I.Introdução:
O propósito deste artigo é analisar a
teoria da indução na filosofia de Francis Bacon (1561-1626), proposta pelo
filósofo em sua obra, publicada em 1620, Novum Organum, cuja meta era
opor-se e substituir o Organum de Aristóteles. Bacon tinha um
ambicioso plano para reformar o conhecimento. Esse plano foi denominado de
Instauratio Magna, que compreendia seis partes: a primeira, “As
divisões das ciências”; a segunda, “Novum Organum ou Indicações a
respeito da Interpretação da natureza”; a terceira, os “Fenômenos universais
ou História natural e experimental para fundação da filosofia”; a quarta “As
escalas do intelecto”; a quinta, “Presságio ou Antecipações da filosofia
segunda”; e, por fim, “filosofia segunda ou Ciência operativa”.
O plano não foi totalmente concretizado. O que temos da Instauratio
são: “a parte segunda, referente à metodologia (...) o Novum Organum
(publicado em 1620); o De Dignitate et Argumentis Scientuarum
(reformulação de o Progresso do Saber, feito em 1623), indicado pelo
autor como devendo representar a primeira parte da Grande Instauração,
ou seja, a referência à divisão das ciências. Restou também uma História
Natural (terceira parte do plano original), mas muito distante de suas
ambições”. Embora o sistema
baconiano tenha ficado incompleto, almejava, originalmente, uma reforma e
progresso de todo o saber. Entretanto, não conseguiu concluir nenhuma de
suas obras. Este foi o plano geral de Bacon, convém apresentarmos a
estrutura. Neste artigo, o caminho a ser percorrido será o seguinte:
primeiro fazer uma breve exposição da sua teoria dos ídolos, pois, por meio
dela, traremos clareza sobre o assunto tratado. Essa teoria divide-se em
quatro gêneros que bloqueiam a mente e obstruem o acesso à verdade, que são:
ídolos da tribo, ídolos da caverna, ídolos do foro e ídolos do teatro, e
também mostrar a formulação da teoria da indução na primeira parte do
Novum Organum. Em seguida analisaremos, a teoria da indução estabelecida
na segunda parte do Novum Organum que substituirá a indução por
enumeração simples, nesse sentido, abordaremos as seguintes noções e
conceitos: o conhecimento da forma, ou seja, de sua estrutura e da lei que
regula o seu processo; organização de um registro, o mais completo possível,
da história do fenômeno ou natureza estudados, feita por meio das tábuas de
presença, de ausência e de graus; enunciado de uma primeira hipótese
explicativa provisória ou primeira vindima; teste da hipótese por meio das
instâncias prerrogativas; e, por último, confirmação ou não da hipótese, se
não for confirmada, retoma o processo do método indutivo.
O trabalho se justifica em função do tema abordado ser fundamental para a
compreensão do desenvolvimento do método científico e também por ser um dos
momentos chave de sua constituição. Bacon justifica o seu empreendimento
argumentando que em seu novo método de indução as inferências seriam mais
seguras e sólidas do que naquele método de enumeração simples, isto é, no
método aristotélico. Desse modo, verificaremos o alcance e os limites da
teoria da indução formulada por Bacon. E, também, analisaremos se o método
baconiano corrigiu inteiramente as falhas existentes, as quais são apontadas
pelo próprio Bacon no antigo método e, conferiremos se o seu método de
indução é totalmente seguro ou se, ainda, possui problemas.
Para tal feito precisamos ainda esclarecer a metodologia utilizada para esta
pesquisa. Pretendemos fazer uma análise e exegese do tópico: a indução, a
partir da obra de Bacon Novum Organum, ou seja, esclarecer o conceito
de indução no interior da filosofia de Francis Bacon. O método utilizado
aqui será o filosófico, pois, trataremos da questão com recursos
teórico-metodológicos e técnicas da pesquisa filosófica. A disciplina da
filosofia não tem objeto, diferenciando da ciência que é uma disciplina com
objeto. A pesquisa, para ser filosófica, tem que significar e não
demonstrar. Em poucas palavras, a filosofia é justificar e não provar. Por
imprescindível que seja, para um filósofo, o recurso às análises e às
demonstrações lógicas formalizáveis, elas são somente auxiliares e
subordinadas a seu escopo de conjunto que é não dizer como um modelo de
objeto se aplica, mas o que podem significar para o homem os diferentes
aspectos que ele escolheu discernir e ligar no todo de sua experiência é o
papel da pesquisa filosófica.
II. Teoria dos Ídolos
Bacon conduz a sua obra em duas partes: a
primeira refere-se à “Antecipação da mente”; e a segunda à “Interpretação da
Natureza”. Aquela será destinada ao “cultivo das ciências”, esta será
destinada à “descoberta científica”. Esta última, ainda, terá como objetivo
“conhecer a verdade de forma clara e manifesta” e obter a “vitória sobre a
natureza, pela ação” que no final estabelecerá a “restauração do saber e da
ciência”.
No prefácio, Bacon nos explica que o
conhecimento não pode se separar da natureza, e que sem ela a investigação
da filosofia e da ciência se tornariam inócua, porque a natureza é o
fundamento para o conhecimento.
