RODRIGO BISCHOFF BELLI

Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM)

 

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Uma “sociologia crítica do conhecimento”: Michael Löwy e sua proposta de sociologia do conhecimento

Rodrigo Bischoff Belli

 

Resumo: Este texto vem apresentar o resultado de uma série de leituras iniciais sobre o estudo dos limites de uma sociologia do conhecimento de influência marxista. Para tal empreitada, toma-se como ponto de partida, e objeto da análise deste artigo, alguns textos do sociólogo Michael Löwy sobre o assunto. Sua escolha foi definida pelo tratamento crítico específico que o autor aplica à tradição sociológica referente aos estudos sobre a atividade do conhecimento, partindo das premissas do materialismo histórico-dialético.

Palavras-chave: Marxismo, Sociologia do Conhecimento, Michael Löwy

Abstract : This text comes to present the result of a series of initial readings on the study of the limits of a sociology of knowledge of Marxist influence. For such a task work, it is taken as starting point, and object of the analysis of this article, some sociologist's Michael Löwy texts on the subject. His choice was defined by the specific critical treatment that the author applies to the sociological tradition regarding the studies about the activity of knowledge, leaving of the premises of the historical-dialectic materialism.

Word-key: Marxism, Sociology of Knowledge, Michael Löwy

Michael LöwyApresentação

As ciências humanas, e em especial as ciências sociais, se caracterizam como um campo científico distinto dos demais devido a ênfase atribuída ao subjetivismo – embora nem sempre seja reconhecido desta forma, até mesmo em seu interior. Subjetividade esta determinada pela relação particular entre sujeito e o objeto. Ao contrário do que ocorre em outras ciências, o cientista social, ao estudar um determinado fenômeno, é capaz de conceituá-lo e abstraí-lo a ponto de relacionar essa experiência ao seu modo de vida, proporcionando, em maior ou menor grau, uma reflexão crítica de sua posição na sociedade. Ocorre também a situação de que o objeto estudado é consciente e capaz de estabelecer uma relação mais complexa com o cientista do que nas outras ciências; um grupo social que não concordasse com aquilo que um cientista escrevesse sobre eles, mesmo que ele estivesse correto, exerceria, certamente, uma coerção maior sobre o pesquisador do que qualquer outro objeto das ciências naturais sobre o pesquisador desta área.[1] Dada essa situação específica entre sujeito e objeto do saber, caberia definir qual é relação entre os valores do pesquisador e a produção do conhecimento? Traçados esses limites, qual seria então o método mais adequado, aquele que proporcionaria uma melhor compreensão da realidade social? Estas são as questões que norteiam a análise de Löwy na formulação de uma metodologia própria às ciências humanas e na elaboração de uma “sociologia crítica do conhecimento” (LÖWY, 1994, p. 9).

A tese geral de Löwy é desenvolvida pelo próprio autor através da análise e síntese de três correntes específicas dentro das ciências sociais – positivismo, historicismo e marxismo – que proporcionaram os paradigmas epistemológicos e metodológicos para os estudos sobre a construção social do conhecimento, distinguindo-se, assim, do tratamento dado pela filosofia a este objeto até então. Löwy descreve os determinantes históricos de cada corrente, ou seja, quais as condições históricas que proporcionaram o surgimento, a reprodução e a superação de cada maneira de pensar. Sua tese geral é formada por três aspectos:

Primeiro: o objeto das ciências sociais é completamente distinto do das ciências naturais, pois que ele está diretamente ligado, em maior ou menor grau, a vida do pesquisador. A eficácia de compreensão do objeto aumenta a medida que o pesquisador conhece os determinantes sociais de seu pensamento, ao contrário do que pensam os adeptos da neutralidade científica.

Segundo: essa posição distinta da dos outros cientistas evidencia o caráter político da atividade do pesquisador social. Por mais que ele tente manter uma posição de resguardo com relação ao restante da sociedade, o produto de seu trabalho provoca uma série de reações dentro da mesma.

Terceiro: dado o caráter histórico da construção e reprodução do saber, que legitima uma certa forma de dominação social que se apresenta incoerente e destrutiva, aliado ao reconhecimento da posição intervencionista do cientista na sociedade, é possível conceber a existência de um ponto de vista calcado nas relações sociais capaz de fornecer uma melhor compreensão do real. Conseqüentemente, abriria a possibilidade da adoção de uma prática transformadora da realidade mais eficaz.

Apresentamos agora como Löwy desenvolve sua análise.

