Ano I - Nº 03 - Dezembro de 2001 - Quadrimestral - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178

Trajetória do Mercosul em sua primeira década (1991-2001):uma avaliação política a partir do Brasil *

 

Paulo Roberto de Almeida **

 

 

 

Sumário:

1. O Mercosul como processo histórico e como realidade sociológica

2. Da integração Brasil-Argentina ao Mercado Comum do Sul

3. A economia a serviço da política: a construção do Mercosul

4. Desenvolvimento político e econômico do Mercosul de 1991 a 2000

5. Estrutura jurídico-institucional do Mercosul

6. Desenvolvimento de um espaço integrado e democrático na América do Sul

7. Relações internacionais do Mercosul: projeção internacional e desafio da Alca

8. Um balanço do Mercosul em seu primeiros dez anos: realizações e limites

9. Contexto econômico e político do processo hemisférico: o Mercosul e a Alca

10. Cronologia relacional do Mercosul no contexto global, 1990-2001

10.1. Antecedentes imediatos, 1990

10.2. A fase de transição do processo integracionista, 1991-1994

10.3. O Mercosul enquanto união aduaneira, 1995-2001

10.4. Desenvolvimentos da integração nas Américas, 2001-2005

Fontes e bibliografia

 


1. O Mercosul como processo histórico e como realidade sociológica

O Mercosul, entendido como processo complexo de construção progressiva de um espaço integrado no Cone Sul, transcende em muito as realizações econômicas, políticas e diplomáticas acumuladas ao longo dos primeiros dez anos de sua existência formal, contados a partir da assinatura do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991. Trata-se de uma realidade sociológica fortemente embasada no contexto histórico e político do subcontinente sul-americano, extravasando o simples conceito econômico de união aduaneira ou de mercado comum, visto que apresenta características imanentes do ponto de vista sócio-estrutural que vão além dos resultados alcançados nos planos comercial, político-diplomático ou mesmo “societal” dos quatro países membros. A realidade sociológica e o alcance efetivos do Mercosul na geoeconomia e na história política recente da região extrapolam a simples área coberta pelo território combinado dos quatro membros originais e dos dois países associados. Da mesma forma, seu “tempo histórico” de desenvolvimento ultrapassa a mera cronologia de uma década, devendo-se remontar à segunda metade do século XX para projetar sua influência real nas próximas décadas.

O presente texto pretende oferecer, segundo uma perspectiva brasileira, um balanço crítico dos primeiros dez anos do Mercosul em suas diferentes vertentes, e portanto, a avaliação sistêmica aqui proposta está explicitamente formulada a partir dessa visão nacional do processo integracionista. O texto se propõe a tocar nos seguintes aspectos, que comporão suas seções: depois desta introdução ao debate do problema e de uma breve digressão histórica sobre seus antecedentes, serão sucessivamente abordados o problema da “opção integracionista” no quadro da história política e econômica dos países membros na segunda metade dos anos 1980, com destaque para o protagonismo dos dois sócios principais, o desenvolvimento do Mercosul nos anos 1990, suas realizações materiais e frustrações econômicas, seus pressupostos políticos e sua estrutura jurídico-institucional, assim como as lacunas remanescentes do processo integracionista, em face dos desafios existentes nos planos regional, hemisférico e global. Uma breve cronologia relacional da integração no hemisfério complementa a avaliação aqui empreendida.

Qualquer avaliação ponderada de um processo de construção integracionista tão complexo como o Mercosul deve partir de premissas realistas e de critérios razoáveis de aferição de resultados e julgar os sucessos alcançados, assim com as insuficiências manifestas do projeto de mercado comum, em sua ótica e méritos próprios, que devem ser os dos objetivos originalmente propostos pelos “pais fundadores” e expressos nos textos constitutivos, nos mandatos ulteriores e nas decisões derivadas, recusando, portanto, a adoção de uma perspectiva principista que consistiria na crítica à realidade existente a partir de um modelo suposto ideal de integração, geralmente identificado com o padrão europeu. O autor não pretende discutir implicações teóricas ou controvérsias jurídicas do Mercosul — como a falsa oposição entre o direito comunitário e o direito internacional —, não pertinentes ao objeto em foco e ao espírito deste balanço, que se limita ao desenvolvimento dos processos reais que marcaram seu itinerário nos primeiros dez anos a partir do Tratado de Assunção. Um rápido percurso sobre as origens históricas e os fundamentos econômicos do Mercosul torna-se entretanto necessário para identificar as diferenças, continuidades e rupturas em relação ao processo imediatamente anterior.

 

2. Da integração Brasil-Argentina ao Mercado Comum do Sul

Os processos de aproximação, de cooperação e de integração entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, que resultaram no Tratado de Assunção de 1991 e na construção integracionista ulterior, associando ao projeto outros países do Cone Sul latino-americano, possuem antecedentes políticos e estruturais tanto internos quanto externos ao esquema subregional, cujas principais etapas históricas de desenvolvimento poderiam ser sumariadas em torno de algumas datas simbólicas desse longo itinerário que provavelmente ultrapassa meio século de ensaios, logros positivos e frustrações.

Com efeito, data do início dos anos 1940, ainda antes da guerra européia ter-se convertido num conflito mundial de proporções gigantescas, a tentativa de uma primeira união aduaneira bilateral Brasil-Argentina, aberta à época aos demais países da sub-região. Tal projeto foi descontinuado não apenas em função dos itinerários políticos diversos seguidos pelos dois países naquela conjuntura político-militar, como provavelmente também, no plano estrutural, em razão de assimetrias econômicas, da baixa intercomplementaridade industrial e do caráter ainda mais excêntrico de suas respectivas parcerias comerciais externas (Almeida, 1993). O projeto seria renovado no início dos anos 50, por iniciativa peronista, sob a forma de um segundo “Pacto ABC”, mas as naturais diferenças políticas e de orientação diplomática hemisférica entre os governos dos três países, no contexto da Guerra Fria, sepultaram rapidamente essa tentativa de caráter mais “hegemônico” do que propriamente econômico ou comercial. Dada a referida conjuntura, tanto as primeiras formulações de políticas comercial e industrial por parte da CEPAL (dirigida então por Raúl Prebisch) como o exemplo então oferecido pelo núcleo original do mercado comum europeu, incitaram o Brasil e a Argentina a retomarem o projeto integracionista. Vale recordar que, por limitações próprias ao GATT-1947, era impossível à época constituir uma simples área de preferências tarifárias entre os países interessados da região ou concluir um pacto comercial bilateral mais avançado entre os dois grandes, razão pela qual foi preciso adotar o formato de uma zona de livre-comércio, consubstanciada na Alalc, criada pelo primeiro Tratado de Montevidéu (1960).

Não é preciso retomar aqui o itinerário de avanços e recuos desse esquema, logo sofrendo as restrições políticas dos governos militares ou a competição de projetos mais ambiciosos de integração, como o do Pacto Andino (1969). Na realidade, o Brasil e a Argentina sempre realizaram a maior parte das transações comerciais operadas ao abrigo dos acordos preferenciais da Alalc e dos mecanismos de liquidação de contas previstos no Acordo de São Domingo de 1965 (compensações interbancárias à base de créditos recíprocos, contrariamente aos sistemas de pagamentos multilaterais recomendados pelo FMI). O fato é que o Brasil e a Argentina, depois de praticamente duas décadas de objetivos conflitantes — inclusive no que se refere ao aproveitamento dos recursos hídricos do Prata — e de uma competição militar tão irracional politicamente quanto custosa econômica e diplomaticamente — pois que envolvendo projetos nucleares sem qualquer correspondência com as realidades estratégicas e de segurança da região e no plano global —, decidiram retomar, o projeto de construção progressiva de um mercado comum bilateral, tal como inicialmente proposto nos anos 1950 por pioneiros da integração como Hélio Jaguaribe (Almeida, 1993). A reaproximação nos anos oitenta entre Brasil e Argentina foi possível graças ao contexto dos processos de redemocratização política e dos novos esquemas preferenciais existentes ao abrigo do segundo Tratado de Montevidéu (de 1980, que criou a Aladi, sucessora da Alalc) e da cláusula de habilitação do GATT (tal como emanada da Rodada Tóquio de negociações comerciais multilaterais, em 1979).

A fase que se estende do Programa de Integração e de Cooperação Econômica, desenhado em 1986 por diplomatas de ambos os países sob a liderança dos presidentes Raul Alfonsin e José Sarney, até a Ata de Buenos Aires de julho de 1990, passando pelo Tratado de Integração de 1988, corresponde a um processo bilateral de aprofundamento do movimento integracionista, que não tinha por motivação excluir outros parceiros subregionais, e cuja vocação primária era inteiramente condizente com o projeto de industrialização competitiva dos dois países e de fortalecimento de um centro econômico próprio no contexto subregional. Foi o caso, por exemplo do Uruguai, que acompanhou cada um dos entendimentos mantidos na segunda metade dos anos 1980 pelos seus dois vizinhos, mas que não desejou associar-se a eles. Até então, a liberalização recíproca do comércio e a definição de políticas setoriais comuns obedecia a uma lógica industrial e de fortalecimento conjunto da base econômica subregional. Os fundamentos empíricos do processo bilateral nessa fase eram fornecidos por um novo modelo de integração que combinava elementos “dirigistas” da experiência comunitária européia (a constituição de um mercado comum com o estabelecimento de políticas setoriais comuns, ativamente orientadas para a consolidação de estruturas produtivas locais) com a cobertura parcial típica dos esquemas preferenciais “aladianos” (seleção de setores para a redução progressiva das barreiras tarifárias e não-tarifárias).

Esse modelo tinha a vantagem de ser claro em seus objetivos de complementaridade industrial, mas acarretava igualmente a desvantagem de requerer a negociação de acordos específicos, sempre parciais, para o estabelecimento do objetivo do mercado comum em dez anos (de 1989 a 1998). Em todo caso, o conceito de Mercosul estava lançado, assim como o embrião das futuras instituições intergovernamentais — Conselho de Ministros, Grupo Mercado Comum, subgrupos de trabalho — que iriam marcar todo o processo de integração na década que se seguiu e de fato até a atualidade. Em termos de relações regionais e internacionais, as políticas externas do Brasil e da Argentina — e mesmo, de certo modo, suas políticas econômicas internas e externas — passavam a estar indissociavelmente ligadas e interconectadas, mesmo se, em diversas fases e para questões tanto tópicas como para elementos mais gerais das filosofias respectivas de cada governo, suas respectivas políticas externas divergissem por vezes dramaticamente no espírito e na letra da construção integracionista. Os regimes cambiais e as alianças externas preferenciais são apenas dois dos exemplos mais eloqüentes das assimetrias e discordâncias que o Brasil e a Argentina continuaram a exibir ao longo dos anos 1990 e mesmo durante momentos de crise do sistema político internacional e do sistema multilateral de comércio. O elemento novo, contudo, a ser destacado como resultado da integração dos anos 1980 seria a definição de uma relação privilegiada entre os dois países que modificou de forma relevante o cenário estratégico na América do Sul.

 

3. A economia a serviço da política: a construção do Mercosul

A conjuntura política e econômica, interna e externa ao Cone Sul, mudou significativamente no período entre meados de 1985 e final de 1990. As difíceis negociações da Rodada Uruguai para a liberalização do acesso a mercados e para a regulação de setores não cobertos ou insuficientemente cobertos pelas regras do GATT — em serviços, investimentos, propriedade intelectual, agricultura, têxteis — assim como o novo impulso dados aos esquemas regionais de liberalização e de integração introduziram um novo desafio para o esquema concertado entre o Brasil e a Argentina. O debate tinha a ver com o ritmo e a cobertura do processo de integração, julgado por muitos observadores à época como excessivamente lento e cauteloso — “flexível e gradual” nos termos dos entendimentos bilaterais. A entrada em vigor do acordo de livre-comércio entre o Canadá e os Estados Unidos em 1989 e a perspectiva de sua extensão a outros países do hemisfério tal como propugnava a “Iniciativa para as Américas” de George Bush em junho de 1990, a perspectiva de uma “fortaleza Europa” a partir de 1993, prometida pelo Ato Único Europeu de 1986, assim como a não conclusão da Rodada Uruguai em dezembro de 1990, em Bruxelas, como previsto no esquema inicial, foram fatores que, tomados conjuntamente, atuaram de maneira decisiva na decisão em favor da conformação do Mercosul.

Sem desconsiderar os fatores extra-regionais acima mencionados, o fator singular mais importante na tomada de decisão política em favor do formato quadrilateral do Mercosul ocorreu durante os anos iniciais dos governos Carlos Menem e Fernando Collor de Mello, cujo compromisso político foi o de buscar o aprofundamento e a aceleração da integração a dois, reduzindo significativamente (para apenas quatro anos) os prazos e as modalidades previstos no Tratado de 1988. O referido compromisso foi referendado pela Ata de Buenos Aires, em julho de 1990, e suas conseqüências não se limitaram à mudança de ritmo do processo bilateral, mas afetaram, fundamentalmente, o caráter do processo de integração. Em lugar da abordagem “dirigista” e flexível” do esquema anterior, a integração assumiu uma natureza livre-cambista e o desmantelamento das barreiras existentes passou a ocorrer de forma automática (Almeida, 1998).

Essa decisão “dramática”, tanto em termos políticos como comerciais, determinou uma nova configuração nos equilíbrios subregionais, com a convocação de reuniões de consultas entre os principais interessados no processo, que nessa conjuntura envolvia o Chile e o Uruguai, mas não ainda o Paraguai. O país andino do Pacífico logo chegou à conclusão de que não poderia ingressar num projeto de mercado comum cujos pressupostos tarifários iam a contra corrente de seu perfil linear de uma tarifa única e exclusiva de 11%, num momento em que Brasil e Argentina ainda exibiam médias tarifárias superiores a 40%, com picos por vezes superiores a 100%. O Chile eximiu-se, portanto, de ingressar no novo esquema subregional, preferindo apostar numa futura negociação comercial com os Estados Unidos (retomada apenas dez anos depois, em dezembro de 2000, e com resultados ainda bastante incertos). O Paraguai, por sua vez, após ter-se provisoriamente reabilitado de uma longa fase ditatorial e caudilhesca, foi incorporado ao esquema negociador com o apoio do Brasil, dado o interesse deste último em disciplinar o comércio ilegal na fronteira entre os dois países.

