Considerações iniciais
A obra literária é uma forma de manifestação artística condutora de diversos
aspectos sociais da realidade que visa retratar. Para que ela exista e seja
dotada de certa função, é necessário que haja uma troca de valores entre o
autor e o seu público. Nesse sentido, os ritos, heróis, conflitos e enredos
advindos das peças literárias cumprem uma função social: cria um espaço de
interação de valores sócio-históricos entre os sujeitos aí envolvidos (autor
e leitor); a literatura só existe nesse intercâmbio social.
Diante dessa cotidiana vivência artística exercida pelo homem, que é uma
experiência específica de expressar suas concepções acerca de seu meio e
instituições sociais, essa atividade, que não se assemelha a nenhuma outra,
pode ser analisada através de um prisma sociológico? A literatura é um
espelho da realidade social ou possui autonomia em relação a esse meio? Como
relacionar as obras literárias e seus respectivos autores com o contexto
histórico-social de sua época? Metodologicamente é possível fundamentar uma
sociologia da literatura? Indagações estimuladas quando a atividade
literária torna-se objeto de pesquisa em ciências sociais. Para
aprofundarmos tais questões, analisam-se três posicionamentos adotados no
âmbito sociológico acerca da literatura: a estética, a materialista e a
mediadora (FACINA, 2004).
Perspectiva estética
A primeira concepção, chamada de tendência estética ou idealista, baseia-se
em fontes estéticas ou psicológicas provenientes do autor e sua obra para
estudar o conteúdo literário, marginalizando as condições sociais como
centro de foco de atenção em suas análises. Essa tendência considera o campo
social como interferências que atuam nas obras em segundo plano, as quais
estão primeiramente sujeitas aos processos estéticos ou psicológicos
advindos das capacidades criativas do autor.
Esse procedimento teórico tende a caracterizar a tendência estética plena de
abstrações metodológicas e conceitos a priorísticos, tais como o de
“instinto estético” Como dito anteriormente, os elementos sociais e os
valores gestados em seu seio criam um espaço de interação entre o autor e o
seu público.
O vácuo social na literatura, defendido por essa tendência teórica, acaba
efetivando um dualismo entre posições estéticas e conjuntura social. O que
empobrece essa concepção quando percebe-se que a linguagem (estética) e a
significação (valores sociais) estão permanentemente envolvidos na produção
literária. Dessa forma, detecta-se que a manifestação artística é
constituída pela prática social, e não de idéias autônomas e isoladas da
esfera social, que são desenvolvidas pelos sujeitos.
Essa concepção idealista define a estética e a cultura como esferas à parte
na manifestação literária, completamente autônomas uma da outra. Romances,
contos e poesias seriam aí expressões da individualidade e da singularidade
do autor-gênio. Porém, essa postura fundada no indivíduo genial se contradiz
quando situamos esse sujeito no campo artístico de sua época, investigando o
vínculo entre os conflitos sociais de seu tempo e as questões históricas
presentes em sua obra. Não que o escritor não possua a liberdade de ação
criadora, mas que esse talento possua limites objetivos: o campo social e os
hábitos aí firmados são centrais para entenderem-se as manifestações desses
sujeitos.
O conjunto de disposições sociais é o que pauta e dá sentido às ações dos
agentes (autores e leitores), o que organiza as práticas e percepções desses
sujeitos. Essa noção acerca do âmbito social é o que “(...) permite
superar a oposição entre leitura interna e a análise externa sem perder nada
das aquisições e das exigências dessa abordagem, tradicionalmente percebidas
como inconciliáveis” (BOURDIEU, 1996, p. 234).
Exemplificando essa afirmação, pode-se detectá-la através de um simples
exemplo: os contos de fadas da Europa Medieval. Histórias que, aparentemente
eram estranhas à realidade social daquela época, por possuírem personagens e
enredos que eram alheios a ao sistema social vigente. Porém, possuíam um
universo imaginário bastante homólogo aquela estrutura de sociabilidade; a
experiência social daquele grupo estava interligada de maneira significativa
naqueles textos literários.
Atesta-se empiricamente tal análise quando se percebe que o fundo temático
constante nessas histórias (Chapeuzinho Vermelho, Joãozinho & Maria, Branca
de Neve, etc) eram as mensagens de cunho moral, que procuravam moldar
socialmente os indivíduos a partir de determinados valores históricos
constituídos pela cultura cristã. O que demonstra que esses pequenos contos,
a priori, desligados de sua esfera social em detrimento de sua instância
mágica (animais falantes, etc), tornam-se homólogas à esfera social,
instante em que a religião e sua moral eram temas preponderantes nesse
sistema de sociabilidade.
