por ANGYE CÁSSIA NOIA

Mestranda em Cultura & Turismo – UESC/BA; Graduada em Economia – UESC/BA

 

 

 

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Sustentabilidade e atração turística: o caso da comunidade do Rio do Engenho, Ilhéus – BA

Angye Cássia Noia*

 

Resumo: A conservação dos recursos estimula a ampliação do ciclo de vida da destinação e a formatação de um produto turístico de qualidade capaz de maximizar os efeitos positivos e minimizar os negativos. Esse artigo objetiva apresentar uma percepção da prática turística na Comunidade do Rio do Engenho, localizada no município de Ilhéus/BA, a fim de reafirmar a importância da conservação dos atrativos históricos culturais e ambientais. A pesquisa empregada foi bibliográfica, exploratória e observacional.

Palavras-chave: turismo sustentável, patrimônio histórico-cultural, meio ambiente.

Abstract: The conservation of the resources stimulates the enlargement of the cycle of life of the destination and the formatting of a tourist product of quality capable to maximize the positive effects and to minimize the negatives. That article aims to present a perception of the tourism that is praticated in the Community Rio do Engenho, located in the city of Ilhéus/BA, in order to reaffirm the importance of the conservation of the cultural, environmental and historical attractions. The research employed was bibliographical and exploratory with observation.

Keywords: sustainable tourism, historical-cultural patrimony, environment.

 

Introdução

O turismo é uma atividade que desde o seu surgimento, conforme sua história, esteve centrado no turista sem a preocupação de mensurar os impactos sociais, ambientais e culturais de caráter direto, indireto e induzido nas comunidades onde é comercializado. Sua dinâmica expansionista, variedade tipológica, a globalização, estresse, necessidade de descanso, lazer, aventura, fuga da rotina diária de trabalho, contato com novas realidades e as elevadas taxas de crescimento do turismo mundial evidenciam a importância de analisar os impactos de curto, médio e longo prazo, a fim de planejar e criar infra-estrutura local equivalente à cultura da sociedade e atrativos potenciais a partir da integração de todos os atores envolvidos na promoção do turismo. 

Como o consumo do produto turístico implica no deslocamento do turista ao local onde se encontra a sua oferta, algum tipo de impacto, tanto positivo quanto negativo, ocorrerá. Afinal, haverá choque de culturas e contato com o meio ambiente natural e artificial. O que se deve buscar, portanto, é a minimização dos impactos negativos e maximização dos impactos positivos.

Nesse sentido, a complexidade dos impactos positivos e negativos dos fluxos turísticos exige, do poder público, dos turismólogos e outros especialistas, flexibilidade e reavaliação continuada das ações e efeitos, pelo fato de ser uma atividade muito sensível a instabilidades políticas, sociais, ambientais, econômicas, além da difícil combinação dos interesses da comunidade, do turista, do setor público e dos empresários.

Dentre as diversas tipologias do turismo, a mais procurada ainda é a de sol e praia, locais exóticos inexplorados; ou seja, o contato com as belezas naturais ainda representa a maior forma de atratividade. Proteger a natureza tornou-se uma questão de ética, sobrevivência e lucro. O fato de a manutenção equilibrada do ecossistema ser economicamente rentável permite a expansão do impulso conservacionista em prol do desenvolvimento turístico sustentável.

Nesse sentido, apresentar-se-ão alguns aspectos sobre o turismo que é desenvolvido na comunidade Rio do Engenho, localizada no Município de Ilhéus – BA. A prática da atividade turística ainda é precária, necessita de discussões acerca do futuro da comunidade, do ambiente natural e dos resquícios do patrimônio histórico-cultural. 

Esse artigo tem por finalidade reafirmar a necessidade de conservação, sustentabilidade e conscientização dos nativos no manejo dos recursos de uma localidade, no sentido de permitir o usufruto dos bens naturais, culturais e artificiais pelas próximas gerações. O local foi visitado por meio do percurso fluvial e o método empregado foi o de observação e exploração do espaço, além de estabelecer conversa com os moradores nativos (preferencialmente os mais velhos) e donos de estabelecimentos comerciais do povoado.

