O discurso político como estratégia de campanhas eleitorais: os usos do
emblema da segurança
O discurso político configura-se como um componente essencial na legitimação
de um candidato nos períodos eleitorais e, no cenário brasileiro, ele foi
mais largamente difundido a partir do “fenômeno de midiatização da
política”, uma vez que sua propagação no rádio e na televisão conseguiu
alcançar a grande maioria da população (MATOS, 2006, p. 193). Nesse
contexto, construíram-se, sobremaneira, “engenharias comunicacionais” que
dessem suporte às atividades políticas, principalmente nos processos
eleitorais.
Surge desse modo uma “cultura da midiatização” em campanhas eleitorais no
Brasil. O marco desse processo, segundo Fausto Neto (2004) e Nunes (2004),
são as eleições presidenciais de 1989. Contudo, Carvalho (1999), em um
estudo clássico, afirma que a profissionalização da política aconteceu com
as eleições diretas majoritárias para prefeituras das capitais e para os
governos estaduais em meados dos anos 80.
Ao que tudo indica, o mercado de comunicação política, nos últimos anos,
sofreu um processo de re-configuração, motivado pela crescente complexidade
dos meios de comunicação (MATOS, 2006). Ademais, percebe-se que a cada
campanha eleitoral, a interferência da mídia toma grandes proporções,
passando a comandar a agenda do processo político. Nesse sentido, afirma
Carvalho (2004, p. 535) que “Os políticos profissionais atuam cada vez menos
como “sujeitos falantes” e cada vez mais como sujeitos falados”.
Cada vez mais, os médias elaboram os discursos de seus clientes (os
políticos) para o Horário Gratuito Político Eleitoral. Campanhas que não
possuem uma equipe de marketeiros experientes, geralmente, não conseguem boa
atuação nas disputas, pelo motivo de que o marketing político, segundo
Scotto (2004, p. 26), “designa um conjunto de “valiosas” ferramentas e
“moderno” instrumental técnico que outorgam “racionalidade” à disputa
eleitoral, e aproximam da classe política a voz dos cidadãos”.
Se o marketing político aproxima-se da voz do povo, o discurso político
funciona como uma ferramenta de ação, cuja finalidade é se mostrar capaz de
encantar seu destinatário (eleitor), ou melhor, “influenciar as opiniões a
fim de obter adesões, rejeições ou consentimento”. O discurso político é uma
ferramenta essencial do campo político, uma vez que “se dedica a construir
imagens de atores e a usar estratégias de persuasão e de sedução, empregando
diversos procedimentos retóricos” (CHARAUDEAU, 2006, p. 40).
Para Maingueneau (2001), o discurso político propicia uma diversidade de
cenografias, ou seja, um candidato pode falar a seus eleitores como um
jovem, um líder, um operário, na medida em que deve captar e persuadir o
imaginário do seu co-enunciador por meio de uma cena que é valorizada pela
fala.
No que tange à produção do discurso, segundo Iñiguez (2004, p. 92), eles têm
um contexto de produção, conhecido como formação discursiva: “um conjunto de
relações que articulam um discurso, cuja propriedade definitória é a de
atuar como regulamentações da ordem do discurso através da organização de
estratégias, permitindo a colocação em circulação de determinados enunciados
em detrimento de outros”.
O discurso político, primeiramente, circula no interior dos grupos sociais
que os constroem e depois é estendido aos demais grupos com a finalidade de
persuadi-los, conquistá-los. “O discurso, seja aparentemente bem pouca
coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação
com o desejo e com o poder”. (FOUCAULT, 1996, p. 10). Na verdade, o discurso
passa longe de ser um elemento transparente ou neutro em nossa sociedade,
uma vez que se configura também como objeto do desejo.