Todos aqueles que
ousaram proclamar a natureza como assunto exaurido para o conhecimento, por
convicção, por vezo professoral ou por ostentação, infligiram grande dano
tanto à filosofia quanto às ciências. Pois, fazendo valer a sua opinião,
concorreram para interromper e extinguir as investigações. (BACON, 2000,
p.27)
O método que o filósofo está formulando tem
como objetivo substituir a dialética, pois ela não traz certezas para as
pesquisas. Podemos afirmar que ele esteja procurando uma base sólida, que
lhe dê segurança para a procura da verdade, que são a experiência e a
observação, pois a dialética não confrontava suas conclusões com os fatos,
mas somente com as palavras. Mas apresenta a dificuldade de aplicação de seu
método:
Nosso método, contudo,
é tão fácil de ser apresentado quanto difícil de se aplicar. Consiste no
estabelecer os graus de certeza, determinar o alcance exato dos sentidos e
rejeitar, na maior parte dos casos, o labor da mente, calcado muito de perto
sobre aqueles, abrindo e promovendo, assim, a nova e certa via da mente,
que, de resto, provém das próprias percepções sensíveis. Foi, sem dúvida, o
que também divisaram os que tanto concederam à dialética. (BACON, 2000,
p.27-28)
Torna-se necessário ao homem ter “escoras
para o intelecto”,
porque ele está com a sua mente cheia de preceitos e põem em dúvida o
processo e movimento da natureza. A dialética não é eficaz para o
procedimento da ciência porque ela não utiliza os sentidos, prejudicando
assim a procura da verdade. Cabe, portanto, precaver contra os ídolos e
buscar a cura da mente. O homem precisa de instrumentos e máquinas para
auxiliar o intelecto.
Bacon recomendava, para a formulação do
novo método científico, desconsiderar o princípio de autoridade e admitir
como base para o conhecimento a experiência e a razão. Essas duas juntas, em
harmonia, sem prevalecer uma sobre a outra, formariam os pilares para o novo
método: a indução experimental.
Verulamo fez severa crítica à lógica de sua
época. Ela é inútil tanto para invenção quanto para o desenvolvimento das
ciências; apenas perpetua erros e funda noções falsas, não indaga a verdade;
o silogismo não serve para descobrir princípios para as ciências, sua
aplicação só serve para axiomas intermediários (ou seja, ligar as premissas
com as conclusões), porque não se envolve com a natureza e se mantém muito
afastado de suas dificuldades. Portanto se envolve mais com o nosso
assentimento, e não com as coisas.
As proposições da lógica que estão em voga
não são confrontadas com os fatos da natureza. Dessa maneira, não podemos
admitir que os axiomas que são construídos pela argumentação possam valer
para as novas verdades, porque a profundidade da natureza supera muito a
validade do argumento. No entanto, os axiomas que são seguidos de modo reto
e ordenadamente retirados dos fatos particulares facilmente indicam e
designam novos fatos particulares facilmente e, por esse caminho, tornam as
ciências ativas.
O silogismo consta de
proposições, as proposições de palavras, as palavras são o signo das noções.
Pelo que, se as próprias noções (que constituem a base dos fatos) são
confusas e temerariamente abstraídas das coisas, nada que delas depende pode
pretender solidez. Aqui está por que a única esperança radica na verdadeira
indução. Não é menor que nas noções o capricho e a aberração na constituição
dos axiomas. Vigem aqui os mesmos princípios da indução vulgar. E isso
ocorre em muito maior grau nos axiomas e proposições que se alcançam pelo
silogismo. (BACON, 2000, p.35)
Para que se possa tirar proveito da
natureza e penetrar em sua profundidade, que é complexa para os nossos
sentidos, é necessário se livrar das noções falsas, e para que isso se torne
possível, precisaríamos de um método seguro e correto.
Nessa medida, o filósofo afirma que num
primeiro momento o intelecto deve passar pela crítica ao perceber os seus
erros; afastar os preconceitos que o dificultam a chegar ao conhecimento;
excluir os obstáculos. Estes preconceitos, obstáculos ou noções falsas
provêm da “forma ordinária da razão humana voltar-se para o estudo da
natureza de antecipações da natureza”.
Trata-se do uso do método de “antecipação
da natureza”, que era usado na época de Bacon antes do estabelecimento do
seu novo método, que consistia em alcançar os axiomas por meio “de
experiência rasa e estreita e a partir de poucos fatos particulares”.
Esta via “consiste no saltar das sensações e das coisas particulares aos
axiomas mais gerais e, a seguir, descobrirem-se os axiomas intermediários a
partir desses princípios e de sua inamovível verdade”.
Admitindo estar de posse de um princípio ou
de um axioma geral, a mente humana é levada a tirar dele as conseqüências.
Em alguns casos, até imaginar um princípio o intelecto ousava, desde que
pudesse explicar algumas conseqüências observadas. Era neste erro fácil,
salienta o filósofo, que a filosofia precedente falhou, visto que para
justificar o observado, o concreto, em lugar de observá-lo com mais
profundidade, experimentá-lo mais vezes, o filósofo multiplicava as
propriedades e os abstratos.
Por esta via
o intelecto deixado a
si mesmo acompanha e se fia nas forças da dialética. Pois a mente anseia por
ascender aos princípios mais gerais para aí então se deter. A seguir,
desdenha a experiência. E tais males são incrementados pela dialética, na
pompa de suas disputas.(BACON, 2000, p.36.)
Para sair desta situação e poder começar a
entender e depois empregar o novo instrumento que Bacon nomeou de
“interpretação da natureza”, indica quatro fontes de erros opostos, aos
quais recomenda uma rigorosa vigilância, na medida em que “mesmo depois de
seu pórtico logrado e descerrado, poderão ressurgir como obstáculos à
própria instauração das ciências, a não ser que os homens, já precavidos
contra eles, se cuidem o mais que possam”.
