Ano I - Nº 02 - Julho de 2001 - Bimensal - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178

 

Autonomia Como Objetivo Na Educação

Ana Paula Salvador Werri [*] e Adriano Rodrigues Ruiz [**]

 

RESUMO: Jovens e adultos, muitas vezes, têm dificuldades para assumir posturas autônomas. O objetivo desta pesquisa é investigar a formação moral e intelectual de nossas crianças na escola, trazendo como idéia central a autonomia na educação. Foi desenvolvida a partir de autores como Jean Piaget, Paulo Freire, Rubem Alves, Janusz korczak, Constance Kamii, Leo Buscaglia, Krishnamurti, dentre outros. Eles nos falam de amor, de cooperação e de solidariedade; valorizando o caráter emancipatório e transformador que a educação pode ter.
Palavras chaves: Educação, autonomia, teoria da educação

 

O grupo PET de pedagogia da UEM desenvolve um projeto de extensão com informática atendendo crianças de instituições da cidade de Maringá. Como integrantes desse grupo pudemos observar como algumas crianças são dependentes, tendo dificuldades de criticar e mesmo de opinar.

O que realmente despertou nosso interesse sobre o tema foi ver uma das crianças, trabalhando no programa Paint de desenho, sentir-se incapaz de escolher o desenho que faria e as cores que utilizaria. Essa situação expressa a dependência intelectual da criança em relação ao adulto, a incapacidade de tomar decisões, isso pode ter reflexos no seu comportamento adulto, gerando comportamento totalmente obediente às estruturas sociais.

Assim, fizemos pesquisa bibliográfica, focalizando o desenvolvimento moral da criança em suas relações sociais e na educação escolar, a partir de autores como Jean Piaget, Rubem Alves e Contance Kamii.

 

Relação entre educação e sociedade

Somos submetidos a uma educação que nos tornar seres passivos diante dos acontecimentos e submissos a qualquer um que se imponha e mostre poder sobre nós. Temos idéias e condutas uniformes, como nos fala Rubem Alves:

Educação é isto: o processo pelo qual os nossos corpos vão ficando iguais às palavras que nos ensinam. Eu não sou eu: eu sou as palavras que os outros plantaram em mim. Como disse Fernando Pessoa: ‘Sou o intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim’.

Muitos são os responsáveis pelo que somos, muitos influenciam em nossas decisões, em nossos pensamentos e na forma de nos produzir como “homens”. Somos o resultado do desejo de nossos pais, professores, líderes religiosos e políticos. Somos influenciados pelos meios de comunicação, o mais eficaz modo de se propagar idéias. Destacamos a tv como o maior deles, massificando da cultura, ao incutir e padronizar.

Apesar de hoje haver toda uma discussão em torno dos meios alternativos de educação, em nossa sociedade a escola ainda é vista como a melhor forma de se obter conhecimento e estágio obrigatório para ascensão social. Ela está estreitamente ligada à nossa cultura, regida por uma estrutura semelhante a da própria sociedade. Percebemos esta ligação ao observarmos a existência de um sistema hierárquico disciplinador, com organização seriada e com discriminação por séries.

A escola [1] , com toda sua autoridade consegue transformar seus “subordinados” (alunos) em sujeitos passivos. Ela consegue impor suas idéias sem contestações, ensinando às crianças desde o principio a absorver e repetir suas lições, tão bem que se tornam incapazes de pensar coisas diferentes. Tornam-se ecos das receitas ensinadas e aprendidas. Tornam-se incapazes de dizer o diferente (Rubem Alves: 1994, 27).

As crianças são educadas para servir a sociedade, para mais tarde exercerem uma profissão que promete preencher suas vidas e realizá-las como seres humanos. Na realidade, o que acontece é bem diferente, essas crianças educadas com técnicas para formar técnicos nas mais diversas áreas, tornam-se frustradas, sofrendo com seus conflitos ou então sendo tão ocupadas que esquecem delas próprias. Os homens sabem construir grandes máquinas, avançam na medicina, descobrem segredos da natureza e do universo, mas são incapazes de se compreender e compreender o outro. Pois para isso não existem receitas e tais coisas nunca foram ensinadas na escola.

O que a escola faz, segundo Nitzesche “é um treinamento brutal, com o propósito de preparar vastos números de jovens, no menor espaço e tempo possível, para se tornarem usáveis e abusáveis, a serviço do governo”, mas Rubem Alves modificaria sua última afirmação dizendo que ao invés de “usáveis a serviço do governo”, diria “usáveis e abusáveis a serviço da economia” ( ALVES: 1994, p.21).