Como resultado de seis meses de intensas negociações entre os quatro países do Cone Sul, chegou-se à definição de um instrumento plurilateral de integração — conhecido desde então por Tratado de Assunção — cujas linhas básicas, entretanto, já tinham sido dadas pelo tratado de integração bilateral de 1988 e sobretudo pelo esquema livre-cambista bilateral da Ata de Buenos Aires de julho de 1990. Todos os mecanismos, instrumentos, órgãos e em especial os calendários de desgravação eram essencialmente os mesmos, com algumas exceções tópicas concedidas em termos de prazos maiores (um ano adicional) e de ampliação da lista de produtos sensíveis concedidas aos dois novos sócios menores. Mais importante foram preservadas a reciprocidade política total e absoluta entre os países membros e a igualdade de direitos e obrigações entre eles, inclusive no plano da tomada de decisões, a despeito dos diferenciais de peso e importância relativos intra-Mercosul ainda mais dramáticos do que aqueles existentes entre os integrantes do outro único esquema historicamente conhecido e exitoso de mercado comum, a Comunidade Européia. Essas assimetrias absolutas existentes no Mercosul — com o Brasil representando entre 70 e 80% de sua massa física, em termos de território, população, produto bruto e comércio exterior — também viriam a existir no Nafta então em conformação, mas sem o complicador, neste último caso, dos regimes uniformes, das políticas setoriais harmonizadas (ou pelo menos coordenadas) e, sobretudo, da política comercial e da tarifa externa comum que se tornam obrigatórias quando se passa de um simples esquema de livre-comércio para a maior complexidade do mercado comum.

O Mercosul quadrilateral estava, portanto, formalmente criado, com o nome oficial — não de tratado do mercado comum do Sul, como muitas vezes se acredita, mas — de “tratado para a constituição de um mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai”, colocando assim no futuro o que então era um projeto extremamente ambicioso no que se refere a prazos e natureza dos compromissos assumidos (nada menos que a “harmonização de políticas setoriais” e a “coordenação de políticas macroeconômicas”, por exemplo). Na letra, como se disse, o Tratado de Assunção nada mais é senão uma reprodução ipsis litteris dos mecanismos estabelecidos na Ata de Buenos Aires, ainda que seu espírito formal tenha sido adaptado ao esquema quadrilateral e que, na fase subsequente de negociações internas e externas, o conteúdo substantivo das políticas econômicas e comerciais adotadas eventualmente por cada um dos quatro membros originais estivesse longe das características de ipsis verbis que seria de se esperar de um esquema elaborado de integração como pretende ser um mercado comum. Essa característica se refletiria no desenvolvimento do Mercosul, como se verá.

 

4. Desenvolvimento político e econômico do Mercosul de 1991 a 2000

Os dez anos que se seguiram à data de assinatura do Tratado de Assunção, em março de 1991, foram marcados por diferentes fases de desenvolvimento interno e externo do Mercosul, tanto em função do seu calendário próprio — definido de maneira bastante otimista, de estabelecimento progressivo e de consolidação do mercado comum (ainda um objetivo não alcançado, como se sabe) —, como em virtude de processos internos e externos que impactaram de forma negativa essas diferentes etapas, sem que os Estados membros lograssem controlar, a cada vez, o itinerário e o desenrolar das forças econômicas e políticas em jogo nas tendências de curto prazo do futuro mercado comum. A última década pode ser dividida grosso modo em três etapas: (a) a fase de transição, prevista no próprio tratado, até o final de 1994; (b) a configuração institucional da união aduaneira, iniciada formalmente em primeiro de janeiro de 1995, mas que de fato corresponde a uma “segunda fase de transição”, pois que abrindo espaço de tempo adicional para que fossem completados os requisitos de uma zona de livre-comércio completo e de uma união aduaneira acabada; (c) finalmente, uma conjuntura de crise política e econômica aberta com a desvalorização do real em janeiro de 1999 e a ameaça subsequente de dolarização na Argentina. Os contenciosos comerciais e os reclamos protecionistas decorrentes foram em grande medida contornados por um programa de “relançamento” do Mercosul no ano de 2000, a despeito das pressões dos Estados Unidos e de outros países (em particular o Chile, que hesita entre a adesão plena ao Mercosul e um acordo de livre comércio com os EUA) em favor da antecipação dos prazos negociadores para a formação da área de livre comércio hemisférica (Alca).

Os objetivos fixados no Artigo 1º do Tratado de Assunção para a fase de transição eram muito claros, a saber: a constituição, até 31 de dezembro de 1994, de um mercado comum, caracterizado pela “livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos”, pelo “estabelecimento de uma tarifa externa comum” e pela “coordenação das políticas macroeconômicas”, assim como o “compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes”. No que se refere, por exemplo, à livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países membros, tal deveria ser atingida por meio, entre outros, da eliminação de direitos alfandegários e de restrições não-tarifárias à circulação de bens e serviços, ou seja, alcançando-se uma zona de livre-comércio. No prazo acordado, as metas foram atingidas apenas parcialmente, essencialmente no que se refere à livre circulação de bens — embora vários produtos permanecessem nas listas de exceções, com restrições de diversas ordens — mas não no tocante a serviços ou a uma indefinida categoria de “fatores produtivos”, que poderia ser considerada como o equivalente da circulação de trabalhadores (ou pelo menos de trabalho especializado).

Desse ponto de vista, e mesmo considerando-se uma “segunda fase de transição” no período posterior a 1995 (quando foi estabelecido um programa para o acabamento dos objetivos do Tratado de Assunção conhecido como “Mercosul 2000”), o Mercosul permanece uma zona de livre-comércio incompleta, embora a livre circulação de bens contemple a quase totalidade da pauta aduaneira, pelo menos em número de itens. Entretanto, parte expressiva do comércio intrarregional, senão em volume pelo menos em valor, é composto por produtos do setor automobilístico (automóveis e peças), que permaneceu à margem da zona de livre comércio durante os primeiros dez anos do Mercosul. Foi apenas em dezembro de 2000 que, finalmente, se logrou estabelecer um marco comum, quadripartite para o comércio administrado para esse setor, muito embora algumas dúvidas subsistam quanto à capacidade argentina (e dos outros dois sócios menores) de cumprir o acordado. Um acordo-marco para a livre circulação de serviços — Protocolo de Montevidéu, adotando basicamente o modelo do GATS — foi adotado em dezembro de 1997, prevendo a liberalização progressiva da oferta de serviços inter-regionais num prazo de dez anos, mas sua implementação depende da negociação de acordos setoriais específicos e de compromissos explícitos de abertura, que se encontram atualmente na Segunda Rodada de Negociações.

No que tange a Tarifa Externa Comum, esta foi efetivamente definida nos prazos fixados (isto é, antes de 31.12.94), o que teoricamente converteria o Mercosul em uma união aduaneira a partir de 1995, mas a implementação da TEC sofreu igualmente novos atrasos temporais e a imposição adicional de regimes temporários de exceção (listas de exceções nacionais, definidas por cada um dos membros, e portanto, diferenciadas e não aplicadas de forma quadripartite). Outras exceções dizem respeito às Listas de Convergência, acordadas na Reunião Ministerial de Ouro Preto, em dezembro de 1994, para Bens de Capital (com vigência até 01/01/2001 – em fase de renegociação) e para Produtos do Setor de Informática e Telecomunicações (com vigência até 01/01/2006). A TEC se apresenta com uma estrutura racional em termos econômicos, comportando em seu regime normal um leque de dispersão relativamente reduzido (de 0 a 20%), que esposou características da própria tarifa aduaneira brasileira — compreensivelmente o país de maior relevância para o comércio intra e extra-regional.

Sob o impacto da crise financeira asiática e em vista os problemas decorrentes do choque de competitividade externo tanto sobre o Brasil quanto a Argentina, a TEC foi objeto de revisão em dezembro de 1997, procedendo-se, por meio de acordo quadripartite, a um aumento linear de 3 pontos nas alíquotas efetivas, o que representou um aumento de 25% na tarifa média de 14% aplicada geralmente pelos países membros. Durante a reunião do Conselho do Mercado Comum (Florianópolis, 14 e 15/12/2000), os Estados Partes alegaram necessidades fiscais para não procederem à redução integral do aumento transitório da TEC. Nessa ocasião, foi acordada a redução dos níveis tarifários adicionais para 2,5 pontos percentuais, com o compromisso de estabelecer novas reduções de acordo com cronograma a ser definido até 30 de junho de 2001. Em fevereiro de 2001, contudo, o novo ministro da economia da Argentina, Domingo Cavallo, assumiu em atmosfera de crise, prometendo revitalizar a economia de seu país: sua primeira providência foi a de suspender unilateralmente a vigência da TEC para um certo número de produtos, fixando novas tarifas para dois grupos de importações (basicamente 35% para bens de consumo corrente, como forma de proteger temporariamente indústrias argentinas ameaçadas, e zero para bens de capital, de maneira a estimular-lhes a competitividade). Muito embora reunião extraordinária do Mercosul, em abril de 2001, tenha ratificado essas mudanças e acolhido as “exceções temporárias” acordadas à Argentina, essa nova realidade, mais as sucessivas declarações do ministro Cavallo no sentido de fazer o Mercosul retroceder a um status de simples zona de livre-comércio, contribuiram para agravar a situação de crise política vivida pelo bloco desde a desvalorização brasileira de janeiro de 1999 e para criar uma impressão internacional de “inviabilidade” do projeto de mercado comum em face de pressões externas tão relevantes como a criada com as negociações da Alca.

A TEC deveria ter sido complementada por uma política comercial conjunta dos países membros em relação a terceiros países, mas diversos elementos dessa política permaneceram carentes de uma definição, como no caso dos incentivos fiscais. Durante a fase de transição, houve consenso de que se deveriam identificar os casos de política industrial ou fiscal suscetíveis de representar subsídios ou vantagens indevidas para qualquer dos membros, em vista de sua harmonização ulterior, com vistas a evitar distorções comerciais na região. A despeito de esforços conduzidos na fase subsequente, não houve contudo acordo nesse sentido, o que aliás gerou polêmicas internas relativas a regimes especiais concedidos ao setor automobilístico no Brasil e na Argentina. O Brasil considera que o desmantelamento de sua política de incentivos fiscais e creditícios, como por exemplo os programas promovidos pelo BNDES, vincula-se estreitamente ao correspondente desmantelamento da aplicação unilateral e abusiva de direitos antidumping e medidas compensatórias no comércio intrazona. A consolidação de uma união aduaneira perde sentido se não forem criados mecanismos e disciplinas comuns nessas duas áreas.

No mesmo sentido, o tema da coordenação das paridades cambiais, importante em vista de suas repercussões imediatas nas correntes de comércio e nos fluxos de capitais, foi objeto de estudos aprofundados, a partir de uma análise dos regimes cambiais nacionais existentes e do papel, na definição das paridades recíprocas, do intercâmbio intra e extrazona. Não se logrou, contudo, uma definição tendente à adoção de um sistema de bandas convergentes ou mesmo um sistema monetário baseado em paridades fixas, tendo em vista os grandes descompassos observados nos processos de ajuste e de estabilização macroeconômica, praticamente desde o início do Mercosul. A Argentina adotou, como se sabe, a partir de maio de 1991 (Plano Cavallo), uma lei de conversibilidade, sustentada numa paridade absoluta entre o peso e o dólar, enquanto o Brasil tardava até 1994 para iniciar seu processo de estabilização (Plano Real), parcialmente sustentado numa âncora cambial. A despeito da vontade política dos governos dos quatro países membros, fatores de política econômica interna na Argentina e no Brasil (recessão, desemprego, sistemas de câmbio diferentes, processos eleitorais), acoplados às conseqüências das crises financeiras internacionais de fins de 1994 no México, de 1997 na Ásia e de 1998 na Rússia e no próprio Brasil em seguida, causaram sérias dificuldades para a continuada evolução positiva do processo negociador regional.

A desvalorização do real, em janeiro de 1999, e a introdução subsequente de um regime de flutuação cambial deflagraram uma grave crise político-comercial e de credibilidade externa. Na esteira da crise da desvalorização, foi criado, em junho de 1999, o Grupo de Trabalho sobre Coordenação de Políticas Macroeconômicas, com vistas a retomar os entendimentos sobre o tema e propor ações tendentes ao aumento da percepção de credibilidade do bloco frente aos investidores internacionais. O exercício quadripartite de coordenação macroeconômica sem dúvida agrega projeção internacional aos programas de estabilidade monetária dos países da região, a despeito das críticas de que foram reduzidos seus resultados concretos e de que os ganhos em termos de credibilidade externa do Brasil se deveram muito mais aos indicadores macroeconômicos alcançados individualmente pelo País do que a qualquer iniciativa ou outro esforço que se possa reputar ao Grupo de Trabalho sobre Coordenação de Políticas Macroeconômicas. É acertado notar, no entanto, que a publicação em outubro de 2000 de indicadores macroeconômicos sobre aspectos fiscais e a antecipação dos prazos previstos para a definição de metas macroeconômicas não foram suficientes, por exemplo, para evitar a atual crise de credibilidade da Argentina nos mercados externos.

A desvalorização do real foi igualmente impactante em termos políticos e comerciais, dada a imediata reação do setor privado argentino, logo encampada pelo Governo de Buenos Aires às vésperas da eleição. O receio, que se comprovou infundado, de inundação de produtos brasileiros nos mercados vizinhos ou de fuga de capital para o Brasil reacendeu demandas protecionistas por parte de setores de menor competitividade naquele país. Foi possível perceber-se a magnitude do problema, de toda forma, pela queda inédita no volume do intercâmbio intra-Mercosul, com a redução do saldo comercial até então acumulado pela Argentina contra o Brasil. No ano seguinte, porém, os fluxos de comércio já tinham retomado os valores anteriores à crise, mas subsistiam os problemas de competitividade argentina vinculados em parte a seu regime cambial rígido. A tabela 1 resume os valores do comércio do Brasil com seus parceiros do Mercosul, com fluxos em contínuo crescimento até o início da fase de crises financeiras, a redução efetiva ocorrida em 1998 e sobretudo em 1999 e a retomada de fluxos próximos dos normais em 2000.

 

Tabela 1

Comércio do Brasil com os países do Mercosul

(US$ bilhões valores aproximados)

 

Exportações

importações

saldo

1990

1,32

2,31

-0,99

1991

2,30

2,26

+0,04

1992

4,09

2,28

+1,81

1993

5,38

3,37

+2,01

1994

5,92

4,58

+1,34

1995

6,15

6,84

-0,69

1996

7,30

8.30

-1,00

1997

9,04

9,51

-0,47

1998

8,87

9,42

-0,55

1999

6,77

6,71

+0,06

2000

7,73

7,79

-0,06

2001*

2,35

2,47

-0,12

* 2001= janeiro-abril

 

De forma geral, pode-se reconhecer que o Mercosul atuou, em seus primeiros dez anos, como uma espécie de mecanismo anti-cíclico no plano das conjunturas econômicas, servindo o Brasil, aliás, como provedor de saldos comerciais para seus parceiros. O bloco constituiu-se em fator eminentemente positivo para a consolidação de políticas orientadas para a estabilização macroeconômica, para a busca de competitividade interna e externa e para a introdução de medidas de ajuste fiscal e de regimes regulatórios responsáveis e avançados na região. Os avanços, quer no plano da liberalização do acesso aos mercados recíprocos, quer no terreno da coordenação e harmonização de políticas têm sido mais lentos do que o desejado por seus planejadores originais ou pretendido por alguns entusiastas da integração, mas a cautela na implementação das medidas previstas e necessárias representa, talvez, uma garantia contra retrocessos eventuais.

