ROBERTA STUBS PARPINELLI

Graduada em Psicologia e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá

 

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As contribuições do método marxista para o entendimento e transformação da realidade educacional

Roberta Stubs Parpinelli

 

Resumo: Este texto se apropria das idéias de Marx para compreender seu método de interpretação da realidade social para, então, aplicá-lo no âmbito da educação. Deu-se maior atenção ao modo como Marx compreende a história, que possibilita entender de maneira mais completa a totalidade social e todas as suas contradições. Neste percurso, trabalhou-se a questão da realidade enquanto determinante das relações sociais e da consciência humana, da necessidade da não mistificação para se compreender os objetos tal como se apresentam na realidade social, e da importância da práxis humana na determinação dos rumos da história. Essas questões carregam consigo uma concepção de homem enquanto ser social, capaz, portanto, de transformar a realidade social. Em seguida, faz-se uma discussão sobre a necessidade de perceber a ideologia que perpassa a realidade e que endossa a manutenção da coesão social. Neste momento, inicia-se uma discussão sobre a realidade educacional e o modo como ela pode atuar na propagação de ideologias próprias do sistema capitalista, ou como possível instrumento de transformação social. Por fim, faz-se uma breve discussão sobre como as contribuições de Theodor Adorno e Max Horkheimer sobre a indústria cultural podem auxiliar no entendimento da cultura escolar e no desvelamento da ideologia que perpassa a realidade educacional.

Palavras-chaves: método marxista; realidade educacional; transformação social

The contributions of method marxista for understanding and transformation of reality educacional

Abstract: This text appropriates the ideas of Marx to understand his method of social reality interpretation to then implement it within the educacion. It gaves more attention to the way Marx understands the history, which allows a more complete understanding of the entire social and all your contraditions. In this way, it has been work is the question of reality as a determinant of social relations and human conscience, of the need of unmistification to understand the objects as they are in social reality of the importance of human practice in determining the course of history. Those questions carry with them conception of man as being social, able, therefore, to transform the social reality. Then, there is a discussion about the need to understand the ideology that goes through the reality and which endorses the maintenance of social cohesion. In this moment, it is initiating a discussion about the educational reality and how it can act in preading it to own ideologies of the capitalist system, or as a possible tool of social transformation. Finally, it is a brief discussion of how the contributions of Max Horkheimer and Theodor Adorno ghouth the cultural industry can help in the understanding of scholar culture in uncovering the ideology that goes on through the educational reality.

Keywords: Marxist method; Educational reality; Social transformation.

Goya - O sono da razão produz monstrosO presente texto tem como objetivo compreender a questão metodológica no pensamento de Marx e o modo como suas contribuições teóricas possibilitam um entendimento do homem enquanto ser social, em sua relação com o desenvolvimento da sociedade capitalista. No campo da educação, esta discussão se faz importante na medida que possibilita entender com maior clareza a realidade educacional e a pluralidade que perpassa e determina o contexto educacional. Pode-se dizer que a preocupação de Marx em compreender o desenvolvimento da sociedade é também uma preocupação em entender o desenvolvimento do próprio homem. Desse modo, a realidade social é determinante das relações sociais, fato que engloba aspectos políticos e econômicos. Segundo Marx (1996, p. 35):

O fato, portanto, é o seguinte: indivíduos determinados, que como produtores atuam de um modo também determinado, estabelecem entre si relações políticas e sociais determinadas. É preciso que, em cada caso particular, a observação empírica coloque necessariamente em relevo – empiricamente e sem qualquer especulação ou mistificação - a conexão entre a estrutura social e política e a produção.

O excerto acima demonstra que Marx (1996) se propõe a realizar uma leitura da realidade social, na qual um elemento indispensável é a não mistificação. Quando o autor ressalta a necessidade da observação empírica, ele está apontando a necessidade da vinculação de qualquer forma de interpretação da realidade com a própria realidade. Ou seja, afirma que qualquer tipo de produção social deve ser interpretada considerando os diferentes fatores que perpassam essa realidade. Trata-se de uma interpretação da realidade que a desvela, capaz de perceber os meandros ideológicos que atravessam as relações e a produção humana. Desse modo, Marx (1996) não propõe uma leitura ingênua da realidade, calcada em acontecimentos imediatos, mas pressupõe uma compreensão do desenvolvimento histórico da sociedade, mais especificamente da sociedade capitalista.