A educação formal limita as possibilidades de fantasia e de liberdade criativa. Dá respostas certas, anulando a experimentação e a formulação de hipóteses pelas próprias crianças. Ignorando o fato de que as crianças pensam e que devem ser estimuladas a isso, talvez pela falta de tempo, pelas exigências curriculares, ou pelo despreparo dos professores. Não importa o motivo, o que constatamos que a escola segue padrões, ignora as diferenças individuais, as diferenças regionais e o histórico de vida de cada aluno, sendo extremamente autoritária. Como verificamos nesta afirmação de Reimer:

As escolas são obviamente, planejadas para evitar que as crianças aprendam o que realmente as interessa, assim como servem para ensinar-lhes o que devem saber. Daí resulta que a maioria delas aprende a ler mas não aprecia  a leitura, aprende seus algarismos e detesta a matemática, se tranca nas salas de aula e aprende o que bem entende nos saguões, pátios e lavatórios (1979: p. 151).

Devido a esse tipo de educação encontramos jovens e adultos sem iniciativa, meros reprodutores, pessoas com dificuldade de integração e cooperação.

 

O poder da escola

As crianças são pequenos pesquisadores que experimentam e buscam respostas para as muitas perguntas que fazem sobre este mundo ainda tão cheio de mistérios. Constroem e reconstroem teses sobre o funcionamento dele, da natureza e da vida. Sentem-se livres e entusiasmadas para questionar, argumentar e experimentar todas as coisas que estão a sua volta.

Este pesquisador curioso não para, não se contenta com os objetos que estão próximos dele, vai além e viaja. Ao dominar a palavra, enriquece seus pensamentos e alça vôo no mundo das idéias. Se antes brincava com seus brinquedos, agora brinca também com palavras.

Rubem Alves dá um exemplo ao falar de sua neta Mariane e sua experiência com as bolinhas, palavra pela qual ela identifica a bola de gude, a ervilha, a lua e as estrelas. Ele diz que ela aprendeu a brincar com as palavras, a fazer o que os poetas fazem, metáfora.

Ao ingressar na escola, as crianças e seus pais pensam que elas irão progredir, do não conhecimento para a aquisição do conhecimento que é tão valorizado pela sociedade. A criança que é livre para conhecer, criar, brincar com objetos e que se diverte com suas fantasias, ao adentrar na escola é convidada a deixar todas estas capacidades do lado de fora das salas de aula. Inicia-se assim o processo de padronização, todas as crianças serão educadas para agir, falar, escrever e até pensar igual.

Não há mais tempo para exploração, brincadeiras, o aprender com prazer. Os alunos devem passar pela tortura de repetir, copiar e decorar. Agora o aluno não segue mais seus interesses, pelo contrario, só faz aquilo que o professor mandar.

A criança perde toda sua autonomia criadora, fala frases feitas, decora conceitos que para ela nada significam e tem medo de ousar, pois o taxativo “certo e errado” a amedronta.

Na escola a criança “aprenderá” varias coisas, mas o mais importante não lhe será ensinado, o mais importante foi esquecido, a escola não ajuda o aluno desenvolver sua competência cognitiva, a de pensar. Ao invés disso são ensinadas respostas certas, para as quais não é necessário pensar, basta o exercício de memória. Quando consideramos a autonomia como objetivo educativo, lembramos que:

é preciso ensinar os alunos a pensar, e é impossível aprender a pensar num regime autoritário. Pensar é procurar por si próprio, é criticar livremente e é demonstrar de forma autônoma. O pensamento supõe então o jogo livre das funções intelectuais e não o trabalho sob pressão e a repetição verbal (PIAGET, 1998).

Não podemos permitir que o professor detenha controle da conduta, das atitudes e do saber das crianças. Quando as crianças sofrem coerção dos adultos, numa relação de respeito unilateral, acabam acreditando que somente eles têm razão e suas afirmações são consideradas verdades. A autoridade adulta sobre o pensamento da criança não apenas prescinde de verificação racional, mas também retarda freqüentemente o esforço pessoal e o controle mútuo dos pesquisadores (PIAGET, 1998, p. 118).