As crises ocasionais enfrentadas pelos países membros — que foram confundidas por vezes com crises do próprio Mercosul, seja em matérias de imprensa, seja em comentários de observadores menos avisados — deram oportunidade a que alguns desses observadores sugerissem a passagem a instituições supranacionais, quando não à criação de uma moeda única do bloco, como forma de contornar protecionismos setoriais ou de se precaver contra crises financeiras importadas. O falso conflito entre moeda comum do Mercosul ou dolarização unilateral chegou mesmo a ser agitado no final do mandato do Presidente Menem, merecendo, como seria de se esperar, cauteloso tratamento por parte das autoridades econômicas no Brasil e na Argentina. A despeito das críticas quanto à morosidade e pouca eficácia do exercício de coordenação macroeconômica, foram dados em dezembro de 2000 os primeiros passos na direção de um espaço monetário integrado no Mercosul, com o anúncio de metas e mecanismos de convergência macroeconômica referentes à: i) variação da dívida fiscal líquida do setor público consolidado; ii) dívida líquida do setor público consolidado (deduzidas as reservas internacionais) sobre o PIB nominal; iii) inflação, com base nas estatísticas harmonizadas elaboradas pelo Grupo de Monitoramento Econômico.

 

5. Estrutura jurídico-institucional do Mercosul

No âmbito institucional, o Protocolo de Ouro Preto, adotado em dezembro de 1994 para atender ao estipulado no Artigo 18 do Tratado de Assunção, confirmou a escolha básica de 1991 por uma estrutura orgânica de tipo intergovernamental, descartando-se, portanto, o chamado “salto supranacional” desejado por alguns teóricos. Esse Protocolo estabeleceu a seguinte estrutura institucional “definitiva”:

a)       Conselho do Mercado Comum (CMC): órgão supremo do processo de integração, composto pelos ministros de Relações Exteriores e de Economia; adota decisões;

b)       Grupo Mercado Comum (GMC): órgão executivo cuja função é a de assistir o Conselho nas decisões de natureza executiva; adota resoluções;

c)       Comissão de Comércio do Mercosul (CCM): assiste o GMC na aplicação dos principais instrumentos de política comercial comum;

d)       Comissão Parlamentar Conjunta (CPC): canal de representação dos Parlamentos dos quatro países, encaminhando suas propostas ao CMC;

e)       Foro Consultivo Econômico-Social (FCES): permite aos diferentes setores da sociedade (sindicatos, consumidores, sociedade civil em geral) encaminhar seus pleitos e proposições aos órgãos de decisão, no seu caso ao GMC;

f)       Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM): com sede em Montevidéu e vinculada ao GMC, faz o registro das decisões tomadas pelos órgãos permanentes e facilita o processo de solução de controvérsias na fase arbitral.

 

Desde a assinatura do Tratado de Ouro Preto, a estrutura institucional tem sofrido pequenas modificações, caracterizadas principalmente pela criação de novos foros. A última reestruturação institucional do Mercosul foi aprovada pela Decisão CMC No. 59/00, durante a XIX Reunião Ordinária do CMC (Florianópolis, 14 e 15/12/2000). Cabe recordar apenas que o relançamento criou foros informais e paralelos à estrutura institucional, como forma de dinamizar e elevar a importância política de certos temas. Alguns desses foros informais foram finalmente incorporados à estrutura ao final da Cúpula de Florianópolis. Sem alterar a estrutura dorsal do Mercosul, a Decisão 59/00 consagra a seguinte estrutura institucional do Mercosul:

 

1- Grupo Mercado Comum

A- Subgrupos de Trabalho: passam a ser em número de quatorze, a saber: SGT-1 “Comunicações”; SGT-2 “Aspectos Institucionais” (o antigo SGT-2 “Mineração” fundiu-se com o SGT-9; e foi incorporado o antigo Grupo Ad Hoc de Aspectos Institucionais); SGT-3 “Regulamentos Técnicos e Avaliação de Conformidade”; SGT-4 “Assuntos Financeiros”; SGT-5 “Transportes”; SGT-6 “Meio Ambiente”; SGT –7 “Indústria”; SGT-8 “Agricultura”; SGT-9 “Energia e Mineração”; SGT-10 “Assuntos Laborais, Emprego e Seguridade Social”; SGT-11 “Saúde”; SGT-12 “Investimentos” (incorporou a antiga Comissão de Investimentos do SGT-4); SGT-13 “Comércio Eletrônico” (incorporou o antigo Grupo Ad Hoc sobre Comércio Eletrônico); SGT-14 “Acompanhamento da Conjuntura Econômica e Comercial” (incorporou o antigo Grupo Ad Hoc de Acompanhamento da Conjuntura Econômica e Comercial).

B- Reuniões Especializadas: passam a ser em número de oito, a saber: “Autoridades de Aplicação em Matéria de Drogas, Prevenção de seu uso indevido e Recuperação de Drogadependentes”; “Mulher”; “Ciência e Tecnologia”; “Comunicação Social”; “Turismo”; “Promoção Comercial”; “Municípios/Intendências do Mercosul”; “Infra-estrutura da Integração”.

C- Grupos Ad Hoc: passam a ser em número de quatro, a saber: “Concessões”; “Setor Açucareiro”; “Compras Governamentais”; “Relacionamento Externo”.

D- Comitê de Cooperação Técnica;

E- Comitê de Diretores de Aduana;

F- Comitê de Sanidade Animal e Vegetal;

G- Grupo de Serviços .

 

2- Comissão de Comércio do Mercosul

Os Comitês Técnicos: passam a ser em número de sete, a saber: CT-1 “Tarifas, Nomenclatura e Classificação de Mercadorias”; CT-2 “Assuntos Aduaneiros”; CT-3 “Normas e Disciplinas Comerciais”; CT-4 “Políticas Públicas que Distorcem a Competitividade”; CT-5 “Defesa da Concorrência”; CDCS “Comitê de Defesa Comercial e Salvaguardas; CT-7 “Defesa do Consumidor”. Foram eliminados o CT-8 “Barreiras Não-Tarifárias” (tema em tratamento no âmbito do Grupo informal de Acesso a Mercados), CT-9 “Automotivo” (tema definitivamente incorporado ao Mercosul pela Decisão 70/00) e CT-10 “Têxtil”.

 

Muito embora as finalidades do Mercosul tenham sido muitas vezes definidas como tendencialmente correspondentes aos objetivos perseguidos pelo processo de integração européia, não se julgou necessário em Ouro Preto que o sistema institucional seguisse os mesmos padrões que aqueles implementados no âmbito do Tratado de Roma. Buscou-se, ao contrário, garantir um modelo que correspondesse às realidades intrínsecas — com todas as limitações de fato existentes — do esquema subregional, preservando os espaços de soberania nacional alocados aos Estados membros. Os responsáveis políticos pelo processo de integração estavam conscientes de que qualquer “salto supranacional” nessa fase preliminar de implantação da união aduaneira, poderia comprometer os objetivos nacionais de estabilização macroeconômica ou alterar o delicado equilíbrio entre competências nacionais e atribuições decisórias coletivas.

Do ponto de vista da tomada de decisões nos órgãos políticos do Mercosul — Conselho e Grupo Mercado Comum —, o sistema adotado é o consenso entre os Estados Partes e na presença de todos os seus membros. Esse processo tem suas vantagens, mas também apresenta inconvenientes. Ao mesmo tempo em que ele leva os quatro Estados a se colocarem de acordo para adotar uma decisão válida, ou seja, obriga a uma negociação exaustiva de cada ponto relevante da agenda comum, ele introduz uma certa rigidez estrutural no encaminhamento dos problemas, ao colocar os quatro países em pé de igualdade, independentemente de seu peso econômico relativo ou da magnitude de seus interesses na construção da nova área de integração.

No que tange a resolução de diferendos entre os membros, o Protocolo de Brasília (1991) adotado para o período de transição instituiu um sistema de solução de controvérsias que foi confirmado, em suas grandes linhas, pela conferência de Ouro Preto. O mecanismo prevê quatro instâncias resolutivas, com procedimentos adequados a cada uma delas: além de negociações diretas entre as partes envolvidas e da intervenção do Grupo Mercado Comum, já previstas no próprio Tratado de Assunção, adotou-se o recurso a um sistema arbitral (por meio de um Tribunal ad hoc) e previu-se igualmente um procedimento para as reclamações formuladas por particulares, não necessariamente mais expedito. O Protocolo de Ouro Preto agregou mais uma instância resolutiva: após o término insatisfatório de negociações diretas, é possível levar o litígio à consideração da Comissão de Comércio, antes de submetê-lo à apreciação direta do GMC. Essencialmente, os mecanismos previstos configuram dois métodos complementares de solução de controvérsia: a via diplomática tradicional de negociação e o recurso à instância jurisdicional de caráter arbitral. Aperfeiçoamentos nesse sistema, tendentes a acelerar a transição entre os procedimentos, deveriam ter sido introduzidos no final de 2000, mas não houve consenso entre os países membros sobre os pontos identificados: eles previam, basicamente, a eliminação da fase do GMC, o reforço do laudo arbitral, critérios para a conformação de listas de especialistas e árbitros (criação de lista específica de árbitros-presidentes, com dois por país, o que poderia trazer maior harmonia entre os laudos) e alternativas para uma interpretação uniforme da normativa Mercosul (comportando algumas estipulações para a fase pós-laudo, entre elas sua implementação e eventual retaliações, a exemplo do que já existe na OMC).

 

6. Desenvolvimento de um espaço integrado e democrático na América do Sul

A evolução da interdependência econômica no Cone Sul e a conformação de um espaço econômico integrado e democrático na América do Sul foram dois processos não inteiramente controlados pelos estadistas, diplomatas ou pelos demais responsáveis pela administração da implementação do Tratado de Assunção nestes dez primeiros anos do Mercosul. Ainda assim, algumas das ações resultaram de iniciativas dos próprios dirigentes do processo integracionista no Cone Sul, enquanto outras emergiam como reação ou efeito indireto de eventos ou processos políticos e econômicos ocorridos na região nesse período, aos quais os governos dos países membros procuraram enquadrar na agenda de trabalho do projeto integracionista. Algumas dessas novas iniciativas devem ser sublinhadas, uma vez que elas confirmam a vocação do Mercosul em ultrapassar seus meros efeitos comerciais ou derivações econômicas no sentido de firmar-se como polo de desenvolvimento desse espaço integrado e democrático na América do Sul, objetivo implícito na letra e no espírito do tratado. As duas realizações significativas a esse respeito referem-se, por um lado, à chamada “cláusula democrática” do Mercosul, impulsionada involuntariamente pelas desventuras políticas do Paraguai, e, por outro lado, à valorização do conceito de América do Sul no planejamento político-diplomático do futuro do Mercosul, elemento este tributável inteiramente à diplomacia presidencial brasileira.

A rigor, a valorização do regime democrático como princípio organizativo básico da integração precede o próprio Mercosul, uma vez que, desde a Declaração de Iguaçu, em novembro de 1985, Brasil e Argentina nunca cessaram de reiterar a adesão aos valores democráticos como uma das vigas mestras da construção dos projetos de cooperação e de integração, tanto bilateralmente como na região, de modo mais amplo. A invocação tinha sua razão de ser, em virtude da recente transição política em ambos os países e da existência, sobretudo no vizinho platino, de bolsões anti-democráticos entre os militares e de grupos dispostos a tutelar, quando não a contestar, as democracias renascentes e sua valorização do jogo político-partidário. Mas essa adesão à democracia e a seus procedimentos formais somente adquire status de requerimento indispensável à participação no processo integracionista — só se torna um binding principle, como diriam os anglo-saxões — quando por duas vezes ocorre a ameaça de ruptura do regime democrático no Paraguai. Em ambas as ocasiões, os países do Mercosul, liderados por Brasil e Argentina, emitiram declarações e produziram instrumentos apropriados no âmbito do Mercosul com o objetivo explícito de salvaguardar não apenas a aparência, mas se possível a essência do sistema democrático no Paraguai.

Em 1996, por exemplo, foi assinada a Declaração Presidencial sobre o “Compromisso Democrático no Mercosul”, pela qual os quatro países assumiram o compromisso de consultarem-se e de aplicarem medidas punitivas, dentro do espaço normativo do bloco, em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática em algum Estado membro. Tratava-se, numa primeira abordagem, de uma fórmula branda, mas ela tinha sido de todo modo implementada previamente, na prática, pela ação decisiva da diplomacia brasileira — secundada pelos Estados Unidos, Argentina, União Européia e outros países, inclusive com a ameaça de boicotes e sanções punitivas — quando da primeira tentativa de golpe militar por parte do General Lino Oviedo. De fato, um golpe de estado bem sucedido no Paraguai violaria antes o espírito do que a letra do Tratado de Assunção e apesar de que os presidentes da Argentina e do Brasil tivessem advertido que um tal evento suscitaria a expulsão do Paraguai do Mercosul, não havia, estritamente, base legal para fazê-lo (Dabène, 2000: 154)

Na segunda vez, se tratou do assassinato do vice-presidente, crime no qual teria estado implicado o mesmo General Oviedo e que desatou nova crise política cujas conseqüências foram em parte sanadas por igual ação dissuasória da diplomacia brasileira. Desta vez, a reação política foi bem mais enfática, e se traduziu na adoção, no plano dos instrumentos constitutivos do Mercosul, do Protocolo de Ushuaia, relativo ao compromisso democrático no Mercosul, na Bolívia e no Chile (24/7/1998), que passou a fazer parte integrante do sistema político institucional do bloco, num sentido de condição sine qua, uma vez que comportando como sanção a exclusão pura e simples do membro no qual ocorresse a “ruptura da ordem democrática” (na verdade, o artigo 5 do protocolo menciona a “suspensão dos direitos e obrigações emergentes” dos processos de integração entre os Estados Partes). Em que pese ao caráter meritório da “cláusula democrática” no Mercosul, é mais provável que os elementos dissuasórios mais efetivos em vigor no caso do Paraguai tenham mais a ver com a tradicional política de poder do que com qualquer um de seus instrumentos declaratórios.