A atividade turística e a prática da sustentabilidade

A valorização do bem-estar dos turistas deve ser acompanhada de preservação ambiental, patrimonial e sociocultural, pois, o turista, ao se deslocar até o local onde se encontra o produto a ser consumido, mantém contato direto com o ambiente. Portanto, deve haver um plano de compatibilização do desenvolvimento da atividade turística com a conservação do local. Segundo Rabahy (2003, p. 85) “compete, assim, ao setor público a tarefa de mobilizar a população para a sua importância e, com o apoio da iniciativa privada, planejar e regular a forma de seu uso, considerando os seus custos e benefícios sociais”.

A construção da infra-estrutura para facilitar o trânsito dos turistas e o conseqüente desenvolvimento turístico gera modificações no espaço físico. Conforme Boud-Bovy, citado por Cruz (2003, p. 29)

O turismo exerce, freqüentemente, tanto influências benéficas quanto maléficas sobre os ambientes, afetando os recursos de formas contraditórias:

1. Ele degrada irreversivelmente as maiores atrações que o justificaram e o atraíram, erodindo recursos naturais, quebrando a unidade e a escala da paisagem tradicionais e suas construções características, poluindo praias, destruindo florestas, degradação que pode ser limitada mediante um planejamento correto, embora nem todos os efeitos negativos sobre o meio tradicional possam ser evitados;

2. Ele protege o meio uma vez que estimula o interesse da população e autoridades locais para a apreciação do valor do ambiente e introduz medidas compreensíveis para sua proteção, gerenciamento e melhoria, financiados pelos rendimentos oriundos do próprio turismo.

A busca da prática da sustentabilidade é relativamente recente. A conscientização do crescimento da degradação ambiental e da urgência de reverter seu quadro evolutivo fez com que a Organização das Nações Unidas (ONU) promovesse pela primeira vez uma conferência mundial em Estocolmo, na Suécia, em 1972 – a ECO-72. Somada à consolidação do termo Desenvolvimento Sustentável, a sociedade, empresários e setor público convenceram-se de que era possível uma gestão ambiental com eficiência e eficácia da atividade turística a ser desenvolvida, mantendo a diversidade e equilíbrio do espaço. Em 1992, foi desenvolvida no Rio de Janeiro a ECO-92, pois, era mais do que claro que o modelo de desenvolvimento econômico adotado até então estava ultrapassado e para o bem da humanidade era primordial a geração de tecnologia limpa.

De acordo com Cunha (1997), Dias (2003) e Punzo (2002) a visão de sustentabilidade não se resume à questão ecológica, agrega também os campos social, cultural e econômico. Para ser sustentável ecologicamente, o turismo deve ser compatível com os recursos disponíveis, sua biodiversidade e características reprodutivas. A sustentabilidade sociocultural visa respeitar a manutenção e reprodução dos costumes locais. Já a sustentabilidade econômica visa a viabilidade da promoção do destino sob uma perspectiva ética eqüitativa que gere benefícios para a comunidade e permita o usufruto do local pelas próximas gerações.

A ausência de planejamento sustentável da atividade turística e a falta de preocupação com o real bem-estar da comunidade receptora faz com que o turismo ultrapasse a primeira fase de caráter brando e inofensivo, para a segunda fase, quando começa a atingir o estágio de saturação, com início da degradação pelo turismo de massa. A terceira fase, geralmente se configura da tentativa de reverter quadros ameaçadores à continuidade do turismo através de regras específicas. Mas, nesse estágio, perdas irrecuperáveis já aconteceram. Na quarta fase, busca-se um maior controle sobre os atrativos locais e os impactos do seu uso no cotidiano da população.

É imprescindível que nos fixemos nessa quarta fase, fazendo dela o paradigma das atividades turísticas nacionais [...] desenvolvendo ações nos meios de comunicação, nas escolas e nas comunidades que possam fomentar a educação ambiental, a conscientização e o respeito aos valores culturais, que venham sensibilizar tanto a sociedade quanto suas autoridades constituídas, visto que muitas decisões necessárias são muito mais políticas do que econômicas. É importante destacar junto à população as vantagens advindas do desenvolvimento sustentado, da aprovação e cumprimento da legislação que preserve o ambiente natural e cultural e como isso afeta de forma significativa a qualidade de vida vigente na comunidade local (DONAIRE, 2000, p. 81-82).

