por ANTÔNIO MARCOS DE SOUSA SILVA

Bacharel e licenciando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará, foi bolsista de Iniciação Científica/ CNPq do Laboratório de Estudos da Violência da referida instituição

 

 

 

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Segurança Pública e Política: discurso e imagem como instrumentos simbólicos na acumulação de capital político

Antônio Marcos de Sousa Silva

 

Resumo:

O presente artigo se propõe debater as modernas estratégias de campanhas políticas em que o discurso e a imagem estão estritamente atrelados ao emblema da segurança. Para isso, o lócus de análise recaiu sobre um personagem político do Ceará, conhecido nacionalmente pelo seu desempenho na Câmara Federal: Moroni Torgan. A legitimação de um candidato dá-se através de uma gama de fatores, dentre os quais se destaca um bom discurso político, uma construção positiva de uma imagem pública e, sobretudo, a influência dos meios de comunicação, especificamente a televisão.

Palavras-chave: Discurso político, Imagem e Segurança.

Abstract:

The present article aims to debate the modern strategies for political campaigns in which the image and the discourse are strictly embedded to the security ensign. Therefore, the analysis locus fell upon a political figure from Ceará, nationally known for its performance on the Chamber of Representatives: Moroni Torgan. The legitimization of a candidate occurs through an array of factors, among which a good political discourse, a positive public image construction and, above all, the influence over the media, especially television, are highlighted.

Keywords: Political discourse, Image and Security.

 

O discurso político como estratégia de campanhas eleitorais: os usos do emblema da segurança

O discurso político configura-se como um componente essencial na legitimação de um candidato nos períodos eleitorais e, no cenário brasileiro, ele foi mais largamente difundido a partir do “fenômeno de midiatização da política”, uma vez que sua propagação no rádio e na televisão conseguiu alcançar a grande maioria da população (MATOS, 2006, p. 193). Nesse contexto, construíram-se, sobremaneira, “engenharias comunicacionais” que dessem suporte às atividades políticas, principalmente nos processos eleitorais.

Surge desse modo uma “cultura da midiatização” em campanhas eleitorais no Brasil. O marco desse processo, segundo Fausto Neto (2004) e Nunes (2004), são as eleições presidenciais de 1989. Contudo, Carvalho (1999), em um estudo clássico, afirma que a profissionalização da política aconteceu com as eleições diretas majoritárias para prefeituras das capitais e para os governos estaduais em meados dos anos 80.

Ao que tudo indica, o mercado de comunicação política, nos últimos anos, sofreu um processo de re-configuração, motivado pela crescente complexidade dos meios de comunicação (MATOS, 2006). Ademais, percebe-se que a cada campanha eleitoral, a interferência da mídia toma grandes proporções, passando a comandar a agenda do processo político. Nesse sentido, afirma Carvalho (2004, p. 535) que “Os políticos profissionais atuam cada vez menos como “sujeitos falantes” e cada vez mais como sujeitos falados”.

Cada vez mais, os médias elaboram os discursos de seus clientes (os políticos) para o Horário Gratuito Político Eleitoral. Campanhas que não possuem uma equipe de marketeiros experientes, geralmente, não conseguem boa atuação nas disputas, pelo motivo de que o marketing político, segundo Scotto (2004, p. 26), “designa um conjunto de “valiosas” ferramentas e “moderno” instrumental técnico que outorgam “racionalidade” à disputa eleitoral, e aproximam da classe política a voz dos cidadãos”.

Se o marketing político aproxima-se da voz do povo, o discurso político funciona como uma ferramenta de ação, cuja finalidade é se mostrar capaz de encantar seu destinatário (eleitor), ou melhor, “influenciar as opiniões a fim de obter adesões, rejeições ou consentimento”. O discurso político é uma ferramenta essencial do campo político, uma vez que “se dedica a construir imagens de atores e a usar estratégias de persuasão e de sedução, empregando diversos procedimentos retóricos” (CHARAUDEAU, 2006, p. 40).