 

A educação e o desenvolvimento moral da criança

A educação deve nos libertar das convenções, do autoritarismo das idéias que padronizam, da obediência cega e do comodismo. Deve estimular a ação do sujeito para a construção de conhecimentos, propiciar a criticidade e a reflexão. A educação deve lutar contra os entraves psicológicos, libertar o homem “de sua miséria afetiva, de sua pobreza criativa e de sua incapacidade desfrutar o prazer de viver” (Toro, p. 242).

Autonomia é autogoverno, é “a submissão do indivíduo a uma disciplina que ele próprio escolhe e a constituição da qual ele elabora com sua personalidade” (Piaget, 1998). Piaget em O julgamento moral na criança trata do desenvolvimento moral e mostra que a criança passa por duas fases, a anomia e a heteronomia; que são superadas conforme vão ficando mais velhas e evoluindo em suas relações, até conquistar a autonomia.

A anomia caracteriza as crianças de até um ano e meio, que fortemente egocêntricas não conhecem o que é certo e o que é errado, são incapazes de seguir normas. Neste momento, o tipo mais forte de relação que estabelecem é o de afeto pelos pais.

A heteronomia é característica do momento que surge o respeito a regras que são impostas por pessoas mais velhas, que são exteriores à criança e ditadas de forma coerciva. Por isso se desenvolve um respeito unilateral em relação ao adulto, baseado em dois sentimentos: o afeto e o medo.

A criança heterônoma julga segundo o realismo moral, isto é, as regras são seguidas ao pé da letra. Ela despreza as intenções dos atos e se apega a suas conseqüências, considerando como boa toda criança que segue fielmente às regras dos adultos.

As crianças passam a considerar lei toda regra recebida dos adultos (pais e professores), respeitando–as pelo amor que têm em relação a eles e pelo medo da reação do adulto perante o descumprimento de uma das regras. Nesta fase as regras são obedecidas, mas não compreendidas pela sua função social. Portanto, as crianças são incapazes de julgar com coerência por não entenderem os critérios utilizados na formulação das normas.

A idéia de justiça é confundida com a idéia de lei e com a de autoridade. A justiça existe enquanto os deveres são cumpridos. Os deveres costumam vir sob uma forma pronta e acabada, e como imperativos a serem obedecidos. A justiça representa mais um ideal, uma meta, portanto algo a ser conquistado, um bem a ser realizado (TAILLE: 1992, P. 53).

Para julgar com justiça deve-se avaliar as partes e os acontecimentos, pesar as situações e refletir para depois decidir de forma sensata. Estes procedimentos não são possíveis na fase de heterônoma, a qual está presa à autoridade do mais velho, assim se a regra for infringida, o sujeito deve ser punido.  Para as crianças pequenas a justiça segue um certo mecanismo, todos que não respeitam as regras são naturalmente punidos, seguindo a idéia de justiça “imanente”.

A freqüência de crianças que afirmam a existência de uma justiça imanente diminui conforme a idade aumenta, dos mais novos (7 anos), para os mais velhos (11-12 anos).

 

Os Tipos de Sanções

Piaget tratará do problema da sanção relacionando-a com justiça, ele encontrou duas noções distintas. Uma sanção pode ser injusta quando se pune um inocente ou quando favorece um à custa de outro. A primeira esta relacionada com o ato e sua sanção, e a segunda à idéia de igualdade. Em sua investigação, Piaget encontrou dois tipo de sanção observando as reações das crianças, as sanções expiatórias e as por reciprocidade.

Umas crianças concordam com as punições, defendendo as mais severas, justificadas por sua eficácia no cumprimento das normas. Para outras, elas não representam uma necessidade, as consideradas justas “são aquelas que exigem uma restituição, ou fazem o culpado suportar as conseqüências de sua falta, ou ainda que consiste num tratamento de repreensão e explicação mais proveitosa que o castigo” ( PIAGET:1977, p. 176).

O primeiro tipo de sanção é freqüentemente encontrado entre os menores e o segundo entre os maiores, com a ressalva de que as sanções expiatórias jamais deixam de ser observadas entre os adultos. As sanções expiatórias estão ligadas à coerção e à autoridade adulta sobre as crianças, a lição moral sempre vem acompanhada de um castigo arbitrário em relação à natureza da infração.  Arbitrário por não ter relação com o conteúdo da infração. Por exemplo, para punir uma mentira usar de um castigo físico, ou privar a criança de algo que ela goste.

