ANDREW PATRICK TRAUMANN

Mestre em História e Política pela UNESP-Assis

 

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Os falcões pousaram: o papel da ONU no conflito EUA-Iraque (1990-2003)

Andrew Patrick Traumann

 

Resumo: Neste artigo, trataremos das resoluções da ONU que levaram a uma coalizão ocidental liderada pelos EUA a lançar uma ofensiva ao Iraque, que havia invadido o Kuwait em 1990. Após uma rápida vitória as resoluções 660,678 e 687 foram utilizadas pelas grandes potências para deixar o Iraque numa posição totalmente indefesa como exército e como país. O embargo não afetou o regime de Saddam Hussein, mas matou centenas de milhares de inocentes, principalmente por doenças relacionadas à água contaminada. Será abordada também a resolução 1441 que, mesmo sem autorizar explicitamente a invasão do Iraque, foi considerada como suficiente para o governo norte-americano tomar a decisão unilateral de invadir novamente o país do Oriente Médio. Do ponto de vista estritamente político este artigo tentará jogar alguma luz sobre as razões que levaram os “falcões” a insistir tanto numa guerra contra o Iraque após os ataques de 11/09/2001, mesmo sem provas conclusivas.

Palavras-chave: ONU, Resoluções, EUA, Iraque.

Abstract: This article is about the UN resolutions that authorized a western coalition leaded by USA to wage a war against Iraq who had invaded Kuwait in 1990. After a fast victory, resolutions 660,678 and 687 were used by the major powers to maintain Iraq in a total helpless  position as a army and as a country. The embargo didn’t affect Saddam Hussein’s regime but killed hundreds of thousands of innocent people, specially of diseases related to contaminated water. We will also analyze 1441 resolution that even without an explicit authorization for war, was considerate enough to the American government to invade once again the Middle Eastern country.

By a politic point of view this article intend to put some light on the reasons that led the “hawks” to so strongly insisted in attack Iraq after the 9/11 events, even without conclusive proofs.

Key words: UN, Resolutions, USA, Iraq.

Organização das Nações Unidas (ONU)Introdução

No dia 2 de março de 2003, os EUA, pela segunda vez em treze anos lideraram uma coalizão para invadir o Iraque. O primeiro conflito havia ocorrido em 1991, após a invasão do Kuwait pelo Iraque em agosto de 1990. Naquela ocasião, os EUA, avançaram rumo ao Oriente Médio apoiados pela ONU e pela opinião pública mundial, chocados pela sanha beligerante de Saddam, que apenas dois anos antes havia assinado um cessar-fogo com o Irã após uma guerra que durara oito anos e deixara um milhão de mortos, e pelas conseqüências de tal invasão na economia mundial.

Em pouco tempo, os EUA, então comandados por George Bush derrotaram o exército iraquiano e devolveram a soberania ao Kuwait. Contudo, mesmo com a vitória acachapante a ONU e os EUA decidiram manter o embargo que desde a invasão ao Kuwait estrangulava a economia iraquiana. Alegava-se que as más condições de vida levariam o povo a se revoltar e fizesse aquilo que o exército norte-americano não fez: derrubar Saddam Hussein. Não foi o que se viu. O embargo cruel que impedia a entrada de remédios básicos e até de cloro para o tratamento da água, produziu uma das maiores tragédias humanitárias da História: mais de um milhão de mortos, a metade destes, crianças, a maioria vítimas de desnutrição. O embargo apenas fortaleceu o partido Baath de Saddam Hussein que, com a realização de obras assistencialistas, ganhou prestigio entre as classes mais prejudicadas.

Dez anos depois da primeira guerra, os EUA sofreram o pior atentado terrorista da História e, como veremos adiante, a ala mais conservadora do governo de George W. Bush, filho do presidente que comandou a primeira invasão, chamados de “falcões” pela imprensa mundial, viram na tragédia uma chance de ouro para voltar ao Iraque, enfraquecido em todos os sentidos após treze anos de embargo e derrubar Saddam Hussein. Para isso, precisava convencer o mundo e a ONU de que o Iraque ainda possuía as armas químicas e biológicas que usara na guerra contra o Irã, além de um programa nuclear em estágio avançado.Apenas conseguiu convencer a opinião pública interna. No mundo todo; foram feitos gigantescos protestos contra uma guerra, cujos objetivos econômicos e estratégicos eram evidentes. Bush não conseguiu convencer a ONU.

Mas foi à guerra mesmo assim.

Saddam invade o Kuwait

No dia 02/08/1990, o exército iraquiano invade e ocupa com extrema facilidade o Kuwait, possuidor de 10% das reservas petrolíferas mundiais e que, no passado, pertenceu ao território iraquiano (ATTUCH, 2003:83). Sempre foi percebido por Bagdá como território iraquiano tomado injustamente pelos britânicos. A conquista do Kuwait daria algo muito importante para qualquer país: acesso ao mar. Além disso, exige que o Kuwait perdoe uma dívida de US$10 bilhões contraída durante o conflito com o Irã e lhe pague uma indenização de US$2,4 bilhões sob alegação de que o Kuwait teria extraído petróleo iraquiano nos campos fronteiriços de Rumalia. O principal motivo apresentado pelo governo de Bagdá é, no entanto, uma suposta política kuwaitiana de superextração petrolífera que caracterizaria concorrência desleal com o objetivo de prejudicar o Iraque. O ex-ministro das relações exteriores do Iraque, Tarek Aziz, em entrevista a Patrick afirmou,