Portanto, o cuidado com o sentido do local deve ser rigoroso. O uso inadequado da destinação levaria a uma descaracterização da área, pois, segundo Yudice (2005) a conveniência na utilização da cultura, em seu sentido amplo, frente à dinâmica social, não comunga da perda de autenticidade do atrativo. Uma vez em declínio, a tentativa de renovação do produto não retoma a diferenciação original. Nesse estágio, o turista busca novos lugares ainda não afetados. Por isso, deve-se ter cautela na ampliação da infra-estrutura de um destino à medida que o índice de visitação aumenta, e com ele a economia local. A essência do atrativo deve ser mantida para que seja prolongado o ciclo de vida da destinação, o que não exclui o aprimoramento dos usos do espaço pela população.

As ações em prol do desenvolvimento sustentável aos poucos vão sendo internalizadas pela sociedade, à medida que se estende à cultura e à dinâmica do espaço. Outro elemento a ser considerado é a questão da promoção da educação e conscientização ambiental, buscando o equilíbrio do processo e manutenção dos recursos naturais utilizados. No momento em que o atrativo recebe a valorização e o reconhecimento do nativo, os recursos passam a ser preservados, contribuindo para a ampliação do ganho econômico e melhoria da qualidade de vida na comunidade.

Uma outra questão a ser analisada no processo de planejamento sustentável de um atrativo são, segundo Cooper (2002), as condições psicográficas do turista que se deseja receber. A teoria de Stanley Plog (1977) sugere que os turistas subdividem-se nos seguintes segmentos psicográficos: alocêntricos, mesocêntricos, semipsicocêntricos e psicocêntricos. Os extremos desse grupo podem ser descritos pelas seguintes características: os alocêntricos buscam diferenças culturais e ambientais de seu meio normal, pertencem ao grupo de renda mais alta, são aventureiros e requerem muito pouco em termos de estrutura turística; os psicocêntricos buscam cenários familiares, pertencem aos grupos de renda mais baixa, não são aventureiros e demandam um alto nível de estrutura turística, o que implica em modificação substancial no espaço. Se, para o bem-estar da comunidade, o melhor for preservar as características naturais do destino, mantém-se a diferenciação do atrativo restringindo a demanda de outros grupos de turistas por meio de ações como limitar a ampliação da infra-estrutura, mesmo melhorando a qualidade de vida das pessoas que habitam no local, adoção de uma política de preços elevados para conter o turismo de massa, mantendo viva as características que atraem os turistas alocêntricos, além de promover campanhas de educação ambiental.

Histórico da comunidade do Rio do Engenho

 

O Rio do Engenho ou Engenho de Santana foi fundado a partir de uma divisão em sesmarias da Capitania de “São Jorge dos Ilhéos”, doada a Jorge de Figueiredo Corrêa pelo Rei D. João III. Jorge Figueiredo, enquanto capitão-donatário, doou parte de suas terras a Mém de Sá, localizada às margens do Rio Santana, medindo 10 km de largura e 6,30 km de comprimento. Desde o seu surgimento, a intenção era a produção de açúcar no local. Monteiro, citado por Marcis (2000, p. 18) evidencia essa questão através do seguinte trecho:

Digo eu Jorge de Figueiredo Correia, por este meu assinado, que dou ao senhor Mem de Sá uma légua e mais meia de largura e uma légua de comprido na minha Capitania do Brasil, com todas as águas, que nesta terra se acharem, para ele fazer todos os engenhos de açúcar que quiser; de que me pagará de cada engenho uma arroba de assucar de cinco em cada um ano.

