GLAUBER RABELO MATIAS

Sociólogo formado pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ)

 

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Aspectos do Evolucionismo Antropológico em O Processo Civilizatório de Darcy Ribeiro

Glauber Rabelo Matias

 

Resumo: Proponho neste artigo, discutir aspectos do pensamento evolucionista antropológico de Darcy Ribeiro (1922-1997), enfocando seu trabalho O Processo Civilizatório (1975a). Procuro demarcar suas diversas recepções e interpretações, aproximações e distanciamentos, acerca de estudos clássicos de antropologia, fundamentalmente as perspectivas de Lewis Henry Morgan (1877), Edward Burnett Tylor (1871) e James George Frazer (1908), no que concerne às suas abordagens sobre o processo de evolução sociocultural das sociedades humanas como fenômeno universal e comparado no tempo e no espaço.

Palavras-chave: Darcy Ribeiro, O Processo Civilizatório, evolucionismo antropológico.

Abstract: I propose in this paper, discussing aspects about the anthropological evolutionist thought of Darcy Ribeiro (1922-1997), pointing in his work The Civilizatory Process (1975a). I try to analyze his various receptions and interpretations about the classical studies of anthropology, basically the perspectives of Lewis Henry Morgan (1877), Edward Burnett Tylor (1871) and James George Frazer (1908), concern at their approaches about the process of social and cultural evolution of human societies like a universal and comparative phenomenon at the time and space.

Key-words: Darcy Ribeiro, The Civilizatory Process, anthropological evolutionism.

Apresentação

O pensamento de Darcy Ribeiro é um objeto de investigação ainda pouco tematizado[1], seja no campo da antropologia, da educação, ou mesmo da sociologia brasileira. Pretender trabalhar com o pensamento de Darcy é se deparar com um arcabouço teórico-conceitual tão complexo quanto vasto, no que diz respeito às suas recepções e interpretações sobre diversos aspectos de campos do conhecimento distintos, como a etnologia, a história, a educação, o romance, dentre outros.

A base do pensamento antropológico de Darcy está presente em seus Estudos de Antropologia da Civilização[2], onde o objetivo central é o de analisar a conformação das sociedades humanas segundo a sua capacidade de explicar e prover suas existências no tempo e no espaço. Através deste compêndio analítico, Darcy focaliza sua abordagem na formação brasileira, bem como na latino-americana, em comparação com as diversas sociedades, e suas constituições culturais, sociais, políticas e econômicas, no sentido de elaborar uma explicação sensível às particularidades históricas de cada formação sociocultural, relativas a seqüências de revoluções tecnológicas e processos civilizatórios. No horizonte teórico-antropológico darcyniano ressaltam-se duas de suas principais matrizes, ao meu ver: o evolucionismo antropológico clássico e a dialética marxista, como campos articulados do conhecimento científico.

Neste trabalho pretendo discutir alguns aspectos do que Castro (2005) denominou de “estudos clássicos de antropologia”, que, malgrado apresentem diferenciações analíticas, são trabalhos que portam uma perspectiva de evolução sociocultural das sociedades humanas, fundamentada numa observação comparativa de cada sociedade em determinado contexto histórico, de tempo e espaço, bem como no percurso cronológico-temporal que cada povo realiza em sua existência. Desta vertente da antropologia clássica, Castro (2005) discute e apresenta as obras de Lewis Henry Morgan (1877), Edward Burnett Tylor (1871) e James George Frazer (1908), que aqui serão revisitadas de forma pontual, com o fito de estabelecer e demarcar brevemente as recepções e interpretações, aproximações e distanciamentos, de suas propostas em relação ao que podemos chamar de evolucionismo antropológico em Darcy Ribeiro.

É necessário , assim como nos diz Castro, ressaltar antes as nuanças teóricas de cada autor, do que encerrá-los num jargão estéril e pouco explicativo, de “evolucionistas”, deixando escapar as contribuições antropológicas em suas especificidades.  Isto também é válido para o esforço de tentar analisar a perspectiva de Darcy desde suas bases teóricas, sem, no entanto, apontar quaisquer filiações do pensamento darcyniano a este ou aquele autor clássico.

Para fins de argumentação, tenciono pontuar alguns aspectos da perspectiva evolucionista de Darcy Ribeiro, contida em O Processo Civilizatório: etapas da evolução sociocultural (1975a), seguindo assim as pistas de Celso Castro (2005), que ao indicar os possíveis desdobramentos do evolucionismo antropológico enquanto matriz de pensamento, coloca tal obra de Darcy ao lado das de Leslie White e Julian Steward, notando que “(...) em O Processo Civilizatório, [Darcy] retraça sua linhagem intelectual, passando por esses autores, até Morgan.” (CASTRO, 2005, p.38. Os colchetes são meus).

Desta forma, procuro, aqui, trazer Morgan, Tylor e Frazer, como autores clássicos, para analisar pontos de suas propostas, que aparecem reinterpretadas, grosso modo, em Darcy Ribeiro (1975a), como por exemplo: 1) a vinculação entre escalas de tempo e concepções sobre a história humana; 2) a adoção de um método comparativo de análise que pretende mapear o percurso evolutivo de cada sociedade; e, 3) a tensão entre “cultura” e “civilização”, ou “cultura” como “civilização”, como um processo de aperfeiçoamento dos conteúdos culturais através de um ideal de progresso humano. Estes são aspectos que permeiam as perspectivas clássicas da antropologia, bem como o debate de Darcy sobre a evolução cultural humana.