Para Maingueneau (2001), o discurso político propicia uma diversidade de cenografias, ou seja, um candidato pode falar a seus eleitores como um jovem, um líder, um operário, na medida em que deve captar e persuadir o imaginário do seu co-enunciador por meio de uma cena que é valorizada pela fala.

No que tange à produção do discurso, segundo Iñiguez (2004, p. 92), eles têm um contexto de produção, conhecido como formação discursiva: “um conjunto de relações que articulam um discurso, cuja propriedade definitória é a de atuar como regulamentações da ordem do discurso através da organização de estratégias, permitindo a colocação em circulação de determinados enunciados em detrimento de outros”.

O discurso político, primeiramente, circula no interior dos grupos sociais que os constroem e depois é estendido aos demais grupos com a finalidade de persuadi-los, conquistá-los. “O discurso, seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder”. (FOUCAULT, 1996, p. 10). Na verdade, o discurso passa longe de ser um elemento transparente ou neutro em nossa sociedade, uma vez que se configura também como objeto do desejo.

Em relação ao sujeito que discursa, este não é totalmente livre, ele precisa tematizar seu discurso. Nas palavras de Charaudeau (2006, p. 188):

Ele depende, como já foi dito, da situação de comunicação na qual se encontra quando fala e que impõe, a ele e a seu interlocutor, certo número de restrições da qual faz parte o propósito comunicativo. (...) O sujeito que fala, e é verdade que quer comunicar-se com seu interlocutor ou seu auditório, deve considerar o campo temático que é determinado pela situação na qual comunica.

Todo discurso tem um propósito, qual seja, sempre busca imprimir verdades, ou, “imaginários de verdade”[1]. De acordo com Charaudeau (2006, p. 210) “Os discursos políticos são produtores de um “efeito de verdade”. Esses efeitos de verdade dependem eles próprios das representações constituídas por cada grupo social, portanto, dos imaginários que estruturam”. Nesse sentido, ele tem como função constituir a representação de uma realidade (ORLANDI, 2001).

Nos discursos políticos existem vários imaginários concorrentes, sendo os períodos eleitorais o momento no qual se encontram os mais variados tipos de discursos em circulação, criando “efeitos de verdade”. Nesse contexto, alguns deles são formulados e direcionados para determinado público, como o caso do discurso sobre segurança, muito presente, em campanhas eleitorais locais e nacionais.

Como exemplo paradigmático desse tipo, a análise recai sobre um personagem conhecido da política cearense: Moroni Torgan[2]. O discurso sobre a temática da segurança apareceu e aparece em todas as campanhas políticas realizadas por esse personagem, como um elemento simbólico primordial de acumulação de capital político. Desde sua primeira campanha, a bandeira da segurança foi uma realidade, como afirma Edgar Fuques:

A bandeira da segurança é uma realidade, então é a que vai dizer o seguinte: é uma tábua de salvação que aparece aí para o cidadão, que está desprotegido, que entende que aquele que está nessa área específica, quando o problema dele é de segurança, que ele seria a pessoa que ia resolver o problema dele, agora as coisas não acontecem assim, porque não se pode qualquer um sem ter um passado, sem ter um trabalho na área da segurança se lançar como candidato (sic)[3].

Nem todos podem se lançar na política utilizando discursos da área da segurança. Para se tornar um político, uma pessoa precisa ter uma preparação especial, incorporar um habitus de político, ou como assegura Bourdieu (2003, p. 169), o político necessita “toda uma aprendizagem necessária para adquirir o corpus de saberes específicos (teorias, problemáticas, conceitos, tradições históricas, dados econômicos, etc.) produzidos e acumulados pelo trabalho político dos profissionais do presente e do passado”.