Segue-se, daqui, a exposição da teoria dos
“ídolos”, que, segundo Bacon, são como “obstáculos à própria instauração das
ciências”.
O objetivo da teoria dos ídolos de Bacon é uma tentativa de analisar,
classificar e tratar as fraquezas do intelecto e dos sentidos.
Mas, o que, afinal, são os ídolos para Bacon? Parece que os ídolos para
Bacon são os falsos Deuses, a idéia de idolatria, a qual impede que a mente
humana busque uma neutralidade para se poder fazer de modo correto a
ciência, mostrando, desse modo, inclinações naturais da mente humana a
ilusões.
Por isso, o filósofo acreditava que, com o afastamento dos “ídolos”, das
noções falsas, seria possível alcançar a observação pura e neutra sobre a
natureza, à única capaz de propiciar a efetiva explicação dos fenômenos.
Os “ídolos” são classificados em quatro
gêneros, a saber: ídolos da tribo; ídolos da caverna; ídolos do foro e
ídolos do teatro.
Os “ídolos da tribo”
são assim chamados porque estão fundados na própria natureza humana ou “na
própria tribo ou espécie humana”.
Nesses ídolos, com efeito, os homens tomam todo conhecimento dado pelos
sentidos como verdadeiros. Eles não conseguem perceber que as percepções
alcançadas pelos sentidos são parciais, porque dependem da acomodação
própria do homem enquanto espécie. Bacon afirma que os “ídolos da tribo”
“têm origem na uniformidade da substância espiritual do homem, ou nos seus
preconceitos, ou bem nas suas limitações, ou na sua contínua instabilidade;
ou ainda na interferência dos sentimentos ou na incompetência dos sentidos
ou no modo de receber impressões”.
Existe, dessa maneira, uma disposição para que se pensem as coisas e suas
relações em analogia ao homem, para que se espere uma ordem e concordância
do universo, que de fato não existe.
Os “ídolos da caverna são os dos homens
enquanto indivíduos”.
Eles expressam os erros provenientes da conformação de cada indivíduo,
distinguindo-se, desse modo, dos “ídolos da tribo”, que mencionam a espécie
humana. Cada pessoa possui sua própria caverna, que interpreta e distorce a
luz particular, à qual estão acostumados.
Os “ídolos do foro”
são erros gerados pela ambigüidade das palavras e pela comunicação entre os
homens, segundo Bacon, são, de todos os ídolos, os mais perturbadores,
porque “insinuam-se no intelecto graças ao pacto de palavras e nomes”.
Muitas vezes levam os homens a usarem palavras, que não são mais do que
abstrações como se fossem nomes de entidades reais. “Os homens, com efeito,
crêem que a sua razão governa as palavras. Mas sucede também que as palavras
volvem e refletem suas forças sobre o intelecto, o que forma a filosofia e
as ciências sofísticas e inativas”.
Os “ídolos do teatro”
são aqueles que “imigraram para o espírito dos homens por meios das
diversas doutrinas filosóficas e também pelas regras viciosas da
demonstração”.
Esses sistemas, segundo o autor, constituíram puras invenções, como as peças
de teatros que sucedem na cena e não proporcionam um retrato fiel do
universo, tal como ele realmente é. Bacon fez uma severa crítica aos
sistemas filosóficos, que dividiu em três tipos: a sofística, a empírica e a
supersticiosa.
Essa breve exposição se fez necessário para clareza do objeto que será
tratado, pois o propósito da teoria dos ídolos é livrar as mentes dos homens
de preceitos, noções falsas e de todos os obstáculos ao progresso das
ciências, para que possa ser realizada a sua instauração, e, desse modo, ser
implantada a indução verdadeira para a interpretação da natureza.
Ainda na primeira parte do Novum Organum, Bacon começa a formular o
seu método indutivo. Segundo ele, era pertinente estabelecer para a indução
fundamentos mais sólidos. Ao seu ver, o que levaria a fazer essas
modificações seria uma instauração, propiciando fundamentos e alicerces
adequados ao método científico. A indução por enumeração simples
é o método mais atacado por Bacon. E foi principalmente por causa deste
método de indução que o filósofo implantou o seu projeto, buscando
substituí-lo pelo o método de indução por eliminação, pois este método
fornecerá axiomas sólidos e verdadeiros para adequar-se à interpretação da
natureza, da qual o homem é “ministro e interprete”.
Sua crítica à indução por simples enumeração aparece claramente na seguinte
passagem:
Para a constituição de axiomas deve-se
cogitar de uma forma de indução diversa da usual até hoje e que deve servir
para descobrir e demonstrar não apenas os princípios – como são corretamente
chamados – como também os axiomas menores, médios e todos, em suma. Com
efeito, a indução que procede por simples enumeração é uma coisa pueril,
leva a conclusões precárias, expõe-se ao perigo de uma instância que
contradiga. Em geral, conclui a partir de um número de fatos particulares
muito menor que o necessário e que são também os de acesso mais
fácil.(BACON, 2000, p.81)
Bacon asseverava que na sua época ninguém havia criado uma filosofia natural
pura.
E por isso fez-se necessário apontar e identificar os responsáveis pelo
afundamento da ciência. Elaborou, então, três tipos de analogias para os
homens que se dedicaram às ciências, que eram ou empíricos,
ou dogmáticos e o intermediário dentre os dois. “Os empíricos, à maneira de
formigas, acumulam e usam as provisões”.
Os racionalistas ou dogmáticos eram as aranhas
que usavam o método dedutivo e que “de si mesmos extraem o que lhes serve
para a teia”.
