Ano I - Nº 02 - Julho de 2001 - Bimensal - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178
Zé
Ninguém e o Abominável Mundo Novo
Mara Lúcia Ferreira do Amaral*
Aldous
Huxley, através de dois extremos sociais apresentados em seu livro “Admirável
Mundo Novo”, mostra-nos um espelho onde podemos vislumbrar claramente exemplos
do que ocorre em termos político/ideológicos na sociedade contemporânea.
Partimos do pressuposto de que ideologia seja “o mascaramento da realidade
social que permite a legitimação da exploração e da dominação. Por intermédio
dela, tomamos o falso pelo verdadeiro, o justo pelo injusto.”( O Que é
ideologia – Marilena Chauí ). O que importava na “sociedade admirável” era a
estabilidade, a ausência de conflitos, a linearidade de opiniões e ações ,para
que todos encarassem a ordem social como um fator meramente natural.
Esta
práxis era justificada pelos
governantes com o intuito de manter e preservar o que estava estabelecido fazendo com que a
individualidade e o sujeito social fossem tragados pelo todo, deixando assim de
existir.
Nesta
ficção ( e talvez não estejamos muito longe disto, diante dos avanços
científicos que temos presenciado ) os seres humanos eram criados em
laboratórios, sendo classificados em categorias hierárquicas que desempenhariam
funções determinadas de acordo com sua predestinação social. Assim eram
divididos em Alfas +, Alfas, Betas, Gamas, Ypsulons e ypsulons menos, que durante todo seu crescimento ( não existia a
família) e vida adulta também, passariam por um elaborado processo de
condicionamento realizado através de instituições oficiais. Este controle “não
violento” tornava as pessoas suscetíveis a aceitarem com felicidade e gratidão seus papéis sociais. Portanto, nada era
realmente natural, mas antes, construído em função de uma dominação para se
manter a ordem estabelecida. Da mesma maneira em nossa sociedade, a classe
dominante – aquela que detém os meios de produção- se apóia num sistema onde o
econômico, o político e o ideológico estão em constante interação para
reproduzir e manter uma situação de privilégio e de poder. Para tanto, é
utilizado um sofisticado esquema ideológico em que não se controlam os
indivíduos através de métodos violentos mas sim impondo-se modelos de conduta
que são interiorizados e imitados em um processo de auto controle. Quem agir,
pensar ou tentar ser diferente do padrão estabelecido, passa a viver um
processo de “marginalização”, e de não aceitação pelo grupo que fará com que este
indivíduo sinta-se rejeitado, não fazendo parte do todo social. Utilizando os
veículos de comunicação de massa ( Mídia ) , assegura-se uma forma de submissão
inconsciente, de uma maneira muito parecida ao processo de condicionamento
sofrido pelos habitantes do Admirável
Mundo Novo. A dominação se dá
então, de forma silenciosa e ideológica. O comportamento das pessoas em
sociedade vai-se tornando padronizado nas mais diferentes questões ( estética,
linguagem, opinião, moda, etc. ) atribuindo ao indivíduo uma forma mecânica de
existência enquanto inserido num sistema.
Estamos
embutidos em modelos aceitos como lógicos e ideais. Padroniza-se o
comportamento e junto com ele as emoções humanas. Agimos como se estivéssemos
robotizados , pois a mídia que cumpre as determinações do mercado e
desta forma se coloca ao lado de quem está no poder, faz uso de apelos tão
fortes que tornam o nosso senso crítico nebuloso. Agimos da maneira que nos é
colocada como correta, elegemos os candidatos da burguesia, somos controlados
sem nos darmos conta, compramos o que não nos é necessário. De maneira muito inteligente, até mesmo os desenhos
infantís apresentam modelos de conduta
e conceitos que são interessantes para a manutenção do sistema. Só para
exemplificar, o desenho Dinossauros de Walt Disney, lançado neste ano (2000)
com grande audiência a nível mundial, propaga
idéias que parecem coadunar com o discurso predominante de que “se cada
um fizer a sua parte a sociedade será melhor”, ou ainda endossando a questão do
trabalho voluntário, responsabilizando individualmente as pessoas pelo bem
estar social. Temos a impressão de que com o avanço tecnológico, o mundo mágico
das artes e do cinema são incorporados de uma forma sutil e envolvente para
darem sustentação às relações de dominação, fazendo-nos lembrar do processo de
hipnopédia citado por Huxley. “A
indústria de comunicação de massa, na sua maior parte não se ocupa nem do
verdadeiro, nem do falso, mas do irreal...com o objetivo de impedir o povo de
prestar demasiada atenção às realidades da situação social e política”. Ou
ainda: “ Não fazem qualquer esforço no sentido de educarem as massas a fim de
que estas se preparem para se governarem a si próprias, contentam-se meramente
com a manipulação e a exploração delas”. ( Regresso ao Admirável Mundo Novo –
Pág. 81, 82 e 122 ). Estas citações parecem ajustar-se perfeitamente à
realidade brasileira onde existe uma indústria muito forte e atuante que produz
carnaval e futebol para as massas.
Estamos
ligados a uma visão de mundo onde nossa subjetividade é também deixada de lado.