No que se refere à valorização do conceito de América do Sul, ele não é propriamente uma realização do Mercosul, muito embora a disposição dos membros do bloco — e a própria letra do Tratado de Assunção — seja condizente com uma expansão a novos membros da região (de fato, a abertura encontrada no TA se dirigia implicitamente ao Chile, o único membro da Aladi que não aderia, no momento da assinatura do tratado, a nenhum outro esquema subregional de integração). A estratégia de uma ampliação continental sempre pertenceu ao Brasil e ela conheceu vários desenvolvimentos, desde o início da década até os recentes progressos da Alca. Para registro histórico, lembre-se que esse projeto tinha sido apresentado, na gestão do chanceler Fernando Henrique Cardoso no governo Itamar Franco, como “Iniciativa Amazônica”, depois ampliado em escala continental (pelo chanceler Celso Amorim), sob o formato de uma Área de Livre-Comércio Sul-Americana (ALCSA).

Esse espaço de liberalização não recebeu, contudo, no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, a continuidade esperada pelos seus proponentes originais e a proposta parecia colocada numa espécie de limbo político pelos negociadores da integração. Nas duas modalidades mencionadas, estava prevista a negociação de acordos de liberalização comercial entre os países do Mercosul e os demais países do continente (vale dizer os andinos). Tal como apresentado pelo Brasil, o projeto da ALCSA não despertou entusiasmo nos demais parceiros do Mercosul, na medida em que reduzia o impacto do acesso preferencial ao mercado brasileiro por parte desses países e introduzia um difícil processo de negociações “triangulares” que tinha de levar em conta não apenas o chamado “patrimônio histórico” da Aladi, mas ainda acordos de alcance parcial que os países do Mercosul e seus associados pudessem manter com outros países latino-americanos membros de outros esquemas integracionistas (como passou a ser o caso do México a partir da criação da Nafta). O tema voltou entretanto a freqüentar a agenda da diplomacia brasileira — e por extensão a do Mercosul — à medida em que a Alca fazia progressos em direção do cumprimento do programa estabelecido em Miami, em dezembro de 1994, mesmo se a designação ALCSA já não mais comparecia nos textos e discursos dos dirigentes brasileiros. No intervalo, em 1996, tratou-se de reforçar o bloco do Cone Sul mediante a associação, em esquemas paralelos de livre comércio, do Chile e da Bolívia, esta última membro original do Grupo Andino mas de fato ausente do esquema de união aduaneira implementado parcialmente pela Comunidade Andina.

A conclusão, em 1998, de um acordo-quadro de liberalização do comércio entre os países do Mercosul e a Comunidade Andina veio recolocar num novo patamar os esforços de consolidação de uma zona de livre-comércio na América do Sul, mas de fato muito pouco progresso prático tenha sido feito desde então. Mudanças e crises políticas em alguns dos integrantes da CAN (Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela e Equador), assim como a virtual paralização da capacidade negociadora externa de outro (Colômbia) ou mesmo a “crise econômica” do Mercosul em 1999 foram fatores que contribuíram para dificultar a continuidade das negociações. Entretanto, a realização de uma primeira reunião de chefes de Estado da América do Sul em Brasília, em agosto-setembro de 2000, a convite do presidente Fernando Henrique Cardoso, relançou a iniciativa do espaço econômico sul-americano, fixando-se o prazo de dois anos para a conclusão das negociações. A “ALCSA” (conceito não utilizado nos entendimentos com a CAN) representa, para o Brasil, uma opção de médio escopo em face da Alca, servindo para reforçar o esquema liberalizador no âmbito geográfico da América do Sul como reforço indispensável na barganha política (e no concurso de competitividade) “contra” o esquema hemisférico. O pleno desenvolvimento da ALCSA representaria, para o Brasil, uma estratégia de grande importância na conformação de um projeto econômico próprio para a região, independentemente da vontade política do principal parceiro hemisférico.

Deve-se ressaltar que se trata sempre de constituir áreas restritas de livre comércio, ou seja, parciais tanto na profundidade dos compromissos como no âmbito geográfico, uma vez que parece difícil a integração de mais um novo membro sul-americano na união aduaneira oficial do Mercosul. Assim, a despeito da “importante decisão” anunciada no contexto do relançamento do Mercosul, no ano de 2000, no sentido da “integração plena” do Chile e da Bolívia ao bloco, tinha-se plena consciência das dificuldades práticas e legais existentes, entre elas a da diferença crucial nas estruturas tarifárias (perfil e valor nominal das alíquotas, mais reduzidas nos dois países andinos). De resto, o Chile, consoante sua vocação declarada desde o anúncio da “Iniciativa para as Américas”, em 1990, buscava prioritariamente um acordo na América do Norte, seja como adesão ao Nafta, seja como acordo bilateral com os Estados Unidos, possibilidade que foi negada ao país andino ao ter o Congresso americano recusado um mandato negociador nesse sentido ao Executivo em 1996. Não obstante, o Chile já tinha um acordo de liberalização com o México — concluído desde 1991, no âmbito da Aladi — e assinou outro com o Canadá em 1998, contendo muitos dos dispositivos típicos do Nafta. Curiosamente, pouco tempo antes da reunião de cúpula do Mercosul em Florianópolis, em dezembro de 2000, que deveria “anunciar” a “adesão plena” do Chile ao Mercosul, foi divulgada a notícia do início das negociações formais do país andino com os Estados Unidos visando à conclusão de um acordo de livre comércio.

 

7. Relações internacionais do Mercosul: projeção internacional e desafio da Alca

Antes mesmo da entrada em vigor oficial do Mercosul, os quatro membros já negociavam acordos com parceiros externos, como foi o caso do chamado “Rose Garden Agreement” com os Estados Unidos (em junho de 1991), que constituiu uma comissão de comércio e investimentos (meramente para o diálogo, ressalte-se) tal como proposta na “Iniciativa para as Américas”. Em maio de 1992, foi a vez da Comissão Européia, com a qual foi assinado acordo de cooperação técnica, também no formato “4+1”, destinado a subsidiar o Mercosul, “em transição para um mercado comum”, com informações sobre os requisitos iniciais de um processo progressivo de construção desse tipo de espaço econômico integrado.

O Protocolo de Ouro Preto atribuiu ao Mercosul personalidade jurídica de direito internacional, o que consolidou a prática até então observada de negociar de forma quadripartite com terceiros países ou com grupos de países, como no caso da União Européia ou no âmbito da projetada Alca, assim como em organismos internacionais. Enquadrou-se também nessa perspectiva a definição dos critérios de base para a negociação de acordos de livre-comércio com terceiros países, processo iniciado com o Chile e a Bolívia e estendido progressivamente a outros países ou grupos de países (como a CAN, o México e a África do Sul, que entraram na agenda negociadora no final da década). Ele também representou um reforço considerável no poder de barganha dos quatro países em escala mundial, como testemunha o diálogo de alto nível mantido com a União Européia desde as fases iniciais do Mercosul e consubstanciado no Acordo de Cooperação interregional Mercosul-UE, firmado em dezembro de 1995. Esse acordo desdobrou-se em negociações concretas para a liberalização comercial a partir de 2000, as quais deverão levar em conta a “sensibilidade de certos produtos [referência indireta à Política Agrícola da UE] e as regras da OMC”.

Como se pode depreender da tabela 2, o Mercosul se situa entre os principais blocos comerciais do mundo e é certamente o primeiro entre países em desenvolvimento, levando-se em consideração que a Aladi é uma simples área de preferências tarifárias e que os demais esquemas de liberalização e de integração jamais ultrapassaram, com a óbvia exceção da União Européia, a fase do livre comércio.

 

Tabela 2

Comparação entre os principais blocos de integração

(População: milhões; valores: bilhões de US$, dados de 1996)

 

Popu-

lação

PIB

Expor-

tações

Impor-

tações

UE

372

8.220

1.902

1.889

Nafta

387

8.061

852

1.013

Aladi

410

1.526

198

198

Mercosul

207

1.022

76

82

AECaribe

206

572

130

145

ASEAN

345

554

317

359

G-3

151

404

109

104

CAN

100

238

40

39

SADC

126

190

41

35

MCCA

32

44

12

25

CARICOM

7

18

6

10

 

Um dos principais desafios colocados no futuro do Mercosul é representado pelo chamado processo de Miami, que, iniciado em 1994 e com negociações previstas até 2005, compreende um vasto projeto de cooperação hemisférica liderado pelos Estados Unidos e centrado na conformação de uma área de livre comércio do Alasca à Terra do Fogo. O Mercosul negocia em bloco, assim como a CAN e os países da América Central e do Caribe, o que não é o caso dos países do Nafta e do Chile. Este viu recusada, pelo Congresso dos Estados Unidos, em 1996, a autorização ao Executivo para a negociação de um acordo de livre comércio, aproximando-se por isso do Mercosul para concretizar o que parecia ser sua adesão plena ao bloco do Cone Sul. Não obstante, no final de 2000 foram anunciadas as negociações com os Estados Unidos, o que gerou desconforto no Brasil e nos demais países do Mercosul por ocasião do encontro presidencial desse ano.

Na reunião ministerial da Alca realizada em maio de 1997 em Belo Horizonte foi consagrado o princípio dos “building blocks”, segundo o qual não haveria diluição dos esquemas subregionais na zona de livre comércio projetada, mas ainda assim a amplitude e a profundidade dos compromissos a serem eventualmente alcançados representam um dos maiores desafios à manutenção do Mercosul enquanto entidade independente. Em março de 1998, na reunião ministerial de San José, foram definidas a forma, o calendário, a localização e as presidências sucessivas do processo negociador da Alca, com acordo sobre os princípios de transparência e de decisão consensual e o estabelecimento dos seguintes grupos de negociação: acesso a mercados; agricultura; serviços; investimentos; subvenções, antidumping e medidas compensatórias; políticas da concorrência; compras governamentais; direitos de propriedade intelectual e solução de controvérsias. A agenda negociadora e a cobertura de uma Alca potencial ultrapassa, portanto, os entendimentos internos logrados no âmbito do Mercosul, que sequer finalizou o processo de convergência das últimas exceções à TEC e vinha enfrentando, no início de 2001, ameaças no que se refere seu futuro enquanto bloco independente.

O primeiro trimestre de 2001 foi ocupado por intensos preparativos para mais uma etapa do processo hemisférico, com negociações induzidas pelos Estados Unidos no sentido de lograr seu final antes de 2005, de preferência em 2003, de molde a contemplar conveniências eleitorais do novo presidente americano George W. Bush e sua busca por um segundo mandato. A antecipação hipotética de um acordo sobre a Alca parecia colocar em questão o futuro imediato do Mercosul, uma vez que o confuso debate sobre a questão – jamais feito de modo direto, mas conduzido por intermediários como o Chile, que negociava bilateralmente com os EUA, e a própria Argentina – desenvolveu-se num momento de crise política no bloco regional, com forças centrífugas atuando diretamente a partir dos governos argentino e uruguaio. Pelo calendário normal, definido na Costa Rica, em 1998, o Brasil e os Estados Unidos exerceriam a co-presidência das negociações da Alca em seu período conclusivo, a partir de novembro de 2002 e até o final de 2004, pelo menos (com possibilidade de sua extensão ao longo de 2005). Em abril de 2005, finalmente, foi acertado em Buenos Aires, no plano ministerial, e logo em seguida confirmado pelos presidentes em Québec, no Canadá, no terceiro summit das Américas, o calendário da fase final e decisiva do processo hemisférico: o Equador era mantido como coordenador das negociações até outubro de 2002, passando em seguida a responsabilidade do processo aos EUA e ao Brasil, em regime de co-presidência até o que se supõe seja a conferência de cúpula para a assinatura do futuro tratado da Alca, em janeiro de 2005. Os parlamentos se dedicariam à sua aprovação no decorrer desse ano, de molde a se ter o início da implantação da área hemisférica de livre-comércio a partir de dezembro desse ano.

 

8. Um balanço do Mercosul em seu primeiros dez anos: realizações e limites

O Mercosul, a despeito das dificuldades previsíveis e inevitáveis, em vista dos prazos relativamente estreitos para o cumprimento de seus objetivos ambiciosos, avançou razoavelmente bem em seus primeiros dez anos, tanto em termos de liberalização de comércio e de conformação de uma agenda comum de construção progressiva de um espaço econômico integrado no Cone Sul, como no plano mais geral dos entendimentos políticos entre os dirigentes dos Estados membros. Certamente que a proposta de se alcançar um mercado comum em tão somente quatro anos — partindo da situação de baixa intensidade no comércio recíproco (pelo menos para o Brasil, que realizava menos de 4% de seu comércio exterior total na região em 1991) — era pouco realista, levando-se também em consideração as assimetrias de desenvolvimento econômico entre os membros (sobretudo na área industrial) e o nível ainda pouco elevado de complementaridade inter-setorial e intrafirmas, tal como existentes no momento de partida.

O crescimento do comércio e a intensificação dos vínculos de toda espécie entre os membros plenos e os associados podem, portanto, ser considerados como satisfatórios (o Brasil passou a realizar 15% do seu comércio na região, por exemplo), em especial porque não houve desvio notável de comércio e os fluxos comerciais, de investimentos e financeiros com parceiros externos continuaram a se expandir no mesmo ritmo. A definição de um modelo aberto e competitivo de integração — em contraste com os velhos esquemas protecionistas, substitutivos e dirigistas do passado — representa um progresso conceitual e mesmo prático na administração do processo de integração. Mais importante, o Mercosul implantou um marco de disciplina coletiva na definição e na implementação de políticas públicas e setoriais (com destaque para a importante vertente das políticas macroeconômicas) que, se não logrou ainda resultados espetaculares em termos de coordenação e de uniformização dessas políticas, conseguiu pelo menos introduzir uma mentalidade de sério comprometimento com metas comuns de estabilidade econômica e de responsabilidade fiscal. Cabe ressaltar ainda o papel do Mercosul enquanto alavanca negociadora externa, potencializando o poder individual dos países membros no plano internacional e aumentando sua credibilidade em face de processos negociadores pluri e multilaterais.

Sem dúvida, muito ainda pode e deve ser feito para converter o Mercosul em verdadeiro bloco comercial e político dotado de perfil e peso próprios na comunidade internacional. Não há ainda definição de políticas ou posições comuns numa série importante de temas e questões setoriais, inclusive naqueles que pertencem naturalmente a uma união aduaneira, como é de fato o Mercosul, antes de se lograr o objetivo último de um mercado comum. Considerando-se entretanto os obstáculos e dificuldades de toda ordem enfrentadas pelos países membros no momento do lançamento do bloco, em 1991 — sobretudo no que diz respeito ao caráter inconcluso dos processos de estabilização econômica em quase todos eles —, pode-se concluir que os progressos foram sensíveis e satisfatórios. Não houve propriamente recuos ou fracassos, tão somente dificuldades compreensíveis para se realizar a integração completa em setores de impacto real nas estruturas industriais dos países — como é o automobilístico — ou no tecido social e regional de alguns deles — a exemplo do setor açucareiro no norte da Argentina. Outras dificuldades revelam-se na incorporação insuficiente da normativa Mercosul à legislação interna ou à própria prática aduaneira e administrativa dos países membros, criando-se desse modo barreiras não-tarifárias à plena consecução do objetivo final do mercado comum.