Essas duas analogias são sobre aqueles que buscam o conhecimento: um, pelo
método dedutivo; o outro, pela indução por simples enumeração, a qual Bacon
está criticando. Percebe-se que precisaria procurar uma saída entre essas
duas abordagens (empíricos e dogmáticos). Bacon apresenta, com esse intuito,
a figura da Abelha
que representa a posição intermediária entre as duas, ela “recolhe a
matéria-prima das flores do jardim e do campo e com seus próprios recursos
transforma e digere”.
Esta é a forma mais adequada para a busca do conhecimento. O seu ponto de
partida é a experiência, sendo que não se limita apenas ao material
fornecido pela história natural ou artes mecânicas, usam o raciocínio, não
apenas para estabelecer generalizações abstratas e inúteis, como
especulações, mas para elaborar e modificar no intelecto o que se conseguiu
na experiência. Se for este o método seguro e sólido que o filósofo nos
apresenta, o que então se distingue do método de simples enumeração? Parece
que a resposta surge na seguinte passagem: “Mas a indução que será útil para
a descoberta e demonstração das ciências e das artes deve analisar a
natureza, procedendo às devidas rejeições e exclusões, e depois, então, de
posse dos casos negativos necessários, concluir a respeito dos casos
positivos”.
III. Teoria da Indução
Na segunda parte de sua obra Novum Organum, estabeleceu a sua
instauração. Após o homem de ciência ou filósofo natural ter limpado os
empecilhos de sua mente e se precavido contra os “ídolos”, ou seja, ter
entendido as fragilidades do método de antecipação da natureza, ele agora
está apto e preparado para seguir o caminho pela via da interpretação da
natureza, “que recolhe os axiomas dos dados dos sentidos e particulares,
ascendendo contínua e gradualmente até alcançar, em último lugar, os
princípios de máxima generalidade”.
Cabe, antes de entramos na discusão da indução baconiana, ver como era a
indução antes de Francis Bacon. Para tal, utilizamos a interpretação de
Oliveira. Este afirma que, antes de Bacon, a indução estava basicamente
circundada ao solo da linguagem:
A indução Aristotélica (epagôge)
visa mais à comunicação do que à descoberta do conhecimento. Ela é
essencialmente uma operação verbal, um simples rígido modelo de
argumentação, procedendo de palavras para palavras, não de palavras para
coisas. No aristotelismo medieval, a indução foi reduzida a mero mecanismo
de retórica e dialética, tradição que persiste na Renascença como
retoricização da lógica. Para os humanistas lógicos como Melanchthon,
indução é um mecanismo de apresentação e comunicação do conhecimento já
possuído. Nem os escolásticos nem os reformadores da retórica consideravam a
indução como um processo lógico de obtenção de conhecimento. (OLIVEIRA,
2002, p.179.)
Nota-se que a indução ficava apenas no campo da linguagem, não interferia
nas coisas. Deixando, assim, de contribuir para um conhecimento efetivo
sobre a natureza.
Qual seria então a proposta de Bacon? Sua proposta foi apresentada como uma
correção do método de investigação aristotélico, tendo como principais
características a ênfase nas induções graduais e progressivas, às quais
acopla o método de exclusão. A crítica, salienta Oliveira, “incide mais
sobre os aristotélicos de então do que sobre Aristóteles, e incorpora
elementos já apontados por outros antiaristotélicos anteriores”.
Os aristotélicos não se importavam com as observações, dando atenção e valor
para as funções das deduções, que começavam dos primeiros princípios e,
valendo-se de silogismos nos quais os predicados das proposições não eram
definidos adequadamente, generalizavam de maneira precipitada. E ainda,
confiavam de maneira equivocada na indução por enumeração, generalizando as
correlações que se aplicam a apenas alguns casos sem se preocupar com a
possibilidade de exemplos negativos.
A mira de Bacon era menos a intuição intelectual em que se fundamentavam os
primeiros princípios do que a indução por simples enumeração na sua
equívocada confiança em suas conclusões.
O intelecto humano, quando assente em uma
convicção (ou por já bem aceita e acreditada ou porque agrada), tudo arrasta
para seu apoio e acordo. E ainda que em maior número, não observa a força
das instâncias contrárias, despreza-as, ou, recorrendo a distinções, põe-nas
de parte e rejeita, não sem grande e pernicioso prejuízo. Graças a isso, a
autoridade daquelas primeiras afirmações permanece inviolada. (BACON, 2000,
p.42)
O método indutivo viria, portanto, garantir esse cuidado com as instâncias
que serviriam de obstáculo contra as conclusões apressadas e autoridades
aparentemente inquestionáveis.
Após ter
feito essa breve explanação sobre a indução antes de Bacon, passamos a
analisar o seu método.
Devemos perguntar como, portanto, deve ser seguido o método proposto por
Bacon?
Deve começar pelo verdadeiro conhecimento: o conhecimento da forma, ou seja,
de sua estrutura e da lei que regula o seu processo.
Na primeira etapa este conhecimento (da forma) é o conhecimento pelas
causas, ou seja, “o verdadeiro saber é o saber pelas causas”.
Bacon analisa a teoria das quatro causas de Aristóteles.