Em relação ao sujeito que discursa, este não é totalmente livre, ele precisa
tematizar seu discurso. Nas palavras de Charaudeau (2006, p. 188):
Ele depende, como já foi dito, da situação de
comunicação na qual se encontra quando fala e que impõe, a ele e a seu
interlocutor, certo número de restrições da qual faz parte o propósito
comunicativo. (...) O sujeito que fala, e é verdade que quer comunicar-se
com seu interlocutor ou seu auditório, deve considerar o campo temático que
é determinado pela situação na qual comunica.
Todo discurso tem um propósito, qual seja, sempre busca imprimir verdades,
ou, “imaginários de verdade”.
De acordo com Charaudeau (2006, p. 210) “Os discursos políticos são
produtores de um “efeito de verdade”. Esses efeitos de verdade dependem eles
próprios das representações constituídas por cada grupo social, portanto,
dos imaginários que estruturam”. Nesse sentido, ele tem como função
constituir a representação de uma realidade (ORLANDI, 2001).
Nos discursos políticos existem vários imaginários concorrentes, sendo os
períodos eleitorais o momento no qual se encontram os mais variados tipos de
discursos em circulação, criando “efeitos de verdade”. Nesse contexto,
alguns deles são formulados e direcionados para determinado público, como o
caso do discurso sobre segurança, muito presente, em campanhas eleitorais
locais e nacionais.
Como exemplo paradigmático desse tipo, a análise recai sobre um personagem
conhecido da política cearense: Moroni Torgan.
O discurso sobre a temática da segurança apareceu e aparece em todas as
campanhas políticas realizadas por esse personagem, como um elemento
simbólico primordial de acumulação de capital político. Desde sua primeira
campanha, a bandeira da segurança foi uma realidade, como afirma Edgar
Fuques:
A bandeira da segurança é uma realidade,
então é a que vai dizer o seguinte: é uma tábua de salvação que aparece aí
para o cidadão, que está desprotegido, que entende que aquele que está nessa
área específica, quando o problema dele é de segurança, que ele seria a
pessoa que ia resolver o problema dele, agora as coisas não acontecem assim,
porque não se pode qualquer um sem ter um passado, sem ter um trabalho na
área da segurança se lançar como candidato (sic).
Nem todos podem se lançar na política utilizando discursos da área da
segurança. Para se tornar um político, uma pessoa precisa ter uma preparação
especial, incorporar um habitus de político, ou como assegura
Bourdieu (2003, p. 169), o político necessita “toda uma aprendizagem
necessária para adquirir o corpus de saberes específicos (teorias,
problemáticas, conceitos, tradições históricas, dados econômicos, etc.)
produzidos e acumulados pelo trabalho político dos profissionais do presente
e do passado”.
Produzir discursos, principalmente em determinadas áreas, pressupõe que o
candidato tenha experiência no tema, ou melhor, seja especializado na área.
Moroni geralmente passou a idéia de ser um profissional exemplar no que diz
respeito ao campo da segurança, como afirma em uma fala proferida na
audiência pública de Fernandinho Beira-Mar:
Eu cheguei prendendo bandido e muito bandido.
Traficante prendi mais de 500. Lutei contra o crime organizado a vida toda,
e se alguém elegeu Moroni, elegeu porque acreditava que a gente podia limpar
o país da corrupção e do crime organizado. Essa é a razão que, na verdade,
me tornei deputado federal e me tornei com muito orgulho, com quase 100 mil
cearenses votando em mim e não porque tinham medo, tinham confiança (sic).
O discurso político pautado, no combate à violência suscita questões
primordiais no que diz respeito à proteção do cidadão e questiona o
funcionamento dos órgãos de segurança e a manutenção da ordem e da lei na
sociedade. Suas características se revelam através de sua eficácia, tais
como: um forte apelo emocional, a espetacularização da própria violência, a
defesa das tradições, o culto à família bem como o apelo às penas mais
severas para os criminosos.