Produzir discursos, principalmente em determinadas áreas, pressupõe que o candidato tenha experiência no tema, ou melhor, seja especializado na área. Moroni geralmente passou a idéia de ser um profissional exemplar no que diz respeito ao campo da segurança, como afirma em uma fala proferida na audiência pública de Fernandinho Beira-Mar:

Eu cheguei prendendo bandido e muito bandido. Traficante prendi mais de 500. Lutei contra o crime organizado a vida toda, e se alguém elegeu Moroni, elegeu porque acreditava que a gente podia limpar o país da corrupção e do crime organizado. Essa é a razão que, na verdade, me tornei deputado federal e me tornei com muito orgulho, com quase 100 mil cearenses votando em mim e não porque tinham medo, tinham confiança (sic).

O discurso político pautado, no combate à violência suscita questões primordiais no que diz respeito à proteção do cidadão e questiona o funcionamento dos órgãos de segurança e a manutenção da ordem e da lei na sociedade. Suas características se revelam através de sua eficácia, tais como: um forte apelo emocional, a espetacularização da própria violência, a defesa das tradições, o culto à família bem como o apelo às penas mais severas para os criminosos.

Baseado nesse conjunto, o discurso da segurança e do combate ao crime no Ceará e em todo o Brasil,

Já levou muita gente aos governos, né? Você veja o Fleury. Foi Secretário da Segurança Pública de São Paulo, foi governador. Michel Temer foi Secretário de Segurança, foi deputado federal sendo um dos mais votados, né? (...) um que apresentava um programa policial na Globo, está lá, senador eleito pelo Estado de Minas Gerais. Então essa...essa coisa da...Né?...a violência, ela encanta muito a quem discute esse tema (sic)[4].

Encantador e ao mesmo tempo provocador, esse discurso apresenta-se nas disputas eleitorais como estratégia de campanhas e transforma-se em slogans. Tudo isso deve-se ao fato do “efeito de mídia”, “que aciona diferenciados dispositivos de produção: espetacularização, critérios e noticiabilidade” de determinados acontecimentos (NUNES, 2004, p. 356).

Segundo Nunes (2004), os marketeiros políticos sintonizam o discurso e a postura do candidato, de acordo com a demanda do eleitorado. Se o discurso da segurança está na “ordem do dia”, é porque, certamente, há uma demanda cada vez maior por ela, principalmente quando a violência ganha proporções alarmantes nas grandes capitais brasileiras.

Políticos como Moroni Torgan apoderaram-se desse tema, construindo, dessa maneira, uma imagem de especialista na referida área, que legitima seu discurso. Apelos e críticas deram e dão o tom de várias campanhas eleitorais, cujo foco é a população “pobre”:

Quem pode e tem dinheiro compra equipamentos de segurança: cercas elétricas, vídeos, muros altos e inclusive cães ferozes... pagam vigias para ficarem cuidando da sua residência. Agora quem não pode e, principalmente aqueles que vivem na periferia da cidade, entregues à própria sorte, ficam rezando para sua família não sofrer com a violência (sic)[5].

O discurso dele é legitimado na medida em que se percebe que existe uma grande fissura social entre pobres/ ricos, brancos/ negros e governo/ sociedade civil. Daí que, segundo Porto (2004), a violência aparecer como representação de uma ordem social, cuja utilização exacerbada do discurso da segurança em campanhas políticas configura-se como realidade no Ceará e no Brasil.

Nesse sentido, a “representação da sociedade brasileira como uma sociedade violenta faz da violência uma categoria articuladora e organizadora de ações” (PORTO, 2004, p. 139). O discurso político centralizado nas questões de segurança pública apresenta-se como uma (re) ação, motivada por nossa “sociedade violenta”?

O campo político, em todo seu esplendor, “é, pois, o lugar de uma concorrência pelo poder que se faz por intermédio de uma concorrência pelos profanos ou, melhor, pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de uma parte ou de uma totalidade dos profanos[6]” (BOURDIEU, 2003, p. 185). Nessa perspectiva, o discurso político é uma arma, ou melhor, um instrumento de legitimação, ou melhor, um elemento simbólico, cuja sua eficácia se encontra no saber-falar o que o eleitor quer ouvir.