“... queríamos fazer entender ao presidente Bush que o Iraque não representava um perigo aos interesses legítimos dos EUA na região. (...) É a razão pela qual Saddam Hussein convocou (a embaixatriz americana) April Glaspie antes da nossa entrada no Kuwait. (...) Ela nos disse unicamente que, quando era funcionária no Kuwait nos anos 60 a posição dos EUA no conflito que colocava o Iraque contra o Kuwait era de não-intervenção...” (DENAUD,2003:36)

No seguimento do seu relato Aziz conta que durante a reunião com a embaixatriz, o presidente do Egito Hosni Moubarak telefonou avisando sobre uma reunião com membros do governo do Kuwait em Jedá, Arábia Saudita. De acordo com Aziz, a delegação kuwaitiana se comportou de forma cínica durante toda a reunião. Denaud afirma que existe um documento redigido pelo diretor de segurança do Kuwait mencionando um acordo com a CIA. Os representantes do Kuwait teriam se mostrados tão inflexíveis na referida reunião porque haviam recebido de Washington todas as garantias de proteção (Idem: 37).

No entanto, de acordo com o ex-ministro das relações exteriores de Saddam, se a intenção de Bagdá fosse anexar definitivamente o Kuwait, faria mais sentido fazê-lo na década de 1970, quando a URSS, aliada do Iraque poderia dar cobertura à invasão. Na época, os EUA tinham muito menos poder na região e não intervieram na invasão do Líbano, por exemplo. Ainda segundo Aziz,

“Quando olhamos para as fronteiras entre o Iraque e o Kuwait vemos que são fronteiras artificiais. O Kuwait até 1920 era só uma pequena cidade. Quanto ás duas ilhotas, Boubian e Warba, o problema é o mesmo. Warba está mais próxima das costas iraquianas e,sobretudo não tem nenhum valor para o Kuwait;em contrapartida é vital para o Iraque,que quase não tem acesso ao mar.” (Ibidem:38)

No dia 28/8/1990, Saddam Hussein anuncia a anexação do Kuwait como sua décima - nona província. Aumenta a pressão norte-americana para que a ONU autorize o uso da força. A Arábia Saudita, amedrontada com a perspectiva de também ser invadida pelo Iraque e, em solidariedade á família real do Kuwait, com quem mantém laços estreitos, autoriza a instalação de uma base militar norte-americana em seu território. Após muita pressão das potências ocidentais, a ONU, por meio da resolução 678 de 29/11/1990, autoriza o ataque ao Iraque caso este não se retirasse do Kuwait até 15/01/1991.

A Resolução 678 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, denominada “Resolução dos Poderes de Guerra”, autorizou os Estados-Membros a cooperarem com o Kuwait e “usar todos os meios necessários” para implementar não só a resolução 660 de 02/08/1990, que exigia a retirada imediata das forças iraquianas do território do Kuwait, mas todas as outras subseqüentes.

A resolução 660, votada no dia da invasão do Kuwait baseava-se nos artigos 39 e 40 da Carta das Nações Unidas para:

a) Condenar a invasão iraquiana do Kuwait.

b) Exigir a retirada imediata e incondicional das forças iraquianas e seu deslocamento para suas posições de 01/08/1990.

c) Conclamar o Iraque e o Kuwait para intensas negociações no sentido de resolver suas diferenças e apoiar todos os esforços nesta matéria, especialmente os da Liga Árabe.

Em 16/01/1991, um dia depois do fim do ultimato, forças coligadas de vinte e oito países liderados pelos EUA dão início ao bombardeio de Bagdá. O número estimado de mortos durante a guerra é de cem mil soldados e sete mil civis iraquianos, trinta mil civis kuwaitianos e quinhentos e dez soldados da coalizão. Contudo, organizações independentes de direitos humanos afirmam que o número de baixas civis foi bem maior do que o admitido pelo governo Bush. Em 03/04/1991 a resolução 687, chamada de “Resolução de Cessar-Fogo” definiu as normas do relacionamento entre o Iraque e a Comunidade Internacional até 2003.

Esta resolução é um documento extenso e bem mais detalhado do que as resoluções anteriores sobre o tema. Dada a retirada das tropas iraquianas, o documento visa manter esta situação, evitar que esta se repita, punir o Iraque pela agressão e violação da Carta das Nações Unidas e desarmar parcialmente o Iraque. Segundo alguns analistas internacionais uma intenção oculta das tais medidas também seria levar á queda de Saddam (LAMAZIÉRE, 1998:65).

Dividido em seis itens vamos nos ater mais ao item C, que trata do regime internacional de não-proliferação de armas de destruição em massa, que seria usado doze anos mais tarde pelos EUA para justificar uma nova invasão. O curioso é que a resolução, tão dura para com o Iraque, não faz alusão aos países que venderam a Saddam as armas químicas usadas contra o Irã, notadamente os EUA, que apoiou o ditador iraquiano desde sua chegada ao poder, em 1979, por considerá-lo um líder laico e moderno e, portanto menos irascível do que o líder iraniano aiatolá Khomeini.

Antes de dar seu voto na Assembléia da ONU, o representante do Iraque, conclamou o Conselho de Segurança a olhar também para o arsenal israelense, muito mais poderoso que o iraquiano e questionou a manutenção das sanções econômicas já que o Iraque estaria aceitando todas as medidas impostas.