Pode-se dizer que a história é um elemento fundamental na teoria marxiana, pois possibilita compreender com maior clareza o modo de produção material, as contradições sociais, a atuação dos sujeitos enquanto determinados e determinantes sociais, a constituição do sujeito enquanto ser histórico, etc. Sobre a história, Marx (1996, p. 55-56) afirma o seguinte:

Não se trata, como na concepção idealista da história, de procurar uma categoria em cada período, mas sim de permanecer sempre sobre o solo da história real; não de explicar a práxis a partir da idéia, mas de explicar as formações ideológicas a partir da práxis material; chegando-se, por conseguinte, ao resultado de que todas as formas e todos os produtos da consciência não podem ser dissolvidos por força da crítica espiritual, pela dissolução na “autoconsciência” ou pela transformação em “fantasmas”, “espectros”, “visões” etc. – mas só podem ser dissolvidos pela derrocada prática das relações reais de onde emanam estas tapeações idealistas; [...] tal concepção mostra que a história não termina dissolvendo-se na “autoconsciência”, como “espírito do espírito”, mas que em cada uma de suas fases encontra-se um resultado material, uma soma de forças de produção, uma relação historicamente criada com a natureza e entre os indivíduos [..] Mostra que, portanto, as circunstâncias fazem os homens assim como os homens fazem as circunstancias.

O excerto acima evidencia a riqueza contida na concepção de história presente no pensamento de Marx, compreendida como um processo carregado de contradições no qual atuam sujeitos coletivos determinados socialmente (NETO, 1998, p. 55). Entender a história sob este ângulo possibilita uma perspectiva de análise que comporta os fatos históricos propriamente ditos, as tensões presentes no desenrolar da história, a influência dos interesses sociais nos contornos que a história assume, a interferência do momento histórico na constituição dos sujeitos, etc. Ou seja, a história acaba configurando-se como uma valiosa categoria de análise, que contempla toda a pluralidade que atravessa os diferentes objetos de pesquisa e fenômenos sociais. Neste contexto, a práxis humana é um elemento fundamental para se compreender a história, já que Marx concebe o homem como ser prático e social, determinado, fundamentalmente, pelas relações de trabalho. Nesse sentido, os alicerces da teoria marxiana são:

[..] pressupostos reais de que não se pode fazer abstração a não ser na imaginação. Sãos os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas, como as produzidas por sua própria ação. Estes pressupostos são, pois, verificáveis por via puramente empírica. O primeiro pressuposto de toda história humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar é, pois, a organização corporal destes indivíduos e, por meio disto, sua relação dada com o resto da natureza. Não podemos, evidentemente, fazer aqui um estudo da constituição física dos homens, nem das condições naturais já encontradas pelos homens – geológicas, oro-hidrográficas, climáticas e outras. Toda historiografia deve partir destes fundamentos naturais e de sua modificação no curso da história pela ação dos homens. (MARX, 1996, p. 26-27).

O movimento no qual o homem é compreendido como ser histórico e a história como produção humana, carrega em seu bojo um dos fundamentos do método marxista, a própria prática social. Segundo Neto (1998), Marx não aborda diretamente a questão metodológica em suas obras, mas toda vez que faz alguma menção a ela, discute o método em sua proximidade com um objeto determinado. “Na medida em que põe a teoria como reprodução ideal do movimento real do objeto, a relação do sujeito que queira reproduzi-lo (o objeto) não pode ser aleatória, mas deve ser uma relação determinada, numa perspectiva que permita apreender a dinâmica do objeto” (NETO, 1998, p. 56). As palavras do autor evidenciam quão importante é a categoria de práxis e, conseqüentemente, de empiria no pensamento de Marx. Pode-se dizer então, que para se compreender a realidade faz-se necessário uma aproximação prática da mesma, para, só assim, perceber suas tensões e antinomias. É justamente nesta aproximação que se inaugura a possibilidade de uma “relação reflexiva que permite ao sujeito apropriar-se da dinâmica do objeto” (NETO, 1998, p.57).