O adulto reforça a heteronomia da criança ao usar de castigos para punir ou de recompensas para estimular o bom comportamento. Ao contrário de quando trocam pontos de vistas e conversam sobre o assunto com a criança, orientando sua ação, o diálogo ajuda a criança a crescer autonomamente.

A punição acarreta três conseqüências, características da heteronomia. A mais comum é a criança aprender a fazer cálculo de riscos, ela voltará a cometer a “má ação”, mas de forma que não seja descoberta. Outra é a “conformidade cega”, a criança com medo da punição age segundo à vontade do adulto, sendo extremamente obediente.E por último, a revolta. Existem crianças de bom comportamento que se rebelam contra a autoridade de pais e professores. Continuam heterônomas, negam uma ordem, mas não criam a sua, à qual deveriam obedecer conforme suas próprias regras morais.

Formar um sujeito autônomo é possível quando a autoridade adulta é diminuída e se desenvolve o respeito mútuo entre adulto-criança, criança-criança, possibilitando a construção dos valores morais a partir de discussões e de ações que considerem a opinião e respeitem o grupo a que ele pertence. Não há moralidade se e o sujeito é egocêntrico e incapaz de se colocar no lugar do outro. Por isso a convivência em grupo, o trabalho cooperativo e as sanções por reciprocidade são as melhores formas para desenvolver a autonomia moral.

Diferente das sanções expiatórias que estabelecem relações arbitrárias entre o ato considerado errado e a punição, a sanção por reciprocidade está diretamente relacionada com a infração, estimulando a criança a construir suas regras morais, por estarem ligadas a idéia de cooperação e igualdade.

As regras são facilmente respeitadas quando as crianças participam de sua elaboração, sendo comum ao grupo torna-se um elo de reciprocidade. Quem romper esse elo deverá sentir as conseqüências e se esforçar para restabelecê-lo. A reciprocidade faz o sujeito compreender a falta cometida e seus efeitos.

Piaget chama nossa atenção para o fato de que as sanções por reciprocidade podem se tornar punição se não forem executadas em ambiente solidário, onde haja relação de afeto e respeito entre adulto e criança. A criança deve ser levada a compreender suas faltas e perceber que deve corrigir sua conduta, deve ser ajudada a construir interiormente sua moral, para que não seja apenas coagida a seguir esta ou aquela forma de agir que outros determinam como certas. É necessário que ela possa se desenvolver, interagindo com o mundo e coordenando opiniões entre iguais.

A pessoa autônoma não é aquela que faz tudo o que deseja, que se governa sem se importar com as pessoas a sua volta. Pelo contrário, o sujeito autônomo sabe coordenar as regras, idéias, decisões e preferências de seu grupo social, agindo de forma harmônica.

Quando o sujeito é privado de conviver em um ambiente propício para seu desenvolvimento autônomo, permanecerá com muitas das características da heteronomia. No geral o que observamos, são adultos heterônomos, conformistas, e ou, revoltados. O conformista é um ser apático, que permanece inerte perante os acontecimentos, assistindo a tudo sem perspectiva de mudança, imaginando que as coisas estão prontas e acabadas.

Por outro lado, algumas pessoas mostram-se alheias às ordens impostas e de forma delinqüente passam a agir conforme seus desejos, com o intuito da satisfação própria. Estas pessoas são autocentradas, não se importam com as conseqüências de seus atos para atingir seus objetivos.

Esse é o caso dos corruptos, traficantes de drogas, assaltantes, assassinos etc. Não desprezamos as diversas influências psicológicas, sociais e econômicas que contribuem para a formação da delinqüência. O que estamos afirmando é que a educação tem papel formativo importante. Ao encontrarmos drogados, assaltantes e assassinos entre as classes mais altas da sociedade, temos a certeza de que os problemas não são apenas sócio-econômicos.

Colocar a autonomia como objetivo da educação poderia conduzi-la para transformações amplas que ultrapassariam o aprendizado de conteúdos sem significado para a vida. Haveria preocupação com a formação de um ser humano que vive, sente, ama e precisa ser amado.

 

A Relação Adulto Criança (Relação Autoritária)

As relações sociais que a criança estabelece influencia no desenvolvimento de sua autonomia. O tipo de relação estabelecida com o adulto e com seus colegas pode reforçar ou liberta-la da heteronomia natural, tanto moral como intelectual.