A recusa do modelo científico-natural de objetividade às ciências sociais

Um dos fundamentos da tese de uma sociologia crítica do conhecimento é a de que não se pode utilizar nos estudos das ciências sociais a mesma metodologia de análise aplicada aos fenômenos naturais. Os fenômenos sociais apresentam uma série de especificidades que inviabilizam a aplicação do modelo científico-natural de objetividade pelas ciências sociais.

Segundo Löwy, o método de observação adequado às ciências sociais deve reconhecer que seu objeto de estudo possui um caráter histórico, ou seja, suscetível de transformação pela ação humana (LÖWY, 1978, p. 15). Também deve ser observado que a relação entre sujeito e objeto do conhecimento é completamente parcial. Disto, apreende-se que o objeto de estudos do pesquisador social se apresenta como parte atuante de sua vida, levando-o a perceber que a análise que ele empreende não é apenas do objeto em si, mas de sua relação com aquele e dos dois com o restante da sociedade. A atividade científica não se apresenta como uma esfera dissociada do restante da atividade social; os problemas vividos pelo cientista em sua relação com as várias determinações de sua existência influenciam na maneira como ele analisa e compreende o seu objeto, assim como na maneira como o conhecimento é utilizado. O conhecimento produzido pelas ciências sociais é, pois, definido, em grande medida, pela visão de mundo da classe social da qual o cientista pertence:

A realidade social, como toda a realidade, é infinita. Toda ciência implica uma escolha, e nas ciências históricas essa escolha não é um produto do acaso, mas está em relação orgânica com uma certa perspectiva global. As visões do mundo das classes sociais condicionam, pois, não somente a última etapa da pesquisa científica social, a interpretação dos fatos, a formulação das teorias, mas a escolha mesma do objeto de estudo, a definição do que é essencial e do que é acessório, as questões que colocamos à realidade, numa palavra, a problemática da pesquisa (LÖWY, 1978, p. 15, grifo do autor).

A posição metodológica defendida por Löwy vai de encontro às concepções metodológicas positivistas, em suas diversas variações históricas. Tanto naquilo que poderíamos identificar como positivismo clássico, ligado às figuras de Auguste Comte e Èmile Durkheim, quanto em autores não positivistas que, apesar de seus discursos, não superaram certos paradigmas dessa corrente, caso de Max Weber. Vejamos rapidamente as características principais indicadas por Löwy de cada variação positivista.

O positivismo clássico adota uma postura de homogeneidade epistemológica entre ciências naturais e sociais (LÖWY, 1978, p. 10). Em outras palavras, significa que os objetos de ambas as ciências são concebidos como se possuíssem as mesmas características, exigindo do cientista social o mesmo método e a mesma postura do cientista que se encarrega de estudar os fenômenos naturais. Com esta concepção, deixa-se de lado a constatação de que o cientista é, apesar de suas especificidades psicológicas e sociológicas, um ser social como outro qualquer, e que, portanto, suas paixões e preconceitos estão intimamente vinculados com o produto de seu trabalho.

O caso de Max Weber é curioso. Este autor clássico da sociologia supera os autores positivistas ao considerar a necessidade de uma metodologia própria às ciências sociais, dada a constatação de que os fenômenos estudados por este ramo do conhecimento possuem características diversas às dos outros ramos científicos, em especial no que tange a problematização do estudo.

Weber reconhece que os valores do observador, nas ciências sociais, desempenham um papel destacado na seleção do objeto da pesquisa científica, na determinação da problemática [...]. Mas ele assinala que as respostas fornecidas, a pesquisa mesma [...], devem estar livres de qualquer valoração[...] (LÖWY, 1978, p. 14, grifo do autor).

Entretanto, Weber ainda admite a necessidade, própria da atividade científica, de que a análise e a exposição do objeto devem ser os mais livres possíveis de juízos de valor. Isso porque o papel do cientista é o de esclarecer os fatos, e não o de mudar os rumos do mundo, atributo próprio do sujeito político.

É interessante observar o que pronunciou o próprio Weber em duas palestras que se transformaram em textos sobre ciência e política como vocações distintas (Cf. WEBER, 1999). Inicialmente, ele afirma que “só aquele que se coloca pura e simplesmente ao serviço de sua causa possui, no mundo da ciência, ‘personalidade’” (WEBER, 1999, p. 27, grifo do autor). Porém, o entusiasmo e a paixão provindos da causa do pesquisador parecem ser nocivos em outro momento do texto:

Costuma-se dizer, e eu concordo, que a política não tem seu lugar nas salas de aulas das universidades. [...] Com efeito, uma coisa é tomar uma posição política prática, e outra coisa é analisar cientificamente as estruturas políticas e as doutrinas dos partidos (WEBER, 1999, p. 38).