Nesta perspectiva, a relação sujeito entre pesquisador e objeto de pesquisa se despe de uma assepsia científica para assumir um caráter político, de comprometimento entre a díade sujeito teórico-objeto com a própria dinâmica social, com todas as implicações filosóficas, políticas, culturais e sociais que perpassam determinado momento histórico. A aproximação da teoria com a prática, com o objeto de pesquisa, possibilita desnudar os ocultamentos ideológicos que atravessam a realidade. Ao se defrontar com a realidade tal como ela se apresenta na concretude social, o pesquisador irá se deparar com as contradições inerentes ao seu objeto e com possíveis limitações de seu aporte teórico. Desse modo, o método marxista, na medida que compreende a práxis humana, possibilita entender a ideologia presente no modo de produção dos homens. Segundo Marx (1996, p. 37):

Não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco dos homens pensados, imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida. [...] A moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, assim como as formas de consciência que a elas correspondem, perdem toda a aparência de autonomia. Não tem história, nem desenvolvimento; mas os homens, ao desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio material, transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar.

Pode-se dizer que a categoria de práxis é uma das molas propulsoras do pensamento de Marx, pois oferece subsídios para compreender tanto o desenvolvimento histórico da sociedade quanto o modo como os sujeitos foram transformando a natureza e construindo a realidade social. Entender esses movimentos possibilita compreender o modo como a ideologia dominante foi conduzindo e determinando a práxis dos homens e, conseqüentemente, a arquitetura da realidade social. Sobre este aspecto, é válido retomar a discussão que Marx faz sobre a consciência, que não deve ser compreendida como algo estritamente individual e singular a cada sujeito, mas sim como algo determinado socialmente: “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência.” (MARX, 1996, p. 37). Desse modo, homem e sociedade se encontram indissociáveis, ambos entrecortados e influenciados por conteúdos ideológicos que tendem a conduzir e manipular o rumo da história, dos homens e da sociedade. Sob esta perspectiva, ter conhecimento do desenvolvimento histórico da sociedade é também ter consciência. Esta proximidade entre consciência e história revela o modo como a ideologia capitalista atua, de maneira a tolher o desenvolvimento da consciência social, ao tornar nebulosa aos homens sua própria história e todas as tensões sociais que a compõe.

Neste sentido, o método lançado por Marx possibilita uma distinção entre aparência e essência, entre o objeto tal como se apresenta na realidade e as filigranas ideológicas que determinam e constituem sua composição. Sobre este processo de desvelamento ideológico, Neto (1998, p. 59) afirma o seguinte:

Segundo Marx, para captar a aparência, para sinalizar o conjunto de processos de um fenômeno não é necessário nenhuma pesquisa. Basta mirá-la, basta verificá-la, basta constatá-la. Em Marx, a aparência não é descartada, não é secundarizada, mas ela tanto revela quanto oculta a essência. Donde partir da aparência significa partir da factualidade para localizar processos que remetem a novos dados, que remetem a novos processos e que, portanto, permite, numa viagem regressiva, num caminho de volta, retomar aquela mesma factualidade que foi o ponto de partida inicial e encontrar nela, retirando de sua processualidade, os traços que a particularizam.

Pode-se dizer que Marx propõe toda uma categoria de análise que possibilita uma nova leitura da realidade, uma realidade viva, construída pela práxis humana sob influência do modo de produção capitalista. Neste sentido, a realidade educacional também deve ser entendida como uma construção humana e social, sendo necessário compreender toda a carga histórica que perpassa sua consolidação. Desse modo, a escola não se configura como uma ingênua instituição descolada da realidade social, mas sim como uma instituição construída para responder aos interesses de determinado período histórico. Sobre o contexto histórico no qual a escola pública foi gestada, Leonel (2006) faz a seguinte colocação:

[...] a escola pública, tal como se apresenta, foi criada, no final do século XIX, no contexto da primeira de uma sucessão de crises de superprodução que chega até os dias atuais a intervalos cada vez menores. A perplexidade diante da primeira crise deu inicio à concentração de esforços em duas frentes aparentemente opostas: uma para dar continuidade ao processo de acumulação de riquezas e outra para conter os problemas derivados da desagregação social e das lutas sociais que acompanham todo o processo. [...] A escola veio como resposta à primeira crise e periodicamente passa por reformas educacionais, mas sempre com a finalidade de promover o desenvolvimento individual tendo em vista o exercício da cidadania e a preparação para o trabalho, que são as funções históricas da escola. (p. 54 - 55).