Subsistem, portanto, lacunas do processo integracionista, nem todas vinculadas a problemas percebidos como tais pela opinião pública ou por setores de interesse específico nesse processo. Observadores externos geralmente identificados com o ambiente universitário em sua vertente jurídica, assim como representantes de centrais sindicais, costumam alertar para o chamado “déficit democrático” do Mercosul e para a falta de instituições “fortes”, fenômeno mais alegado do que efetivamente existente. Essas questões de organização interna do Mercosul serão naturalmente encaminhadas à medida em que forem sendo intensificados os laços não exclusivamente comerciais que ligam entre si os países e os povos do bloco, na medida em que esse aprofundamento de vínculos tende necessariamente a envolver maior número de pessoas e de instituições nas diversas instâncias do processo de integração. O Foro Consultivo Econômico e Social, que permite o diálogo dos responsáveis governamentais com a sociedade civil, passará a formular propostas dotados de maior embasamento técnico e de factibilidade operacional na medida em que a agenda da integração permear os programas de trabalho de maior volume de atores sociais, o que não foi manifestamente o caso nestes primeiros dez anos do Mercosul (até porque a sociedade civil organizada prefere pressionar diretamente seus respectivos governos nacionais a uma entidade que não conta com poder decisório na estrutura institucional do bloco).

Não havia, no período decorrido, condições mínimas para se pensar em algum tipo de supranacionalidade das instituições permanentes, como os observadores externos mais realistas terão admitido. Em outros termos, o que foi realizado foi o Mercosul possível, não o ideal ou aquele imaginado por observadores acadêmicos ou comentaristas pouco informados dos meios de comunicação. De resto, o alegado caráter supranacional das instituições do Mercosul é mais pensado em termos comparativos — direta ou indiretamente — com o modelo europeu, do que refletido efetivamente nas dimensões próprias do Mercosul, o que retira à crítica (ou à proposta) caráter prático e factível. Deve-se reconhecer, por exemplo, que não há, no presente momento e após dez anos de experiência, vontade política nos países membros, nem consenso entre seus dirigentes, para a criação de uma estrutura com características supranacionais que inclua um secretariado, um tribunal e um parlamento, segundo um modelo copiado da, ou similar ao da União Européia.

Por outro lado, um dos aspectos controvertidos e que ainda deverá gerar muita discussão quando for efetivamente enfocado no futuro, diz respeito ao processo decisório do Mercosul. Baseado na regra do consenso, o atual sistema permitiu o avanço das negociações, com as conhecidas dificuldades em setores específicos. No momento em que a questão de uma eventual estrutura institucional de tipo supranacional vier a ser examinada não haverá como evitar a questão da ponderação de votos, a exemplo do que aconteceu desde o início com o Tratado de Roma que criou o Mercado Comum Europeu e do que acaba de ocorrer numa das muitas revisões dos textos “constitucionais” da UE, o tratado de Nice que revisou Maastricht. A matéria é delicada porque envolve a questão de soberania e de igualdade de Estados, mas será difícil imaginar a aprovação pelos congressos nacionais dos países maiores, no caso de uma estrutura institucional mais elaborada, de um sistema de votação que não reconheça o peso relativo dos diferentes países membros.

As grandes e difíceis questões com que se defronta o Mercosul têm a ver, entretanto, com o seu relacionamento externo, especificamente o desafio da Alca e seu reforço num contexto de contínuas demandas por maior liberalização e aceitação ampliada dos princípios de tratamento nacional e não-discriminação no contexto regional e no plano multilateral. Não que a sobrevivência do Mercosul esteja ameaçada de modo absoluto, uma vez que o bloco é uma construção política que pode resistir a desafios de tipo comercial ou econômico. Dada sua identidade integracionista e sua vocação de work in progress, o Mercosul deve apontar para patamares ainda mais avançados de coordenação de políticas setoriais e macroeconômicas, quando não de projetos societais, a fim fortalecer-se e implementar “confidence building measures” entre os estratos dirigentes e responsáveis pela condução política e diplomática do processo. O Mercosul, assim como acontece no exemplo dos fenômenos monetários, representa basicamente uma questão de confiança dos “usuários”: confiança em sua capacidade de “manter valor”, de permitir atingir determinados objetivos valorizados socialmente (emprego, renda etc.), que possam ser intercambiados segundo as preferências do “consumidor”, e a segurança de que sua presença permeia o conjunto das relações humanas e econômicas cada vez que a necessidade se faz sentir. Embora alguns dos testes a essas capacidades ainda estejam por vir, o Mercosul conseguiu realizar, em seus primeiros dez anos, uma demonstração de solidez e reforço progressivo.

 

9. Contexto econômico e político do processo hemisférico: o Mercosul e a Alca

Ao mesmo tempo em que o processo negociador de um acordo hemisférico de livre comércio parecia ter entrado, após a reunião de cúpula de Québec, em abril de 2001, em sua fase decisiva, o Mercosul lutava para preservar sua unidade de propósitos, em meio a uma crise de identidade como nunca vista em sua história de dez anos. Os persistentes problemas políticos e econômicos enfrentados pela Argentina levaram seu novo ministro da economia, Domingo Cavallo, a realizar um ataque frontal ao próprio conceito de união aduaneira, num momento em que o futuro do Mercosul era colocado em dúvida por diferentes observadores de dentro e de fora da região.

Essa conjuntura de “revisão de expectativas” no âmbito do Mercosul coincidiu, no primeiro semestre de 2001, com movimentos preocupantes nos cenários econômico e político mundiais. Os efeitos combinados de uma recessão potencial nos Estados Unidos, de crises político-econômicas em pontos diferentes do globo (débâcle da moeda na Turquia, persistência da estagnação no Japão, percepção de um esgotamento “técnico” do modelo cambial da Argentina), ademais de um sentimento de ausência de liderança, de manifestações de arrogância imperial e de relutância em assumir os custos da hegemonia por parte da nova Administração americana, tornaram pública a sensação de que o mundo se encaminhava para a retomada dos surtos de instabilidade financeira e cambial.

No plano dos acordos de comércio, parecia evidente que o Mercosul agregava aos antigos contenciosos comerciais um elemento de crise “psicológica”, ao serem reveladas, pela primeira vez, diferenças fundamentais de opinião entre seus principais parceiros quanto aos destinos do processo integracionista. O projeto da Alca, por sua vez, encaminhava-se para suas duas etapas finais – presidência equatoriana até outubro de 2002, co-presidência americano-brasileira em 2003 e 2004 – em meio a uma latente indefinição quanto aos termos precisos do mandato negociador que o Congresso dos EUA precisava atribuir ao Executivo para o fechamento dos acordos de liberalização.

Diferenças táticas e desacordos formais entre os Estados Unidos e o Brasil já se tinham manifestado na reunião ministerial de Buenos Aires, em 6 de abril de 2005, quando o Governo Bush tentou subordinar o calendário das negociações às suas conveniências eleitorais. A III Cúpula das Américas, realizada em 21 e 22 de abril em Québec, confirmou porém as grandes linhas do cronograma estabelecido de maneira difusa em Miami, em dezembro de 1994, e detalhado em San José, em março de 1998, com uma diferença: as negociações devem encerrar-se em janeiro de 2005 e a Alca começar a ser implementada, após aprovação dos parlamentos nacionais, em dezembro desse ano.

A perspectiva concreta de uma área de livre comércio hemisférica a partir de 2006 gerou reações opostas e contraditórias em todos os países da região. Grandes corporações na América do Norte e alguns governos no Cone Sul (Chile e Uruguai, por exemplo) apoiavam sem restrições a rápida implantação da Alca, ao passo que grupos não-governamentais e sindicatos de todas as latitudes manifestavam sua oposição ao esquema, que também era olhado com desconfiança por governos e empresários de países dotados de uma visão crítica em relação ao projeto liderado pelos Estados Unidos, como no Brasil e na Venezuela, entre outros. Em todos e em cada um dos países, argumentos pró e contra a Alca eram esgrimidos com a paixão das querelas ideológicas, quando não com o ardor das guerras de religião. A razão de tantos desencontros era o caráter ainda difuso dos compromissos a serem alcançados ao cabo do esforço negociador hemisférico.

Nesse cenário de incertezas externas e de dúvidas internas, a opinião pública brasileira foi finalmente apresentada ao grande debate que, na área da política externa, deverá permear a campanha eleitoral no escrutínio presidencial de 2002. As grandes perguntas pareciam ser: quais são as grandes opções estratégicas de política comercial e industrial para o Brasil nos primeiros anos do século XXI?; será possível garantir a soberania nacional numa área de livre comércio dominada pelos EUA?; os ganhos serão maiores que os custos?; o que acontecerá com o Mercosul? Em relação ao contexto subregional, estavam em causa, de um lado, a sobrevivência do Mercosul, de outro o espectro de sua diluição na Alca, aliás ao mesmo tempo em que a própria economia nacional poderia perder sua última “reserva de mercado” representada pelo esquema do Cone Sul, tendo de conviver diretamente com o Big Brother econômico do Norte.

O Mercosul, com todos os seus problemas de união aduaneira imperfeita e de zona de livre comércio inacabada, apresenta-se como um dado da realidade econômica e política da América do Sul, ao mesmo tempo em que representa um processo real de aproximação de posições entre países que já partilham de uma história comum. A Alca, por sua vez, é uma hipótese de trabalho, ao mesmo tempo em que a expressão de um processo negociador que se apresenta como de difícil realização, por envolver nações de tradições diversas e que seguiram itinerários contrastantes ao longo do tempo.

O Mercosul é uma decisão fundamentalmente política que se realiza apoiado em decisões de caráter econômico. A Alca é uma proposta essencialmente econômica que seus proponentes originais tentam implementar de forma política. O Mercosul emerge como um exercício de convergência de interesses entre países situados, grosso modo, num mesmo patamar de desenvolvimento econômico e social, a despeito de diferenças de tamanho entre eles. A Alca tenciona nivelar o terreno de jogo – level the playing field – entre economias e sociedades ostentando enormes diferenças estruturais entre si, uma vez que confronta a principal potência planetária, de fato a única superpotência existente, a três dezenas de outros países que não chegam a perfazer um quinto de sua própria “massa atômica”.

O Mercosul vem praticando um esforço de auto-contenção nos litígios internos, utilizando-se basicamente de um mecanismo de administração política das controvérsias ligadas ao comércio recíproco e só então recorrendo a um tipo de solução arbitral ad hoc. A Alca deveria normalmente ostentar instâncias resolutivas dos conflitos comerciais marcadas pela sua relativa automaticidade e independência dos governos, com efeitos econômicos mais ou menos imediatos. Em suma, o Mercosul é uma modesta construção integracionista que funciona em regime de condomínio, com relativa permeabilidade e associativismo entre os seus, até agora, poucos membros. A Alca apresenta-se como um imenso edifício de escritórios, onde a impessoalidade de trato e a frieza das regras padronizadas prometem poucos momentos de excitação e muitos anos de aborrecimento.

Os mais otimistas acreditam que quaisquer que sejam os resultados do processo negociador da Alca, o Mercosul irá necessariamente sobreviver, ainda que não se saiba exatamente como e em que condições. Seu desempenho comercial pode tornar-se francamente medíocre, a depender da profundidade e extensão da Alca, assim como sua saúde econômica pode retroceder significativamente em relação aos prognósticos realizados no início dos anos 1990. Ele poderá, obviamente, sair fortalecido e confirmar o acertado da decisão original de se construir progressivamente um mercado comum com base numa metodologia inovadora em relação às experiências existentes no gênero, na verdade restritas ao precedente da União Européia. Mas, ele poderia também caminhar para a erosão e ser reduzido a um mero arranjo para consultas políticas de fachada, sem maiores efeitos comerciais efetivos, já que hipoteticamente absorvido ou diluído numa Alca bem mais ambiciosa do que os exemplos tradicionais de zonas de livre comércio.

No caso da Alca, subsistiam, na primeira metade de 2001, incertezas quanto ao desenvolvimento do próprio processo negociador, como a ausência e a indefinição de conteúdo em relação ao necessário mandato a ser atribuído pelo Congresso ao Executivo dos EUA. Outras limitações de natureza política – como a ausência de consultas regulares entre os líderes dos países membros, como ocorre hoje a cada semestre no Mercosul – e alguns fatores condicionantes – como a desproporção de peso comercial entre os países participantes – atuavam para converter a implementação efetiva da Alca em um cenário de incertezas. Se o processo negociador não resultar em acordo até o final de 2004 ou o início de 2005, o cenário hemisférico não será muito diferente do atual, com a proliferação quase anárquica de esquemas subregionais, convivendo com as tentativas multilateralistas de “convivência pacífica” ao abrigo da ALADI ou da OMC. Se por acaso as negociações se revelarem exitosas, o Mercosul terá de adaptar sua arquitetura institucional e sua agenda interna à nova realidade da Alca.

A Alca pode ser complementar aos arranjos subregionais já existentes no Cone Sul, dependendo de seu grau de aprofundamento e dos compromissos específicos contraídos pelos países participamtes. Ela não é, portanto, necessariamente excludente em relação ao Mercosul, mas a substância deste último conhecerá, é óbvio, inflexões econômicas importantes em função da disposição dos países membros em preservar essa construção política em face de um poderoso concorrente comercial. Do ponto de vista do Brasil, a opção pelo estabelecimento de um espaço integrado em seu imediato entorno geográfico, tal como evidenciado na experiência do Mercosul e na proposta de um espaço econômico sul-americano, constitui uma das principais vertentes da estratégia brasileira de inserção econômica internacional na atualidade.

O argumento acima já comporta uma definição de princípio pelo Mercosul – caracterizado como “destino do Brasil” pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo chanceler Celso Lafer –  e uma aceitação extremamente matizada da Alca, apresentada como mera “opção”, a ser qualificada na prática em função de seus efeitos esperados para a economia brasileira. No primeiro semestre de 2001, muitas das questões que cercavam o debate sobre as vantagens e desvantagens da Alca para o Brasil e o Mercosul vinham sendo contaminadas por uma espécie de parti pris ideológico, ou seja, uma posição de princípio que, por um lado, tende a recusar, em caráter absoluto, os fundamentos e as implicações econômicas da zona de livre-comércio hemisférica, aceitando, por outro lado, a estratégia política de “menor custo” do Mercosul para a economia brasileira ou a opção pela associação deste bloco com a supostamente mais benigna União Européia. São politicamente realistas ou economicamente racionais pontos de vista como esses e correspondem eles aos interesses bem pensados da sociedade brasileira, que parece ter chegado a uma nova etapa de sua transição para a modernidade?