Veremos a seguir na análise da resolução 687, que, a pretexto de desarmar o Iraque de armas químicas e biológicas, acaba por avançar até quase o desarmamento total do país. As medidas de desarmamento são literalmente impostas, o que não faz parte da tradição da ONU, que é de elaborar tratados universais e deixá-los em aberto para que os interessados o assinem e não criar documentos específicos para um único país e forçá-lo a assiná-lo. Os países possuidores de armas atômicas não abrem mão de seu arsenal em hipótese alguma e apenas preocupam-se em coibir a entrada novos membros no clube nuclear.

Outra questão interessante apontada por Lamaziére, é a ausência de base legal para a constatação, pelo Conselho de Segurança da violação de acordos dos quais a ONU nem fez parte como o de 1963 entre Iraque e Kuwait em que o primeiro reconhecia as fronteiras e soberania do segundo. Segundo Lamaziére a Carta da ONU dá ao Conselho de Segurança autorização para intervir somente para cumprir as sentenças da Corte Internacional de Justiça a pedido de uma parte em litígio, segundo o artigo 94 (Idem: 76).

O único fundamento do desarmamento do Iraque é a própria resolução 687. O parágrafo sétimo do item C impõe prazos rígidos para a destruição do suposto arsenal químico de Saddam. Para se ter uma idéia o governo iraquiano teria apenas quinze dias a partir da adoção da resolução para entregar declaração da localização, quantidade e tipos de todos os itens do parágrafo 8.

No parágrafo 9 letra b, o documento refere-se a um plano a ser elaborado pelo secretário-geral e os governos “apropriados”. Não é necessário um grande exercício investigativo para deduzir quem são os ditos “governos apropriados”, cuja menção por si só contraria o principio da democracia e da distribuição geográfica eqüitativa consagrada pela própria ONU.

O parágrafo 10 vai ainda mais longe e impõe ao Iraque que os inspetores da ONU terão acesso não somente aos locais indicados pelo governo iraquiano, mas também locais apontados pelos tais “governos apropriados”  (Ibidem: 83).

Além de armas de destruição em massa, o Iraque ficou também proibido de possuir mísseis com alcance superior a 150 km, devido a sua utilização contra Israel durante a guerra.

O Conselho de Segurança ficaria comprometido a avaliar periodicamente o cumprimento da resolução para um levantamento das sanções draconianas impostas ao país.

Em termos históricos, pode-se comparar a resolução 687 com o Tratado de Versalhes que também impôs medidas humilhantes à Alemanha após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918): ambos deveriam ser punidos pelos erros do passado e impedidos de causar danos novamente; enquanto o Iraque fica proibido de possuir armas de destruição em massa, no caso alemão havia as armas químicas; e, por fim, havia um controle por meio de inspetores que poderiam entrar aonde quisessem no território alemão, pisoteando o conceito de soberania.

No ponto quatro do Tratado de Versalhes há outro paralelo: fala-se em iniciar uma limitação geral de armamentos para todas as nações, no Iraque há planos para se desarmar o Oriente Médio. A grande diferença neste caso é que no caso das armas nucleares os países não possuidores da bomba comprometem-se a nunca tê-la, enquanto as nações nucleares poderão, um dia, eventualmente faze-lo em prazo indefinido. Todavia, não se pode ignorar que o papel da Alemanha no teatro das Relações Internacionais é bem mais relevante a nível mundial do que o do Iraque, cuja força circunscreve-se a sua região.

Já o Brasil, apesar do deslumbramento provinciano do presidente Fernando Collor, não aprovou totalmente a ação norte-americana, embora tenha condenado a invasão ao Kuwait e endossado o embargo da ONU. O Brasil procurou salvar o que restara de seu ótimo relacionamento com o Iraque, onde em 1973, a Petrobrás descobriu o poço de Majnoon, cujas reservas eram estimadas em 10 bilhões de barris. Devido ao conflito Irã-Iraque, contudo, o Brasil teve que abandona-lo, pois o mesmo encontrava-se em zona conflagrada, recebendo, contudo, a vultosa indenização de US$300 milhões de dólares (ATTUCH, 2003:23).

Durante anos, o Iraque foi o segundo maior parceiro comercial do Brasil, de onde importava alimentos como frango, café e óleo vegetal, mas também armas como carros de combate da Engesa e foguetes da Avibrás no valor de mais de US$500 milhões de dólares. Os 175.000 veículos modelo Passat trocados por petróleo e outros negócios realizados na forma do mais puro escambo fizeram com que o Brasil não precisasse realizar racionamento quando passou pelos dois choques do petróleo (1973 e 1979) (Idem: 115).

O Iraque, grato pelo fato de o Brasil ter sido um dos primeiros países a reconhecer a nacionalização do petróleo iraquiano, quando os EUA ameaçavam com um embargo. Além disso, Saddam apreciava o fato de que o Brasil não tinha o menor interesse em interferir em sua política interna como faziam os EUA e as potencias européias.

É impossível falar das relações Brasil-Iraque sem citar a construtora Mendes Júnior que assinou com Saddam um contrato de mais de US$1,2 bilhões de dólares para a construção da ferrovia Bagdá-Akashat, com 553 km de extensão, além da rodovia Expressway, cuja extensão ia de Basra é fronteira com a Jordânia. Outro ponto polêmico foi a exportação, entre1979 e 1990 de óxido de urânio e urânio enriquecido para Bagdá e a ida de vinte e três engenheiros militares brasileiros ao Iraque sob a direção do Brigadeiro Hugo de Oliveira Piva, a fim de continuar o desenvolvimento do míssil ar-ar Piranha (BANDEIRA,2004:60).