Portanto, não há qualquer antinomia entre a possibilidade de uma relação
estrita entre criação subjetiva do autor e a emergência da realidade social
em sua obra. Contrariando a tendência que valoriza a estética como foco de
análise, pode-se afirmar que:
Os postos mais altos da criação literária
podem não só ser estudados, em tal perspectiva sociológica, tão bem como as
obras médias, como se revelam mesmo particularmente acessíveis a uma tal
investigação. Por outro lado, as estruturas categoriais sobre as quais
incide este gênero de sociologia literária constituem precisamente o que
confere à obra a sua unidade, o seu caráter especificamente estético e, no
caso que nos interessa, a sua qualidade propriamente literária (GOLDMANN,
1989, p. 13).
Perspectiva materialista
A segunda perspectiva para se analisar as obras literárias é a tendência
materialista. Essa concepção de estudos sociológicos no campo da literatura
foi o método mais utilizado em análises da relação entre a obra e seu meio
social, desde a segunda metade do século XIX (CANDIDO, 1967).
Do século passado aos nossos dias, essa sociologia literária tradicional
esforça-se por estabelecer relações entre o conteúdo expresso da obra com o
conteúdo da consciência coletiva de sua época. Os estudiosos consideram aí o
material literário como um reflexo da realidade social, limitando-se então a
analisar o que é transplantado da esfera da sociabilidade para a ação e
falas das personagens, enredos, etc.
Essa postura metodológica, baseada de forma polêmica e reducionista no
materialismo histórico, desenvolvido inicialmente por Marx, ao afirmar
“(...) que os indivíduos são dependentes, portanto, das condições materiais
de sua produção” (MARX & ENGELS, 1976, p. 19), torna-se emblemática,
quando, de forma mecânica, reduz toda a atividade cultural (literatura,
música, teatro, etc) a uma mera dimensão superestrutural dependente e
determinada pelas condições materiais. Ela define as manifestações culturais
como um campo secundário; que simplesmente tende a espelhar a
infra-estrutura ou a base econômica. Esse reducionismo, apesar de inverter a
ótica idealista advinda da posição estética, continua a disseminar a falsa
separação entre cultura e sociedade (WILLIAMS, 1979).
Além do mais, como foi observado anteriormente, o literato em seu processo
de criação não utiliza apenas o seu âmbito social como referência a sua
manifestação artística. O seu imaginário, o qual não tem necessariamente um
vínculo com o campo empírico, também sempre está ativo na confecção de
enredos e personagens. Um bom exemplo disso é a obra A Metamorfose do
tcheco Franz Kafka.
Nesse romance, a personagem principal transforma-se num inseto, a partir de
então, ela passa a observar as relações sociais que o rodeiam numa
perspectiva diferenciada. Desse modo, como a postura materialista, que
considera a literatura como mero reflexo social, consegue captar o sentido
sociológico representado num fantástico inseto da obra kafkiana, que a
priori, não possui nenhum vínculo com o campo empírico social?
Esta visão reducionista, ao postular uma teoria da arte em que busca-se
explicar os fenômenos culturais enquanto reflexos da base econômica, sem a
capacidade de intervenção na dinâmica desta por parte do processo imaginário
do autor, reduz potencialmente toda uma gama de possibilidades de análises
de obras onde a constância de referências fantásticas são iminentes.
Diante desse contexto, há a possibilidade para analisar uma obra naturalista
de um Émile Zola, escola literária cerceada pela preocupação de produzir
obra da forma mais verossímil possível da realidade. Mas, ao mesmo tempo,
como tentar efetuar o mesmo num texto recheado de símbolos imaginários como
são os poemas do simbolista Cruz e Souza?
A arte como reflexo imediato do mundo objetivo, em que prevalece uma ótica
mecanicista, torna-se inconsistente ao perceber suas antinomias:
Hoje sabemos que a integridade da obra não
permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos
entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente
íntegra. (...) Os estudiosos habituados a pensar, neste tópico, segundo
posições estabelecidas no século XIX, quando ela estava na fase das grandes
generalizações sistemáticas, que levavam a conceber um condicionamento
global da obra, da personalidade literária ou dos conjuntos de obras pelos
sistemas sociais, principalmente do ângulo literário. Todavia, a marcha da
pesquisa e da teoria levou a um senso mais agudo das relações entre o traço
e o contexto, permitindo desviar a atenção para o aspecto estrutural e
funcional de cada unidade considerada (CANDIDO, 1967, p. 4-8).