O adulto diante da criança tem poder, a forma que ele usa esse poder influenciará de diferentes maneiras na formação moral e no desenvolvimento cognitivo da criança. Se o adulto for autoridade no ambiente que a criança vive ele conduzirá uma relação com base no respeito unilateral, estabelecerá regras, que mesmo sem saber o porquê as crianças deverão cumprir, inibindo a atuação da criança. Desta maneira esta relação alimentará o egocentrismo da criança contribuindo para sua permanência na heteronomia.

A autoridade do adulto se faz evidente quando ele deixa clara a forma que utiliza para coagir, tanto utilizando sanções expiatórias como da super proteção. A primeira é uma sanção arbitrária que fará o culpado sentir as conseqüências de seus atos, como já vimos anteriormente; por isso nos deteremos na segunda que é representada pelas atitudes de pais e professores “bonzinhos”, que fazem de tudo para evitar frustrações, dificuldades e desilusões das suas crianças.

Os adultos superprotetores criarão com a criança vínculos de dependência, inibindo suas atitudes e tornando-a incapaz de tomar decisões sozinha. Podemos encontrar esse exemplo nas salas de aula quando vemos professores subestimando a capacidade de seus alunos, dirigindo suas atividades, antecipando respostas certas e invibializando suas tentativas. Cria-se assim, um esteriótipo do bom aluno, aquele obediente, que faz tudo que a professora manda, faz todas as atividades e tem bom comportamento, isto é, aquele aluno que fica estático dentro da sala de aula.

Os alunos que não se encaixam neste esteriótipo e não seguem as normas estabelecidas pela instituição, são taxados de indisciplinados. Verificamos hoje que é o caso da maioria dos alunos de nossas escolas. Os alunos demonstram-se agitados, rebeldes e até violentos, sendo o resultado de uma aparente liberdade na educação que na realidade são características marcantes da heteronomia. Os alunos demonstram não compreender o sistema de normas que são obrigados seguir, pois estas estão alheias a sua constituição moral por serem regras externas, isto é, são impostas de forma coerciva. Eles se vêem encapasses de seguir normas que não são as suas, das quais não participaram da sua constituição.

O sistema ainda é autoritário, mas por que não tem os resultados de algumas décadas, quando as idéias de Durkheim eram seguidas? Talvez por estarmos no bojo de transformações onde há uma tentativa de renovação que não está sendo concretizada, ou pior pode estar sendo deturpada.

Para a educação moral que considere a autonomia dos sujeitos como fim, é necessário que reconheça a moralidade como o resultado de um processo, onde o indivíduo constrói e reconstrói sua moralidade em suas relações sociais atuando ativamente. A educação deve se dar num ambiente solidário, onde ocorra o respeito mútuo entre todos os integrantes e quando necessário a aplicação de sanções, que estas sejam por reciprocidade, fazendo com que o infrator reflita sobre sua ação.

A escola com estruturas tradicionais, através de seus métodos autoritários, apesar das tentativas de mudança, estará cumprindo o papel de órgão ideológico e de conservação das estruturas sociais, por não contribuir de forma significativa para o desenvolvimento moral e intelectual de seus alunos, ao se restringir a transmissão de conteúdos e demonstrar insegurança na sua contribuição moral.

 

Uma Educação Que Propicie A Autonomia

A educação que propomos como alternativa a tradicional é a que tem como prioridade o desenvolvimento pleno das crianças, respeitando os interesses dos alunos, estimulando a pesquisa e a criatividade. Neste sentido Piaget defende: uma “educação do pensamento, da razão e da própria lógica, é necessário e é condição primeira da educação da liberdade. Não é suficiente preencher a memória de conhecimentos úteis para se fazer homens livres: é preciso formar inteligências ativas” (PIAGET, 1998).

Não há desenvolvimento da autonomia num ambiente onde prevalece o autoritarismo do professor, em que os alunos vêem o professor como dono exclusivo do saber. Se esta afirmativa se faz verdade, a simples transmissão do saber será a prática na sala de aula.

Acreditamos que através de uma relação de respeito mútuo entre professor-aluno, a cooperação entre iguais e respeitando o aluno como sujeito construtor do seu conhecimento, poderemos contribuir para a formação de indivíduos autônomos.

As atividades devem ser feitas de forma cooperativa, os alunos trabalhando em grupo com a interferência provocativa do professor, assim tanto professor como aluno assumem a postura de pesquisador.