Baseado nesse conjunto, o discurso da segurança e do combate ao crime no
Ceará e em todo o Brasil,
Já levou muita gente aos governos, né? Você
veja o Fleury. Foi Secretário da Segurança Pública de São Paulo, foi
governador. Michel Temer foi Secretário de Segurança, foi deputado federal
sendo um dos mais votados, né? (...) um que apresentava um programa policial
na Globo, está lá, senador eleito pelo Estado de Minas Gerais. Então
essa...essa coisa da...Né?...a violência, ela encanta muito a quem discute
esse tema (sic).
Encantador e ao mesmo tempo provocador, esse discurso apresenta-se nas
disputas eleitorais como estratégia de campanhas e transforma-se em
slogans. Tudo isso deve-se ao fato do “efeito de mídia”, “que aciona
diferenciados dispositivos de produção: espetacularização, critérios e
noticiabilidade” de determinados acontecimentos (NUNES, 2004, p. 356).
Segundo Nunes (2004), os marketeiros políticos sintonizam o discurso e a
postura do candidato, de acordo com a demanda do eleitorado. Se o discurso
da segurança está na “ordem do dia”, é porque, certamente, há uma demanda
cada vez maior por ela, principalmente quando a violência ganha proporções
alarmantes nas grandes capitais brasileiras.
Políticos como Moroni Torgan apoderaram-se desse tema, construindo, dessa
maneira, uma imagem de especialista na referida área, que legitima seu
discurso. Apelos e críticas deram e dão o tom de várias campanhas
eleitorais, cujo foco é a população “pobre”:
Quem pode e tem dinheiro compra equipamentos
de segurança: cercas elétricas, vídeos, muros altos e inclusive cães
ferozes... pagam vigias para ficarem cuidando da sua residência. Agora quem
não pode e, principalmente aqueles que vivem na periferia da cidade,
entregues à própria sorte, ficam rezando para sua família não sofrer com a
violência (sic).
O discurso dele é legitimado na medida em que se percebe que existe uma
grande fissura social entre pobres/ ricos, brancos/ negros e governo/
sociedade civil. Daí que, segundo Porto (2004), a violência aparecer como
representação de uma ordem social, cuja utilização exacerbada do discurso da
segurança em campanhas políticas configura-se como realidade no Ceará e no
Brasil.
Nesse sentido, a “representação da sociedade brasileira como uma sociedade
violenta faz da violência uma categoria articuladora e organizadora de
ações” (PORTO, 2004, p. 139). O discurso político centralizado nas questões
de segurança pública apresenta-se como uma (re) ação, motivada por nossa
“sociedade violenta”?
O campo político, em todo seu esplendor, “é, pois, o lugar de uma
concorrência pelo poder que se faz por intermédio de uma concorrência pelos
profanos ou, melhor, pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de
uma parte ou de uma totalidade dos profanos”
(BOURDIEU, 2003, p. 185). Nessa perspectiva, o discurso político é uma arma,
ou melhor, um instrumento de legitimação, ou melhor, um elemento simbólico,
cuja sua eficácia se encontra no saber-falar o que o eleitor quer ouvir.
Mas, para ser conhecido e reconhecido, o candidato necessita de outra
ferramenta, tal como a imagem, que o legitime, pois “a política é o
lugar, por excelência, da eficácia simbólica, ação que se exerce por sinais
capazes de produzir coisas sociais e, sobretudo, grupos” (BOURDIEU, 2003, p.
159).
Neste caso, outro magnífico instrumento de legitimação e permanência de um
indivíduo no campo político é a construção de uma imagem pública, ou melhor,
de uma imagem marca, que o caracterize nos espaços políticos. “As
imagens e os discursos políticos propõem a legitimação de quem os veiculam,
os quais, dotados de energia e ilusão, produzirão efeitos reais” (WEBER,
2004, p. 270).