De acordo com Marcis (2000), o Engenho de Santana, conhecido como um engenho Real, construído por ordem de Mem de Sá, representou o centro econômico da Capitania durante longo período. A moenda era movida por energia hidráulica, com uma capacidade produtiva de grande porte no valor de 10 mil arrobas de açúcar por ano. Em 1570, havia oito engenhos em toda a Capitania de Ilhéus, restando em 1724 apenas o Engenho de Santana. A produção de açúcar no Brasil era muito cara; pois, os equipamentos a serem utilizados eram trazidos da Europa. Esse tipo de cultivo e sua forma de produção foi responsável pela caracterização do modelo agrícola monocultor, latifundiário e escravista (negros – produção do açúcar e índios – para consertos nas construções, cultivo para a subsistência e captura de outros índios) com vistas ao mercado externo. Em 1573, foram inventariados 130 escravos no engenho. Em 1580, após a morte de Mem de Sá, o engenho foi alugado para Jorge Francisco Tomas. Depois passou a ser comandado pelo Conde de Linhares. De 1618 a 1759 passou a ser responsabilidade dos padres de Ilhéus e Lisboa. Fizeram benfeitorias no local criando beneficiadoras de algodão, arroz, cacau, construíram olarias, serraria, uma casa dominical e uma igreja.

As construções de Igrejas geralmente são marcadas por lendas, que permanecem no imaginário das gerações atuais. A Igreja de Santana é um exemplo típico desse fenômeno. Conta a lenda que a Santa, insistentemente aparecia em uma pedra, dentro do rio Santana. Para os moradores, isso indicava que ela, a Santa, queria ficar próximo ao rio. Como os construtores da igreja haviam escolhido um local no alto do morro, as aparições continuavam. Os moradores contam que as aparições cessaram depois da construção da igreja próximo ao rio. Segundo eles, ainda é possível ver na pedra, as marcas dos pés da Santa (MARCIS, 2000, p. 42). 

O Engenho de Santana foi estrategicamente construído às margens do rio para facilitar o escoamento da produção até o Porto de Ilhéus de onde era transportado por escunas até Salvador.

Segundo o historiador Stuart Schwartz (1988), citado por Marcis (2000), o Engenho de Santana era atípico de acordo com os seguintes fatores: i) foi fundado distante do Recôncavo Baiano, área de grande concentração de escravos; ii) foi coordenado por padres jesuítas durante muito tempo; iii) a senzala não foi construída num local que possibilitasse ao administrador visualizá-la de sua residência; e iv) as portas ficavam abertas, o que facilitava as fugas. A forma utilizada para controlar a submissão dos escravos eram os castigos físicos, como em qualquer outro engenho.

Entretanto, os padres davam tratamento diferenciado para aqueles escravos que estavam envolvidos com fases importantes da produção para garantir a qualidade do açúcar e evitar perdas. Devido à localização, era difícil contratar mão-de-obra branca para exercer as funções de mestre-de-açúcar, feitores e carpinteiros; o que implicava em delegar a ocupação desses cargos aos negros do engenho. Eles não eram remunerados, mas havia diminuição da cobrança por trabalho (cinco horas por dia) uma vez que o feitor era negro também. Quando se rebelavam sempre reivindicavam melhorias de vida e mais possibilidades para comercializar os produtos cultivados por eles mesmos. Em 1759, os padres jesuítas foram expulsos da Capitania de Ilhéus e do Engenho de Santana pelo Governo Português. O engenho foi arrematado em leilão pelo Provedor da Casa da Moeda da Bahia, Manuel da Silva Ferreira.

Os escravos do Engenho de Santana, tal como os índios, deixaram registrados para a história, momentos importantes de luta e resistência. Especialmente no conflito e ocupação do Engenho de Santana, eles reivindicaram melhores condições de vida: direito de folgar, dançar e cantar; também formularam reivindicações trabalhistas, como: limitação da quantidade de canas por feixe, aumento do número de trabalhadores para o desenvolvimento de determinadas tarefas, a posse dos instrumentos de trabalho, maior tempo disponível para suas atividades pessoais, limitação da sua jornada de trabalho, etc. (MARCIS, 2000, p. 70-71).

Em 1810, o Marquês de Barbacena, Felisberto Caldeira Brant Pontes, brigadeiro dos exércitos reais em Minas Gerais, passa a ser o novo proprietário da sesmaria de Santana por permuta de terras em Minas Gerais. Em 02 de março de 1834, a posse é dada ao Brigadeiro José de Sá Bitencourt e Câmara, herdeiro do Dr. Bitencourt Accioli. O Brigadeiro e sua esposa foram enterrados dentro da capela de Santana. Em 1896 seus herdeiros tomam posse do engenho já desgastado.