O embargo da ONU

Como vimos, a partir da Resolução 687, o Iraque passou a sofrer um duro embargo promovido pela ONU. Veremos aqui que tais medidas forma ineficazes em atingir o seu objetivo alegado que era o regime de Saddam Hussein. Em maio de 1991, no entanto, o porta-voz da Casa Branca, Marlin Fitzwater reafirmou que as sanções seriam mantidas até que Saddam caísse[1]. O Iraque foi impedido até de vender uma parte de sua produção petrolífera para comprar tabletes de cloro a serem utilizados em seus reservatórios de água.Uma equipe da Universidade de Harvard avaliou que, apenas entre janeiro e agosto de 1991, mais de quarenta e cinco mil crianças já haviam morrido de doenças decorrentes da contaminação da água. Além disso, com o embargo não havia mais comida para a merenda escolar e não havia sequer os remédios mais básicos nos hospitais e nos consultórios odontológicos não havia anestésicos[2]. No entanto, segundo Hugh Stephens, coordenador de uma comissão não-oficial de inquérito para o Tribunal de Crimes de Guerra:

“O Iraque é habitado não somente pelo seu presidente, mas por dezoito milhões de pessoas que numa violação sistemática ao artigo 54 do Protocolo de Genebra de 1977 estão sendo submetidos à fome como meio de guerra, sendo privados de medicação básica, e estão assistindo à destruição dos serviços básicos à vida civil. Há poucos sinais de que o grosso da população iraquiana esteja culpando Saddam pelas privações” [3].

Pelo contrário, o embargo só aumentou ainda mais a dependência da maioria da população da ajuda do partido Baath de Saddam Hussein. Para uma plena compreensão do que representou o embargo para o Iraque, devemos entender o significado da expressão Dual use (uso duplo), ou seja, a possibilidade de que um determinado produto importado possa ser utilizado na fabricação de armas improvisadas. Esta possibilidade fez com que a lista de produtos os quais o Iraque estava impedido de importar beirasse o bizarro. Entre outros itens, não podiam entrar no Iraque: comida de bebê, cobertores, botas, jornais médicos, xampu, camisetas, cadarços, sabonete, equipamento para hemodiálise, esmalte, farinha, apontadores de lápis, bolas de pingue-pongue, escovas de dente, papel higiênico e mais uma infinidade de produtos que, segundo a fértil imaginação dos idealizadores do embargo poderiam ser transformadas em perigosas armas que ameaçavam o futuro da humanidade [4].

Além da fome, o embargo trouxe de volta doenças que estavam erradicadas do país há anos, como a cólera. O dado cruel é que a destruição da infra-estrutura de abastecimento de água iraquiano não foi por acaso. Thomas Nagy, da Georgetown University, descobriu um documento da inteligência norte-americana chamado “Vulnerabilidades do Tratamento de Água no Iraque” que analisava os efeitos da água não tratada na população e previa os efeitos da inclusão do cloro na lista dos produtos embargados[5].

Apenas em 1996, quando o desastre humanitário tornou-se amplamente visível, a ONU aprovou a resolução 986, que criou o programa “Petróleo por Comida”, que passou a permitir que o Iraque vendesse uma parte de sua produção para aliviar a catástrofe que ocorria no país. Contudo, o programa transformou-se num foco de corrupção através do qual mais de duas mil empresas de 66 países teriam subornado o regime iraquiano na compra e venda de mercadorias e petróleo. Estas empresas pagavam propina a Saddam para vencerem a concorrência[6]. De qualquer forma, o programa não conseguiu atingir a maioria da população e seus efeitos, de uma forma geral, foram inócuos.

Dennis Halliday e Hans Von Sponeck, ex-coordenadores de ajuda humanitária renunciaram em protesto à situação no Iraque. Segundo Halliday, as receitas limitadas permitidas para importação não eram suficientes para a inclusão na cesta básica mensal de proteínas animais, carne, peixe, minerais e vitaminas essenciais numa dieta balanceada para adultos, e vital para crianças. A cesta básica vendida pela ONU concentrava-se na ingestão de calorias via açúcar, chá e grãos, o que de forma alguma solucionava o problema da desnutrição pela qual passava grande parte do povo iraquiano.

A evasão escolar, antes inexistente, chegou a 30%, pois as crianças tiveram que ingressar precocemente no mercado de trabalho. Outro ponto pouco comentado, mas lembrado por Halliday foi à evasão de cérebros. Mais de dois milhões de profissionais qualificados deixaram o país durante o embargo, fazendo com que o país se alienasse ainda mais do restante do mundo em termos tecnológicos[7].

De acordo com Sponeck, sucessor de Halliday, e que também renunciou a seu cargo na ONU em protesto contra as sanções, são falsas as acusações de que Saddam estaria estocando a ajuda internacional e deixando o país a mingua para despertar a compaixão internacional. Segundo o ex-funcionário da ONU a culpa da demora na entrega dos suprimentos pode ser atribuída tanto à falta de infra-estrutura de transportes no país quanto à burocracia excessiva do programa da ONU.

O segundo round da guerra que não terminou

Desde a propaganda antinipônica na II Guerra, nenhum país sofreu uma onda de propaganda negativa quanto o Iraque. Os atentados de 11 de setembro fizeram a mídia voltar à carga. Três dias depois dos atentados, agências de noticias distribuíram um artigo de uma “perita em Iraque”, Laurie Myhore autora do estudo “A Guerra Inacabada de Saddam Hussein contra a América”.Seu principal argumento: o fato de Saddam ter sido o único Chefe de Estado a comemorar abertamente os atentados (DORNELLES, 2002:124).