A perspectiva evolucionista nos estudos clássicos de antropologia

O tratamento dos estudos clássicos de antropologia tem de ser situado no âmbito da constituição da antropologia como campo do conhecimento científico específico, em um processo intelectual de definição temática e de diferenciação do objeto de investigação. Não é de espantar o intenso diálogo, e em certos casos, a interseção mesma, da perspectiva antropológica nascente com os campos da filosofia, da história, ou da biologia.[3] De algum modo, os “três pais fundadores da antropologia” , como nos mostra Castro (2005), lograram realizar a interlocução entre diversos campos do saber, em empreendimentos que pareciam distinguir o esforço de conformação da antropologia como ciência, da partação do conhecimento científico.

A explicação da maneira pela qual as sociedades humanas provêm e explicam suas existências no tempo e no espaço, me parece ser um objetivo que enlaça as perspectivas de Morgan, Tylor e Frazer, preocupação fundante que tematiza o desenvolvimento das sociedades, a partir do processo através do qual elas passaram a existir. O estudo sobre a humanidade, que tais autores realizaram, lança para o passado o lugar das respostas do presente, e das idéias que direcionam o futuro, substanciado pelo pensamento científico. Este é o primeiro ponto aqui: há, em modos e graus diferenciados, nas análises de Morgan, Tylor e Frazer, uma relação entre a história da humanidade, concebida como única, e representações analíticas acerca do tempo, por etapas, períodos ou estágios da evolução humana, que se sucedem e se explicam.

Morgan (1877), ao estudar o processo de desenvolvimento da humanidade, pretende excluir qualquer medida limitada de tempo, visto que “como a provável extensão da carreira da humanidade está ligada a períodos geológicos (...) cem ou duzentos mil anos não seriam uma estimativa excessiva do tempo transcorrido desde o desaparecimento das geleiras no hemisfério norte até o presente.” (MORGAN, 1877. In: CASTRO, 2005, p. 43). Esta noção de Morgan expande as escalas de tempo analiticamente, segundo classificações de períodos da humanidade relativos à sua história, em termos de seqüências de progresso humano.

A vinculação entre tempo e história, que Morgan realiza, parte de uma concepção de uma filosofia da história como devir, como um ente que fornece a significação concreta e objetiva dos processos e desenvolvimentos humanos, que, por assim ser, é única. “A história da raça humana é uma só – na fonte, na experiência, no progresso.” (MORGAN, 1877. In: CASTRO, 2005, p.44). A perspectiva evolucionista de Morgan se apresenta desta forma, próxima de uma concepção unilinear da história, como identificação de um caminho ascendente do estágio humano da selvageria, passando pelo estágio da barbárie, chegando ao estágio da civilização como uma etapa final da história humana. Apesar de lançar mão de um esquema, e isto é relevante aqui na medida que parece ser um recurso analítico total ou com pretensões de totalizações explicativas, Morgan não descarta diferentes graus de desenvolvimento humano correspondente a uma mesma escala de tempo.

Em Tylor (1871), a chave tempo-história também aparece na investigação da origem e do desenvolvimento primitivo da civilização, na qual há a existência de uma filosofia da história “(...) como um todo, explicando o passado e predizendo os futuros fenômenos da vida do homem com referências a leis gerais.” (TYLOR, 1871. In: CASTRO, 2005, p. 74). O objetivo de Tylor é o de detalhar e classificar os fenômenos da cultura de acordo com estágios de desenvolvimento, classificações do tempo, em relação à história humana. Reside em Tylor a idéia da “compreensão do presente e modelagem do futuro” (TYLOR, 1871. In: CASTRO, 2005, p.97), como um intento antropológico fundamental na observação sobre a evolução cultural humana em diferentes tempos existentes numa mesma história, ou seja, diversos estágios de evolução humana experimentados por diversas sociedades no mesmo percurso histórico. A perspectiva evolucionista tyloriana admite um esquema provável de evolução “(...) ao longo de suas muitas linhas.” (TYLOR, 1871. In: CASTRO, 2005, p. 93), aparecendo assim, como uma visão multilinear do processo de civilização humana.