No período de 1896 a 1960 houve transição da escravidão para o trabalho assalariado, e o cultivo da cana-de-açúcar foi substituído pelo cacau. Imigrantes chegavam a Ilhéus atraídos pela facilidade em obter terras para plantar roças de cacau. Como a cultura do açúcar deixou de ser valorizada na região, os costumes, os instrumentos, a infra-estrutura não foi preservada. Existem apenas ruínas que permitem a formação de indícios de onde ficava a roda d’água, um tacho de ferro onde era fabricado o melaço da cana (encontrado enterrado); ainda existe a Igreja de Santana, com a imagem da Santa, uma pia batismal feita em puro mármore trazida de Portugal.

Os usos da história, cultura e natureza local

Em visita realizada ao rio do Engenho, pela via fluvial, no dia 26 de março de 2006, pode-se visualizar a complexidade em manter características histórico-culturais dos grupos sociais. A comunidade representou papel importante na economia do Brasil no período da colonização e, no entanto, apesar de os turistas e visitantes quererem ter contato com os costumes antigos, a passagem do tempo e a mudança de contexto levam consigo, muitas vezes, os artigos históricos concretos deixando apenas as lembranças herdadas no imaginário da população local.

A prática do turismo de caráter histórico no local é precária. Os turistas têm contato apenas com a Igreja de Santana (Figura 1), um dos tachos de fazer o melaço da cana-de-açúcar (uma das etapas de produção do açúcar), que foi encontrado enterrado, colocado à frente da mesma; e ruínas do canal que desviava a água do rio para mover a roda d’água e gerar a energia hidráulica. As ruínas do canal encontram-se cobertas de mato, o que dificulta a percepção.

Figura 1 - Igreja de Santana construída ao lado do Rio do Engenho, tacho de fazer o melaço da cana-de-açúcar. Fonte: Acervo pessoal.

 

A qualidade do passeio é ampliada com a presença de um guia turístico que seja capaz de reviver no seu discurso o valor histórico-cultural das ruínas e da terceira capela rural mais antiga do Brasil, tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Uma possibilidade seria a criação de um pequeno museu local com fotos antigas, pinturas, memórias transcritas, possibilitando um acesso mais estruturado à cultura local.

O passeio pode ser melhor aproveitado através do contato com o Sr. Balbino, a dona Estelina e o Sr. Ednilson Araújo (Nicoly), responsáveis por contar as histórias e mostrar os lugares onde supostamente ficavam situadas a moenda, a roda d’água, a senzala. Segundo o Sr. Balbino, os antepassados contavam que havia muito ouro na igreja. Para os visitantes que não recebem explicações das particularidades do local, entram e saem do Rio do Engenho sem perceber todo o seu valor histórico do ponto de vista nacional e regional. Por isso é importante passar informações para os moradores a fim de que eles próprios tomem consciência da singularidade do local onde vivem e demonstrem conscientemente uma identidade que possa ser percebida pelos turistas.

Além do apelo histórico-cultural, a visita ao Rio do Engenho permite o turismo ambiental de alta qualidade devido ao contato direto com a natureza. O passeio de barco permite contato com a riqueza ambiental, ecossistemas de estuários, especialmente os manguezais (Figura 2).

 

Figura 2 – Vista do trajeto fluvial ao Rio do Engenho. Fonte: www.costadocacau.com.br .

 

O acesso ao vilarejo também pode ser feito por via terrestre (de ônibus ou de carro), entretanto, a estrada é de chão, o que dificulta o acesso. Muitos visitantes procuram o lugar para relaxar, para tomar banho de rio (Figura 3) e comer comidas típicas.

Figura 3 – Corredeiras do Rio do Engenho. Ao fundo a barragem para captação de água. Fonte: Acervo pessoal.

 

Durante o passeio feito pelo trajeto fluvial é possível, às vezes, ver os botos nadando na baía do Pontal, na cidade de Ilhéus, onde o passeio é iniciado. A beleza do verde da vegetação e das águas contrasta com populações ribeirinhas vivendo em completa pobreza. O vilarejo é formado por apenas duas ruas, a população possui baixos níveis de escolaridade e renda. Existe um grupo escolar para as séries iniciais e um posto de saúde que não funciona regularmente, segundo relatos dos moradores locais.