Uma resposta realista a essas questões depende de um exame ponderado de cada um dos elementos em jogo, tendo em vista exclusivamente a formulação da melhor estratégia possível de inserção econômica internacional do Brasil. Para a conformação do processo decisório mais adequado à natureza da questão seria preciso discutir cada um dos argumentos favoráveis ou contrários à Alca, tentando separar o que se apresenta como realidade econômica decorrente da liberalização, ou seu possível desdobramento, daquilo que se poderia classificar como posicionamento político em relação ao projeto proposto pelos EUA para o continente. Outra distinção importante a ser feita é aquela que se refere ao que se poderia chamar de “componentes estruturais da Alca” – seus elementos “imanentes”, em linguagem kantiana – e a simples mecânica do processo negociador, que vem se desenvolvendo desde a segunda metade dos anos 90 e promete estender-se até o início de 2005, pelo menos, segundo o que foi acordado em nível ministerial em Buenos Aires e ratificado na cimeira de Québec, em abril de 2001.

Com efeito, até a conclusão dessas negociações, cujos contornos específicos dependem muito do conteúdo do mandato negociador a ser atribuído pelo Congresso ao Executivo dos Estados Unidos, torna-se difícil especular sobre benefícios e ameaças da Alca para a economia do Brasil e para o esquema do Mercosul. Pode-se no entanto antecipar, com base nas evidências até aqui demonstradas, que o legislativo e os negociadores americanos tendem a ver a construção da Alca como um mero resultado da derrubada de barreiras latino-americanas aos produtos e serviços dos EUA, cabendo-lhes muito pouco fazer em termos de suas próprias barreiras, senão a eliminação geral, com as exceções de praxe, das tarifas normalmente baixas aplicadas na importação de produtos. Essa não tem sido a visão da diplomacia brasileira, que vem buscando colocar na mesa de negociações outros elementos importantes com vistas a lograr um acordo final mais equilibrado, não apenas em termos de acesso a mercados – onde são evidentes diversos focos setoriais de protecionismo americano – mas também no que se refere a normas e disciplinas de política comercial, terreno no qual são igualmente claras as restrições aplicadas a produtos estrangeiros no mercado americano.

A compreensão do que seja um acordo de livre-comércio varia muito de perspectiva, segundo se faça uma análise acadêmica dos resultados da abertura econômica e da liberalização dos mercados ou se parta de evidências mais empíricas resultantes de um processo negociador concreto. Na primeira visão, geralmente de cunho economicista, a liberalização comercial, quaisquer que tenham sido sua amplitude e distribuição entre os parceiros, é vista como positiva, pois que conduzindo a uma alocação ótima de recursos e uma utilização mais eficiente da dotação em fatores. Na segunda perspectiva, pode-se dizer que não existe, para a maior parte dos negociadores, essa figura utópica do “livre-comércio”, um conceito puramente imaginário que só se materializa nos escritos dos teóricos acadêmicos, mas na verdade dotado de pouco embasamento prático; para eles, se trata de lograr a melhor situação possível de reciprocidade no processo de abertura comercial, administrando áreas de liberalização progressiva em função das vantagens percebidas ou aparentes.

A Alca representa uma espécie particular no gênero integracionista, tratando-se de um processo de liberalização controlada dos mercados e de abertura administrada da economia que já vem sendo aplicado pelo Brasil desde que ele assumiu compromissos negociais nesse sentido em princípios dos anos 60 (criação da Alalc) e, com maior ênfase, a partir dos esquemas bilaterais de integração com a Argentina (1986-88) e, de forma quadrilateral, com os demais parceiros do Mercosul (1991). Os cálculos sobre custos e benefícios desse gênero de abertura foram conduzidos de forma mais ou menos empírica pelos responsáveis políticos e econômicos em cada uma dessas oportunidades e julgados compatíveis com as necessidades de desenvolvimento do Brasil, ainda que em nenhum dos casos se tenha alcançado a liberalização total e a integração completa dos mercados. Em outros termos, a Alca pode ser benéfica para o Brasil, mas não se deve esperar que ela resolva todos os nossos problemas de desenvolvimento econômico e social no curto ou médio prazo; estes só podem ser encaminhados internamente, com a mobilização de outros vetores de transformação estrutural – educação, capacitação profissional, investimentos em ciência e tecnologia, modernização institucional etc. –, não de maneira exógena a partir de um impulso originado no entorno econômico externo.

Em princípio, Alca e Mercosul são plenamente compatíveis entre si e até complementares, uma vez que os esquemas de livre-comércio, mesmo baseados em processos negociais autônomos e independentes, tendem a se reforçar mutuamente e a produzir eficiências dinâmicas que potencializam os ganhos alocativos. No que se refere especificamente ao caso desses dois esquemas americanos, pode-se argumentar que uma zona de livre-comércio maior tende a absorver e a diluir a menor, que foi o que ocorreu, comparativamente (no gênero união aduaneira), entre o Benelux e a Comunidade Européia no decorrer dos anos 70 e 80. Assim, mesmo que o comércio intra-Mercosul seja absorvido e dissolvido no esquema mais amplo da Alca, o Mercosul tenderá a sobreviver enquanto construção institucional, pois que resultando de uma decisão política no mais alto nível, que aponta no sentido de sua progressão contínua, ainda que lenta e por vezes intermitente, em direção de um mercado comum e talvez até mesmo de uma união econômica, a exemplo da Europa de Maastricht (pelo menos no que se refere à união monetária). Os perigos que cercam sua evolução comercial derivam mais dos desafios competitivos associados ao polo econômico dominante e da força centrífuga do dólar dos EUA, do que da Alca em si. Mas, mesmo nessa situação extrema de eventual inoperância econômica do Mercosul em razão da preeminência absoluta dos EUA no esquema hemisférico, o projeto subregional do Cone sul tenderia a sobreviver, pois que ele compreende bem mais do que simples compromissos liberalizadores, estendendo-se a entendimentos sociais, administrativos e de políticas setoriais outras que as meramente econômicas (justiça, turismo e cultura, ciência e educação, previdência social, entre várias outras), o que justificaria a continuidade desse projeto político e societal.

 

10. Cronologia relacional do Mercosul no contexto global

 

10.1. Antecedentes imediatos, 1990:

 “Iniciativa para as Américas”, lançada em junho pelo presidente George Bush para acompanhar as transformações políticas e econômicas em curso na América Latina e oferecer uma nova modalidade de relacionamento dos EUA com a região, centrado no comércio, nos investimentos e na solução do problema da dívida, e com vistas a se chegar a uma Zona de Livre Comércio Hemisférica, estendendo-se do Alasca à Terra do Fogo. No mesmo momento, os presidentes do México, Carlos Salinas de Gortari, e dos EUA, George Bush, anunciam a sua intenção de negociar um acordo de livre comércio entre os dois países.

“Ata de Buenos Aires”, assinada em 6 de julho, pela qual os presidentes da Argentina e do Brasil decidem conformar o mercado comum bilateral até 31 de dezembro de 1994, estabelecem uma metodologia apropriada para tal fim (rebaixas tarifárias generalizadas, lineares e automáticas, eliminação de barreiras não-tarifárias) e criam o Grupo Mercado Comum, de caráter binacional. Na mesma ocasião é firmado o Tratado para o Estabelecimento de um Estatuto das Empresas Binacionais Brasileiro-Argentinas.

Acordo de Complementação Econômica nº 14 (Aladi), firmado em dezembro pela Argentina e Brasil, consolidando o programa de liberalização comercial concertado no Tratado de Integração, nos prazos definidos pela Ata de Buenos Aires (até 31.12.90), dando início a um processo de consultas e negociações com outros países da região com vistas à ampliação do processo de liberalização comercial entre o Brasil e a Argentina.

O Uruguai e o Paraguai, na qualidade de observadores, começam a participar de reuniões entre Brasil e Argentina. O Chile, que também tinha solicitao consultas sobre o novo aprofundamento da liberalização do comércio no Cone Sul, decide não participar dos acertos em curso em virtude da incompatibilidade de sua estrutura tarifária linear e uniforme (então fixada numa tarifa única de 11%) com aquela pretendida por Brasil e Argentina e pelos futros dois outros membros do Mercosul.

 

10.2. A fase de transição do processo integracionista, 1991-1994:

1991:

Assinatura em 26 de março do Tratado de Assunção visando à constituição de um mercado comum entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai. O tratado definiu um programa de liberalização comercial de todo o universo alfandegário num período de transição até 31 de dezembro de 1994 e adotou os mecanismos de caráter intergovernamental já fixados no programa bilateral Brasil-Argentina, assim definidos: Conselho, órgão supremo, de natureza intergovernamental; Grupo Mercado Comum, órgão executivo, coordenando as atividades de 11 Subgrupos de trabalho; Comissão Parlamentar Conjunta, com representantes designados por cada Parlamento nacional; estabelecidos os objetivos do estabelecimento de uma tarifa externa comum, coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais e harmonização das legislações dos Estados-membros. O Mercosul não cria um direito comunitário e privilegia o “modelo Benelux” de caráter intergovernamental, de preferência a um sistema de tipo supranacional como o europeu.

“Acordo relativo a um Conselho sobre Comércio e Investimentos” entre os quatro países do Mercosul e os EUA (junho).

CMC de Brasília, 17/12/1991: Sistema de Solução de Controvérsias (Protocolo de Brasília), cria um mecanismo ad hoc de solução arbitral dos conflitos comerciais entre os países-membros do Mercosul; regime de Sanções a Falsificações em Certificados de Origem; Termos de Referências para Acordos Setoriais; Regulamento Interno do Grupo Mercado Comum (GMC); criação das reuniões em nível ministerial e reuniões especializadas; delegação ao GMC das faculdades para aprovar os programas da cooperação técnica internacional de apoio ao Mercosul.

Chile e México firmam na Aladi um acordo de liberalização do comércio; o Grupo dos Três (G-3) começa negociações para a liberalização do intercâmbio entre Colômbia, Venezuela e México. Diversas outras iniciativas, na região andina, na América Central e no Caribe, relançam a integração continental, em bases subregionais.

1991-94: O Mercosul cria órgãos subsidiários e reuniões de ministros, entre elas a de ministros da Economia e presidentes de Bancos Centrais (anterior à própria vigência do Tratado de Assunção), da Educação (Plano Trienal para o Setor), da Justiça, do Trabalho, da Agricultura; cria ainda diversas reuniões especializadas: de meio ambiente, de cultura, de ciência e tecnologia, de turismo, etc.. Tem lugar intensa atividade de harmonização das legislações internas, de integração aduaneira e de adoção de normas e regulamentos técnicos comuns para a livre circulação de bens no território dos Estados- membros. Os países membros passam a coordenar suas posições nos foros econômico-comerciais internacionais e o Grupo Mercado Comum (GMC) define critérios comuns para a negociação de acordos parciais de comércio no âmbito da Aladi.

 

1992:

Acordo de cooperação inter-institucional entre a Comissão das Comunidades Européias e as instituições do Mercosul pelo qual se formaliza o diálogo e a cooperação técnica entre as duas regiões.

CMC de Las Leñas, 26-27/6/1992: “Cronogramas de las Leñas”, extenso programa de medidas para o cumprimento dos compromissos fixados no Tratado de Assunção, isto é, a conformação do “Mercado Comum do Sul” até 31 de dezembro de 1994; o GMC fica encarregado de adotar um cronograma de medidas adicionais para o pleno funcionamento do Mercosul em 1º de janeiro de 1995 (alguns prazos serão prorrogados no decurso dos trabalhos). A Decisão 3/92 aprova o procedimento de reclamações e consulta sobre práticas desleais de comércio (dumping e subsídios), e a Decisão 5/92 um protocolo de cooperação e assistência judiciária em matéria cível, comercial, trabalhista e administrativa; Plano Trienal de Educação; adoção de critérios comuns para as negociações com outros países da Aladi.

Assinatura do Tratado de Maastricht, em fevereiro, criando a União Européia (UE) e prevendo inclusive uma união monetária. Através do “Acordo de Cooperação Interinstitucional entre a Comissão das Comunidades Européias e as instituições do Mercosul” é formalizado um diálogo entre os chanceleres das duas regiões.

Criação da “Comissão Sindical do Mercosul”, por iniciativa da Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), entidade constituída em 1986, congregando centrais sindicais dos quatro países membros, além do Chile e da Bolívia; pelo Brasil participam a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e a Força Sindical (FS). Começa a se reunir o Subgrupo de Trabalho (tripartite) n° 11 (SGT-11), Assuntos Trabalhistas, posteriormente denominado “Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social”. Diversas entidades do setor propõem, a par de um Foro Social, uma Carta dos Trabalhadores do Mercosul, sistematizando princípios básicos na área social e trabalhista. Ulteriormente, o governo brasileiro declarou ser favorável à adoção de uma Carta de Direitos Fundamentais, mas se opõe à vinculação de questões comerciais com as trabalhistas.

CMC de Montevidéu, 28/12/1992: Criação da reunião de ministros da Agricultura.

 

1993:

Resolução (7/93) cria, no âmbito do GMC, o Grupo Ad hoc sobre Aspectos Institucionais, encarregado de formular propostas sobre a futura arquitetura jurídica do Mercosul (artigo 18 do Tratado). Mercosul e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) firmam convênio de cooperação técnica não-reembolsável, destinado à realização de estudos técnicos e de projetos de consultoria sobre reconversão produtiva.

CMC de Assunção, 1/7/1993: Aprova o acordo para a Aplicação de Controles Integrados de Fronteira (“Acordo de Recife’); Acordo Sanitário e Fitossanitário; regulamento relativo à defesa contra importações que sejam objeto de dumping ou subsídios.

Ratificação do Nafta pelos Poderes Legislativos dos três países. Em setembro, assinatura de dois acordos paralelos ao Nafta: o Acordo Norte-Americano de Cooperação sobre o Trabalho e o Acordo Norte-Americano de Cooperação sobre o Meio Ambiente, devido aos esforços do governo dos EUA, pressionado pelos movimentos ambientalistas e sindicais do país.

Em outubro, durante a VII Reunião dos Presidentes do Grupo do Rio, realizada em Santiago, Chile, o presidente do Brasil (Itamar Franco) lança a idéia de formação de uma Área de Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA) que incluiria os países do Mercosul, da Comunidade Andina (CAN) e o Chile.

Conclusão em dezembro das negociações dos acordos multilaterais da Rodada Uruguai; o Mercosul é objeto de atento exame, ainda em curso, pelas Partes Contratantes, por meio de Grupo de Trabalho no âmbito do Comitê de Comércio e Desenvolvimento.

1993-94: Negociação da Tarifa Externa Comum (TEC) no Mercosul: diferenças de estrutura e de níveis de desenvolvimento industrial entre o Brasil e os demais parceiros resultam na aceitação, durante uma “fase de convergência” (até 2001-2006), de listas nacionais de exclusão (para bens informáticos e de capital, por exemplo). Os países-membros também decidem harmonizar os incentivos às exportações, respeitando disposições do GATT.