Desde os ataques, membros de alto escalão do governo Bush, como Dick Cheney e Paul Wolfowitz queriam um ataque ao Iraque. Contudo, não conseguiram convencer a opinião publica mundial, que enxergava no Afeganistão um alvo mais óbvio. Após o breve combate em terras afegãs, os falcões do governo Bush voltaram novamente seus olhos para Saddam. Afinal tratava-se do segundo maior produtor mundial de petróleo do mundo, possuindo reservas de 112 bilhões de barris, sete vezes mais do que as reservas do Mar do Norte. Apenas três reservas do sul do país produzem tanto quanto o Kuwait inteiro. Em 14/07/2002, o The Times britânico publicou uma matéria em que dizia abertamente em que a derrubada de Saddam abriria espaço para a entrada de empresas ocidentais de exploração de petróleo e diminuiria a dependência dos sauditas (Idem: 198).

No dia 21 de novembro de 2001, George W. Bush chamou seu secretário de Defesa Donald Rumsfeld para uma reunião privada e perguntou o que este achava da atual política para o Iraque. Rumsfeld disse achar que os planos estavam desatualizados. Todavia, desde antes dos atentados de 11 de setembro, o assessor adjunto de segurança nacional, Stephen Hadley, reuniu quatro vezes os secretários adjuntos para elaborar um plano para o Iraque. Os atentados apenas fizeram com que surgissem as condições para uma nova invasão, pelo menos para os “falcões”, a ala mais beligerante do governo Bush. Dentre estes, o mais ferrenho defensor da derrubada de Saddam era Paul Wolfowitz, secretário adjunto de defesa. Para ele, a solução era simples: a ocupação de mil poços próximos à fronteira com o Kuwait e o apoio á oposição xiita e curda. O Secretário de Estado Colin Powell, desde o inicio considerou absurda a idéia de que o povo iraquiano apoiaria em massa uma oposição patrocinada pelos EUA. Mas os falcões nunca lhe deram ouvidos. Rumsfeld pediu ao general Tommy Franks uma reformulação do plano de derrubada de Saddam e no final de 2001, Franks apresentou um novo plano que fugia esquema clássico de bombardeio seguido de invasão terrestre, utilizando mísseis Tomahawk lançados de navios ou aviões e um grupo chamado de Forças de Operações Especiais que realizaria incursões no interior do Iraque, conclamando curdos e xiitas á rebelião. Esta seria a parte mais difícil de ser posta em prática, já que o George Bush pai já os haviam abandonado uma vez em 1991. O massacre das forças de Saddam contra os oposicionistas que pensavam ter os EUA como guarda-costas jamais foi esquecido (WOODWARD: 2004:80).

No final de janeiro de 2002, George W. Bush fez o tradicional Discurso Estado da União, o primeiro desde os atentados. O discurso redigido por Michael Gerson e David Frum cunhou um termo que ficaria célebre: o “eixo do mal”. O termo que conseguia remeter ao Eixo da Segunda Guerra (formado por Alemanha, Itália e Japão) e ao Mal absoluto, o Diabo, representado por Saddam Hussein agradou em cheio ao evangélico Bush. Houve ainda uma pequena discussão sobre se o Irã deveria ser incluído já que ao menos realizava eleições regularmente, mas Bush insistiu que sim, pois queria mostrar que os EUA estavam em alerta sobre tudo o que ocorria no globo (Idem: 101).

Numa reunião entre Rumsfeld e Franks realizada no final de fevereiro este aventou uma possibilidade curiosa: e se Saddam se retirasse enquanto os norte-americanos invadissem? Haveria base legal para continuar a invasão? Houve um consenso de que os EUA entrariam de qualquer forma, pois deveriam se assegurar de que o novo líder que surgisse no país era “confiável”. Outra preocupação dizia respeito ao petróleo: era preciso convencer os sauditas a aumentar sua produção para o caso de Saddam ameaçar seus vizinhos Turquia e Jordânia com o corte do fluxo de petróleo se estes aderissem à coalizão. Powell previu que a guerra poderia desestabilizar regimes aliados como o saudita, o egípcio e o jordaniano e afetar drasticamente o fornecimento e o preço do petróleo. O Secretário de Estado ainda lembrou Bush de que seria impossível levar adiante uma operação de tais dimensões sozinho. Era necessário formar uma coalizão, buscando primeiro o apoio da ONU, que poderia levar a questão a uma solução diplomática ou autorizar a guerra e a formação de uma coalizão.

A primeira oportunidade realmente pública para Bush abordar o assunto foi num discurso na Assembléia Geral em 12/09/2002. Cheney e Rumsfeld não queriam que os EUA fossem à ONU, mas foram votos vencidos. O vice-presidente via a ONU como um espaço para debates teóricos infindáveis e que não levavam a lugar algum. Contudo, já que o discurso era inevitável, propôs que este constituísse um duro recado à ONU: de que se esta nada fizesse em relação ao Iraque, os EUA agiriam por conta própria, tornando a Organização tão irrelevante quanto se tornara à extinta Liga das Nações.

