segundo Acquaviva (2001, p. 555):

Princípios gerais de direito são os que decorrem do próprio fundamento da legislação positiva, que, embora não se mostrando expressos, constituem os pressupostos lógicos necessários das normas legislativas.

Muito embora não estejam expressos, tais princípios existem, consistindo na manifestação do próprio espírito de uma legislação.

Os princípios gerais do direito são "as diretivas idéias do hermeneuta, os pressupostos científicos da ordem jurídica" (MAXIMILIANO, op. cit., p. 295) e, "considerados da mesma maneira que os postulados de um sistema científico" (BOBBIO, op. cit., p. 77), são os princípios dos quais derivam tanto as normas jurídicas de um ordenamento quanto a interpretação dessas mesmas normas, tornando o ordenamento um sistema jurídico, compreendido como uma totalidade formada necessariamente por elementos coerentes entre si (compatíveis uns com os outros) em seus inter-relacionamentos.

Podem vir expressos ou não (entendimento diverso da compreensão de Acquaviva, anteriormente citado). Os princípios não-expressos são:

aqueles que se podem tirar por abstração de normas específicas ou pelo menos não muito gerais: são princípios, ou normas generalíssimas, formuladas pelo intérprete, que busca colher, comparando normas aparentemente diversas entre si, aquilo a que comumente se chama o espírito do sistema (BOBBIO, op. cit., p. 159).

Ao versar sobre esse assunto, Maximiliano (op. cit., p. 301) assim se expressa:

Não se encontram em pleno ideal, nas alturas vertiginosas da abstração pura; e, sim, na parte da teoria jurídica hodierna que se acha em contato com a ciência do exterior e as correntes sociais do país (1). Não bastam opiniões isoladas, individuais, nem tampouco os ensinamentos de jurisconsultos, sem distinção nenhuma; exige-se até algo mais do que a communis opinio doctorum: a doutrina consagrada, indiscutivelmente vitoriosa (bewaehrte), aceita por mestres de consolidado prestígio e reconhecida competência (2)

Ao encerrar o estudo da completude do ordenamento jurídico, Bobbio alinha (op. cit., p. 160):

A primeira condição para que se possa falar de lacuna é a de que o caso não esteja regulado: o caso não está regulado quando não existe nenhuma norma expressa, nem específica, nem geral, nem generalíssima, que diga respeito a ele, quer dizer, quando, além da falta de uma norma específica que lhe diga respeito, também o princípio geral, dentro do qual poderia entrar, não é expresso.

Considerações Finais

A completude do ordenamento jurídico, defendida pelos positivistas, no propósito de ter respostas para todas as problemáticas humanas num único ordenamento, que necessariamente tem vigência espacial e temporal limitada, é um ideal que não pode ser alcançado. A estupenda e maravilhosa dinâmica da convivência humana, ao criar realidades a cada momento e ao apresentar nuances sempre novas em velhos fenômenos que se encontram sob cobertura do Direito, impede o alcance daquele ideal.

A aplicação pura e simples das leis, especialmente em sua literalidade, sem uma análise mais acurada das especificidades do caso concreto (caso sub judice), pode encerrar a possibilidade do cometimento de injustiças. A situação fática pode conter interfaces tão inéditas que estas a coloquem fora do campo de incidência dos preceitos legais, em razão da não correspondência com os supostos jurídicos, o que pode não ser apreendido pelo jurista, ou este pode não querer tal apreensão, quando o dito jurista tem formação acadêmica míope ou é desacostumado à crítica da legislação, porque se apegou terrivelmente à ciência jurídica, descurando-se do estudo das disciplinas complementares e da interdisciplinaridade científica necessária no mundo atual, e porque não exerceu o espírito questionador (talvez em razão de achar-se preso a interesses egóicos e de nobreza duvidosa).

A ideologia e a hermenêutica jurídicas possibilitam interpretações várias das normas insertas na positivação do Direito, cuja perfeição é impossível de ser atingida. Assim, ao finalizar-se a análise do tema deste artigo, as considerações finais são no sentido de que todo e qualquer ordenamento jurídico positivo é lacunoso, deixando parcela importante de sua integração ao jurista-intérprete. A completude é uma ilusão.

__________________

* Bacharel em Administração (CRA/BA 6028), Graduando em Direito, Servidor Público da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)

_______________

Referência Bibliográfica


ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. 2. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2001. 797 p.


BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 320 p.


BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. 184 p.


BRASIL. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.


ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Estatuto da Corte Internacional de Justiça.


KELSEN, Hans. A ilusão da justiça. Tradução por Sérgio Tellaroli. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 654 p.


MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. 426 p.

contato: wcosta@uesb.br