A construção de uma imagem pública: a marca da segurança como emblema de
campanhas políticas
O processo de construção de uma imagem pública, ou uma imagem marca
de um determinado candidato, qual seja, inscreve-se em um universo político
cada vez mais associado ao mundo do consumo. Ela tornou-se um dos “bens”
mais preciosos em disputas eleitorais, configurando-se, desse modo, como um
instrumento simbólico eficaz na luta pela permanência desses profissionais
no campo da política.
A imagem busca firmar o candidato, sendo ele detentor ou não de um capital
político durável, uma vez que não existe capital político permanente. Por
outro lado, a exposição constante pode levá-lo à derrota, à sua retirada da
carreira política, mais especificamente, sua “morte política”.
O objetivo da produção de imagem, segundo Carvalho (1999), é a circulação ou
publicização, visando o reconhecimento de seus destinatários (consumidores).
A utilização dela como recurso eleitoral e de legitimação de políticos
antecede ao marketing político, visto que, para ser conhecido e reconhecido
como político, este tem que se fazer crer diante do público.
Ela transfere credibilidade ao político que sabe se expressar, que cria um
personagem, ou que se utiliza de recursos cênicos para interpretar, pois “o
espectador vê toda a cena, o ator apenas uma parte que, como parcela do
todo, deve encenar o seu papel” (ARENDT apud WEBER, 2004, p. 72).
Nesse sentido afirma Maingueneau (2001, p. 96):
Produz-se assim, por meio da enunciação, uma
confusão entre o enunciado e o mundo representado: a rapidez da qual se fala
é “incorporada” à fala do enunciador que, por sua maneira de dizer, atesta
de algum modo a legitimidade do que é dito, isto é, confere autoridade ao
dito pelo fato de encená-lo.
A constituição de uma imagem pública forte requer um desempenho
extraordinário por parte do candidato. Este segue um ritual que,
sobremaneira, percorre todo o espaço político se estendendo aos outros
campos sociais. Existe toda uma transformação do corpo, da fala, dos gestos
em público, pois, “ser visto constitui o cotidiano de suas vidas nesse
momento de construção de imagens e tentativas de pactos públicos de
reconhecimento” (BARREIRA, 2006, p. 04).
Cria-se um ethos (traço característico de um orador), que é válido
para qualquer discurso que “compreende não só a dimensão propriamente vocal,
mas também o conjunto das determinações físicas e psíquicas ligadas pelas
representações coletivas à personagem do enunciador” (MAINGUENEAU, 2001, p.
98).
Nessa perspectiva, na política, um candidato que produz uma imagem para si,
tem que, de certa forma, incorporá-la como, por exemplo, a de um perito em
determinada área. Este deve passar para o público (eleitor) que é uma pessoa
capaz de melhorar e de administrar melhor o setor do qual se diz
“especialista”.
A criação de uma imagem requer todo um conjunto de técnicas que lhe
possibilite uma aceitação pelo público. Trabalhar a imagem,
Não significa apenas melhorar os aspectos
visíveis de um candidato, ou seja, sua imagem física, mas “adaptar” a
presença do candidato ao “imaginário e aos anseios” do eleitorado. No
discurso dos que atuam, no campo do marketing político, sobre a imagem,
características como “histórico de vida”, “honestidade”, “seriedade”,
“experiência”, “responsabilidade”, “sensibilidade”, “iniciativa”,
“criatividade”, “dedicação”, “competência”, “coragem”, “autoridade”,
“carisma”, “simpatia” etc., na atualidade são os atributos que devem ser
agregados à “personalidade” do candidato para atrair a simpatia e ganhar a
adesão dos cidadãos (SCOTTO, 2004, p. 30).
Um dos meios mais importante para a construção de uma imagem pública,
todavia, é a televisão, visto que “a arbitragem da mídia se torna cada vez
mais importante, na medida em que a obtenção de créditos pode depender de
uma notoriedade” (BOURDIEU, 1997, p. 86-87). Os personagens são elaborados
de acordo com o padrão midiático corrente, sobretudo, porque a TV passou a
ser o mais eficiente meio de comunicação de massa da sociedade
contemporânea. “Na televisão você é visto e ouvido, simultaneamente. A
gestualidade é capaz de reforçar o discurso, carregando de verdade o que
você está dizendo” (MENDONÇA apud SCOTTO, 2004, p. 50-51).