Antes do discurso, porém, o presidente convidou dezoito membros-chave do Senado e da Câmara. Comunicou-os que muito se discutia sobre o Iraque, e que muitas eram as opções, mas assegurou-os tanto a republicanos quanto a democratas que, quando a decisão fosse tomada o Congresso seria consultado. O líder democrata no Senado Tom Daschle questionou Bush sobre qual era o fato novo que motivaria um ataque e quais suas evidencias, mas Bush respondeu de forma genérica que se tratavam de armas de destruição em massa caindo em mãos erradas (Ibidem: 176).

Cinco dias antes do pronunciamento do presidente norte-americano, Bush e o primeiro-ministro britânico Tony Blair reuniram-se em Camp David. Para Blair era extremamente importante a obtenção de uma nova resolução da ONU. Seu partido, o Trabalhista, era, por principio, pacifista e jamais iria á guerra de forma unilateral. O mesmo pensava a opinião pública britânica. Para a Inglaterra, passar pela ONU era absolutamente necessário. No dia 12/09, um ano e um dia após os atentados aos EUA, seu presidente discursava na Assembléia Geral da ONU, onde disse que os EUA e o Conselho de Segurança buscariam em conjunto uma solução para a questão do Iraque.

A CIA, a agencia norte-americana de inteligência, nunca declarou que o Iraque possuísse armas de destruição em massa. Tanto é, que no depoimento público sobre ameaças mundiais em 2002, George Tenet, diretor da instituição dedicou apenas três parágrafos ao Iraque, afirmando que o regime de Saddam construíra uma infra-estrutura que poderia vir a ser utilizada para a fabricação de armas químicas e biológicas. Todavia, Bush nunca perdia a oportunidade de reafirmar o tripé de suas acusações contra Saddam: que ele possuía armas de destruição em massa em grandes quantidades, torturava seu próprio povo e que constituía uma ameaça aos maiores aliados norte-americanos na região: Arábia Saudita e Israel. Para obter apoio do Congresso e da opinião pública, Bush decidiu fazer um discurso em rende nacional no horário nobre. O presidente norte-americano declarou que em 1991, inspetores internacionais haviam descoberto que o programa nuclear iraquiano encontrava-se em avançado estágio de desenvolvimento e que Bagdá poderia ter a bomba em dois anos, ou seja, desde 1993. O texto do discurso possuía uma informação suprimida pela CIA de que o Iraque havia tentado comprar 500 toneladas de óxido de urânio, também chamado de yellow cake, de Níger. Para se ter uma idéia do que isto representaria cinco toneladas já são suficientes para a construção da bomba (HERSH, 2004:228). Tal informação, no entanto, caiu por terra, quando o diretor da AIEA (Agencia Internacional de Energia Atômica), Mohamed El Baradei, afirmou ao Conselho de Segurança da ONU que aqueles documentos eram falsos. E que, aliás, tratava-se de uma fraude grosseira. Um dos documentos apresentados como prova e datados de 2000 era assinado por um ministro das relações exteriores de Níger, que deixara o cargo em 1989. Em outro documento a assinatura do presidente de Níger Tandja Momodu fora falsificada (Idem:230).

Na verdade, o programa de inspeção da ONU no Iraque era o mais bem-sucedido até então. Em outubro de 1997, a AIEA, emitira um relatório definitivo afirmando que o Iraque estava livre de armas atômicas, já que suas instalações haviam sido completamente destruídas na Guerra do Golfo.

O imbróglio em relação a Níger teve sua origem numa visita do embaixador iraquiano no Vaticano e ao país africano em 1999. Em 2001, logo após os ataques aos EUA, o serviço de inteligência italiano informou as embaixadas norte-americana e britânica sobre o assunto. Os dois embaixadores fizeram um relatório de rotina sobre a visita sem mencionar nada relativo à compra de urânio. Contudo, para Washington o fato de um embaixador iraquiano visitar um dos maiores produtores mundiais de urânio era uma prova de que a AIEA não estava fiscalizando o Iraque de forma competente, e que o Iraque buscava reativar o seu programa nuclear. Em fevereiro de 2002, a CIA mandou o embaixador Joseph Nilson à Níger para investigar a história. Em oito dias no país, descobriu que qualquer negociação envolvendo óxido de urânio exigia necessariamente as assinaturas do Primeiro-Ministro, do Ministro das Relações Exteriores e do Ministro de Minas. Esteve com todos e nenhum assinara qualquer documento com o Iraque. O emissário norte-americano também constatou que todo o urânio do país estava comprometido com japoneses e europeus (Ibidem:254). No entanto, em outubro de 2002, uma repórter da revista Panorama pertencente ao grupo do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi recebeu vinte e duas paginas de fotocópias de documentos sobre a compra de urânio em Níger pelos iraquianos. Seu editor Carlo Rossella mandou os documentos para a embaixada norte-americana para autenticação. A mesma repassou a papelada para Washington sem sequer verificá-la. Ao chegar ao Pentágono, os mesmos receberam crédito. Enquanto isso, a repórter viajou à Níger onde não encontrou quaisquer vestígios de veracidade da história (Ibidem:257). Mas isso no fundo não importava. Os “falcões” tinham os documentos falsos em suas garras.

Apesar de toda a polêmica, o Pentágono, mesmo admitindo a falsidade dos documentos, não desistiu de trabalhar com a possibilidade (para Cheney e Rumsfeld uma certeza) de que o Iraque estava fortemente armado.