Ambas as tendências teóricas (a obra literária como realidade desprendida de
seu contexto histórico ou como espelho/reflexo da sociedade) trouxeram
dicotomias para a história literária, as quais limitaram as tentativas de
teorizações sociológicas acerca da natureza romanesca ou poética. Diante das
querelas e antinomias discutidas anteriormente, cabe à atual disciplina
sociológica questionar, problematizar e organizar as suas práticas
metodológicas, a fim de superar essas polarizações teóricas.
Fundamentando uma nova Metodologia para a Sociologia da Literatura
Mediante as inconsistências teóricas advindas das perspectivas idealista e
materialista, surge uma outra tendência no ramo sociológico da literatura: a
posição mediadora. A idéia de mediação surge com a intenção de problematizar
a teoria do reflexo social, pois demonstra que não só a esfera social é
ativa na criação literária, mas também há um processo ativo por parte do
imaginário do autor nesse contexto. Quer dizer, analisando uma obra
artística a partir dessa postura é considerar que a questão social não está
refletida diretamente na arte, pois ela é captada por um processo
(imaginário do ficcionista) que altera seu conteúdo original (FACINA, 2004).
Desse modo, numa análise efetivada nessa filiação teórica, exige-se que se
entenda a obra inserida enquanto tal, num processo histórico no qual ela é
parte ativa, não sendo nem uma esfera absolutamente autônoma e muito menos
uma projeção secundária de modo determinístico pelas relações sociais. Ela
estaria inclusa de um modo indireto na relação entre experiência empírica
(esfera social) e sua composição (imaginário do autor).
Com base nessa perspectiva, a literatura expressa as visões de mundo que são
coletivas de determinados grupos sociais. Essas visões de mundo são
constituídas pela vivência histórica desses grupos, formada pela ação dos
indivíduos, que são construtores dessa experiência. São elas que compõem a
prática social dos sujeitos e seus grupos sociais. Nesse caso, analisar as
visões de mundo transformadas em textos literários, investigando aí as
condições de produção e a situação sócio-histórica de seu autor, deve ser o
foco de estudos para a investigação sociológica:
O principal elemento desta teoria de um vasto
alcance é a Weltanschuung – visão de mundo que é comum a um escritor e no
grupo social de que faz parte e que pode encontrar expressões manifestamente
apresentadas tanto no domínio da literatura como noutros domínios. Sem ser
inteiramente determinada pelas condições sociais e econômicas, a
Weltanschuung depende delas em ampla medida (WARWICK, 1989, p. 222).
Essa postura mediadora possui a influência
metodológica acerca de seu objeto da sociologia compreensiva. Para essa
tendência, o objetivo essencial da sociologia é a captação da relação de
sentido da ação humana, ou seja, chegar a conhecer um fenômeno social quando
o compreende como fato carregado de sentido que aponta para outros fatos
significativos. Esse sentido, quando manifesta-se, é o que dá
à ação o seu caráter concreto, quer ele
seja do âmbito político, religioso ou econômico (WEBER, 1992).
Desse modo, as relações sociais são conteúdos significativos atribuídos por
aqueles que agem tomando outro ou outros como referência: fidelidade,
conflito, piedade, etc. Essas visões de mundo seriam decorrentes das
condutas de um sujeito (escritor) e de outros (públicos) orientados por
algum tipo de sentido comum entre eles. O que equivale a afirmar que os
verdadeiros motivadores da criação literária são os grupos sociais, e não os
indivíduos isolados. O criador individual (o escritor) faz parte desse
grupo, dada a sua origem ou posição social, sempre norteado pela
significação objetiva de sua obra perante o contexto sócio-histórico que
pertence. É nessa relação que se constitui o conteúdo da obra de arte, ela
situa-se não somente na criatividade do artista individual, mas também
dentro das experiências do grupo social, numa influência recíproca entre
esses dois atores sociais.
Um exemplo que ilustra essa questão é a ação exercida por três indivíduos
que carregam um piano. Em qual desses sujeitos está o sentido da ação?
Certamente em nenhum deles considerados separadamente, mas ao contrário, o
valor desse acontecimento encontra-se na realidade nova criada pela ação em
que cada um dos participantes é parte integrante do fato.