A maioria do público que visita o local é da região e em menor proporção os estrangeiros. Há apenas dois empreendimentos privados com maior infra-estrutura. Um é a fazenda na margem oposta e o outro é a “Ilha Sangrilá” com acomodações mais confortáveis (que na realidade não é uma ilha; pois, situa-se na mesma margem onde se desenvolveu a comunidade).

Os dois bares/restaurantes da vila funcionam às margens do rio, um ao lado do outro. Não possuem recursos e condições infraestruturais favoráveis à prestação de serviços apesar da presteza e da intenção dos proprietários e funcionários em fazer o melhor. Como não têm condições de planejar o nível de visitação diário, é comum acontecer a falta de algum tipo de comida típica ou falta de bebida. Os donos dos empreendimentos demonstram a expectativa em receber apoio para aprimorar os serviços prestados e ampliar a estrutura de seus comércios para receberem mais turistas. Na realidade, o que a população demonstra é a vontade de melhoria na qualidade de vida e vêem o turismo como uma possibilidade.

Alguns projetos estão sendo desenvolvidos pela Secretaria de Turismo de Ilhéus (Prefeitura) em parceria com a UESC, CEPLAC, IESB, SEBRAE e Cargil, como: “AMAREA – Associação de Moradores e Agricultores do Rio do Engenho e Adjacências” com enfoque na agricultura familiar; “Agroecologia e Rio do Engenho: uma viagem ao Brasil colônia” com a finalidade de implantação de infra-estrutura turística.

Considerações Finais

O caso do Rio do Engenho expressa a complexidade em compatibilizar a atividade turística com a melhoria na qualidade de vida da população e sustentabilidade econômica, social, cultural e ambiental. Manter as características originárias de uma localidade pode ser positivo para ampliar o ganho com o turismo num período de tempo relativo ao ciclo de vida normal do atrativo; em contrapartida, pode não estar satisfazendo os anseios dos nativos.

O turismo não deve ser promovido só para o benefício dos turistas em função do contato direto com a sociedade, ambiente e a cultura do lugar. Se a população autóctone não se identificar com o local e sua história o resultado do seu contato com o turista será artificial. Uma questão que pode ser levantada refere-se à lembrança da escravidão, que pode ter levado os moradores, ao longo do tempo, a não darem valor aos resquícios históricos e permitirem a destruição da paisagem que os remetia a um sentimento de angústia. Não existe a moenda, a senzala, as caldeiras, mas resta quase intacta a capela de Sant’Ana, cujo teto foi trocado por motivo de segurança. A identidade cultural é dinâmica, resultante dos fazeres sociais. Portanto, o trato desvelado à cultura de um povo depende das conveniências que se apresentam.

Esse caso indica que se não forem empregados planejamentos rigorosos que envolvam a comunidade e seus interesses, perpetuar a essência da história, cultura e costumes de um local torna-se uma tarefa utópica. Mudanças, conscientização e engajamento não são repentinos, por isso, empenho e persistência são fundamentais para figurar o desenvolvimento do turismo no vilarejo. A construção de um “museu local” e o treinamento de moradores locais como guias poderia ser uma forma de gerar emprego, aumentar a auto-estima e estruturar a identidade local, dando mais credibilidade e prazer à visitação.

Referências bibliográficas

COOPER, Chris. et al. Turismo: princípios e práticas. Porto Alegre: Bookman, 2002.

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MARCIS, Teresinha. Viagem ao Engenho de Santana. Ilhéus: Editus, 2000.

PUNZO, Lionello F. Sostenibilidad del turismo y desarrollo económico local: el caso de la region Toscana (Un. de Siena). ECONÔMICA, v. 4, n. 2, p. 193-222, dez. 2002.

RABAHY, Wilson Abrahão. Turismo e desenvolvimento: estudos econômicos estatísticos no planejamento. São Paulo: Manole, 2003.

YUDICE, George. A Conveniência da Cultura. In: A Conveniência da Cultura: os usos da cultura na era global. Belo Horizonte: UFMG, 2005.

 

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Publicado em 12.12.07 - Última atualização: 13 dezembro, 2007.