Afirma-se corretamente que o verdadeiro
saber é o saber pelas causas. E, não indevidamente, estabelecem-se quatro
coisas: a matéria, a forma, a causa eficiente, a causa final... a causa
final longe está de fazer avançar as ciências, pois na verdade as corrompe;
mas pode ser de interesse para ações humanas. A descoberta da forma tem-se
como impossível. E a causa eficiente e a causa material (tal como são
investigadas e admitidas, isto é, como remotas e sem o processo latente no
sentido da forma) são perfunctórias e superficiais, em nada beneficiando a
ciência verdadeira e ativa.(BACON, 2000, p.102)
Percebe-se na passagem supracitada que, para Bacon, a causa final é
infecunda para ciência. E, as investigações da causa eficiente e da matéria
dizem respeito ao curso comum e ordinário da natureza, não a leis
fundamentais e eternas. Para Bacon, então, apenas o descobrimento da forma
(que é a condição essencial da existência de qualquer propriedade) e uma
natureza (que significa ou equivale à propriedade ou qualidade predicável de
um corpo) dada são o objetivo do conhecimento científico.
Essa forma, segundo ele, é o princípio e a lei, as verdades eternas e
imóveis.
Na ciência sua investigação, descoberta e explicação devem partir dessa lei,
que é o fundamento para o saber e para a prática.
O conhecimento da causa de alguma natureza, apenas em determinados sujeitos,
possui uma ciência imperfeita, que a sua produção se concretiza em apenas
determinadas matérias, essa possui um poder imperfeito. O conhecimento por
meio da causa eficiente e causa material, que são causas instáveis e não
mais meios em que certos casos provocam forma, podem alcançar novas
descobertas em matéria algo semelhante e a isso prepara, entretanto, não
consegue mudar os limites mais obscuros ou profundos e estáveis das coisas.
Todavia o que conhece as formas apreende a unidade da natureza nas suas mais
complexas matérias e, por causa disso, pode descobrir e incitar o que até
agora não se produziu, tanto pelas vicissitudes naturais quanto pela
atividade experimental, e muito menos pelo próprio acaso ou sequer chegou a
ser pensado pela mente humana. “Assim é que da descoberta das formas
resultam a verdade na investigação e a liberdade na operação”.
Para Bacon, os fundamentos das ciências devem ser apropriados do lado
prático e determinar o lado contemplativo. De acordo com isso, para se poder
introduzir ou gerar em um corpo dado uma certa natureza, é imprescindível se
considerar devidamente o preceito ou direção ou dedução que deve ser aceito,
e isso deve ser feito em termos claros e não obscuros. Para tal propósito
Bacon introduz três regras:
(...) em primeiro lugar, estará, sem dúvida,
interessado em um procedimento que não frustre a empresa, nem leve ao
malogro o experimento. Em segundo lugar, estará igualmente interessado em um
procedimento que não o constranja nem o force ao uso de certos meios e modos
particulares de proceder. Pois pode ocorrer que não disponha de tais meios
ou não tenha possibilidade ou condições de consegui-los. E se há outros
meios ou modos para reproduzir a natureza desejada (além daqueles
preceitos), eles poderiam estar ao alcance do operador. E este poderia, pela
rigidez dos preceitos, anular os resultados. Em terceiro lugar, desejará que
lhe seja indicado algo que não seja tão difícil quanto a própria operação
investigada, mas que seja mais próximo da prática. (BACON, 2000, p.103)
Bacon faz uma distinção entre fins especulativos e operativos, e persevera
na compreensão das regras práticas, para que depois possa tornar claras as
regras especulativas da mente. Para ele, quando desejamos uma regra prática
que dirija nossas ações nos perguntemos: primeiro, “que seja certa, livre e
predisposta ou que esteja ordenada para a ação”;
segundo, “que se descubra outra natureza que seja conversível à natureza
dada e que ainda seja a limitação de uma natureza mais geral, à maneira de
um verdadeiro gênero”.
Aquele enunciado é ativo e este contemplativo, são a mesma coisa, pois o que
é útil na prática é verdadeiro no saber.
Em decorrência disso o filósofo introduz dois conceitos, a saber: o processo
latente e esquematismo latente. Estes têm a função de descobrir a natureza
dada.
O primeiro conceito concerne a um conjunto de operações internas à natureza
dos corpos, que fazem que a substância passe de um estado a outro, sendo que
durante o processo boa parte escapa aos sentidos. Tal processo não é
entendido “como medidas, ou signos ou escalas dos processos visíveis dos
corpos, mas como um processo continuado, que na maior parte escapa aos
sentidos”.
Este é o processo latente que não é senão uma investigação que deve se
limitar à geração e às transformações dos corpos. Os fenômenos naturais,
aqui, possuem uma característica dinâmica, que os faz apresentarem-se em
permanente transformação.
No segundo conceito o objetivo é apresentado ainda que de forma inacabada,
através da anatomia dos corpos orgânicos. O esquematismo refere à maneira de
ordenação das partículas que constituem os objetos materiais. A idéia de
pequenas partículas se aproxima muito de Demócrito, mas, diferentemente,
Bacon não aceita a sua indestrutibilidade e nem o vazio.
O esquematismo é latente pelo simples fato de escapar os sentidos.“Nenhum
corpo pode ser dotado de uma nova natureza, ou ser transformado, com acerto
e sucesso, em outro corpo, sem um completo conhecimento do corpo que se quer
alterar ou transformar”.
Trata-se, pois, de se definir a configuração ou estrutura dos corpos
analisados rigorosamente para que possa fundar a essência de um fenômeno
natural. Daí a comparação com a anatomia dos corpos orgânicos. Os fenômenos
naturais, aqui, possuem uma certa disposição, conformação ou estrutura. Este
é o esquematismo latente.
Dado esses dois conceitos, cujo objetivo é o descobrimento da forma de uma
natureza dada, falta ainda fundamentar os procedimentos a serem seguidos
para que a descoberta seja feita. Saiba-se ainda que os fenômenos naturais
tanto no processo latente quanto no esquematismo latente são conexos e têm
como princípio a forma, princípio essencial de individuação e lei que rege a
geração, ou produção, e o movimento dos fenômenos.