Desse modo, perante relações intersubjetivas que envolvem os participantes é
que se encontra o sentido da ação na conduta desenvolvida por estes: os três
carregavam o piano com a finalidade de levá-lo para um bar, e que assim
pudessem usá-lo na apresentação de sua banda musical; eis aí um tipo de
sentido. Quer dizer, o comportamento social é uma tentativa de dar respostas
significativas a uma determinada situação, o que cria um equilíbrio entre o
sujeito da ação e o objeto sobre o qual esta ação se verifica.
Considerações teóricas que equivale a afirmar que o estudo da literatura não
deve se restringir às relações entre o escritor e sua obra, mas visa
conseguir “(...) destrinchar os elos necessários, vinculando-os a
unidades coletivas cuja estruturação é muito mais fácil de apurar e elucidar”
(GOLDMANN, 1967, p. 206). Até mesmo porque:
A experiência de um único individuo é muito
mais breve e demasiado limitada para poder criar tal estrutura mental; esta
não pode deixar de ser o resultado da atividade conjunta de um número
importante de indivíduos que se encontrem numa situação análoga, isto é, que
constituam um grupo social privilegiado, indivíduos que tenham vivido muito
tempo e de maneira intensa um conjunto de problemas e se tenham esforçado
por lhe encontrar uma solução significativa. Isto equivale dizer que as
estruturas mentais, ou, para empregar um termo mais abstrato, as estruturas
categoriais significativas não são fenômenos individuais mas fenômenos
sociais (GOLDMANN, 1989, p. 12-13).
Assim, os indivíduos desenvolvem visões de mundo que estão vinculadas em uma
criação literária, que não são fruto nem de um sujeito isolado, muito menos
de um mero reflexo de seu meio social. Essas visões de mundo são
compartilhadas por membros de uma dada comunidade e também são referências a
esses grupos sociais, nesse sentido, são formulações coletivas frente ao
mundo. O verdadeiro autor da criação literária é esse sujeito coletivo,
havendo então a necessidade do sociólogo captar as estruturas significantes
desse processo sócio-histórico impresso nos romances e noutros tipos de
peças literárias. Essa coletividade é entendida como uma complexa rede de
relações interindividuais, nos quais há o processo em que “(...) o
artista, sob o impulso de uma necessidade interior, usa certas formas e a
síntese resultante age sobre o meio” (CANDIDO, 1967, p. 25).
Isso se dá porque os sujeitos, perante os desafios presentes nas relações
sociais, procuram agir no intuito de intervir nos acontecimentos sociais
através de respostas às questões com que se deparam. Esse esforço para
adaptar-se à realidade segundo as conveniências sociais faz com que os
indivíduos tendam a efetivar seus comportamentos enquanto “estruturas
significativas e coerentes”. Tal estrutura, na qual há a interação do grupo
social e a procura de respostas às suas expectativas, provoca a criação
artística, que é uma forma significativa e articulada de expressão das
possibilidades objetivas presentes nesse grupo social. O autor funda em seus
escritos a mediação constitutiva através da qual a consciência possível da
coletividade social se encarna de maneira coerente na obra literária, há
então a “(...) criação de um mundo cuja estrutura é análoga à estrutura
essencial da realidade social” (GOLDMANN, 1967, p. 195).
A partir dessa abordagem, complementar aos procedimentos metodológicos
insuficientes na análise literária, discutidas anteriormente, surge a
concepção em que os sujeitos elaboram suas visões de mundo como parte de sua
experiência, que necessariamente é compartilhada com um ou mais grupos
sociais, o que resulta na literatura enquanto algo que foi construído
coletivamente. Nesse sentido, os literatos são formuladores de idéias,
vinculadores de visões de mundo que são construídas coletivamente, exercendo
os escritores a função de intelectuais perante a sociedade.
Mediante essas reformulações teóricas, obtém-se uma nova postura teórica, na
qual a relação entre o texto literário e a realidade social se dá através de
uma visão de mundo. Quer dizer, o sociólogo ao estudar uma obra artística,
deve perceber a homologia entre a estrutura da visão de mundo do grupo
social a que pertence o autor literário e a estrutura histórica do texto em
questão, cabendo ao cientista social trazer à luz o sentido profundo do
texto literário através da análise de seu conteúdo. Nesse sentido, a
complexidade desse método mediador (FACINA, 2004) confere importância às
estruturas que fundamentam as visões de mundo da obra – a relação entre o
processo de concepção da obra de arte e o espaço social em que é produzida.