Segundo Scotto (2004), a TV modificou a natureza do capital político
necessário para ter sucesso na política, devido à obrigação que o político
tem de aparecer na TV. A exposição da imagem nos meios de comunicação é uma
busca de visibilidade que “ordena o modo de viver de instituições e de
políticos, numa tensão crescente” (WEBER, 2004, p. 175).
O novo padrão midiático brasileiro de se fazer campanhas políticas adotou o
marketing como um laboratório de recursos cênicos, em que as estratégias de
campanhas são fabricadas e lançadas para o público (eleitor). A
racionalização dos processos eleitorais tornou-se o lema dos profissionais
da política. Nesse sentido, Scotto (2004, p. 35) diz que “a campanha
[eleitoral] precisa ser “racionalizada” mediante ajuda profissional externa
e mediante a introdução de técnicas e métodos de organização e planejamento
não políticos”.
Nesse sentido, um grande difusor de imagens é o Horário Gratuito Político
Eleitoral na TV. Candidatos tão pouco conhecidos criam personagens que
conseguem se identificar com os anseios dos eleitores, isto é, criam uma
“marca do candidato” que é “a forma estética publicitária para
“materializar” imagem do candidato de modo a atingir diferentes segmentos do
mercado político eleitoral” (CARVALHO, 1999, p. 190).
O apelo por determinados “tipos” é suscitado e fabricado, por exemplo, a
imagem de um especialista, como é o caso de Moroni Torgan. A bandeira da
segurança é sua marca.
“O Moroni tem uma bandeira, ninguém tira dele. Essa bandeira da
segurança, essa bandeira de luta contra o crime organizado, essa bandeira de
luta contra a corrupção ninguém tira do Moroni” (Edgar Fuques).
Em suas campanhas, ele construiu um personagem de “xerifão”, de expert
na área da segurança. Essa imagem continua,
Porque hoje é público e notório. Aí sim a
própria divulgação da mídia em todos os fatos importantes no combate ao
crime organizado, nas investigações que foram realizadas e na prática. O
Moroni é o homem da segurança pública, é o especialista. Tenho certeza que
qualquer governo tanto brasileiro como também no exterior gostaria de ter o
Moroni como consultor na área de segurança (sic) (Edgar Fuques).
Essa imagem criada por ele para atuar no campo político é fruto de uma longa
carreira atuando no campo da segurança. Seus atributos profissionais se
constituem como elementos simbólicos eficazes na obtenção e acumulação de
capital político. Segundo Edgar Fuques, ele transformou-se num referencial
na área da segurança. Seus eleitores lhe creditam votos pela eficácia de
suas propostas no combate à violência.
Nesse sentido, é notável que “o papel da imprensa como veículo difusor de
imagens dos candidatos e lugar de registro das ocorrências de campanhas
nesse período faz pensar sobre a expressão das emoções no espaço público”
(BARREIRA, 2004, p. 81-82). E Moroni encarna, com todas as emoções, o papel
de um herói, de um “salvador” que veio para “acabar com o mal que reina na
Terra”. E os meios de comunicação tornaram-se um aliado, principalmente,
quando espetaculariza a violência em seus programas policiais.
A mitificação desse personagem ganha mais um aliado: o medo e a insegurança,
que, particularmente nas grandes capitais brasileiras aumentam em ritmos
acelerados. A tendência é a utilização de programas eleitorais que acionem
na população a necessidade de mais proteção, daí surgem personagens que se
auto-intitulam capacitados para resolver os problemas dessa área. Isso se
torna uma “arma” que ele faz questão de mostrar em suas campanhas
eleitorais, criando desse modo, no eleitor certa confiança em termos de
melhoramento da segurança.