A tarefa da antropologia para James Frazer (1908) apresenta semelhanças com as de Morgan e Tylor, pois “(...) visa descobrir as leis gerais que regulavam a história humana no passado e que, se a natureza for realmente uniforme, é de se esperar que a regulem no futuro.” (FRAZER, 1908. In: CASTRO, 2005, p. 104). A proposta de Frazer é de certa forma processual no que tange ao estudo das sociedades humanas, como uma análise comparada no tempo, numa relação de causalidade entre estágios passados da vida humana e estágios presentes, entre “o que era” e o “que é”, dos chamados “primórdios” até “os dias atuais”, guardando semelhança com Morgan na indicação da evolução da civilização a partir do estágio de selvageria. A perspectiva evolucionista de Frazer me parece, também ser de caráter multilinear, como está posto nesta passagem: “A humanidade (...) avança em escalões, isto é, as colunas marcham não uma ao lado da outra, mas em linhas dispersas, cada uma num grau diferente de atraso com relação ao líder.” (FRAZER, 1908. In: CASTRO, 2005, p. 116)

O grau de “avanço” ou “atraso” de uma determinada sociedade nestas “linhas”, seus percursos evolutivos, configura para os três autores um problema importante. O estágio “avançado” ou “atrasado” de uma sociedade está sempre referenciado por uma análise comparada, ou seja, uma sociedade é “avançada” ou “atrasada” em relação a uma outra sociedade, nas palavras de Frazer, à “líder”. Eis aqui o segundo ponto basilar destas perspectivas: a adoção do método comparativo de análise. A comparação entre sociedades está referendada pela noção de que certas causas e condicionantes operam de modo uniforme em toda a humanidade, como por exemplo, o aspecto da necessidade humana de subsistência material como adaptação a determinadas condições geográficas, climáticas; ou até mesmo, uma idéia de unidade mental ou moral humana que forneceria o ponto de partida para a análise comparativa.

A perspectiva de Morgan (1877) observa um caminho seqüencial do progresso humano, tomado como um sucessivo aperfeiçoamento da existência de cada sociedade em relação ao meio em que vive, em termos de “invenções” e “descobertas”[4], que ao mesmo tempo em que são resultados de uma experiência de subsistência acumulada e aperfeiçoada, colaboram para o conseqüente desenvolvimento humano adaptado. É importante ressaltar que em Morgan, “invenções” e “descobertas” correspondem a uma linha de investigação científica de sua empreitada, juntamente com o intuito de estudo das instituições primárias da vida social.

Deste modo, o problema fundamental em Morgan, é a análise sobre os problemas de desenvolvimento desigual dos povos, uma vez que partiram de condições gerais, relativas a toda a humanidade, ou seja, o questionamento sobre as razões do “atraso” de algumas sociedades em relação a outras, ou como o autor menciona, “porque outras tribos e nações foram deixadas para trás na corrida para o progresso – algumas na civilização, algumas na barbárie e outras na selvageria.” (MORGAN. 1877. In: CASTRO, 2005, p. 44).

A preocupação analítica de Tylor (1871), também procura enfocar o descompasso entre configurações culturais “avançadas” e “atrasadas”, convivendo numa mesma sociedade, que dentro de uma linha de continuidade do processo de civilização, se apresentam como “sobrevivências”, conteúdos antigos de cultura que permanecem num estágio temporal avançado em relação a sua origem. O conceito de “sobrevivências” é detalhado pelo autor:

Trata-se de processos, costumes, opiniões, e assim por diante, que por força do hábito, continuavam a existir num novo estado de  sociedade diferente daquele no qual tiveram a sua origem, e então permanecem como e exemplos de uma condição mais antiga de cultura que evoluiu em uma mais recente. (TYLOR, 1871. In: CASTRO, 2005, p. 87)

Os resquícios ou permanências são para Tylor, uma espécie de resíduo cultural histórico de um tempo passado vivido por uma dada sociedade, que por motivos que o autor não focaliza, aparecem em um outro estado de coisas como algo desencaixado, que diz respeito à própria variedade de modos de desenvolvimento das sociedades, e que, acima de tudo, são provas históricas de um estágio humano que não existiria como uma forma homogênea, possibilitando ao antropólogo “(...) traçar o curso do desenvolvimento histórico.” (TYLOR, 1871. In: CASTRO, 2005, p. 88). Tylor admite assim que o processo de evolução cultural humana pode ser matizado por continuidades e descontinuidades, mudanças e permanências, que em seu plano analítico, refere-se a uma análise comparativa composta por uma visão sincrônica, tomando por base numa mesma escala de tempo, os distanciamentos relativos a cada sociedade em seus percursos, mas também uma visão diacrônica, atentando para as diferenciações evolutivas de uma mesma sociedade numa seqüência cronológico-temporal.

Frazer (1908) indica que o método comparativo constitui um mecanismo de estudo da história do pensamento e instituições humanas como esferas interdependentes. Assim como Tylor, Frazer está disposto a examinar o que chama de “vida selvagem”, de modo comparado no tempo, apontando os aspectos evolutivos que mostrariam para o autor que “um selvagem está para um homem civilizado assim como uma criança está para um adulto (...)” (FRAZER, 1908. In: CASTRO, 2005, p. 108).

A intenção de Frazer, próxima a de Tylor, é paralelamente ao estudo da selvageria, como exame dos povos mais distantes e rudimentares, realizar um estudo das permanências, uma análise das “sobrevivências”, que mostraria no seu tempo presente, “superstições” de sociedades mais “atrasadas” que aparecem como relíquias em sociedades mais “avançadas”, a isto, o autor denomina de “estudo do folclore”, ou seja, “(...) as sobrevivências de idéias e práticas mais primitivas entre povos que, em outros aspectos, ascenderam a planos mais elevados da cultura.” (FRAZER, 1908. In: CASTRO, 2005, p. 112). Cumpre acentuar que para Frazer, as “superstições” são elementos da cultura que obstaculizam o processo de civilização em sua uniformidade, embora admita que tais permanências se justificam por uma desigualdade natural dos homens.