Bacon distingue a filosofia das ciências, mas acredito que as duas estejam
intimamente ligadas, porque a forma (metafísica) e natureza (física)
coexistem.
Das duas espécies de axiomas estabelecidas
[processo latente e esquematismo latente] origina-se a verdadeira divisão da
filosofia e das ciências, devendo-se, bem entendido, ajustar vocábulos
comumente aceitos (os mais apropriados para indicar o que pretendemos) ao
sentido que lhes emprestamos. Assim, a investigação das formas que são (pelo
seu princípio e lei) eternas e imóveis constitui a Metafísica. A
investigação da causa eficiente, da matéria, do processo latente e do
esquematismo latente (que dizem respeito ao curso comum e ordinário da
natureza, não a leis fundamentais e eternas) constitui a Física. E a elas
subordinam-se duas divisões práticas: à Física, a Mecânica; à Metafísica, a
Magia (depois do nome purificado), em vista das amplas vias que abrem e do
maior domínio sobre a natureza que propiciam. (BACON, 2000, p.108)
Essa passagem supracitada refere-se ao estabelecimento e escopo da ciência
baconiana. Dito isso, agora forneceremos os preceitos e a ordem sobre as
indicações da interpretação da natureza.
Os procedimentos estão expostos na indução formulada por Bacon. A indução
baconiana tem como começo a organização de um registro, que servirá para a
administração dos sentidos, ou seja, “preparar uma História Natural e
Experimental”.
O registro e a organização desta história natural serão fundamentados a
partir de três tábuas as quais serão explicadas logo abaixo.
De acordo com Oliveira, a primeira etapa do método de indução é apresentada
com algumas variações nas diferentes obras de Bacon. “Em Da diginidade e
avanço do conhecimento aparece como a experientia literata (...).
No seu Plano geral da grande instauração a Historia natural e
experimental seria a primeira etapa”.
Para Oliveira, seria a segunda etapa, que consiste na organização e
disposição do material levantado na primeira etapa em tábuas (de presença,
de ausência e de Graus), que ajudariam uma investigação segura das formas.
A primeira tábua será estabelecida pelo registro de todas as situações ou
instâncias em que o fenômeno analisado está presente. Bacon demonstra sua
investigação sobre a forma do calor, explicita que “sobre uma natureza dada
deve-se em primeiro lugar fazer uma citação perante o intelecto de todas as
instâncias que concordam com uma mesma natureza, mesmo que se encontrem em
matérias dessemelhantes”.
Esta tábua Bacon nomeou de essência e de presença.
Para Oliveira essa tábua “consiste em partir de uma mesma qualidade, de um
mesmo fenômeno, buscar todos os exemplos, descrevendo os casos em que a
natureza ou característica perceptíveis do que está sendo investigado se
encontram presentes”.
A segunda tábua é a “das instâncias privadas da natureza dada, uma vez que a
forma, como já foi dito, deve estar ausente quando está ausente a natureza,
bem como estar presente quando a natureza está presente”.
Desse modo, deve-se seguir de maneira análoga, prepara-se o registro de
todos os casos em que o fenômeno está ausente, e que tenham uma certa
afinidade com os registros na tábua de presença. Esta tábua, Bacon nomeou de
desvio (ou declinação) ou de ausência
em fenômenos próximos. Essa, segundo Oliveira,
(...) busca listar os casos em que “os
acompanhantes” do que está sendo investigado estão presentes, mas o objeto
de investigação (por exemplo, um determinado fenômeno natural) não está. Não
se trata de recolher todos os casos em que um fenômeno dado que se quer
interpretar não apareça, mas sim de reunir os casos análogos aos da primeira
tábua que correspondem sucessivamente a eles e que, em circunstâncias
semelhantes, não se afiguram à característica estudada. (OLIVEIRA, 2002,
p.181)
E por fim, busca-se anotar a presença de um fenômeno segundo a sua maior
intensidade. O filósofo aconselha que “em terceiro lugar, é necessário
fazer-se citações perante o intelecto das instâncias cuja natureza, quando
investigada, está presente em mais ou menos” porque não se “pode tomar uma
natureza pela verdadeira forma, a não ser, que sempre decresça quando
decresce a referida natureza e, igualmente, sempre aumente quando aumenta a
natureza”.
Esta tábua, Bacon nomeou de graus ou comparação.
Para Oliveira nessa tábua “expõem-se os casos em que uma quantidade maior ou
menor da natureza que se investiga vê-se acompanhada por uma quantidade
maior ou menor de alguma outra característica”.
Trata-se do tratamento da forma de uma coisa e a coisa em si mesma e uma vez
que a coisa difere da forma tanto quanto difere a aparência da existência, o
exterior do interior e o relativo ao homem do relativo ao universo.
A finalidade dessas três tábuas é a de fazer uma “citação de instância
perante o intelecto”.
Uma vez feito isso se passa à prática da própria indução.A função da indução
baconiana é primeiramente, a 1ª e 2ª etapas, sugerir o que pode ser a forma,
formalização de operações e leis e, como se verá em seguida (3ªetapa), de se
precaver contra as divagações de nossa imaginação mediante a vistoria
estável de todos os documentos de demanda, de todas as peças do processo.
Portanto, a mente se preocupa desde do começo em procurar a natureza
afirmativa, quando deixada a si mesma acontecem fantasias, meras opiniões e
noções mal determinadas, e axiomas com falta de contínuas correções, a não
ser, de acordo com os costumes das escolas, enfrentar em defesa da
falsidade.