Mas, para ser conhecido e reconhecido, o candidato necessita de outra ferramenta, tal como a imagem, que o legitime, pois “a política é o lugar, por excelência, da eficácia simbólica, ação que se exerce por sinais capazes de produzir coisas sociais e, sobretudo, grupos” (BOURDIEU, 2003, p. 159).

Neste caso, outro magnífico instrumento de legitimação e permanência de um indivíduo no campo político é a construção de uma imagem pública, ou melhor, de uma imagem marca, que o caracterize nos espaços políticos. “As imagens e os discursos políticos propõem a legitimação de quem os veiculam, os quais, dotados de energia e ilusão, produzirão efeitos reais” (WEBER, 2004, p. 270).

A construção de uma imagem pública: a marca da segurança como emblema de campanhas políticas

O processo de construção de uma imagem pública, ou uma imagem marca de um determinado candidato, qual seja, inscreve-se em um universo político cada vez mais associado ao mundo do consumo. Ela tornou-se um dos “bens” mais preciosos em disputas eleitorais, configurando-se, desse modo, como um instrumento simbólico eficaz na luta pela permanência desses profissionais no campo da política.

A imagem busca firmar o candidato, sendo ele detentor ou não de um capital político durável, uma vez que não existe capital político permanente. Por outro lado, a exposição constante pode levá-lo à derrota, à sua retirada da carreira política, mais especificamente, sua “morte política”.

O objetivo da produção de imagem, segundo Carvalho (1999), é a circulação ou publicização, visando o reconhecimento de seus destinatários (consumidores). A utilização dela como recurso eleitoral e de legitimação de políticos antecede ao marketing político, visto que, para ser conhecido e reconhecido como político, este tem que se fazer crer diante do público.

Ela transfere credibilidade ao político que sabe se expressar, que cria um personagem, ou que se utiliza de recursos cênicos para interpretar, pois “o espectador vê toda a cena, o ator apenas uma parte que, como parcela do todo, deve encenar o seu papel” (ARENDT apud WEBER, 2004, p. 72). Nesse sentido afirma Maingueneau (2001, p. 96):

Produz-se assim, por meio da enunciação, uma confusão entre o enunciado e o mundo representado: a rapidez da qual se fala é “incorporada” à fala do enunciador que, por sua maneira de dizer, atesta de algum modo a legitimidade do que é dito, isto é, confere autoridade ao dito pelo fato de encená-lo.

A constituição de uma imagem pública forte requer um desempenho extraordinário por parte do candidato. Este segue um ritual que, sobremaneira, percorre todo o espaço político se estendendo aos outros campos sociais. Existe toda uma transformação do corpo, da fala, dos gestos em público, pois, “ser visto constitui o cotidiano de suas vidas nesse momento de construção de imagens e tentativas de pactos públicos de reconhecimento” (BARREIRA, 2006, p. 04).

Cria-se um ethos (traço característico de um orador), que é válido para qualquer discurso que “compreende não só a dimensão propriamente vocal, mas também o conjunto das determinações físicas e psíquicas ligadas pelas representações coletivas à personagem do enunciador” (MAINGUENEAU, 2001, p. 98).

 Nessa perspectiva, na política, um candidato que produz uma imagem para si, tem que, de certa forma, incorporá-la como, por exemplo, a de um perito em determinada área. Este deve passar para o público (eleitor) que é uma pessoa capaz de melhorar e de administrar melhor o setor do qual se diz “especialista”.

A criação de uma imagem requer todo um conjunto de técnicas que lhe possibilite uma aceitação pelo público. Trabalhar a imagem,

Não significa apenas melhorar os aspectos visíveis de um candidato, ou seja, sua imagem física, mas “adaptar” a presença do candidato ao “imaginário e aos anseios” do eleitorado. No discurso dos que atuam, no campo do marketing político, sobre a imagem, características como “histórico de vida”, “honestidade”, “seriedade”, “experiência”, “responsabilidade”, “sensibilidade”, “iniciativa”, “criatividade”, “dedicação”, “competência”, “coragem”, “autoridade”, “carisma”, “simpatia” etc., na atualidade são os atributos que devem ser agregados à “personalidade” do candidato para atrair a simpatia e ganhar a adesão dos cidadãos (SCOTTO, 2004, p. 30).