No entanto, estas desigualdades são para Frazer, quantitativas, não qualitativas, o que fundamenta o princípio metodológico comparativo para o autor, de acordo com “(...) a bem estabelecida similaridade do funcionamento da mente humana em todas as raças de homens.” (FRAZER, 1908. In: CASTRO, 2005, p. 120). Desta forma, chegamos ao terceiro ponto que sedimenta as perspectivas dos três autores citados, que é o enfoque sobre o conceito de “cultura” como elemento derivado de uma homogeneidade qualitativa, histórica, mental, e moral da humanidade, que pode variar em graus, em diversos estágios, mas, ao que parece, se configura de modo universal para estes autores.[5]

A idéia principal que reúne as concepções de “cultura” em Morgan, Tylor e Frazer, é aquela que liga a produção de cultura de uma determinada sociedade às suas condições históricas, mentais, geográficas. “Cultura”, num sentido estrito e não sistematizado, aparece em Morgan, como uma noção vinculada com a primeira idéia de subsistência, através do modo pelo qual os povos sobrevivem sob determinadas condições, num dado contexto de tempo e espaço. A noção de “cultura” para Morgan diz respeito à forma pela qual as sociedades provêm e explicam suas existências, na “(...) prolongada luta com os obstáculos que encontrava em sua marcha a caminho da civilização.” (MORGAN, 1877. In: CASTRO, 2005, p. 50)

Celso Castro mostra que Tylor definiu pela primeira vez o conceito de “cultura”, com um significado semelhante ao de “civilização”, comportando um sentido de processo, de um construto em vias de aperfeiçoamento. O conceito de “cultura” ou “civilização” é definido por Tylor como “(...) aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade.” (TYLOR, 1871. In: CASTRO, 2005, p.69). Já em Frazer (1908), o conceito de “cultura” não apresenta sistematização, mas fornece subsídios para o estudo das “crenças e costumes dos selvagens (...) e as relíquias dessas crenças e costumes que sobreviveram como fósseis entre povos de cultura mais elevada”. (FRAZER, 1908. In CASTRO, 2005, p. 106).

Estes aspectos que aproximam e distanciam as obras de Morgan, Tylor e Frazer indicam elementos teórico-metodológicos para o estudo da perspectiva evolucionista em Darcy Ribeiro, como uma contribuição que parte dos estudos clássicos de antropologia, com pretensões de revisão e sistematização das teorias da evolução sócio-cultural em busca de uma teoria geral da evolução humana, que aqui será revisitada através de O Processo Civilizatório: etapas da evolução sociocultural (1975a), que discuto a seguir.

Algumas notas sobre a perspectiva evolucionista em O Processo Civilizatório de Darcy Ribeiro

No prefácio à edição norte-americana (1968) de O Processo Civilizatório (1975a), Betty J. Meggers, atenta para a crítica recorrente ao evolucionismo cultural no que tange a uma postura eurocêntrica de análise, que projetaria um ideal de sociedade como etapa final do percurso evolutivo humano, baseado na experiência civilizatória européia.[6] A autora mostra que apesar de representar a “escola evolucionista de antropologia”, e oferecer uma abordagem sobre o “processo civilizatório”, Darcy Ribeiro seria “(...) um cidadão do chamado “terceiro mundo”. Como tal, encara o desenvolvimento cultural sob um prisma distinto e percebe nuances que nós [no caso de Meggers, os norte-americanos] permanecem encobertas.” (MEGGERS, 1968. In: RIBEIRO, 1975a., p.11. Os colchetes são meus).

A rigor, Darcy Ribeiro (1975a) pretende lançar mão do esquema conceitual disposto pelos estudos clássicos de antropologia através de uma revisão crítica das teorias de alto alcance histórico[7], a fim de propor um novo esquema acerca do desenvolvimento humano. Este seria o objetivo geral de O Processo Civilizatório (1975a), que ao meu ver, se situa dentro dos Estudos de Antropologia da Civilização como a obra primeira e de maior densidade analítica, lugar intelectual onde Darcy logra retomar a perspectiva evolucionista de modo a reformulá-la para a explicação posterior das particularidades histórico-formativas dos povos americanos.[8]

A empreitada darcyniana nesta obra corre no sentido de uma definição precisa de conceitos faseológicos, tais como “civilização” ou “revolução”, que segundo Darcy aparecem não só na antropologia, mas como também em estudos históricos, como um arcabouço teórico-conceitual pressuposto e não tematizado. Nesta esteira é que Darcy pensando a partir dos cânones do evolucionismo cultural, isto é, transitando no mesmo horizonte teórico clássico, procura contribuir para a ampliação do quadro de categorias que para o autor só explicaria a história européia, fazendo-o repensar a própria perspectiva de evolução das sociedades, como presente em Morgan, por exemplo, à luz da experiência dos povos extra-europeus. O que Darcy explicita é a dificuldade de transplantar idéias e conceitos que têm como base, a realidade de uma determinada história, a européia, para outra conjuntura que se relaciona a ela em seu percurso, mas que contém características formativas como configuração histórico-cultural singular no que tange ao seu desenvolvimento: a latino-americana.