O excerto acima elucida as finalidades históricas que impulsionaram a criação da escola pública, possibilita também extrair alguns determinantes ideológicos presentes ainda hoje na realidade escolar. Estes determinantes ideológicos, quase sempre, servem para reforçar o sistema capitalista promulgando valores, ideais e padrões que fortalecem a segregação social, a lógica individualista, a competitividade, o desenvolvimento de competências particulares, enfim, consolidam cada vez mais o sistema social vigente. Neste contexto, pode-se dizer que a escola desempenha papel fundamental, pois atua diretamente na formação dos sujeitos e, concomitantemente, da própria realidade social. Desse modo, a escola, enquanto formadora dos homens e da sociedade, acaba disseminando as idéias que consolidam determinado modo de pensamento, sobre este aspecto:

As idéias (Gedanken) da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material, dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante; portanto, as idéias de sua dominação. (MARX, 1996, p. 72).

A citação acima explicita o modo como as idéias e o conhecimento carregam um peso ideológico na medida que são porta-vozes da estrutura social dominante, reforçando e consolidando todas as contradições necessárias para manter a coesão de uma sociedade segmentada entre dominados e dominantes. Por outro lado, de acordo com o pensamento de Marx, a escola é entendida como práxis social, podendo tanto reforçar os ocultamentos ideológicos próprios da sociedade capitalista quanto desenvolver e incentivar uma acuidade para desvelá-los e, quiçá, transformar a realidade social.  Neste sentido, a realidade educacional carrega em seu bojo uma dualidade bastante cara, a educação pode tanto reforçar o status quo quanto inaugurar mudanças e transformações na lógica do sistema capitalista. Neste ponto da discussão é válido questionar se a finalidade da educação é efetuar reformas ou transformações na realidade social. Qual seria o papel da educação?

Numa discussão acerca da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Zélia Leonel (2006) aponta sérias contradições entre o papel atribuído à educação e alguns valores da sociedade na atualidade. Uma das tensões mais conflituosas é a dicotomia entre a educação para o sucesso individual e a incorporação de valores de cidadania, educando para o bem comum. Trava-se, assim, uma luta entre os interesses individuais e os coletivos. Desse modo, a escola fica no meio desse fogo cruzado e tenta, a todo custo, manter um equilíbrio entre uma formação que reforça tenazmente o Eu e se esforça para incorporar uma dimensão de outridade nessa lógica inteiramente individualista.

Assim, enquanto a escola se esforça para estreitar os laços da boa convivência social, a prática neoliberal estimula o individualismo, a concentração de riquezas e o rompimento desses laços, o que justifica historicamente o apelo à cidadania que se materializa nessa verdadeira explosão mundial de organizações não-governamentais (ONGs) e outros serviços voluntários de filantropia. (LEONEL, 2006, p. 64).

Neste sentido, a prática educacional acaba por reforçar a lógica neoliberal na medida em que ensina valores de cidadania que auxiliam a falsear cada vez mais a competitividade e o individualismo próprios da sociedade capitalista. Assim, a educação passa a ser parte constituinte de um grande engodo social, que se esconde por detrás de um discurso de fortalecimento do convívio social quando na verdade se prioriza a segregação e o desenvolvimento do capital. Segundo Leonel (2006, p. 65), na nova LDB diversas disciplinas “foram atreladas a uma concepção de mundo, de homem, de ciência, de cidadania que visa oferecer respostas imediatas aos problemas derivados das contradições em processo.” Neste contexto, a educação assume um caráter estritamente paliativo, buscando, através de reformas, respostas rasas para problemas e contradições incrustadas na própria construção histórica da escola.