No final de janeiro de 2003, o líder dos inspetores da ONU, Hans Blix, apresentou ao Conselho de Segurança, um relatório em que afirmava que, apesar da colaboração do Iraque, havia contradições em seus relatórios sobre o número de armas químicas utilizadas no conflito contra o Irã. Por sua vez, o diretor-geral da AIEA, Mohamed El Baradei, declarava que não havia evidencia da reativação do programa nuclear iraquiano (Ibidem: 297).

Em 31/01 Blair, pediu a Bush que novos esforços fossem feitos no sentido de obter uma nova resolução. Num raro momento de consenso, Bush, Cheney e Powell, posicionaram-se contra já que a resolução 1441, que condicionava a manutenção da paz à volta dos inspetores da ONU, já havia levado sete semanas para ser obtida e, além disso, nem consideravam uma segunda resolução como realmente necessária, já que esta previa, segundo a interpretação norte-americana, retaliações em uma eventual não-colaboração do governo iraquiano. Para Blair, era inviável ir à guerra sem uma segunda resolução.

Para seu pronunciamento às Nações Unidas, Powell procurou reunir o que tinha de melhor em termos de provas contra Saddam. E o que tinha não era muito. O diretor adjunto da CIA, John Mc Laughlin forneceu-lhe gravações com indícios vagos em que se falava em de forma vaga em evacuações de armas. Contudo, no seu discurso à ONU, realizado em 5/2, Powell interpretou a informação como se a Guarda Iraquiana estivesse numa luta contra o relógio para esconder as armas de destruição em massa. Uma das acusações mais fortes baseava-se em fontes humanas que apresentavam testemunhas oculares do que diziam ser fábricas de armas biológicas sobre rodas ou vagões ferroviários. (Ibidem: 313). O Secretário de Estado falou também sobre veículos aéreos não-tripulados que poderiam despejar agentes químicos e biológicos sobre seus vizinhos, ou até, se transportados, sobre os EUA. Percebe-se que a partir de uma simples constatação (o Iraque possui aviões não-tripulados), Powell desenha cenários apocalípticos em que os EUA são pulverizados como plantações de soja com armas químicas. Algo semelhante à onda de medo pós 11/9, em que muito se falou sobre a possibilidade de terroristas jogarem aviões contra usinas nucleares, mesmo que nenhum plano nesse sentido tenha sido encontrado.

O segundo relatório de Blix apresentado no dia 19 contrastou, e muito, com o de Powell. O líder dos inspetores afirmou que haviam sido feitas mais de quatrocentas inspeções em lugares como indústrias, depósitos de munição, universidades, laboratórios móveis, residências, acampamentos militares, palácios presidenciais entre outros lugares, e nada de ilegal havia sido encontrado (Ibidem: 329). Blix ainda recriminou Powell por tirar conclusões acusatórias baseadas em suposições.

Por insistência de Blair, Bush ligou ao presidente mexicano Vincent Fox e ao líder chileno Ricardo Lagos solicitando apoio numa nova resolução. Ambos negaram, embora, apenas Lagos tenha dito isto diretamente à Bush. Às vésperas da votação da nova resolução, a França declarou abertamente seu veto no Conselho de Segurança, o que fez os EUA optarem por retirar a proposta e fazer um lance ousado: com base apenas num alegado não-cumprimento da resolução 1441, faria um ultimato a Saddam, dando-lhe 48 horas para deixar o país sob pena de ataque militar. Na verdade Bush pretendia invadir o Iraque de qualquer forma, pois era, na sua visão, tarde demais para um recuo. Já se havia gastado demais com a movimentação de centenas de milhares de soldados em direção ao golfo pérsico, além de todo o esforço político para simplesmente retroceder de repente.

Em relação ao abastecimento de petróleo, os EUA estavam tranqüilos, pois seus aliados sauditas haviam prometido estabilizar o mercado de petróleo cru, aumentando a produção de oito para dez milhões de barris por dia. Na quarta-feira, 19 de março de 2003, o exército norte-americano invadiu o Iraque pelo oeste e pelo norte, enquanto soldados poloneses tomaram uma plataforma de petróleo ao sul. Dois dias depois Bush informara a Blair que a coalizão já dominava 40% do país e 85% de seus campos de petróleo. Em 9/4, o general Tommy Franks estimava em trinta mil o numero de baixas entre os iraquianos. O curioso é que este número, citado no início da guerra, manteve-se magicamente inalterado, pois é exatamente o mesmo relatado três anos depois pelo governo Bush. Há de se lembrar que desde 2003 a violência só tem aumentado na região com a entrada de combatentes da rede terrorista Al-Qaeda em conflitos com soldados norte-americanos, a situação de guerra civil entre sunitas e xiitas.

Em 08/02/2004, quase um ano após o início da guerra, e sem que nada houvesse sido encontrado, Bush admitiria no programa da rede de TV NBC, “Meet the press” que havia se enganado s respeito das armas de destruição em massa no Iraque (Ibidem: 421) Ou seja, a guerra que matou milhares de pessoas de ambos os lados, mas, sobretudo do lado iraquiano havia sido baseado numa falácia.