É necessário partir do conceito de “evolução sociocultural”, que para Darcy corresponde ao

(...) movimento histórico de mudança dos modos de ser e de viver dos grupos humanos, desencadeado pelo impacto de sucessivas revoluções tecnológicas (...) sobre sociedades concretas, tendentes a conduzi-las à transição de uma etapa a outra, ou de uma a outra formação sociocultural. (RIBEIRO, 1975a, p. 29).

Desta feita, Darcy se aproximando de Morgan (1877) que a seu ver teria estabelecido o “(...) primeiro esquema geral da evolução humana.” (RIBEIRO, 1975a, p. 220), toma a história como encadeamentos sucessivos de etapas evolutivas, as quais representam o processo histórico da formação sociocultural de cada sociedade, em termos do desenvolvimento acumulado de suas potencialidades produtivas, no provimento material de suas existências.

Apesar de ressaltar a validade explicativa e a atualidade antropológica da proposta de Morgan, Darcy não enxerga um único modelo civilizatório no que concerne a uma relativa experiência histórica concreta, como um movimento ascendente ritmado por condições objetivas, as quais operam como fatores exógenos em cada momento histórico. A perspectiva, grosso modo, unilinear de Morgan é analisada por Darcy, antes como um recurso de abstração da realidade, e que, portanto pode ser trabalhado nas suas aproximações com diversas experiências, do que um certo finalismo analítico. Nas palavras de Darcy:

Só em condições excepcionais as sociedades têm oportunidade de experimentar processos evolutivos contínuos puramente ascendentes que as conduzam a viver sucessivamente diversas etapas da evolução. Via de regra, são interrompidas por várias causas conducentes à estagnação e à regressão cultural ou a desenvolvimentos cíclicos de ascensão e decadência. (RIBEIRO, 1975a, p.33).

Justamente por observar e partilhar com Morgan, a noção de uma filosofia da história que sustenta a significação das modificações em cada sociedade, é que Darcy considera o movimento de evolução sociocultural como um processo complexo de civilização, marcado por mudanças e permanências, no que se aproxima de Edward Sapir[9] (1924), por progressos e regressões, no que se aproxima de Gordon Childe (1966). Darcy recebe os conceitos de “progresso” e “regressões” de Childe, como dois mecanismos de configuração histórica que representam o avanço ou retrocesso dos aspectos produtivos, sociais e culturais de uma determinada sociedade em seu percurso evolutivo relativo a outras sociedades.

Sendo assim, Darcy mostra que o desenvolvimento das sociedades humanas no tempo e no espaço é produto de um desenrolar contraditório da constituição interna de uma formação sociocultural, como modo de adaptação a seu meio, em relação a sua interação com outras formações. É neste sentido que Darcy busca na análise comparativa, na acepção substantivada pelos estudos clássicos de antropologia, o recurso metodológico utilizável no estudo do processo civilizatório geral que engendra as modificações estruturais em cada sociedade, visto que “(...) não é a invenção original ou reiterada de uma inovação que gera conseqüências, mas sua propagação sobre diversos contextos socioculturais e sua aplicação a diferentes setores produtivos.” (RIBEIRO,1975a, p. 36)

Próximo a uma perspectiva multilinear da evolução sociocultural, que o próprio declara para sua obra (Cf. RIBEIRO, 1975a, p. 13), Darcy apresenta uma concepção do método comparativo semelhante àquela exposta por Tylor (1871) e Frazer (1908) (embora não se remeta a este último em sua proposta), em virtude de que o “atraso”[10] ou “avanço” de uma sociedade é sempre relativo a uma outra, face ao grau e não ao tipo de desenvolvimento alcançado por uma sociedade em relação à outra, e para Darcy, devido ao modo pelo qual cada uma se apresenta, numa conjuntura de interação externa.

Com efeito, Darcy indica que o grau de autonomia de um povo, de acordo com sua formação sociocultural influencia o modo pelo qual ocorre, ou não, a transição de uma etapa a outra da evolução humana. Para tanto, o autor conceitua duas vias pelas quais operam o processo civilizatório, num movimento simultâneo de homogeneização e diversificação das características formativas das sociedades: são os processos de “aceleração evolutiva” e “atualização histórica”. Por “aceleração evolutiva”, Darcy entende “(...) os processos de desenvolvimento de sociedades que renovam autonomamente seu sistema produtivo e reformam suas instituições sociais no sentido da transição de um a outro modelo de formação sociocultural, como povos que existem para si mesmo.” (RIBEIRO, 1975a, p. 44). Já o conceito de “atualização histórica”, é referenciado pelos “(...) procedimentos pelos quais esses povos atrasados na história são engajados compulsoriamente em sistemas mais evoluídos tecnologicamente, com perda de sua autonomia ou mesmo com sua destruição como entidade étnica.” (RIBEIRO, 1975a, p. 45).