 

1994:

O Nafta e seus dois acordos paralelos entram em vigor em 1º de janeiro.

CMC de Colônia, 17/1/1994: Protocolo de Colônia o qual prevê garantias mínimas para os investimentos realizados dentro do bloco por investidores do Mercosul; regras para as operações internacionais do mercado de capitais no âmbito do Mercosul.

Assinatura em Marraquesh dos resultados das negociações comerciais da Rodada Uruguai, com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em funcionamento a partir de 01.01.95.

CMC de Buenos Aires, 4-5/8/1994: Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual; Acordo sobre Transporte de Produtos Perigosos; Protocolo de Integração Educativa; Regime de Adequação final à União Aduaneira; regulamento correspondente ao Regime de Origem; Projeto de Tarifa Externa Comum; Protocolo sobre Promoção Reciproca de investimentos entre o Mercosul e estados não-membros. O CMC também cria a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), de caráter intergovernamental, destinada a administrar a futura união aduaneira; em sua primeira reunião (6-7/10), a CCM aprova seu regimento interno, definindo reuniões mensais.

Cúpula das Américas, de 9 a 11 de dezembro, em Miami: a declaração final dos chefes de Estado proclama o objetivo de negociar uma Área de Livre Comércio Hemisférica até 2005; a Organização dos Estados Americanos (OEA), a CEPAL e o BID atuam como suporte técnico e apoio de secretaria.

CMC de Ouro Preto, 16-17/12/1994: Assinado o “Protocolo de Ouro Preto”, que modifica parcialmente o Tratado de Assunção e dá personalidade jurídica internacional ao Mercosul; Tarifa Externa Comum; Código Aduaneiro; determinação das condições do regime de origem; normas de aplicação sobre despacho aduaneiro e sobre valoração aduaneira de mercadorias; pautas básicas de defesa da concorrência; protocolo de medidas cautelares; Acordo de Transporte Multimodal; princípios de Supervisão Bancária Global Consolidada. Na ocasião, são aprovadas listas nacionais de produtos em regime de adequação final à união aduaneira (com prazos adicionais para sua integração à TEC até 2001 ou 2006, segundo os casos); criação do comitê técnico encarregado de definir, antes de dezembro de 1997, o regime comum para o setor automotivo, o qual deveria entrar em vigor em janeiro de 2000. Acordo bilateral Brasil-Argentina sobre internação de bens de zonas francas.

A nova estrutura institucional definida no Protocolo de Ouro Preto (que ainda permanece intergovernamental) compreende os seguintes órgãos:

1.       Conselho do Mercado Comum (CMC)

2.       Grupo Mercado Comum (GMC)

3.       Comissão de Comércio do Mercosul (CCM)

4.       Comissão Parlamentar Conjunta (CPC)

5.       Foro Consultivo Econômico-Social (FCES)

6.       Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM).

As Decisões do Conselho, as Resoluções do GMC e as Diretrizes da CCM constituem fontes jurídicas do Mercosul e são obrigatórias, de direito, para os Estados membros; todos os órgãos são igualitários; a tomada de decisão se faz por consenso; a coordenação principal se dá entre os ministérios das relações exteriores dos quatro países.

“Declaração Solene Conjunta entre o Mercosul e a União Européia”, em 22 de dezembro, em Bruxelas, prevendo a negociação, em 1995, de um Acordo-Quadro Inter-Regional de Cooperação Econômica, conduzindo, em última instância, à liberalização do comércio entre as duas regiões.

 

10.3. O Mercosul enquanto união aduaneira, 1995-2001

1995:

Entrada em vigor, em 1º de janeiro, da União Aduaneira (em implementação) do Mercosul. Encontro dos presidentes do Cone Sul em Brasília, no dia 2 de janeiro: Bolívia e Chile começam a negociar sua associação ao Mercosul, capacitando-se a participar como observadores nas instâncias técnicas do Mercosul.

A crise monetária mexicana de dezembro de 1994 abala o Nafta e provoca repercussões no resto da região.

Reunião especializada de ministros da Cultura do Mercosul, em Buenos Aires (15/03), lança o “Mercosul Cultural”, com a assinatura de Protocolo prevendo o funcionamento de sete comissões.

Encontro entre os ministros das Relações Exteriores do Mercosul e da União Européia (UE), no dia 17 de março, em Paris, reafirma o objetivo de se chegar a um amplo espaço de cooperação e de integração unindo ambas as entidades.

Primeira reunião ministerial do processo de integração hemisférico, em Denver, em junho, onde são constituídos sete grupos de trabalho para preparar o início das negociações, “equilibradas e abrangentes” (a serem concluídas até 2005), sobre a base dos acordos subregionais existentes e de forma plenamente compatível com as obrigações existentes na OMC.

CMC de Assunção, 4-5/8/1995: Protocolo de Harmonização de Normas sobre propriedade intelectual em matéria de marcas, indicações de procedência e denominações de origem; criação de reuniões de ministros da Agricultura e de Saúde; inicio das negociações com a União Européia para a assinatura do acordo mútuo interregional com vistas a uma integração entre a União Européia e o Mercosul.

CMC de Punta del Leste 6-7/12/1995: Programa de Ação do Mercosul para antes de 2000.

Firmado em dezembro o Acordo-Quadro de cooperação interregional entre a UE e o Mercosul, em Madri: a liberalização comercial “deverá levar em conta a sensibilidade de certos produtos” (referência à Política Agrícola Comum) e as regras da OMC.

 

1996:

O Congresso dos EUA nega a autorização para o Executivo negociar, chamada fast track, o ingresso do Chile no Nafta, o que leva esse país a se aproximar mais do Mercosul.

II Reunião Ministerial da Alca, realizada em Cartagena, Colômbia, em março: quatro grupos adicionais de trabalho são constituídos e é proclamado o objetivo de “progressos concretos” até o final do século.

CMC de Buenos Aires e encontro presidencial de San Luís, 24-25/7/1996: Acordo de Complementação econômica entre Mercosul e Chile. Assinada a Declaração Presidencial sobre Compromisso Democrático no Mercosul pela qual os quatro países assumem o compromisso de consultarem-se e de aplicarem medidas punitivas, dentro do espaço normativo do Bloco, em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática em algum Estado-membro. Os presidentes assinam também uma declaração sobre diálogo político, estabelecendo um mecanismo de consulta e de concertação política mútua. Assinatura de acordos de Associação do Chile e da Bolívia ao Mercosul, ocorrendo antes do início da negociação de acordos semelhantes com países da CAN.

CMC de Fortaleza, 16-17/12/1996: Protocolo de Integração Educacional para a realização de estudos de pós-graduação nas universidades dos Estados-membros do Mercosul; Protocolo de Integração Cultural do Mercosul; fixação de critérios para a participação de terceiros países nas reuniões do Mercosul; regulamento relativo à aplicação de medidas de salvaguarda às importações provenientes de países não-membros do Mercosul; Protocolo de Defesa da Concorrência no Mercosul; criação de reuniões de ministros do interior.

 

1997:

III Reunião Ministerial da Alca, realizada em Belo Horizonte, em maio: criou um Grupo de Trabalho sobre Solução de Controvérsias, mas não logrou definir o formato, cronograma e organização das negociações. Os países do Mercosul tomam posições como Bloco e não individualmente. Na ocasião foi realizado encontro de negócios, o Foro Empresarial, que vem tendo significativo sucesso na ampliação do intercâmbio em toda a região. O chanceler brasileiro sugere a criação de um Fórum Sindical com a finalidade de ampliar a participação na Alca, mas a idéia é vetada por alguns países.

CMC de Assunção, 19/6/1997: O Mercosul ficou configurado como um processo político que representa seis países, produzindo-se uma mudança qualitativa na relação entre o bloco e os países associados, Chile e Bolívia; recomendou-se formar um mecanismo de consulta e coordenação para a eventualidade de algum dos países-membros decidir aplicar novas barreiras não-tarifárias; recomendou-se a rápida introdução de normas que corrijam esse tipo de restrição e a eliminação das barreiras burocráticas.

Reunião da primeira Conferência Parlamentar das Américas com a presença de mais de 600 parlamentares de 35 países das Américas e do Caribe, incluindo Cuba, em Quebec, Canadá, em setembro. Os parlamentares pedem uma maior participação, a diversos níveis, sobre o processo de negociação da Alca e analisam, em particular, as dimensões sociais, políticas e culturais da integração em curso. Na sua Declaração Final, insistem na importância de diminuir o déficit democrático do processo em curso.

Reunidos em Guanacaste, Costa Rica, de 28 a 30 de outubro, os vice-ministros responsáveis pelo comércio no hemisfério examinam os progressos havidos nos preparativos para a abertura do processo de negociação da futura Alca.

O Congresso dos EUA nega o fast track ao Executivo que, assim, não tem “autoridade” para negociar com uma posição de força junto os 33 outros países.

Acordo Brasil-Argentina, em novembro, decide elevar a Tarifa Externa Comum em três pontos percentuais, medida a ser implementada pelos quatro países membros até 31 de dezembro de 2000.

CMC de Montevidéu, 15-16/12/1997: Acordo-Quadro sobre serviços no Mercosul (“Protocolo de Montevidéu”): liberalização progressiva dos serviços inter-regionais no prazo de dez anos, dependente da negociação de protocolos setoriais para a liberalização de setores específicos; regras contra práticas desleais de comércio, compras governamentais e normas de previdência social; concordou-se em ampliar a participação chilena em todas as instâncias institucionais do pacto subregional, incluídas aí a máxima instância executiva do Mercosul, as reuniões ministeriais e técnicas e seus foros negociadores; a cúpula presidencial do Mercosul formalizou a decisão de Argentina e Brasil de aumentar em três pontos percentuais a Tarifa Externa Comum, com a outorga de concessões que excetuam desse aumento uma lista de bens uruguaios e paraguaios exportados para a sub-região.

 

1998:

Difíceis negociações para a definição de um regime automotivo comum entre os países do Mercosul e para a liberalização do setor açucareiro: este é protegido na Argentina, que por sua vez acusa o Brasil de subsidiá-lo.

A Comissão Européia, principal órgão executivo da UE, decide propor ao Conselho dos 15 Ministros iniciar negociações com o Mercosul e o Chile com o intuito de desenvolver uma associação interregional, estabelecendo, entre outros objetivos, uma zona de livre comércio.

IV Reunião ministerial do processo de integração hemisférica, em março, em San José, Costa Rica, com definição do formato, da agenda negociadora e dos locais e presidências sucessivas do processo de negociação (Comitê e nove grupos de negociação), tendo-se como base os princípios da transparência, da participação e da decisão consensual. Paralelamente realizaram-se o IV Foro Empresarial e um encontro acadêmico sobre o tema da integração hemisférica, reunindo intelectuais da região. Os nove Grupos de Negociação são os seguintes: Acesso a Mercados; Agricultura; Serviços; Investimentos; Subsídios, Antidumping e Medidas Compensatórias; Políticas de Concorrência; Compras Governamentais; Direitos de Propriedade Intelectual; e Solução de Controvérsias.

Os países do Mercosul e da CAN assinam em Buenos Aires, em abril, um Acordo-Quadro que prevê a criação de uma zona de livre comércio entre os dois blocos a partir de janeiro de 2000.

II Cúpula das Américas em abril, em Santiago do Chile, com Declaração Política dos Presidentes e Plano de Ação, cujos principais temas são a educação, o livre comércio, a democracia, os direitos humanos e a erradicação da pobreza.

Em maio, o Comitê de Acompanhamento da Conferência Parlamentar das Américas se reúne em San Juan, Porto Rico, e sugere que o Brasil organize e presida a II Conferência Parlamentar.

Reunião do Comitê de Negociação Comercial, em Buenos Aires, em junho, onde se discute, entre vários assuntos, uma forma através da qual os trabalhadores possam participar mais ativamente dos destinos da Alca, contribuindo para a democratização do processo. O chanceler brasileiro externaliza as reservas do bloco Mercosul em relação ao timing do processo de integração, que segundo ele afigura-se acelerado.

CMC de Ushuaia, 24/7/1998: Protocolo relativo ao compromisso democrático no Mercosul, na Bolívia e no Chile; declaração Política do Mercosul, da Bolívia e do Chile como zona de paz; Plano de Cooperação e Assistência Recíproca para a Segurança Regional.

Cuba é aceita como décimo-segundo país membro da Aladi, depois de ter participado de seus trabalhos, na condição de observador, desde 1986.

O Congresso dos EUA nega de novo, em setembro, o fast track ao governo Clinton.

Nova reunião do Comitê de Negociação Comercial da Alca, em Paramaribo, em dezembro, para tratar de medidas de facilitação de negócios.

CMC do Rio de Janeiro, 10/12/1998: Proclamação do Rio de Janeiro: reafirmaram-se os direitos humanos e as liberdades fundamentais; reafirmou-se a prioridade do processo de integração e confirmou-se que o Mercosul é um instrumento eficaz para realizar esse objetivo; manifestou-se apoio pela evolução das negociações com a Comunidade Andina, que deveria conduzir a um acordo de livre comércio no ano 2000; expressou-se confiança nos trabalhos preparatórios à Cúpula América Latina e o Caribe-União Européia, programada para junho de 1999 no Rio de Janeiro. Assinatura da Declaração Sóciolaboral do Mercosul, criando um Comitê tripartite.

1998-99: Negociações entre o Mercosul e a CAN de um acordo de preferências tarifárias sobre a base do patrimônio histórico, mas que pode incluir produtos novos. Esse acordo deve substituir os de alcance parcial existentes entre os países das duas regiões.

 

1999:

Adoção do euro, em 1º de janeiro, como moeda única de onze dos quinze membros da UE, consagrando sua união monetária.

Desvalorização do real e introdução do regime de flutuação cambial, em janeiro, inicia crise política entre o Brasil e a Argentina; medidas protecionistas adotadas pelo setor privado e pelo governo da Argentina contra produtos brasileiros (têxteis, avícolas, siderúrgicos, calçados, papel, reforço de barreiras ditas sanitárias); Brasil faz apelo ao mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul e ameaça levar contenciosos à apreciação da OMC; Presidente argentino Menem ameaça recorrer à dolarização unilateral e pede uma moeda comum para o Mercosul; Brasil concorda em discutir harmonização setorial como condição prévia à coordenação, no médio prazo, das políticas macroeconômicas.

Em março, criação da Comissão Sóciolaboral do Mercosul pelo Resolução N°15/99 do GMC. Essa comissão que não tem poder sancionador e funcionará através de recomendações diretas ao GMC, dependerá sobretudo da ação política e da pressão sindical para ampliar o seu papel e transformá-la efetivamente em um espaço de negociação, levando para o GMC as questões sociais.