Segundo Weber (2004, p. 264), “o estatuto da imagem determina e qualifica o
estabelecimento de relações e negociações de todas as ordens, como
afirmação, montagem, insinuação e como registros parciais de alguma
realidade atravessada pelas mídias”. Nessa perspectiva, será que a imagem
construída por ele, ao longo de sua vida profissional e política, condizia
com a realidade expressa no aumento da violência e da criminalidade nos
grandes centros urbanos, como Fortaleza?
As representações sociais, segundo Bourdieu (2003), são fabricadas de acordo
com a demanda do mundo social. Se a imagem política de Moroni Torgan ganhou
visibilidade, foi porque o terreno político estava fértil para o uso da
segurança com emblema de campanhas eleitorais.
Se o produto foi bem divulgado e “caiu nas graças do povo”, a estratégia
funcionou, no entanto, quando a recepção é negativa, o sucesso daquela
imagem não durará muito tempo, porque, de acordo com Weber (2004, p. 290),
“o lado da recepção é o lado da formação da imagem, o lado-de-lá,
controlado apenas em parte à medida em que os mecanismos de aferição de
opinião vão sendo ativados”.
Quando encantado, o eleitor transforma-se numa espécie de porta voz do
político, ele “difundirá a informação e a defenderá. Sua ação estará no
voto, na participação em eventos ou no uso do seu corpo como espaço
publicitário” (WEBER, 2004, p. 290). A imagem é um diferenciador, pois ela
tem o poder de encantar, mas, para isso funcionar bem, o político precisa
enfrentar uma maratona durante e depois das campanhas.
Para ser visto, o político elabora atos de campanhas cuja finalidade é
legitimar sua imagem. Tendo em vista isso, comícios, passeatas e carreatas
fazem parte de uma “morfologia política que implica a valorização de espaços
populares, a dinamização de eventos e modos de sociabilidade intermediados
pelo cenário das opções eleitorais” (BARREIRA, 2006, p. 12). É o lugar de
ser conhecido e conhecer seus eleitores para daí firmar-se.
Moroni valorizou esses “espaços populares” em suas campanhas como forma de
investimento e obtenção de votos. Aliás, sempre foi no “meio popular” que
suas propostas de Moroni adquirem maior eficácia. É também nesse meio que a
imagem de especialista em segurança construída por ele se consolidou e se
firmou. Nas palavras de Erivelton Sousa:
Eu diria que ela está firmada... Ela está
firmada até porque a própria necessidade, a própria situação social lembra
muito isso, né? (...) Hoje a maior campanha que se possa fazer do Moroni é a
violência que aparece na TV. Toda vez que aparece: “olha aí, se o Moroni
tivesse”... Eu acho que a imagem dele é bem consolidada (sic).
Segundo Barreira (2006, p. 13), “as campanhas eleitorais instalam uma
ocasião de discussão e construção de atores, discursos e imagens”, que são
indispensáveis à (re)alimentação do desempenho positivo dos candidatos. Elas
personificam o político, e os eleitores votam “antes de mais nada na
“pessoa” do candidato, justificado pelos apelos emocionais da sua imagem de
político, trabalhada na campanha midiática” (NUNES, 2004, p. 355).
A imagem, contudo, não funciona em todas as campanhas eleitorais de forma
homogênea. De acordo com Carvalho (2001, p. 196), uma das fontes de
imponderabilidade “reside na mutabilidade dos cenários de representação da
política: os acontecimentos agendados pela mídia nos momentos de disputa
eleitoral podem viabilizar ou inviabilizar o sucesso de imagens marcas
cuidadosamente planejadas”.
Algumas considerações
As transformações ocorridas na produção de campanhas eleitorais, nas últimas
décadas, colocaram o marketing político no topo de todo processo político.