Sem objetivar a sistematização do conceito de “cultura” nesta obra, esforço destacado em Os Brasileiros: Teoria do Brasil (1975b), Darcy aponta que a cultura de uma sociedade, conformada pela interdependência de ordens tecnológicas, sociais e ideológicas, se modifica, mesmo sem a transição de uma formação a outra, no contato com outras culturas, revelado em um processo de traumatização cultural, o qual atua como um condicionante que interliga fatores endógenos e fatores exógenos, na explicação de quadros de autonomia simbolizados pela via da “aceleração evolutiva”, e dependência e atraso históricos cristalizados na via da “atualização histórica”. 

É importante demonstrar que é desta maneira que Darcy parece articular o conceito de “cultura” ao próprio processo civilizatório em estudo, observando que o plano da cultura se conforma, sobretudo pelo fato de que é referenciado pela dimensão processual da evolução sociocultural, na medida em que a cultura absorve os impactos do processo em questão, na interação que o contato intercultural promove, que pode ser marcado por uma atmosfera de dominação ou não, dependendo do grau de autonomia de cada de sociedade face às outras, ao mesmo tempo em que é no domínio da cultura, que cada sociedade pode explicar e facultar novos caminhos de sua experiência, diferenciando-se das demais. A “cultura” está para Darcy disposta no próprio seio do processo de civilização (RIBEIRO, 1975a, p.41), aproximando-se da tensão entre “cultura” e “civilização” indicada por Tylor.

Lembro que a interpretação do conceito de “civilização” em Darcy encontra-se baseada pelo sentido oferecido por Sapir (1924), que a ressalta, de fato, enquanto um resultado de um lento processo, e que explicada por Darcy como “(...) cristalizações de processos civilizatórios singulares que nelas se realizam como um complexo sociocultural historicamente individualizável.” (RIBEIRO, 1975a, p. 41) Este ponto da abordagem sobre o conceito de “civilização” distancia Darcy, do esquema proposto por Morgan (1877), visto que para este autor, a dimensão da “civilização” corresponde a uma etapa final da evolução humana, enquanto para Darcy, tal conceito nada mais representa do que resultados de um processo em vigor que podem ser desdobrados de acordo com determinadas especificidades históricas.

Na descrição e análise das etapas da evolução sociocultural[11], Darcy lança mão de uma visão sobre tempos passados, através dos quais as sociedades humanas realizaram percursos evolutivos que se encontram e se afastam, que progridem e regridem, devido às suas condições formativas marcadas por fatores endógenos e exógenos. Este recurso se apresenta como uma reinterpretação do modo de análise cronológico-temporal que funda de maneira geral os estudos clássicos de antropologia, e que segundo Darcy:

(...) permite apreciar como diversas tradições culturais particulares, desenvolvidas por diferentes povos em épocas e lugares distintos, se concatenaram umas com as outras, interfecundando-se ou destruindo-se reciprocamente, mas conduzindo sempre adiante uma grande tradição cultural e contribuindo, assim, para conformar a civilização humana comum que começa a plasmar-se no mundo de nossos dias. (RIBEIRO, 1975a, p. 40).

Desta forma, Darcy parece reunir dois elementos fundamentais encontrados na perspectiva evolucionista clássica aqui abordada, sejam eles: a noção e classificação de escalas de tempo, através de conceitos faseológicos, que pretendem reconstituir analiticamente a história da humanidade, e a concepção de uma filosofia da história que prescreve as condições do próprio desenvolvimento das sociedades. As etapas da evolução sociocultural representam em Darcy, em última instância, o esforço científico antropológico de conhecimento e ordenamento da realidade histórica de acordo com critérios com pretensões de objetividade e generalidade, justificando assim para o autor, “(...) o apelo a estudos clássicos sobre a evolução sociocultural que abordam o problema globalmente, muitos dos quais têm, ainda hoje, um flagrante valor de atualidade.” (RIBEIRO, 1975a, p. 14).

De forma semelhante àquela exposta por Tylor, Darcy tenciona uma visão sincrônica da evolução sociocultural, representada nos “processos civilizatórios singulares” , como uma análise de diversas sociedades em suas formações relativas num dado período de tempo, como “(...) movimentos históricos concretos de expansão, que vitalizam amplas áreas, cristalizando-se em diversas civilizações (...)” (RIBEIRO, 1975a, p. 42). Por outro lado, Darcy empreende uma visão diacrônica que procura situar todas as sociedades humanas no continuum de seus percursos evolutivos, através de “processos civilizatórios gerais” que significa a própria evolução sociocultural “(...) que tem um caráter progressivo que se evidencia no movimento que conduziu o homem da condição tribal às macro-sociedades nacionais modernas.” (RIBEIRO, 1975a, p. 42).

A chave explicativa tempo-história é um dos aspectos mais tenazes da recepção e interpretação de Darcy Ribeiro sobre a perspectiva evolucionista clássica, visto que logra realizar a ponte entre o plano contra-factual, imbricado nas representações e classificações sobre tempos distintos (passado, presente e futuro), mas interconectados, e o plano factual, histórico, da investigação antropológica que consiste na tentativa darcyniana de esboçar posteriormente uma “antropologia dialética”[12].