Não existimos mais enquanto indivíduos, com emoções e vontades particulares,
mas antes somos tratados de uma forma padronizada, ou seja, gostamos do mesmo
esporte, o carnaval é colocado como imprescindível em nossas vidas, vestimos as mesmas coisas, vamos com nossos
filhos ao Mc Donald’s, tomamos coca-cola...
Desta
maneira reafirmamos a organização social capitalista, fazendo-a parecer
imutável, natural e eterna. Não nos damos conta de que ela foi construída
historicamente e assim é passível de transformação.
Neste
contexto não pode haver contradições. Toda e qualquer possibilidade de
desarticular a ordem estabelecida vai sendo driblada pelos dominantes que se
utilizam de meios ideológicos que possibilitam a continuidade de sua dominação.
Este processo de dominação se dá de forma também mundial, ou seja, os países
ricos, de primeiro mundo, dominam e exploram os países em desenvolvimento.
Portanto, passamos a incorporar valores que interessam a mecanismos internacionais
que se utilizam de nossas Instituições
para controlar, por exemplo nosso
desenvolvimento e crescimento
demográfico em função da economia dos recursos naturais . “Quando passamos dos
problemas do controle da natalidade aos problemas do aumento das quantidades de
gêneros alimentícios disponíveis e à conservação dos nossos recursos naturais,
achamo-nos diante de dificuldades não talvez tão grandes, mas ainda enormes” (
Regresso ao Admirável Mundo Novo – pág. 234 )
Vários
mecanismos podem ser utilizados para persuadir o indivíduo, sendo que os
principais são os automáticos, de racionalização e de sugestão.
Os
mecanismos automáticos atuam exclusivamente sobre a memória, baseando-se na
repetição e tem no slogan seu melhor
exemplo.
Mecanismos
de racionalização são os que apelam para a razão, procurando convencer por
argumentos lógicos de forma racional.
Os
mecanismos de sugestão apoiam-se nos símbolos, nas associações de imagens.
Qualquer que seja o caminho escolhido, consegue-se obter a credibilidade dos espectadores. Existe um ditado ( capitalista ) que diz que “ a propaganda é a alma dos
negócios”. Pois bem, parece-nos que este ditado reflete a realidade quando
verificamos os dados da revista Isto É, que em sua matéria – Para Brasileiro Ver
– de 20 de setembro/2000 , afirma que o governo brasileiro no seu .orçamento para 2001 deixou vários
setores como saúde e educação, à
mingua. Porém este mesmo governo pretende gastar 146 milhões de reais em
publicidade, sendo este valor a soma total dos gastos com saúde, educação e
ciência e tecnologia.
No
último capítulo do livro Regresso ao Admirável Mundo Novo, A . Huxley parece
criticar o homem que vive nesta
sociedade quando diz que: “ sondagens recentes de opinião pública revelam que a
maioria dos adolescentes abaixo dos 20 anos, os eleitores de amanhã, não crêem
nas instituições democráticas, não vêem inconveniente na censura das idéias
impopulares, não julgam possível um governo do povo pelo povo e julgar-se-
iam
perfeitamente satisfeitos por serem governados
de cima por uma oligarquia de peritos qualificados , se puderem
continuar a viver segundo o estilo a que a prosperidade os habituou.” Diante
destas afirmações, parece-nos que o
“homem comum” é antes de tudo uma vítima de seu próprio conforto. Há um
consenso de que a máquina facilitou a vida dos homens, na medida em que
desempenha trabalhos que antigamente exigiam a força física. Também, hoje temos
água encanada e quente e luz elétrica, desde que possamos pagar por elas.
Assim, vendemos nossa força de trabalho para podermos desfrutar das delícias da
tecnologia. Seria a tecnologia um meio utilizado para oprimir o homem? Em Esparta, na Grécia antiga, os meninos
eram retirados de suas mães aos 7 anos para serem submetidos desde então a
treinamentos militares rigorosos. A
presença materna era considerada nociva, já que esta iria “mimar” e consolar o
filho nos momentos difíceis, tornando-o assim muito sensível e despreparado
demais para assumir a dura missão de morrer pela Pátria. Não queremos fazer
aqui uma apologia ao modo de produção que utiliza o trabalho braçal, mas temos
a impressão de que a tecnologia compra nossa rebeldia, suprimindo a luta do
homem como ser social. Aliás, este homem perde a noção de “ser social” quando
tenta individualmente garantir seu bem estar, buscando o prazer pelo prazer,
acreditando que o que vale é ser feliz, jovem, belo e aproveitar ao máximo os
prazeres que a vida oferece. Segue assim os modelos e as necessidades criadas
pela superficialidade publicitária e pelo imperativo dominante que dita as
regras do consumismo.
Resta-nos
buscarmos formas de resistência a tudo o que está posto, expondo as contradições
que são produzidas neste sistema que não prima pelo humano, mas que tem no
consumo de mercadorias e no consumo dos valores da classe dominante ( o que
nos parece mais grave ) sua maior forma de controle e dominação.
*
Pós-graduanda em Ciências Sociais (Universidade Estadual
de Maringá)