Um dos meios mais importante para a construção de uma imagem pública, todavia, é a televisão, visto que “a arbitragem da mídia se torna cada vez mais importante, na medida em que a obtenção de créditos pode depender de uma notoriedade” (BOURDIEU, 1997, p. 86-87). Os personagens são elaborados de acordo com o padrão midiático corrente, sobretudo, porque a TV passou a ser o mais eficiente meio de comunicação de massa da sociedade contemporânea. “Na televisão você é visto e ouvido, simultaneamente. A gestualidade é capaz de reforçar o discurso, carregando de verdade o que você está dizendo” (MENDONÇA apud SCOTTO, 2004, p. 50-51).

Segundo Scotto (2004), a TV modificou a natureza do capital político necessário para ter sucesso na política, devido à obrigação que o político tem de aparecer na TV. A exposição da imagem nos meios de comunicação é uma busca de visibilidade que “ordena o modo de viver de instituições e de políticos, numa tensão crescente” (WEBER, 2004, p. 175).

O novo padrão midiático brasileiro de se fazer campanhas políticas adotou o marketing como um laboratório de recursos cênicos, em que as estratégias de campanhas são fabricadas e lançadas para o público (eleitor). A racionalização dos processos eleitorais tornou-se o lema dos profissionais da política. Nesse sentido, Scotto (2004, p. 35) diz que “a campanha [eleitoral] precisa ser “racionalizada” mediante ajuda profissional externa e mediante a introdução de técnicas e métodos de organização e planejamento não políticos”.

Nesse sentido, um grande difusor de imagens é o Horário Gratuito Político Eleitoral na TV. Candidatos tão pouco conhecidos criam personagens que conseguem se identificar com os anseios dos eleitores, isto é, criam uma “marca do candidato” que é “a forma estética publicitária para “materializar” imagem do candidato de modo a atingir diferentes segmentos do mercado político eleitoral” (CARVALHO, 1999, p. 190).

O apelo por determinados “tipos” é suscitado e fabricado, por exemplo, a imagem de um especialista, como é o caso de Moroni Torgan. A bandeira da segurança é sua marca[7]. “O Moroni tem uma bandeira, ninguém tira dele. Essa bandeira da segurança, essa bandeira de luta contra o crime organizado, essa bandeira de luta contra a corrupção ninguém tira do Moroni” (Edgar Fuques)[8].

Em suas campanhas, ele construiu um personagem de “xerifão”, de expert na área da segurança. Essa imagem continua,

Porque hoje é público e notório. Aí sim a própria divulgação da mídia em todos os fatos importantes no combate ao crime organizado, nas investigações que foram realizadas e na prática. O Moroni é o homem da segurança pública, é o especialista. Tenho certeza que qualquer governo tanto brasileiro como também no exterior gostaria de ter o Moroni como consultor na área de segurança (sic) (Edgar Fuques).

Essa imagem criada por ele para atuar no campo político é fruto de uma longa carreira atuando no campo da segurança. Seus atributos profissionais se constituem como elementos simbólicos eficazes na obtenção e acumulação de capital político.  Segundo Edgar Fuques, ele transformou-se num referencial na área da segurança. Seus eleitores lhe creditam votos pela eficácia de suas propostas no combate à violência.

Nesse sentido, é notável que “o papel da imprensa como veículo difusor de imagens dos candidatos e lugar de registro das ocorrências de campanhas nesse período faz pensar sobre a expressão das emoções no espaço público” (BARREIRA, 2004, p. 81-82).  E Moroni encarna, com todas as emoções, o papel de um herói, de um “salvador” que veio para “acabar com o mal que reina na Terra”. E os meios de comunicação tornaram-se um aliado, principalmente, quando espetaculariza a violência em seus programas policiais.