Entender o contexto educacional, inserido num plano histórico marcado por contradições sociais e determinismos ideológicos, abre arestas pelas quais a prática escolar pode se questionar e engendrar rumos diferenciados para sua própria história. Sobre este aspecto, as contribuições de Marx são indispensáveis já que este concebe a história como agenciada pela práxis humana, sujeita a contínuas modificações e contradições. Neste sentido a possibilidade de transformação social no campo educacional é iminente, para tanto, é necessário fazer o objeto transcender o óbvio para possibilitar o surgimento dos determinismos ideológicos que o compõe. É neste movimento de desmistificação da realidade falseada pela ideologia dominante que a educação pode se constituir como elemento fundamental para disparar mudanças sociais, ou, pelo menos, incitar a capacidade crítica e reflexiva dos sujeitos acerca da realidade que os cerca.

Pode-se dizer que a cultura se configura como um elemento bastante importante para entender o contorno ideológico que perpassa a educação, atribuindo a ela uma dinâmica de manutenção social através de reformas educacionais. Sobre este aspecto, destacam-se as contribuições teóricas da Escola de Frankfurt, mais especificamente as análises de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, membros fundadores do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt formado em 1924. Estes autores desenvolveram o conceito de indústria cultural, categoria de análise que possibilita entender o processo através do qual a cultura adquiriu um caráter instrumental e utilitário, passando a atuar na composição do movimento de um quadro social perpassado por valores e ideologias próprios do sistema capitalista. É importante apontar que os autores utilizam o termo indústria cultural em oposição a cultura de massa. Essa distinção é necessária, pois aponta o modo como a sociedade capitalista tende a manipular e administrar os bens culturais, transformando-os em mercadorias e esvaziando seu potencial formativo. O termo cultura de massa, por sua vez, não possibilita esse desvelamento ideológico, passa a idéia de uma cultura que emerge espontaneamente das massas, livre dessa dimensão manipulativa.

Para Adorno e Horkheimer (1985), a cultura industrializada é um poderoso vetor de propagação ideológica que dissemina valores, modos de ser e desejos padronizados que reforçam a lógica de uma sociedade pautada no consumo e na segregação social. Neste processo, a própria cultura se torna mercadoria e perde sua dimensão formativa, sem, no entanto, denunciar essa transubstanciação. Ou seja, a cultura, agora indústria cultural, continua atuando como elemento formativo falseando os reais interesses ideológicos que a compõem. Neste sentido, faz-se necessário pensar o modo como a indústria cultural influencia o contexto escolar no sentido de não viabilizar uma formação mais consistente e crítica, que possibilite uma práxis transformadora da realidade. Desse modo, a indústria cultural, ao propagar as idéias dominantes, acaba reforçando tenazmente a lógica de uma sociedade que tenta a todo custo conservar-se. A produção cultural voltada para as massas humanas desempenhou um papel fundamental para manter o homem sob o jugo do capitalismo industrial e para reforçar ainda mais a dimensão utilitária da razão. A própria dimensão cultural, como componente que contribui para o enaltecimento da razão e do conhecimento humano, foi reduzida a mercadoria. De acordo com Pucci (1995, p. 27):

[...] a indústria cultural cumpre perfeitamente duas funções particularmente úteis ao capital: reproduz a ideologia dominante ao ocupar continuamente com sua programação o espaço de descanso e de lazer do trabalhador; vende-lhes os produtos culturais da mesma maneira que lhe vende os bens de consumo.

A citação acima demonstra tanto o alcance dos bens culturais industrializados, que atingem inúmeros âmbitos da vida das pessoas e da sociedade, quanto o modo como a cultura é transformada em mercadoria e, como tal, esvaziada de sentido formativo. Desse modo, a concepção de indústria cultural se configura como elemento de suma importância para compreender a veiculação ideológica que atribui à cultura uma característica essencialmente mercadológica. Assim, na perspectiva da indústria cultural, ocorre a obstrução da dimensão emancipatória da cultura e do conhecimento por ela proporcionada que, por sua vez, passa a propagar elementos sutis de reprodução e manutenção da ordem social vigente.