Considerações finais

Darcy Ribeiro apresenta afinidades teórico-metodológicas em relação aos estudos clássicos de antropologia, e mesmo discrepâncias analíticas, que só podem ser observadas através de uma tentativa de comparação de suas perspectivas, no que se refere à atenção sobre a recepção e interpretação de Darcy acerca das obras de Morgan, Tylor e Frazer, que revela suas proximidades e distanciamentos, e que colabora para ressaltar as sutilezas e detalhes que muitas vezes são obscurecidas, conforme dito, pelos rótulos de “evolucionistas”, para o pensamento antropológico clássico, ou de “neo-evolucionista”, para o pensamento de Darcy Ribeiro, como se este autor correspondesse num contexto posterior de produção intelectual, a uma mesma tradição única de pensamento.

Como discutido, as perspectivas de Morgan, Tylor e Frazer possuem semelhanças no que tange a vinculação entre escalas de tempo representadas e classificadas como estágios e a noção de uma filosofia da história, a adoção de um método comparativo de análise, e a interpretação da “cultura” como um fenômeno universal e ligado substantivamente ao processo civilizatório. Mas também apresentam diferenciações analíticas quanto ao escopo de suas propostas, na argumentação sobre os percursos evolutivos da história humana como um movimento mais ou menos uniforme, ou mesmo na própria sistematização de conceitos e noções acerca da evolução sociocultural.

Darcy parece, na esteira destas obras, problematizar a história da humanidade em seus tempos passados, que explicariam o presente, e contribuiria na projeção de um futuro, de uma “civilização humana”, que compreenda formações socioculturais específicas em seus percursos evolutivos relativos a constituição de suas culturas, como caminhos possíveis, que se aceleram ou se retardam, que vão e vêm, segundo as particularidades históricas de cada povo, como um ente que exista para si mesmo.

A partir da análise da perspectiva evolucionista antropológica clássica, o estudo breve de O Processo Civilizatório empreendido aqui, tenta retomar o pensamento de Darcy Ribeiro desde suas bases teóricas, das quais os estudos clássicos são apenas um matiz, buscando em alguns de seus aspectos, o subsídio epistemológico para tencionar questões histórico-empíricas que não se dissociam deste esquema conceitual proposto por Darcy, tais como a desigualdade e o atraso brasileiros, a educação e a universidade públicas.[13]

 

Referências

BOAS, Franz. As limitações do método comparativo da antropologia. In: CASTRO, Celso (Org.). Franz Boas. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

BOMENY, Helena. Darcy Ribeiro. Sociologia de um indisciplinado. Belo Horizonte: UFMG, 2001.

CASTRO, Celso. Apresentação. In: ______ . Evolucionismo Cultural. Textos de Morgan, Tylor e Frazer.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

CHILDE, V. Gordon. A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966.

FRAZER, James George. O escopo da antropologia social. In: CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo Cultural. Textos de Morgan, Tylor e Frazer.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

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MATTOS, André Luís Lopes Borges de. Darcy Ribeiro: uma trajetória (1944-1982). Tese de Doutorado em Ciências Sociais. IFCH/UNICAMP, Campinas, 2007, 341 p.

MEGGERS, Betty J. Prefácio à edição norte-americana. In: RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório: etapas da evolução sociocultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975a.

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TYLOR, Edward Burnett. A ciência da cultura. In: CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo Cultural. Textos de Morgan, Tylor e Frazer.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.


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[1] Exceções feitas a Bomeny (2001) e Mattos (2007).

[2] Publicada em todo o período de seu exílio (1964-1976), e é composta de O Processo civilizatório: etapas da evolução sociocultural (1968, 1ªedição brasileira), As Américas e a civilização: processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos (1970, 1ª edição brasileira), O Dilema da América Latina: estruturas de poder e forças insurgentes (1971, edição castelhana), Os Brasileiros: Teoria do Brasil (1972, 1ª edição brasileira), e Os Índios e a Civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno (1970, 1ª edição brasileira). 

[3] Embora Castro atente para a confusão recorrente entre “evolução biológica” e “evolução cultural” mostrando as que aproximações da noção de evolução nestes estariam mais afinadas com a obra do filósofo inglês Herbert Spencer do que com as teorias darwinistas. “Enquanto a teoria biológica de Darwin não implicava uma direção ou progresso unilineares, as idéias filosóficas de Spencer levavam à disposição de todas as sociedades conhecidas segundo uma única escala evolutiva ascendente, através de vários estágios. Esse se tornaria a idéia fundamental do período clássico do evolucionismo na antropologia.” (CASTRO, 2005, p. 26).

[4] Dentre “invenções” e “descobertas”, Morgan cita a invenção do arco-e-flecha que demarcaria o período final da selvageria, a invenção da arte de cerâmica que representaria o período inicial de barbárie, o cultivo irrigado como descoberta relativa ao período intermediário da barbárie, a invenção da fundição do minério de ferro que demarcaria o período final da barbárie, e a invenção do alfabeto fonético como representação do status de civilização. Cf. MORGAN, 1877. In: CASTRO, 2005, p. 60.

[5] Este ponto constitui, segundo Castro (2005), a crítica de Franz Boas (1896) ao método comparativo. “Para ele, antes de supor, sem provas cabais, como fazem os evolucionistas, que fenômenos aparentemente semelhantes pudessem ser atribuídos às mesmas causas, era preciso perguntar, para cada caso, se eles não teriam sido transmitidos por difusão de um povo a outro. Ao contrário dos autores evolucionistas, que usavam as palavras cultura e sociedade humana no singular, Boas passou a usar cultura no plural.” (CASTRO, 2005, p. 35).