A mitificação desse personagem ganha mais um aliado: o medo e a insegurança, que, particularmente nas grandes capitais brasileiras aumentam em ritmos acelerados. A tendência é a utilização de programas eleitorais que acionem na população a necessidade de mais proteção, daí surgem personagens que se auto-intitulam capacitados para resolver os problemas dessa área. Isso se torna uma “arma” que ele faz questão de mostrar em suas campanhas eleitorais, criando desse modo, no eleitor certa confiança em termos de melhoramento da segurança.

Segundo Weber (2004, p. 264), “o estatuto da imagem determina e qualifica o estabelecimento de relações e negociações de todas as ordens, como afirmação, montagem, insinuação e como registros parciais de alguma realidade atravessada pelas mídias”. Nessa perspectiva, será que a imagem construída por ele, ao longo de sua vida profissional e política, condizia com a realidade expressa no aumento da violência e da criminalidade nos grandes centros urbanos, como Fortaleza?

As representações sociais, segundo Bourdieu (2003), são fabricadas de acordo com a demanda do mundo social. Se a imagem política de Moroni Torgan ganhou visibilidade, foi porque o terreno político estava fértil para o uso da segurança com emblema de campanhas eleitorais.

Se o produto foi bem divulgado e “caiu nas graças do povo”, a estratégia funcionou, no entanto, quando a recepção é negativa, o sucesso daquela imagem não durará muito tempo, porque, de acordo com Weber (2004, p. 290), “o lado da recepção é o lado da formação da imagem, o lado-de-lá, controlado apenas em parte à medida em que os mecanismos de aferição de opinião vão sendo ativados”.

Quando encantado, o eleitor transforma-se numa espécie de porta voz do político, ele “difundirá a informação e a defenderá. Sua ação estará no voto, na participação em eventos ou no uso do seu corpo como espaço publicitário” (WEBER, 2004, p. 290). A imagem é um diferenciador, pois ela tem o poder de encantar, mas, para isso funcionar bem, o político precisa enfrentar uma maratona durante e depois das campanhas.

Para ser visto, o político elabora atos de campanhas cuja finalidade é legitimar sua imagem. Tendo em vista isso, comícios, passeatas e carreatas fazem parte de uma “morfologia política que implica a valorização de espaços populares, a dinamização de eventos e modos de sociabilidade intermediados pelo cenário das opções eleitorais” (BARREIRA, 2006, p. 12). É o lugar de ser conhecido e conhecer seus eleitores para daí firmar-se.

Moroni valorizou esses “espaços populares” em suas campanhas como forma de investimento e obtenção de votos. Aliás, sempre foi no “meio popular” que suas propostas de Moroni adquirem maior eficácia. É também nesse meio que a imagem de especialista em segurança construída por ele se consolidou e se firmou. Nas palavras de Erivelton Sousa:

Eu diria que ela está firmada... Ela está firmada até porque a própria necessidade, a própria situação social lembra muito isso, né? (...) Hoje a maior campanha que se possa fazer do Moroni é a violência que aparece na TV. Toda vez que aparece: “olha aí, se o Moroni tivesse”... Eu acho que a imagem dele é bem consolidada (sic)[9].

Segundo Barreira (2006, p. 13), “as campanhas eleitorais instalam uma ocasião de discussão e construção de atores, discursos e imagens”, que são indispensáveis à (re)alimentação do desempenho positivo dos candidatos. Elas personificam o político, e os eleitores votam “antes de mais nada na “pessoa” do candidato, justificado pelos apelos emocionais da sua imagem de político, trabalhada na campanha midiática” (NUNES, 2004, p. 355).

A imagem, contudo, não funciona em todas as campanhas eleitorais de forma homogênea. De acordo com Carvalho (2001, p. 196), uma das fontes de imponderabilidade “reside na mutabilidade dos cenários de representação da política: os acontecimentos agendados pela mídia nos momentos de disputa eleitoral podem viabilizar ou inviabilizar o sucesso de imagens marcas cuidadosamente planejadas”.