À guisa de conclusão: a Carta da ONU e a ilegitimidade da guerra

Em 1945, é criada a Organização das Nações Unidas, herdeira direta da Liga das Nações, cujas que apenas recomendava aos membros que se tomasse determinada posição não surtiam o efeito desejado. Em janeiro de 1946, reuniu-se pela primeira vez o Conselho de Segurança, formado por EUA, URSS, Grã-Bretanha, e França, os países vencedores da II Guerra Mundial, além da China, principal aliada da URSS na Ásia, e que, com suas dimensões e população continentais, faria o papel de dique de contenção para qualquer tentativa de retomada da antiga política expansionista japonesa. O objetivo declarado do Conselho era o de fazer cumprir decisões que contribuíssem para a manutenção da paz e segurança internacionais. Para a realização de tal propósito, a Carta da ONU propõe que se deva lidar com eventuais ameaças à paz por meios pacífico e em conformidade com os princípios de justiça e direito internacional. A citada Carta dedica quatro capítulos ao Conselho de Segurança, e o binômio, “paz e segurança internacional”, aparecem quatro vezes mais do que a expressão “direitos humanos” [8].Isto evidencia a preocupação do mundo pós-guerra em evitar que um conflito de grande magnitude se repetisse.

Contudo, o capítulo VII da Carta da ONU, assume um tom mais beligerante para o caso da solução pacífica não surtir efeito. Aliás, todo o capítulo VI pode teoricamente ser desconsiderado pelo artigo 42 do capítulo VII, que diz que se o Conselho de Segurança considerar que as medidas pacíficas seriam ou demonstraram serem inadequadas, poderá, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres fazer o que julgar necessário para o restabelecimento da paz e da segurança internacionais[9].Ou seja, o Conselho de Segurança pode utilizar a força antes mesmo de tentar a diplomacia ou outros meios pacíficos se assim lhe aprouver.

O referido documento diz ainda que há três justificativas possíveis para o conflito armado: a ameaça à paz, a ruptura da paz ou a autorização do Conselho de Segurança. Os EUA não possuíam nenhuma destas três justificativas para atacar o Iraque, pois invadiu o país baseado em indícios fracos, que, mais tarde apenas confirmaram-se como falsos. O país árabe enfraquecido por treze anos de embargo, não possuía as menores de condições de desenvolver o tipo de armamento do qual era acusado, e colaborou para cumprir a resolução 1441. Foi este o caso, por exemplo, do parágrafo 3 da resolução, que ordenava que o Iraque providenciasse e apresentasse à UNMOVIC, à AIEA, e ao Conselho de Segurança uma declaração atualizada e completa com todos os aspectos dos seus programas para desenvolver armas químicas,biológicas e nucleares[10].O Iraque apresentou um relatório com nada menos que doze mil páginas. O “acesso imediato, sem impedimento, incondicional e sem restrições”[11], exigido pelo parágrafo 5 também foi cumprido pelo regime de Bagdá.

As inspeções não encontraram vestígios de armas ilícitas, e o presidente George W. Bush, ao perceber que não obteria uma resolução mais incisiva do que a 1441 decidiu pela unilateralidade e invadiu o Iraque. Os “falcões” alegam ainda que Saddam Hussein violara as resoluções 678 e 687, de 1991. Porém, resoluções são válidas para uma determinada época e circunstâncias e não se pode justificar a invasão a um país soberano tomando-se por base resoluções aprovadas treze anos antes. Em 1990, Saddam, com ambições expansionistas, havia invadido o Kuwait. A resolução 678, de 29/11/1990, “autoriza os Estados colaboradores com o governo do Kuwait a utilizarem os meios necessários para reestabelecer a paz e a ordem na região”[12], demonstrando claramente que se tratava de uma situação específica referente à invasão do Kuwait pelo Iraque e, em nenhum momento se menciona a retomada da guerra em circunstâncias totalmente diferentes das que levaram á Guerra do Golfo. Em 2003, contudo, o Iraque, enfraquecido pela guerra e pelo embargo não constituía mais uma  ameaça à paz internacional. E mesmo à resolução 1441 não autoriza expressamente o uso da força, ameaçando o Iraque com o ambíguo termo “sérias conseqüências”[13].

Os “falcões” de Bush têm ignorado não somente á ONU, mas também tem se posicionado contra a jurisdição do Tribunal Penal Internacional e à assinatura do Protocolo de Kioto, demonstrando não crer na multipolaridade dos blocos e na interdependência econômica, mas sim num unilateralismo repleto de inimigos fustigados para alimentar o Leviatã criado pelo neoconservadorismo republicano.

 

Bibliografia:

ATTUCH, Leonardo. Saddam, o amigo do Brasil: a história secreta da conexão Bagdá. Rio de Janeiro, Qualitymark, 2003.

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil e Estados Unidos.

São Paulo, Civilização Brasileira, 2004.

DENAUD, Patrick. Iraque: a guerra permanente. Rio de Janeiro, Qualitymark, 2003.

DORNELES, Carlos. Deus é inocente: a imprensa, não. São Paulo, Globo, 2002.

HERSH, Seymour. Cadeia de Comando. Rio de Janeiro, Ediouro, 2004.

LAMAZIÉRE, Georges. Ordem, hegemonia e transgressão. Brasília, Fundação Alexandre de Gusmão, 1998.

WOODWARD, Bob. Plano de ataque. São Paulo, Globo, 2004.

Bibliografia virtual:

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http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php  visitado em 26/11/2006.

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HALLIDAY, Denis (1998) “Porque renunciei ao meu posto em protesto contra as sanções”, disponível www.geocities.com/ibnkhaldoun_2000/embargo.htm  última vista em 03/12/2006.

LINDEMYER,Jeff (2001) “Iraqi Sanctions:Myth and Fact”Swans Commentary, 03/09,disponível em http://www.geocities.com/Iraqinfo/sanctions/sarticles9/mandf.htm última vista em 13/12/2006.

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Publicado em 21.04.07 - Última atualização: 22 abril, 2008.