Portanto, o professor tem papel fundamental no desenvolvimento do aluno, pois ele deve acompanhar todas as etapas do projeto de cada criança, levantando questionamentos, mas nunca dando respostas certas. Dando sugestões, mas nunca assumindo postura autoritária, como se ele fosse o “detentor do saber”.

As regras ao serem criadas com a participação efetiva das crianças são fáceis de ser respeitadas, além de o fazerem com consciência. Podemos perceber isso pela seguinte citação:

Do ponto de vista moral, a cooperação leva não mais à simples obediência às regras impostas, sejam elas quais forem, mas a uma ética da solidariedade e da reciprocidade. Essa moral caracteriza-se, quanto à forma, pelo desabrochar do sentimento de um bem interior independente dos deveres externos, ou seja, por uma progressiva autonomia da consciência, prevalecendo sobre a heteronomia dos deveres primitivos (PIAGET: p.118).

Quando alguma das regaras são infringidas, deve-se julgar coerentemente, estabelecendo “sanções por reciprocidade”, pois o aluno deve ser levado a compreender suas faltas e perceber que deve corrigir sua conduta, deve ser ajudado a construir interiormente sua moral, para que não seja apenas coagido a seguir esta ou aquela forma de agir que outros determinam como certas. É necessário que ele possa se desenvolver, interagindo com o mundo e coordenando opiniões entre iguais.

Vivendo nesta esfera de reciprocidade, respeito mútuo e estimulo ao desenvolvimento intelectual os alunos atingirão o auto governo. Assim, “o self-government [2] é um procedimento de educação social que atende, como todos os outros, a ensinar os indivíduos a sair de seu egocentrismo para colaborarem entre si e a se submeter a regras comuns” (PIAGET: p.119).

Considerando as contribuições de Piaget, podemos reconhecer algumas escolas que trabalham neste sentido, como a Escola da Vila em São Paulo e a Escola da Ponte em Portugal. Mas é nas experiências do educador e médico Janusz Korczak (1878-1942), que encontramos a educação democrática levada as últimas conseqüências, em seu orfanato para crianças pobres na Polônia.

 

Considerações finais

O nosso trabalho defende uma educação que procure desenvolver a autonomia moral e Intelectual de seus alunos. Piaget e seus seguidores mostram a importância de que as crianças ajam corretamente por escolha própria, e não pela pressão de castigos ou de recompensas. Que tenha respostas corretas, não por que alguém lhe mostrou, mas porque e as encontrou. Não queremos educar crianças como em experiências de laboratório, como os ratos são condicionados. É importante que as crianças tenham consciência de seus atos, que estejam cientes de suas conseqüências e que reflitam sobre eles.

A educação quando autoritária reforça a heteronomia da criança e dificulta a formação de pessoas livres, pois é livre o indivíduo que sabe julgar, e cujo espírito crítico, sentido da experiência e necessidade de coerência lógica se colocam ao serviço de uma razão autônoma, comum a todos os indivíduos e que não depende de nenhuma autoridade externa.(PIAGET, 1998)

Com essas preocupações, a autonomia seria o objetivo da educação, sendo favorecida com métodos que privilegiassem a cooperação, numa relação de respeito mútuo e de investigação.


[*] Bolsista PET/Sesu e acadêmica do curso de pedagogia da Universidade Estadual de Maringá. 
[**] Professor Drº do Departamento de Educação da Universidade do Oeste Paulista.
[1] Aqui nos referimos as escola que se encaixem na estrutura da instituição tradicional. Apesar de algumas escolas possuírem um projeto político pedagógico baseado no construtivismo, e ou, sócio-interacionismo, poucas escolas conseguem colocar em prática o que é defendido por estas propostas.
[2] Expressão utilizada por Piaget para designar auto-governo.

Referências Bibliográficas

ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. São Paulo: Ars Poética, 1994.

BUSCAGLIA, Leo. Vivendo, amando e aprendendo. Rio de Janeiro: Record,1997.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo : Paz e Terra, 1996.

KAMII, Constance. A criança e o número. Campinas: Papirus, 1990.

KORCZACK, Janusz. Quando eu voltar a ser criança. São Paulo: Summus,1996.

KRISHNAMURTI. A educação e o significado da vida. São Paulo: Cultrix,1994.

PIAGET, Jean. O julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

_______Sobre a pedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

REIMER, Everett. A escola está morta.Rio de Janeiro: Francisco Alves,1979.

TAILLE,Y.; OLIVEIRA,M; DANTAS,H. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas    em discussão. São Paulo: Summus, 1992.