Weber, por mais que aparente superar a posição positivista da eliminação dos pressupostos num primeiro momento, assimila na totalidade de sua metodologia a dicotomia entre ciência e política; mais precisamente, a dicotomia entre ciência e atividade social prática. Deste modo, tanto Weber quanto os outros positivistas não vislumbram a contradição existente em suas concepções: a saber, se o pesquisador orienta sua pesquisa a um determinado nível de isenção, não estaria ele predispondo si próprio e o objeto em questão a um roteiro de investigação determinado? Sim, ele estará. E é por isso que constituição de uma metodologia que promova uma maior eficácia de compreensão do real está, entre outras tarefas, na superação das contradições do ideário positivista.

A necessidade mediadora do relativismo

A negação da neutralidade científica pretendida pelo positivismo traz à tona a necessidade de se conceber um modelo de objetividade para as ciências sociais que leve em consideração a constatação de que todo conhecimento sobre o social “é relativo a uma certa perspectiva, orientada para uma certa visão social de mundo, vinculada a um ponto de vista de uma dada classe social em um momento histórico determinado (Standortgebundenheit)” (LÖWY, 1994, p. 204, grifo do autor). Cabe ressaltar, entretanto, que não se trata de um relativismo absoluto, que considera válida qualquer tentativa de explicação do mundo por acreditar que a objetividade do conhecimento seja puramente subjetiva[2]. O relativismo a que Löwy se refere reconhece que certas posições sociais, em determinados períodos históricos, são mais favoráveis à verdade objetiva do que outras. Qual seria, então, o ponto de vista de classe mais privilegiado epistemologicamente para o conhecimento da realidade social atual? Löwy busca a resposta analisando as concepções de Mannheim e dos chamados marxistas historicistas (Gramsci, Lúkacs, Goldmann e Bloch).

Mannheim reconhece o caráter relativo do conhecimento, tal como Löwy apresenta (LÖWY, 1998, p. 78-9). Entretanto, Mannheim considera que o marxismo, visão de mundo que originalmente aponta a relatividade do conhecimento, não fora capaz de desenvolver suas premissas epistemológicas entre os seus adeptos (MANNHEIM, 1982, p. 151). Aliás, nenhuma ideologia teria sido capaz de desenvolver essa atitude reflexiva. Constatação que leva Mannheim a conceber que todo o conhecimento produzido pela sociedade sobre ela mesma seria unilateral e fragmentado. Para uma compreensão mais eficaz da realidade seria necessária uma síntese de perspectivas, capaz de adequar os diferentes conhecimentos produzidos numa unidade coerente e dinâmica (MANNHEIM, 1982, p. 172-8).

A questão mais uma vez se coloca: quem faria esta síntese? Mannheim responde: os intelectuais; a intelligentsia sem vínculos. Antes ligados a uma determinada classe, os intelectuais teriam assumido uma nova posição social com o desenvolvimento da atividade científica, a ponto de reconhecerem a si próprios como uma classe.

[...] (existe) entre todos os grupos de intelectuais, um vínculo sociológico de unificação, ou seja, a educação, que os enlaça de modo surpreendente. A participação em uma herança cultural comum tende progressivamente a suprimir as diferenças de nascimento, status, profissão e riqueza, e a unir os indivíduos instruídos com base na educação recebida.

[...] o homem instruído é determinado, quanto ao seu horizonte intelectual, de múltiplas maneiras. Essa herança cultural adquirida sujeita-o à influência de tendências opostas na realidade social, enquanto a pessoa cuja orientação face ao todo não se processa em virtude da sua instrução, mas que participa diretamente no processo social de produção, tende simplesmente a absorver a Weltanschauung (visão social de mundo) desse grupo particular e a agir exclusivamente sob a influência das condições impostas por sua situação social imediata (MANNHEIM, 1982, p.180-1).

O que Mannheim não percebe, segundo Löwy, é que a posição dos intelectuais parece ser uma tentativa de conciliação do radicalismo do proletariado e do conservadorismo da burguesia. Um ponto de vista próprio da classe média, da pequena burguesia da qual boa parte dos intelectuais está ligada (LÖWY, 1998, p. 85). Os intelectuais, portanto, não estariam desvinculados das já existentes posições sociais. A ciência se apresenta mais uma vez, com contornos menos definidos do que no positivismo, como que distinta da atividade social.