Em abril, assinatura do primeiro “Contrato Coletivo de Trabalho no Mercosul”, entre a Volkswagen do Brasil e da Argentina e os sindicatos dos metalúrgicos destes dois países, estabelecendo os princípios básicos de relacionamento entre capital e trabalho no âmbito do Mercosul.

Em maio, reunião e declaração, no Rio de Janeiro, das centrais sindicais latino-americanas, caribenhas e européias para discutir e encaminhar propostas de medidas significativas para alcançar o progresso social, no que tange aos processos de integração em curso.

CMC de Assunção, 15/6/1999: Ratificou-se a plena vigência das instituições democráticas no Mercosul como condição para o desenvolvimento da integração e a relevância da cláusula democrática estabelecida no Protocolo de Ushuaia; reafirmou-se o objetivo de continuar aprofundando o processo de integração, em relação ao qual os órgãos do Mercosul deverão prosseguir com os esforços destinados a obter avanços significativos na agenda de Consolidação e Aprofundamento do Mercosul; manifestou-se a vontade de fortalecer as relações com a União Européia e a formação de uma associação econômica interregional de caráter político e econômico, de conformidade com o acordo de Madri de 1995; destacou-se a importância que os países do Mercosul outorgam ao sistema multilateral de comércio e ao lançamento de uma nova rodada de negociações multilaterais globais dentro dos marcos da OMC, levando-se em conta os mandatos da Rodada Uruguai (os países do Mercosul procurarão agir de maneira conjunta e coordenada na futura rodada de negociações da OMC, a ser lançada em Seattle); Acordo de Cooperação e Facilitação sobre a Proteção das Obtenções Vegetais; Acordo de Admissão de Títulos e Graus Universitários para o Exercício de Atividades Acadêmicas nos Países Membros do Mercosul; criação do Grupo Ad Hoc de Acompanhamento da Conjuntura Econômica e Comercial.

Realização, no Rio de Janeiro no final de junho, da primeira Conferência de Cúpula (Cimeira) entre os Chefes de Estado e de Governo da América Latina, do Caribe e da União Européia, com vistas a estreitar os laços de cooperação e de integração econômica entre as duas regiões. Na declaração final, assinada no dia 29 de junho, os Chefes de Estado e de Governo se comprometeram em avançar na consolidação de uma parceria estratégica entre as duas regiões, de caráter político, econômico e sociocultural.

Na mesma oportunidade, assinatura de um comunicado conjunto entre o FCES do Mercosul e o Comitê Econômico e Social das Comunidades Européia (CES), defendendo a cooperação interinstitucional, o fortalecimento da dimensão social nos acordos de cooperação existentes, a participação das instituições representativas da sociedade civil nos processos de negociação e, finalmente, a criação de um Comitê Consultivo Misto, formado pelo FCES e o CES, como já existe em outros acordos da UE com outros espaços econômicos.

Assinatura da declaração do Rio de Janeiro, em junho, pelo “Fórum da Sociedade Civil para o Diálogo Europa, América Latina e Caribe”, defendendo a construção de uma “Aliança Social Continental” entre organizações sociais e sindicais dos países das três Américas e da UE.

Em novembro, reunião ministerial de integração hemisférica, em Toronto, Canadá, onde discute-se, entre outros assuntos, a realização da III Cúpulas da Américas no Canadá.

O Chile reafirma o seu desejo de se integrar ao Nafta e inicia conversações “técnicas” neste sentido com os Estados Unidos, embora o Congresso não tenha aprovado o fast track para este fim.

Fracasso da conferência da OMC em Seattle, em dezembro, não por causa de manifestações anti-globalização, mas devido a posições rígidas da parte dos Estados Unidos em matéria de antidumping e cláusulas social e ambiental, assim como em outros itens da agenda, de interesse da UE e de países em desenvolvimento.

CMC de Montevidéu, 07-08/12/1999: Discussão sobre a primeira reunião do Conselho de Cooperação Mercosul-União Européia, para definir a metodologia, estrutura e calendário da negociação interregional; preocupação pela falta de resultados da Reunião Ministerial da OMC, realizada em Seattle; exame do estado de implementação do Programa de Ação, em face das dificuldades econômicas dos países membros; discussão em torno da política automotriz comum, ainda não definida entre os países membros, o que inviabiliza seu estabelecimento em 2000; reunião de alto nível sobre coordenação de políticas macroeconômicas: harmonização estatística em quatro áreas: fiscal, monetário-financeira, setor externo e setor real; Chile e Bolívia foram convidados a integrar as discussões sobre coordenação macroeconômica; Convênio de Cooperação entre Autoridades Supervisoras de Empresas Seguradoras; Memorando de Entendimento Relativo aos Intercâmbios Gasíferos; Acordo de Assunção sobre Restituição de Veículos Automotores Terrestres e/ou Embarcações que Transpõem Ilegalmente as Fronteiras; Plano Geral de Cooperação e Coordenação Recíproca para a Segurança Regional.

 

2000:

Chile declara mais uma vez sua disposição em lograr ingresso pleno no Mercosul.

Novo governo argentino, do Presidente Fernando De La Rúa, concorda com plano brasileiro de relançamento do Mercosul mas persistem as dificuldades para a conclusão definitiva do acordo relativo aos setores automobilístico e açucareiro.

Reunião ministerial Brasil-Argentina, em Buenos Aires, em 27-28 de abril, com a presença dos ministros das relações exteriores, fazenda e defesa dos dois países, com o objetivo de relançar o Mercosul, mediante uma agenda ampla de cooperação bilateral, nas áreas político-diplomática, comercial, de coordenação macroeconômica e de segurança. Brasil e Argentina decidiram: realizar consultas e coordenação de posições, no sentido do estabelecimento futuro de linhas de ação comuns em matéria de política externa; o tratamento dos temas de defesa deve constar da relação bilateral e contribuir para o fortalecimento da democracia; iniciar coordenação macroeconômica por meio da unificação, até setembro de 2000, dos critérios de cálculo de uma série de indicadores da área fiscal, e estabelecer metas para estes indicadores, com ênfase no equilíbrio fiscal e na estabilidade de preços; criação de um Grupo Bilateral de Monitoramento Macroeconômico, para verificar o cumprimento dessas metas macroeconômicas; convidar Chile e Bolívia a participar da coordenação macroeconômica, bem como Paraguai e Uruguai; avançar na integração dos mercados de capital, adaptando as regulações vigentes nos dois países ao novo contexto regional; criação de um Grupo Bilateral de Consulta e Monitoramento, para examinar temas relativos à defesa da concorrência, subsídios estatais, e defesa comercial intrazona e aplicável a terceiros países; aperfeiçoar, junto com Paraguai e Uruguai, os mecanismos de solução de controvérsias; eliminar, até 30 de junho de 2000, as licenças prévias aplicadas ao comércio intrazona e não previstas no Artigo 50 do Tratado de Montevidéu de 1980; aprofundar a integração no setor energético (gás, petróleo e eletricidade).

CMC de Buenos Aires, 29/06/2000: Primeira rodada de negociação de compromissos específicos em matéria de serviços; disposições sobre o relançamento do Mercosul em matéria de acesso aos mercados, normativa Mercosul, aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias do Protocolo de Brasília, Tarifa Externa Comum, defesa comercial, concorrência, subsídios, coordenação macroeconômica, incentivos aos investimentos etc.; autoriza o GMC a iniciar negociações com a República da África do Sul e com o México.

Realização em Brasília, em 31 de agosto e 1 de setembro, a convite do presidente Fernando Henrique Cardoso, de uma reunião de chefes de Estado da América do Sul, para discutir temas vinculados à democracia, cooperação política e integração física do subcontinente. Tratou-se da primeira grande iniciativa de política externa regional do governo brasileiro desde a Operação Pan-Americana (OPA, 1958-1959) do presidente Juscelino Kubitschek, que permitiu, entre outros objetivos, a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o primeiro dos bancos regionais de desenvolvimento.

Em outubro é anunciado acordo sobre metas de convergência macroeconômica a partir de 2002, com fase de transição em 2001; as metas devem incidir sobre os seguintes elementos: variação da dívida fiscal líquida do setor público (3% do PIB, para todos os países; no período de adequação, 2002-2003, a variação não poderá exceder 3,5% do PIB); dívida líquida do setor público (limite máximo indicativo comum para todos os países de 40% do PIB, a partir de 2010); inflação (índice máximo para o período de adequação, 2002-2005, de 5%; a partir de 2006, o valor máximo será de 4% a.a., com tendência do “núcleo inflacionário” não superior a 3% a.a.); são estabelecidos procedimentos para a correção de desvios em relação a essas metas.

Governos do Chile e dos Estados Unidos anunciam, em novembro, mesmo sem a concessão de autorização congressual, decisão de iniciar negociações para a conclusão de um acordo de livre comércio, gerando com isso visível desconforto nos países membros do Mercosul.

CMC de Florianópolis, 14-15/12/2000: Assinados um acordo-quadro para a criação de uma zona de livre comércio entre o Mercosul e a República da África do Sul e uma Declaração de Direitos Fundamentais dos Consumidores do Mercosul. É revista a estrutura operacional do Mercosul, em termos de subgrupos de trabalho e de comitês técnicos. Convênio de cooperação entre os bancos centrais para a prevenção e repressão de ativos ilícitos; regime de origem do Mercosul; acordo sobre isenção de vistos; SGP; decisões sobre acesso a mercados, criação de reunião de ministros de desenvolvimento social, aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias, defesa comercial e concorrência, revisão da TEC, regimes aduaneiros especiais de importação. Os presidentes Mercosul, da Bolívia e do Chile dão sua aprovação (Declaração Presidencial sobre Convergência Macroeconômica) às metas e mecanismos de convergência macroeconômicos, referenciados nas estatísticas harmonizadas, que foram anunciadas em 31 de outubro, e declaram seu compromisso de envidar todos os esforços para alcançar o cumprimento das metas estabelecidas.

 

2001:

A assunção de Domingo Cavallo como novo ministro da Economia da Argentina, em fevereiro, desperta temores quanto a um recuo do Mercosul a uma situação de zona de livre comércio, em virtude de suas pesadas críticas contra a TEC e o funcionamento da união aduaneira, e da exigência unilateral de exceções nacionais argentinas a diversos componentes da TEC, como bens de capital, informática e alguns insumos e produtos eletrônicos. A postura firme do Brasil atuou no sentido de preservar o Mercosul de recuos institucionais e desgastes políticos e econômicos mais graves, inclusive para preservar seu poder de barganha no decorrer da fase final e decisiva do processo hemisférico.

CMC de Assunção, 21-22/06/2001 (XX reunião presidencial): Participação, como convidado, do Presidente Hugo Chaves, da Venezuela, que deve confirmar sua decisão de maio, mediante a qual anunciou a firme intenção de seu país de ingressar, individualmente, como novo membro associado do Mercosul

 

 

10.4. Desenvolvimentos da integração nas Américas, 2001-2005:

2001: Realização de reunião ministerial da Alca, em Buenos Aires e da III Cúpula das Américas em Québec, no Canadá, ambas em abril. Definido um calendário para as duas últimas etapas do processo negociador, a serem conduzidas, respectivamente, pelo Equador, até outubro de 2002, e a partir de então, até o final, pelo Brasil e pelos Estados Unidos, conjuntamente. As negociações deverão estar concluídas, o mais tardar, em janeiro de 2005, para que a Alca possa entrar em vigor ainda em dezembro desse ano. O prasidente Hugo Chavez, da Venezuela, emitiu por sua vez, na mesma reunião de cúpula de Québec, reservas quanto ao calendário proposto para a implementação da Alca e declarou, sem coordenação prévia com os demais países da CAN, sua intenção de colocar seu país como membro pleno do Mercosul.Várias dúvidas subsistem quanto às possibilidades de um acordo em torno da Alca, em função da resistência do Congresso dos EUA em conceder um mandato negociador ao Executivo e da postura brasileira, e de alguns outros países, de lograr resultados verdadeiramente equilibrados sobre acesso a mercados – em setores como açúcar, siderúrgicos e produtos agrícolas – e no que se refere a normas sobre subsídios e barreiras não-tarifárias.

2001: Na etapa de transição, em 2001, para o regime de convergência macroeconômica, os países do Mercosul anunciarão, conjuntamente, seus objetivos específicos de inflação, variação da dívida fiscal líquida do setor público consolidado e dívida líquida do setor público consolidado (deduzidas as reservas internacionais) para esse ano. Os objetivos deverão ser consistentes com as metas comuns acordadas a partir do ano 2002.

2001-05: Processo de convergência das últimas exceções à TEC do Mercosul em fase de revisão em virtude das críticas argentinas ao perfil tarifário comum e da disposição brasileira de acolher determinadas acomodações pontuais..

2002: Circulação de moedas e bilhetes em euro nos países pertencentes à zona monetária única da UE, que passa a contar com a Grécia, como novo membro da UEM-12.

2002-05: Brasil e Estados Unidos exercem a co-presidência das negociações, entre novembro de 2002 e janeiro de 2005, na fase final e decisiva do processo de discussão da Alca.

2005: Término hipotético das negociações hemisféricas para a conformação, a partir de 2006, da Alca. Se bem sucedida a negociação, o processo de implementação de uma zona de livre comércio hemisférica pode delongar-se por mais de dez anos, pelo menos. Possível prazo, também, para a entrada em vigor de um acordo de associação entre o Mercosul e a UE, se as negociações se revelarem exitosas.


* O presente texto apresenta argumentos e opiniões pessoais do autor e não tem qualquer pretensão de refletir ou representar posições oficiais do Governo brasileiro, nem expressar ou defender políticas ou declarações do Ministério das Relações Exteriores do Brasil com relação à integração subregional, ao Mercosul, ou ao processo de negociações hemisféricas para constituição da Área de Livre Comércio das Américas.

**Doutor em Ciências Sociais. Diplomata de carreira.

 
 
Fontes e bibliografia:

 

Fontes primárias e recursos para pesquisa na Internet:

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Association of Southeast Asian Nation: www.asean.or.id
Caribbean Community: www.caricom.org
Centro brasileiro de documentação e de estudos da Bacia do Prata: www.cedep.ifch.ufrgs.br/
Mercosul (Secretaria Administrativa): www.mercosur.org.uy
Ministério das Relações Exteriores do Brasil: www.mre.gov.br
Red Academica uruguaya: www.rau.edu.uy/mercosur/
União Européia: www.europa.eu.int
 
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VIGEVANI, Tullo, Mercosul: Impactos para Trabalhadores e Sindicatos, São Paulo, LTr, 1998
 
 
Preparado para livro em homenagem ao Dr. Werter Faria
Edição coordenada pelo Prof. Luiz Oávio Pimentel (pimentel@matrix.com.br), UFSC.
[Washington, 769: 28 janeiro 2001; revisão: 08 e 20.02.2001
793: Novo texto, inteiramente revisto, em 18 de junho de 2001]
 

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