“Mas certamente os resultados são melhores ou piores conforme a capacidade e
a força do intelecto que opera”.
(...) só Deus, criador e introdutor das
formas, ou talvez aos anjos e às inteligências celestes compete a faculdade
de apreender as formas imediatamente por via afirmativa, e desde o início da
contemplação. Certamente essa faculdade é superior ao homem, ao qual é
concedida somente a via negativa de procedimento, e só depois no fim, depois
de um progresso completo de exclusões, pode passar às afirmações.(BACON,
2000, p.127)
Depois de o filósofo ter exposto os procedimentos a serem seguidos, descreve
o seu método propriamente dito. Esse método é chamado de indução por
eliminação ou indução baconiana. Como, portanto, deve começar a indução por
eliminação? A interpretação da natureza, a obra da verdadeira indução, deve
começar de forma negativa, pela exclusão e rejeição das naturezas singulares
que não sejam encontradas em nenhuma instância em que está presente a
natureza dada.
O seu resultado será apresentado após ter feito muitas tentativas e
convenientes rejeições e exclusões, aí então ter-se-á acesso à forma que
será afirmativa, sólida verdadeira e bem determinada.
A primeira obra da verdadeira indução, para
a investigação das formas é a rejeição e exclusão das naturezas singulares
que não são encontradas em nenhuma instância que está presente a natureza
dada, ou encontram-se em qualquer instância em cuja natureza dada não está
presente, ou cresçam em qualquer instância cuja natureza dada decresce, ou
decrescem quando a natureza dada cresce. (BACON, 2000, p.127-28)
Portanto, tendo a instância negativa limpado o terreno para o conhecimento,
o empreendimento para interpretação poderia ser feito, sendo que Bacon
nomeou de “Permissão ao Intelecto ou Interpretação Inicial ou ainda Primeira
Vindima”.
O que o método baconiano propõe é verificar se a permissão ao intelecto ou
interpretação inicial ou primeira vindima é confirmada ou rejeitada. Se
confirmada, pode o cientista aceitar ter descoberto a forma de uma natureza.
Se for negativa, o trabalho deve ser reiniciado: uma segunda vindima deve
ser procurada. A técnica se repetirá até que a forma da natureza, sob
estudo, seja descoberta.
Essa perfaz a terceira etapa conforme diz Oliveira (2002). Isto é, a
verdadeira indução.
Nessa estrutura de investigação da natureza, o método de exclusão exerce uma
função basilar, servindo para eliminar algumas correlações acidentais entre
os fatos. Excluindo tais correlações acidentais da base da pirâmide, a série
de histórias naturais e experimentais reunidas e correlações recomendadas
pelas tábuas, sobrariam a poucas correlações essenciais, que admitiam
generalizações: as primeiras colheitas.
Assim, como se vê, a indução baconiana tem
um inegável caráter eliminatório. A indução correta seria
per rejectiones et exlusiones,
através da consecutiva eliminação das
possibilidades teóricas e operativas concorrentes. Este caráter negativo da
forma de obtenção do conhecimento se encontra diretamente relacionado com a
concepção antropológica que Bacon adota. (...) para ele, aos homens,
direferentemente de Deus, “é concedida somente a via negativa de
procedimento, e só depois, no fim, após um processo completo de exclusões,
pode passar a afirmações”.(OLIVEIRA, 2002, p.182)
As formas afirmativas que resistem à primeira vindima e devem ser ainda
corroboradas e retificadas com a prática e com o uso de outros auxiliares do
intelecto na interpretação e no domínio da natureza. O Novum Organum
proporciona somente um arcabouço do que versaria, de acordo com Oliveira,
essa segunda parte da indução a ser desenvolvida sobre as decorrências da
primeira: “as instâncias prerrogativas, os adminículos da indução, a
retificação da indução, a variação da investigação segundo a natureza do
assunto, as prerrogativas da natureza, os limites da investigação, a
passagem da dedução à prática, os preparativos para a investigação e a
escala ascendente e descendente dos axiomas”.
As instâncias prerrogativas
são o único elemento do esquema que chega a ser apresentado, mais
especificamente, nos últimos trinta aforismos da segunda parte do livro
Novum Organum. Essas instâncias se compõem de vinte e sete subinstâncias
com funções e aspectos diferenciados. Esquematicamente, um grupo com ênfase
na busca de informações e um outro na de operações.
No método de Bacon, segundo Oliva, nenhuma coleta de casos confirmadores
propicia conclusão definitiva, pois esta está sempre vulnerável ao perigo do
confronto com uma instância contraditória. Sendo que o seu procedimento
ocorre per rejectiones e exclusiones, estes mecanismos não autorizam
senão verdades aproximativas e certezas provisórias. Quer dizer, além de ser
hipotética e auto corretiva, a indução de Bacon é um processo aberto, sem
uma conclusão definitiva.
Bacha afirma que o grande êxito de Bacon foi o estabelecimento da
experimentação e observação, além da instância negativa. Pode-se dizer que
ela também concorda com Alberto Oliva quanto a esse fator.