Descartada a possibilidade de uma solução eclética para o problema do ponto de vista epistemologicamente privilegiado, Löwy busca no marxismo não positivista a resposta da questão.

Alguns marxistas consideram que o ponto de vista favorável ao conhecimento estaria vinculado à atividade revolucionária. Eles teriam deduzido isso de algumas passagens de Marx, que atenta como a burguesia foi capaz de colocar como históricas as instituições feudais outrora tachadas de eternas, mas que não conseguiu aplicar a sua crítica a suas próprias instituições, tarefa que caberia ao proletariado.

[...] vimos que os meios de produção e de troca que serviram de base à formação da burguesia foram gerados na sociedade feudal. Em certo estágio do desenvolvimento [...], as condições da propriedade feudal deixaram de corresponder às forças produtivas já desenvolvidas. Entravavam a produção em vez de a incrementarem. Transformaram-se em meros grilhões. Era preciso arrebentá-los, e assim sucedeu.

[...]

Diante de nossos olhos, desenrola-se um movimento análogo.

[...]

As armas que a burguesia usou para abalar o feudalismo voltam-se agora contra ela mesma (MARX & ENGELS, 2001, p.32-4).

Porém, essa tese nega a capacidade dos cientistas que adotam o ponto de vista conservador em produzir conhecimento objetivo. Não são raros os casos em que cientistas afinados ao status quo são mais perspicazes em reconhecer as contradições sociais do que aqueles que se colocam como revolucionários. Adotar essa tese é, em ultima ratio, ceder a solução eclética proposta por Mannheim.

O que deve ser percebido de leituras mais atentas dos textos marxianos e marxistas é a “especificidade do ponto de vista do proletário com relação ao das classes revolucionárias do passado” (LÖWY, 1994, p. 207, grifo do autor). Ao contrário da burguesia, o proletariado só pode cumprir o seu papel revolucionário se reconhecer e tomar como bandeira a busca pela verdade, pois seu objetivo é o fim da luta de classes. O proletariado não pode esconder os motivos de sua luta e nem tampouco se fiar na sorte para o estabelecimento de uma nova ordem; sua posição social exige uma ação consciente, atrelada o máximo possível com a realidade.

Esta necessidade vital, que permite ao ponto de vista do proletariado o atual privilégio epistemológico, não pode ser entendida como uma posição científica suprema, como se fosse a garantia de um conhecimento verdadeiro. O próprio Marx reconhece, segundo Löwy, a importância superior das análises de Ricardo, um ideólogo burguês, em relação com as de Sismondi, teórico suíço anticapitalista (LÖWY, 1998, p. 101). A ciência, pois, é uma atividade que não pode ser concebida simplesmente pelos limites da luta de classe. Ao tomar esta posição, como fazem os chamados marxistas positivistas ao enfatizarem a existência de uma ciência proletária e uma ciência burguesa (LÖWY, 1978, p. 24), comete-se erro semelhante ao dos positivistas: considera-se de maneira unilateral, incompleta, uma atividade social totalizante. A ciência perde, com os positivistas clássicos, seu caráter particular, histórico; já para os marxistas positivistas a ciência perde seu caráter universalmente humano, que perpassa a condição de classe. Evitando o erro destas concepções, Löwy admite a existência de uma ”autonomia relativa da ciência social” (LÖWY, 1978, p. 33, grifo do autor).

A realidade e o cientista como uma paisagem e um artista

Löwy demonstra essa autonomia científica recorrendo a metáfora do artista. Para ele, a atividade do cientista é semelhante a de um artista. O objeto de estudos do cientista social se assemelha a paisagem que o artista procura retratar. Para ambas as atividades é crucial o ponto de observação daquilo que será examinado ou retratado. A posição do artista ou do cientista vai definir o que pode ser observado. Um artista que se estabelece aos pés de uma montanha poderá desenhar apenas aquilo que se apresenta a ele: a montanha e qualquer outro objeto que esteja próximo à sua base; se ele sobe a montanha e faz do cume o seu mirante de observação, terá, de certo, um horizonte inteiro a retratar. O mesmo ocorre com o cientista, claro que de uma maneira mais complexa, mas não menos inteligível de se compreender, se comparada a este exemplo tópico. Como todo o estudo de Löwy deixa perceber, o que define o mirante do cientista é o ponto de vista de classe que ele toma para compreender a realidade, a paisagem a ser retratada (LÖWY, 1994, p. 212-3).