Essa orientação relacional compreende a obra dentro de suas condições de
produção, dadas pela estrutura de campo histórico e literário num
determinado momento. Ambas as estruturas são constituídas por diversos
atores sociais, os quais de uma forma individual ou organizadas
coletivamente, emitem diferentes posições sociais e políticas distintas e
oponentes entre si. Nessa estrutura social, a posição ocupada pelo literato
está associada à trajetória histórica que
ele percorreu para ocupar a posição de intelectual: os grupos sociais aos
quais está articulado, o tipo de público de suas obras, o modo como seus
textos são ou não aceitos, etc (BOURDIEU, 1996).
Assim, a análise do texto literário e de suas condições sociais de produção
seria efetuada de acordo com uma lógica relacional – a observação das
relações entre os diferentes atores sociais envolvidos na atividade
intelectual (autor, público, meios de comunicação, etc) e as posições
sócio-políticas presentes no período histórico em que a narrativa literária
foi escrita.
Portanto, cabe ao cientista social indagar a si mesmo como essas visões de
mundo tornam-se coesas e a partir de quais pressupostos valorativos
presentes nas relações sociais elas se utilizam para essa coesão. O objetivo
da análise sociológica é o de desvendar a lógica do “jogo de poder social” e
demonstrar como esse fenômeno é retratado na obra artística. Assim, a partir
dessa discussão, pode-se propor três aspectos da atividade literária a serem
observadas em pesquisas de âmbito do sociológico:
1) A estrutura social – constitui a mediação entre a obra de arte e as
dimensões da realidade social em que ela está inserida. Isso significa
observar como as pressões que os valores culturais, os grupos sociais, as
posições políticas vigentes e o público do literato vão exercer na
elaboração e aceitação do texto literário em seu respectivo período
histórico.
2) O gênero literário – as tendências artísticas possuem suas normas, suas
“leis internas”, suas tradições e predileções. Tais aspectos privilegiam
certos temas e marginalizam outros. É a partir desse “código estético” que o
autor se pautará para se dirigir ao público e críticos, além de eleger
determinadas normas de seus gênero literário ao abordar os temas em seu
texto.
3) O autor – a posição constituída pelo artista implica no valor dado ao seu
imaginário, os seus intuitos individuais; as formas e os conteúdos que ele
pretende atribuir a sua obra e expectativa de como ele será aceito pelo
público.
Lembrando que não há prioridade de um fator sobre o outro, pelo contrário, a
postura mediadora de análise consiste em considerar que esses três atributos
estão profundamente imbricados uns aos outros dentro da obra de arte. Esse
tipo de procedimento metodológico possibilitará encontrar as atividades
intelectuais, políticas, sociais e econômicas de forma agrupada nas
estruturas de conteúdo das obras literárias estudadas e, assim, ser possível
estabelecer entre elas o conjunto de relações inteligíveis que a mensagem do
texto tende a mostrar – homologias (GOLDMANN, 1967).
Considerações finais
Diante das reflexões teóricas aqui discutidas, verifica-se que deve-se
propor a superação das posições idealistas e materialistas na fundamentação
metodológica da sociologia da literatura. Ao invés disso, buscando um modo
mais abrangente de análise, a literatura deve ser tomada como um campo que
diz respeito a um conjunto de práticas, contextos e atores sociais se
auto-definindo e se auto-regulando. Quer dizer, o estudo sociológico da
atividade literária deve observar as práticas que dizem respeito não só à
estrutura social, mas aos intuitos do escritor e dos diversos agentes
culturais envolvidos na produção e apropriação do texto literário. A obra
literária não é mero reflexo da consciência coletiva ou individual, mas a
concretização das ações sócio-culturais tomadas por um grupo social na
definição da consciência coletiva: a produção literária corresponde à
estrutura mental de um determinado grupo social. Desse modo, a obra
literária de uma dada sociedade e época é o resultado de diversas práticas,
pressupostos, concepções expressas em valores e posturas reconhecidos
enquanto tal pela coletividade.
Esse procedimento metodológico consiste em situar sócio-historicamente
autores e obras, definindo o lugar social de onde eram escritas, quais as
finalidades das questões levantadas por esses intelectuais perante a
sociedade, em que veículos eram publicadas e a que tipo de público o autor
se dirigia. Enfim, perceber os olhares desses escritores sobre sua sociedade
e os debates públicos mais importantes de sua época devem ser
contextualizados. É preciso compreender a lógica das visões de mundo, dos
juízos de valor e das opiniões políticas que os escritores elaboram em suas
obras. Ter em conta toda essa complexidade do objeto literário é parte
fundamental da elaboração de um olhar sociológico e de um consistente
procedimento metodológico, apto a captar as características e peculiaridades
intrínsecas na arte literária.
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