Na concepção de Adorno e Horkheimer (1985), a manutenção social via padronização integra um movimento de dominação autoritária que reitera a ordem social dominante ao disseminar padrões, valores e modos de conduta. Os autores afirmam que este processo confere coesão à dinâmica de uma sociedade administrada, em prol de interesses dirigidos para a manutenção do atual modelo social, o que reflete diretamente na constituição de uma sociedade passiva e a-crítica. A idéia da atuação dessa sociedade autoritária pode ser percebida no excerto que se segue:

A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os mais distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, [...] Inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural reproduz as pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo (ADORNO & HORKHEIRMER, 1985, p. 119).

Neste sentido, a sociedade administrada que pensa e age de modo equalizado, promove a serialização do sujeito do conhecimento, fato que acarreta um embotamento de sua capacidade reflexiva. Tal embotamento possibilita à indústria cultural ocultar as diferentes manifestações de resistência, conduzindo, às escuras, o indivíduo rumo à aceitação e reprodução dos valores por ela inculcados.

As idéias de ordem que ela inculca são sempre as do status quo. Elas são aceitas sem objeção, sem análise, renunciando à dialética, mesmo quando elas não pertencem substancialmente a nenhum daqueles que estão sob a sua influência (ADORNO, 1971, p. 293).

Entender os meandros ideológicos que atravessam a cultura e que chegam até as escolas por meio dos meios de comunicação em geral possibilita compreender melhor tanto a realidade educacional quanto a dinâmica da própria realidade, abrindo arestas para possíveis modificações no contexto escolar. A própria cultura escolar merece ser pensada. Pensar sobre as atividades que reforçam o individualismo e a não cooperação, as figuras e os conteúdos dos materiais escolares que reforçam a segregação social, o modo como se trabalha as revoluções populares que marcaram a história, transformando os protagonistas em heróis inalcançáveis ou em bandidos “fora da lei”, etc. Assim, as contribuições de Adorno e Horkheimer sobre a cultura constituem um elemento a mais no desvelamento da dinâmica educacional, perpassada por todos os interesses ideológicos que a compõe.

Para finalizar, pode-se dizer que o pensamento de Marx permite entender a realidade social e todas as instituições que a compõem, entre elas a escola, como expressão de uma série de contradições sociais historicamente construídas. Sob esta perspectiva, entende-se que a realidade social é fruto da prática dos homens e, portanto pode ser modificada. Desse modo, o materialismo histórico possibilita aos homens tomar as rédeas de sua própria história, visualizar os motores que conduzem a sociedade e opor-se ou não a eles. No que tange à educação, possibilita desnudar os conteúdos ideológicos que reforçam uma estrutura social segregativa e, então, agenciar possíveis mudanças na realidade escolar. Considerando que a consciência de um povo é determinada pelo social, pode-se utilizar o próprio contexto escolar para determinar consciências mais críticas, menos atreladas e submissas à ideologia dominante. Categorias como práxis e desmistificação por meio da observação empírica, entre outras que não foram abordadas no presente texto, auxiliam a clarear o percurso histórico da educação em sua inserção social, possibilitando pensar a realidade escolar com olhos mais vivos. Vivos no sentido de visualizar o modo como a ideologia dominante atua no âmbito educacional, com a intenção de manter a ordem social vigente e de ocultar possíveis e necessárias mudanças no campo da educação.

 

Referências

ADORNO, Theodor. W. A Indústria Cultural. In: COHN, Gabriel. Comunicação e indústria cultural. São Paulo: São Paulo Editora. 1971.

ADORNO, Theodor. W. & HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1985.

LEONEL, Zélia. Tendência Atual da História da Educação. In: SCHELBAUER, Analete Regina. LOMBARDI, Claudinei. MACHADO, Maria Cristina G. (Orgs). Educação em Debate: perspectivas, abordagens e historiografia. Campina – SP: Autores Associados. 2006.

MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec. 1996.

NETO, José Paulo. Relendo a Teoria Marxista da História. In: SAVIANI, Demerval, LOMBARDI, José Claudinei, SANFELICE, José Luis (Orgs). História e História da Educação: O Debate Teórico-Metodológico Atual.  Campina – SP: Autores Associados. 1998.

PUCCI, Bruno. Teoria Crítica e Educação. In: Teoria Crítica e Educação: A questão da formação cultural na Escola de Frankfurt. São Carlos, SP: Vozes, 1994.

 

 

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Publicado em 21.04.07 - Última atualização: 18 abril, 2008.