Mas apenas a posição do mirante não é capaz de garantir um retrato pleno da paisagem. Apresenta-se como determinante a técnica do artista. É a sua experiência que define como a paisagem será retratada. Para o cientista, sua técnica é o método de pesquisa. Método este que não se define exclusivamente pelo ponto de vista que toma, mas sim por uma imensidão de pesquisas anteriores que, fracassadas ou não, contribuíram para o seu desenvolvimento. Mesmo influenciada por determinados pontos de vista, a atividade científica possui um propósito claramente universal: o conhecimento da realidade. Se se esquece essa premissa, a ciência se torna exclusivamente instrumento de dominação (LÖWY, 1994, p. 214).

É por isso que as pesquisas de Löwy ressaltam o caráter científico da atividade revolucionária do proletariado já apontado por Marx, Engels e tantos outros. O proletário se apresenta como uma classe social que precisa de verdade para se libertar, permitindo àqueles que se colocam em seu ponto de vista reconhecer tanto o caráter particular quanto o universal do conhecimento: respectivamente, o de que conhecer é uma atividade ligada intimamente a vida dos indivíduos e de que esse conhecimento é necessário a toda sociedade (LÖWY, 1994, p. 217-8).

Considerações finais

A tese de Löwy, a “sociologia crítica do conhecimento”, se constitui, a princípio, como uma tentativa de superação das contradições metodológicas existentes nas correntes teóricas que unilateralizam a relação sujeito-objeto nas ciências humanas.

Ao negar o suposto distanciamento valorativo do cientista social diante de seu objeto, demonstrando como a ciência é uma atividade social distinta das outras – mas mesmo assim atividade social, Löwy propõe um modelo de ação para todos os ramos da chamada ciência humana. A “sociologia crítica do conhecimento” não seria um novo ramo da ciência acadêmica, seria sim um marco de renovação para todas as ciências sociais; seria uma tentativa de superação dos entraves de uma postura cientificista que se pretende desvinculada da atividade social.

É certo que nas obras analisadas no presente texto, esse plano de ação está muito generalizado. Ele aponta apenas os pressupostos necessários para evitar os erros já cometidos por outros cientistas que trataram do assunto, não descrevendo um método propriamente dito. Mas Löwy deixa claro que esse método é o método marxista: o materialismo histórico-dialético.

 

Referências

LÖWY, Michael. “Objetividade e ponto de vista de classe nas ciências sociais”. In Método dialético e teoria política. 2ª ed. – Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1978.

__________. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento [tradução de Juarez Guimarães e Suzanne Felicie Léwy]. 5ª ed. rev. – São Paulo : Cortez, 1994.

__________. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 12ª ed. – São Paulo : Cortez, 1998.

MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia [tradução de Sérgio Magalhães Santeiro]. 4ª ed. – Rio de Janeiro : Zahar, 1982.

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista [tradução de Suely Tomazini Barros Cassal]. Porto Alegre : L&PM, 2001.

SCHUTZ, Alfred. “O mundo da vida” e “Transcendências e realidades múltiplas”. In WAGNER, Helmut R. (org.). Fenomenologia e relações sociais: textos escolhidos de Alfred Schutz [tradução de Ângela Melin]. Rio de Janeiro : Zahar, 1979, respectivamente, p.72-6 e p.241-3.

WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações [tradução de Leônidas Hegenberg & Octany Silveira da Mota]. 14ª ed. – São Paulo : Cultrix, 1999.


__________

[1] Seria difícil imaginar que uma rocha reclamasse da classificação que um geólogo atribuiu a ela de maneira equivocada ou que uma espécie da fauna ou da flora desenvolvesse uma crise de identidade numa situação semelhante. É claro que se deve ressaltar que estudos equivocados nos ramos das ciências naturais denotam uma série de conseqüências problemáticas tanto quanto nas ciências humanas. E isto é próprio da atividade científica. Entretanto, nas ciências humanas, a crítica pode vir do próprio objeto de estudo, enquanto que noutras vertentes científicas a crítica surge ao cientista quase que exclusivamente de seus pares.

[2] Um exemplo dessa atitude epistemológica no campo da sociologia é o método fenomenológico proposto por Alfred Schutz. Para este autor, e para outros que concordam com sua teoria, seria real apenas aquilo que se apresenta a nossa experiência primeira, ou seja, à simples aparência. Como existem diversas maneiras de apreender o real, a realidade seria conformada de acordo com a prática transcendente das diversas percepções. A objetividade passaria a ser formada pelo confronto de diversas interpretações do fenômeno observado, e não mais pela análise material do próprio objeto (SCHUTZ apud WAGNER, 1979).

 

 

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Publicado em 21.04.07 - Última atualização: 22 abril, 2008.