Algumas considerações

As transformações ocorridas na produção de campanhas eleitorais, nas últimas décadas, colocaram o marketing político no topo de todo processo político. As sofisticações de campanhas políticas, as estratégias traçadas pelas equipes de marketeiros, a construção de um discurso homogêneo direcionado à determinada área de atuação do candidato e a personificação de uma imagem marca, que finque nos eleitores um traço positivo do candidato, configuram-se como as melhores opções para lançar um personagem comum na política.

O discurso e a imagem, todavia, se apresentam como um dos instrumentos mais forte no processo de legitimação de um candidato. No caso aqui analisado, esses instrumentos serviram para criar, quiçá, uma identidade para Moroni Torgan, no que tange sua atuação na política.

A marca da segurança faz parte de sua imagem. Seu discurso monotemático garantiu sua atuação e permanência no espaço político local e nacional. De fato, “os usos” de um discurso e de uma imagem associados ao emblema da segurança se tornaram uma ferramenta simbólica de grande capacidade na acumulação de capital político para Moroni Torgan.

 

Referências Bibliográficas

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WEBER, Helena Maria. Imagem pública. In: ALBINO, A.; RUBIM, C. (Org.)  Comunicação e política: conceitos e abordagens. Salvador: Edufba, 2004.

[1] De acordo com Charaudeau (2006, p. 206-207), “trata-se de um conceito que propomos para integrar a noção de imaginário ao quadro teórico de uma análise do discurso. Efetivamente, para desempenhar plenamente seu papel de espelho identitário, esses imaginários fragmentados, instáveis e essencializados têm necessidade de serem materializados”.

[2] Moroni Bing Torgan é oriundo do Rio Grande do Sul, onde iniciou os caminhos de sua carreira profissional e política. No interstício de sua juventude, formou-se como Técnico em Contabilidade pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1976, e, no ano de 1982, bacharelou-se em Direito pela mesma Instituição. No ano seguinte, formou-se delegado da Polícia Federal pela Academia Nacional da Polícia Federal. No ano de 1983, ele escolheu, por opção, o estado do Ceará para exercer a função de Delegado da Polícia Fazendária. No período de 1984 a 1988, assumiu o cargo de delegado-chefe do setor de entorpecentes, em que logrou prestígio junto à sociedade com o desbaratamento de gangues e a prisão de mais de 500 pessoas acusadas de tráfico de drogas no Ceará. Suas ações de combate ao narcotráfico ganharam respaldo junto à mídia, associando sua imagem ao combate à violência e ao crime organizado.

[3] Entrevista com Edgar Fuques, ex-secretário de Segurança Pública do Ceará e coordenador de campanha de Moroni Torgan.

[4] Edson Silva Apresentador do Programa 190 e eleito deputado estadual pelo PFL em 2006. Entrevista concedida para o trabalho monográfico. 

[5] Discurso de Moroni Torgan em propaganda eleitoral gratuita na TV, na campanha pela prefeitura de Fortaleza em 2004.

[6] Para o autor a palavra “profano” se refere às pessoas que não fazem parte do campo da política e, dessa forma, não possuem capital político. Os profanos são os consumidores, que cada vez mais, são exigentes no que tange aos produtos, no caso os políticos profissionais (BOURDIEU, 2006).  

[7] “A marca é mais que um produto, ela existe como entidade perceptual na mente do consumidor e tem uma dimensão psíquica” (RANDAZZO apud CARVALHO, 2001, p. 196).

[8] Entrevista com Edgar Fuques, ex-secretário de Segurança Pública do Ceará e coordenador de campanha de Moroni Torgan.

[9] Erivelton Sousa foi publicitário das campanhas eleitorais de Moroni Torgan.

 

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Publicado em 12.12.07 - Última atualização: 13 dezembro, 2007.