[6] Meggers demonstrando a tradição de pensamento de seu país indica que: “Nos Estados Unidos, herdamos a tradição da civilização ocidental européia por nós considerada como a corrente principal ou central da evolução humana. Em conseqüência, medimos todos os demais povos à nossa medida e os consideramos carentes (...) Acresce ainda que os melhores estudos sobre a evolução cultural foram elaborados por estudiosos europeus ou norte-americanos e, em virtude disso, corroboram, implícita ou explicitamente, esse ponto de vista.” (MEGGERS, 1968. In: RIBEIRO, 1975a, p.11)

[7] Dentre estas teorias, Darcy indica os estudos clássicos de antropologia de Morgan (1877) e Tylor (1871), as obras de Augusto Comte (1840) e Herbert Spencer (1897), e os estudos modernos de antropologia de perspectiva evolucionista como os de Gordon Childe (1934, 1937, 1944, 1946 e 1951), Leslie White (1949 e 1959) e Julian Steward (1955). Ver RIBEIRO, 1975a, p. 220-221.

[8] O esquema conceitual trabalhado por Darcy em O Processo Civilizatório servirá de base para seu estudo da formação sociocultural das Américas, fundamentalmente em As Américas e a Civilização (1970) e em O Dilema da América Latina (1971).

[9] Os limites da existência plena de uma sociedade estão para Sapir no próprio fluxo de civilização através do qual “(...), sobretudo toda mudança nas suas bases econômicas, tende a produzir um transtorno e um reajustamento dos valores culturais.” O que o autor faz questão de destacar é que a cultura de uma sociedade não se conforma em função do “progresso”, ou da “sofisticação” que o processo de civilização traz consigo, mas é circundada objetivamente por condições externas que contribuem para o progresso da cultura ou para sua decadência. Ver SAPIR 1924. In: PIERSON, 1970.

[10] Assim como Frazer (1908) que parece observar nas “superstições” um obstáculo para o “atraso” de algumas sociedades no processo civilizatório, ao afirmar que “(...) os que vão à frente na corrida são aqueles que se desfizeram do fardo das superstições que ainda pesam nas costas dos retardatários e constrangem seus passos.” (FRAZER, 1908. In: CASTRO, 2005, p. 116), Darcy mostra em A Universidade Necessária (1982) enfatiza que velhos e antigos conhecimentos são empecilhos no processo civilizatório. “Qualquer apego a formas herdadas do passado, qualquer zelo por tradições vetustas podem ser desastrosos. Assim, cada proposição, instituição ou pessoa precisa ser severamente criticada, através do exame mais objetivo de sua adequação aos fins pretendidos e de sua efetiva capacidade de ajudar ou prejudicar a luta para romper com o atraso.” (RIBEIRO, 1982, p. 14).

[11] Uma análise importante é a que recai sobre os detalhes classificatórios da descrição sobre as etapas da evolução sociocultural que Darcy faz, que não será revisada aqui, visto que neste trabalho o objetivo situa-se no escopo da perspectiva evolucionista darcyniana do que em seus conteúdos analíticos, que merecem um estudo a parte. Registro aqui a seqüência das revoluções tecnológicas, sistematizada por Darcy Ribeiro, a saber: Revolução Agrícola, Revolução Urbana, Revolução do Regadio, Revolução Metalúrgica, Revolução Pastoril, Revolução Mercantil, Revolução Industrial e Revolução Termonuclear. Para uma leitura sobre os processos civilizatórios e formações socioculturais correspondentes. Ver RIBEIRO, 1975a, p. 38.

[12] A proposta da “Antropologia Dialética” de acordo com Darcy se aproximaria dos estudos antropológicos no que diz respeito ao “(...) interesse pelos estudos das sociedades e culturas concretas com base em pesquisas de observação direta (...)” e teria como característica distintiva “(...) a de fundar-se numa teoria de alto alcance histórico sobre a evolução sócio-cultural do homem, que permita situar no mesmo esquema evolutivo tanto as sociedades do passado quanto as contemporâneas.” (RIBEIRO, 1975b, p. 18)

[13] A oportunidade de tematizar esta discussão preenche uma lacuna em meu debate sobre o pensamento social de Darcy que procuro trabalhar em minha pesquisa de dissertação, ao entender a construção da Universidade Estadual do Norte Fluminense em Campos dos Goytacazes/ RJ, através da vinculação entre o pensamento e a vida pública deste personagem do cenário político do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil, sua participação no processo de implementação de uma universidade pública. Demarco aqui a suma relevância analítica de relacionar o pensamento antropológico de Darcy aos seus escritos sobre educação, dentre os quais se destaca A Universidade Necessária (1982), no intento principal de pensar o Brasil, em suas diversas matrizes, e apontar caminhos sob uma análise rigorosa do processo macro-estrutural e de suas condições históricas objetivas.

 

 

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Publicado em 21.04.07 - Última atualização: 18 abril, 2008.