Ela define assim a indução de Bacon:
A indução é um processo de eliminação que
nos permite separar o fenômeno que buscamos conhecer de tudo o que não faz
parte dele. Este processo envolve não só a observação e contemplação dos
fenômenos, como também a execução da experiência em larga escala. Sua teoria
da indução se baseia no princípio de que uma generalização não pode ser
validada por qualquer número de instâncias favoráveis, mas pode ser
invalidada somente por uma instância desfavorável, porque “na constituição
de todo axioma verdadeiro, têm mais força as instâncias negativas”. Portanto
fornecendo grande força às instâncias desfavoráveis ou negativas poderemos
estabelecer leis às quais não chegaríamos diretamente. Este é o princípio de
eliminação, que está ligado a uma determinada doutrina sobre o caráter das
leis naturais segundo a qual há somente um número limitado de geração de
causas que são coordenadas em vários graus possíveis. (BACHA, 2002, p.43-44)
As tábuas, atesta Rossi, tinham como função coletar instâncias certas para o
novo saber científico.
A própria obra Novum Organum, diz Rossi, que tinha como proposta “o
estabelecimento de uma lógica da pesquisa científica” foi interrompida
porque Bacon estava convencido que a construção de “tabelas perfeitas”
constitui o elemento fundamental para o estabelecimento do novo saber
científico.
A história natural, a coleta de forma organizada dos fatos, a limitação e a
determinação dos vários campos de pesquisa, ou seja, ao introduzir a ordem
na desorganizada realidade da natureza, “pareceram a Bacon tão importantes a
ponto de levá-lo (depois de 1620) a uma parcial desvalorização daquela mesma
‘máquina intelectual’, representada pelo novo método, que por muitos anos
tinha estado no centro de seus interesses”.
Então, o que se referia à quarta parte da Instauratio, que tinha por
objetivo compreender o trabalho e ordenação dos conteúdos das muitas
histórias naturais, acabou sendo mais importante que sua própria lógica. A
reunião de materiais para pesquisa era mais urgente que qualquer
investigação atinente a “aperfeiçoar o aparato teórico das ciências”.
Rossi atesta que Bacon introduziu vários termos retóricos do renascimento em
seu método indutivo.
Substituindo a tradicional coleta de lugares
retóricos por uma coleta de lugares naturais, direcionando a memória para
fins diferentes dos tradicionais, concebendo as
tabulae
como meios de ordenação mediante os quais a memória prepara uma ‘realidade
organizada’ para a obra do intelecto, servindo-se das
regulae
ramistas para uma determinação das ‘formas’, Bacon tinha na realidade
introduzido, dentro de sua lógica do saber científico (que ele apresentava
com radicalmente ‘nova’) uma série de elementos atinentes à tradição
dialético-retórica do Renascimento. (ROSSI, 1992, p.202-03)
O método da ciência estabelecido por Bacon tinha como um dos fatores mais
importantes “um meio de ordenação e de classificação da realidade natural.
Não é por acaso que ele é representado como um ‘fio’ capaz de guiar o homem
dentro da ‘caótica selva’ e do ‘complicado labirinto’ da natureza”.
IV. Considerações finais
Após ter analisado o que se processou, conclui-se que Bacon justifica o seu
empreendimento argumentando que em seu método as inferências seriam mais
seguras e sólidas do que as oferecidas pelo método de enumeração simples.
Para isso, só seria necessário seguir o caminho exposto, que impõe o
cumprimento das seguintes fases: eliminar os obstáculos para instauração das
ciências, que são os ídolos; o conhecimento da forma, ou seja, de sua
estrutura e da lei que regula o seu processo; organização de um registro, o
mais completo possível, da história do fenômeno ou natureza estudados, feita
por meio das tábuas de presença, de ausência e de graus; enunciado de uma
primeira hipótese explicativa provisória ou primeira vindima; teste da
hipótese por meio das instâncias prerrogativas; e, por último, confirmação
ou não da hipótese, se não for confirmada, retoma o processo do método
indutivo. A principal contribuição de Bacon reside na apresentação de um
novo método que procura livrar o cientista das posições extremas e,
portanto, estéreis do empirismo e do racionalismo radical. Entretanto, Bacon
não resolveu o problema fundamental da passagem do particular para o
universal, porque os conceitos de processo e esquematismo latente,
desenvolvido por ele, são muito obscuros não permitindo uma sustentação
consistente para justificação de seu método. Além disso, pode-se afirmar que
Aristóteles já tratava da indução, porém se restringiu a suas
características puramente formais. Para ele, em poucas palavras, o método
consiste em, dada uma coleção de fenômenos ou de coisas particulares,
extrair o que existe de geral para todos e em cada um deles. Contrária,
assim, à dedução, conhecida como o caminho metodológico que permite descer
do geral para o particular. Quer dizer, a indução aristotélica limita-se a
uma coleção controlável de indivíduos. Em Bacon, a indução torna-se
amplificadora, ou seja, parte de uma coleção limitada de fatos e o que se
descobre como válido para eles é estendido a todos os análogos, ainda que
não tenham sido pesquisados um por um. A diferença da indução de Bacon para
a de Aristóteles é que esta apenas ordena o já conhecido, enquanto a
baconiana amplia o conhecimento, fazendo progredir, desse modo, o saber. No
método baconiano, ao procurar novas verdades, não pode ser encontrado
verdades indubitáveis, sem passarmos as hipóteses pelo crivo da
experimentação e da observação. E, nesse processo, a instância negativa é de
grande importância. Percebe-se, daí, que a grande inovação introduzida no
método de Bacon é o caráter eliminativo que a indução passa a ter. A indução
correta é aquela na qual se procede por rejeição e exclusão, por meio da
eliminação de possibilidades concorrentes.
ANDRADE, J.A.R. Vida e Obra.
In:
BACON, F. Novum
Organum. Trad. e notas de José Aluysio
Reis de Andrade. SP: Nova Cultural, 2000. (Coleção os Pensadores)