As sofisticações de campanhas políticas, as estratégias traçadas pelas
equipes de marketeiros, a construção de um discurso homogêneo direcionado à
determinada área de atuação do candidato e a personificação de uma imagem
marca, que finque nos eleitores um traço positivo do candidato,
configuram-se como as melhores opções para lançar um personagem comum na
política.
O discurso e a imagem, todavia, se apresentam como um dos instrumentos mais
forte no processo de legitimação de um candidato. No caso aqui analisado,
esses instrumentos serviram para criar, quiçá, uma identidade para Moroni
Torgan, no que tange sua atuação na política.
A marca da segurança faz parte de sua imagem. Seu discurso monotemático
garantiu sua atuação e permanência no espaço político local e nacional. De
fato, “os usos” de um discurso e de uma imagem associados ao emblema da
segurança se tornaram uma ferramenta simbólica de grande capacidade na
acumulação de capital político para Moroni Torgan.
Referências Bibliográficas
BARREIRA, Irlys. A política de perto:
Recortes etnográficos de campanhas eleitorais. Novos Estudos –
CEBRAP. v. 74, p. 1-17, 2006.
_______________. A expressão dos sentimentos
na política. In: CHAVES, C. A.; TEIXEIRA, C. C. (Org.), Espaços e
tempos da política. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Núcleo de
Antropologia da Política/UFRJ, 2004.
BOUDIEU, Pierre. O poder simbólico.
Tradução de Fernando Tomaz (português de Portugal). 6 ed., Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2003.
_______________. Sobre a televisão.
Tradução de Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
CARVALHO, Rejane Vasconcelos Acioly. Imagem
marca e continuísmo político: a era Tasso no Ceará. In: AGUIAR, O.
A.; BATISTA, J. E.; PINHEIRO, J. (Org.), Olhares contemporâneos:
cenas do mundo em discussão na universidade. Fortaleza:Edições Demócrito do
Rocha, 2001.
_____________. Transição democrática
brasileira e padrão midiático e publicitário da política. Campinas:
Pontes; Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 1999.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso político.
Tradução de Fabiana Komesu e Dílson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto,
2006.
FAUSTO NETO, Antônio,. Discurso político e
mídia. In:
ALBINO, A.; RUBIM, C. (Org.)
Comunicação e política: conceitos
e abordagens. Salvador: Edufba, 2004.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso.
São Paulo: Edições Loyola, 1996.
IÑGUEZ, Lupcínio. Os fundamentos da análise
do discurso. In: IÑGUEZ, L. (Org.) Manual de análise do discurso
em Ciências Sociais. Petrópolis: Vozes, 2004.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos
de comunicação. São Paulo: Cortez Editora, 2001.
MATOS, Helena.
Impasses da profissionalização da política:
centralização da mídia e hibridização de práticas nas campanhas eleitorais.
In: LEMENHE, M. A.; CARVALHO, R. V. A. (Org.) Política, cultura e
processos eleitorais. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2001.
NUNES, Márcia, Vidal. Mídia e eleição.
In:
ALBINO, A.; RUBIM, C. (Org.)
Comunicação e política: conceitos
e abordagens. Salvador: Edufba, 2004.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do
discurso: princípios e procedimentos. 3 ed. Campinas: Pontes, 2001.
PORTO. Maria, Stela, Grossi. Polícia e
Violência: representações sociais de elites policiais do Distrito Federal.
Revista Perspectiva, v.18, no. 1, p. 132-141, 2004.
SCOTTO, Gabriella. As (difusas) fronteiras
entre a política e o mercado: um estudo antropológico sobre marketing
político, seus agentes, práticas e representações. 1ª ed. Rio de Janeiro:
Relume Dumará: Núcleo de Antropologia da Política, 2004.
WEBER, Helena Maria. Imagem pública.
In:
ALBINO, A.; RUBIM, C. (Org.)
Comunicação e política: conceitos
e abordagens. Salvador: Edufba, 2004.