por MARCELO LIRA SILVA

Graduando em Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho /Unesp-Marília, orientado pelo professor doutor Marcos Tadeu Del Roio

 

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A democratização das relações internacionais: o caráter civilizatório da democracia

 

Marcelo Lira Silva*

 

Resumo: O objetivo do artigo é discutir a relação entre ordem interna e desordem interna experiência, a partir do binômio: guerra e paz. Tentar analisar em que medida o projeto de paz perpétua kantiano, retomado por Norberto Bobbio, torna-se imperativo para a resolução dos conflitos internacionais. Ou, se pelo contrário, acaba legitimando guerras imperialistas travadas diuturnamente pelas potencias capitalistas, como o caso da invasão norte-americana ao Iraque, que teve como fulcro de seu discurso, para legitimar a guerra, a questão da democracia e a derrubada da autocracia de Sadan Russen. Trata-se, portanto, de tentar analisar sobre que cultura-política repousa tal projeto e qual o papel deste discurso no desenho geopolítico contemporâneo.

Palavras-chave: democracia - autocracia; paz - guerra; Estado - relações internacionais.

Abstract: The objective of the article is to argue the relation between internal order and internal clutter experience, from the binômio: war and peace. To try to analyze where measured the kantiano project of perpetual peace, retaken for Norberto Bobbio, one becomes imperative for the resolution of the international conflicts. Or, if for the the opposite, it finishes legitimizing stopped imperialistas wars diuturnamente for them you harness capitalists, as the case of the North American invasion to the Iraq, that had as fulcrum of its speech, to legitimize the war, the question of the democracy and the falling of trees of the autocracy of Sadan Russen. It is treated, therefore, to try to analyze on that culture-politics rests such project and which the paper of this speech in the geopolitical drawing contemporary.

Word-key: democracy-autocracy; peace-war; State - international relations.

 

O conjunto das relações internacionais, de acordo com o filósofo político italiano Norberto Bobbio, não se caracteriza pelo método democrático, no entanto, o é potencialmente. Sendo que tais relações repousam em um sistema de equilíbrio de poder, auferindo-se a sociedade internacional um caráter anárquico que funciona a partir de mecanismos de autodefesa, no qual, o poder só pode contrapor-se a outro poder, movendo-se a partir do elemento surpresa, ou seja, a partir de um poder não-público, e, portanto, oculto.

Os poderes, na esfera das relações internacionais, constituem-se enquanto poderes invisíveis, permanecendo em um estado hobbesiano, e, portanto, nos termos kantianos, não se alcançou à maioridade no nível das relações internacionais, onde o poder é e só pode ser exercido através do uso público da razão. Predomina-se, na esfera das relações internacionais, o arcana imperii, se legitimando como mecanismo de autodefesa contra os demais Estados, que também funcionam sob a égide do poder oculto, utilizando-se do mesmo expediente.

Segundo Bobbio, ao examinar as relações entre democracia e autocracia, em um nível interno, e as relações entre paz e guerra, em um nível externo, pôde-se observar uma possível correspondência entre as relações internas e externas. Enquanto que, por um lado, a relação entre autocracia e democracia diz respeito e ilustra as relações políticas do Estado-nação, por outro, a relação entre paz e guerra diz respeito e busca ilustrar as relações internacionais.

As duas grandes dicotomias do pensamento político – paz-guerra e democracia-despotismo – convergem e permitem traçar um quadro no qual se podem esboçar em grandes linhas as diversas e possíveis perspectivas da história futura. O despotismo pode ser considerado a continuação da guerra dentro dos Estados, e a democracia pode ser considerada, no sistema internacional, como a maneira de expandir e de tornar mais segura a paz fora das fronteiras dos Estados específicos (BOBBIO, 2003b: p.9).

A ausência de um poder comum, supranacional, que regule e garanta o cumprimento dos pactos entre as nações é que lhe confere este caráter anárquico, no qual, o poder disperso acaba por possibilitar o uso unilateral da força de um ou outro Estado-nação. Todavia, é imperativo lembrar que uma guerra é sempre permeada pelo seu caráter coletivo, no qual, é caracterizada por uma força exercida não de maneira individual, mas coletiva, que tem por incumbência resolver as controvérsias pelo uso da razão da espada.

Para caracterizar a paz, portanto, torna-se necessário caracterizar a guerra. A guerra, conseqüentemente, em oposição à paz, pressupõe o caráter organizativo de um determinado Estado-nação para tal, pois se exige nesse momento a presença de um aparato coercitivo, previamente constituído, para empreender e trilhar tal caminho. É a organização através de um forte aparato coercitivo e a constituição de uma força coletiva que atribui ao Estado, sua característica de estado de guerra.

Em oposição ao estado de guerra podemos caracterizar o estado de paz, que para Bobbio, caracteriza-se como estado de não-guerra. No entanto, para fazer a guerra é necessário constituir uma força organizativa por duas vias: a força coercitiva através das armas; e a força coletiva através do convencimento. Sendo que só é plausível torná-la crível em um estado de paz. A paz, portanto, só se torna possível através e mediante a preparação para a guerra. Guerra e paz, consequentemente, são termos antitéticos, separados por uma tênue linha, na qual a afirmação de um dos elementos só se torna possível e viável através da negação e mediante o exercício do outro.

No Estado liberal burguês o elemento garantidor da paz é a constituição de um ordenamento jurídico através do direito. O contrato, ou, se quiser, o neocontratualismo, emerge como elemento garantidor da paz, como instrumento racional-legal que se converte em reordenador das antinomias sociais, não passiveis de resolução, segundo o pensamento neokantiano. No qual, emerge um conjunto de regras estatuídas previamente, garantidas por um poder comum através do monopólio legítimo da força. Como nas relações internacionais não há este estatuto juridicizante, capaz de garantir a paz, através do poder coercitivo, emerge o poder unilateral que se impõem através da força. A força, deste modo, entre os Estados-nação, diferentemente do que ocorre no interior de cada um deles, ao invés de ser permeada e mediada pelo direito passa a converter-se em guerra.

A guerra, a partir de tal acepção, assume duas vertentes através de juízos de valor axiológicos: de um lado assume o caráter negativo, quando esta se constitui para submeter e pôr fim aos direitos individuais, convertendo-se na chamada guerra injusta; e pelo outro, assume o caráter positivo, quando tem por finalidade estabelecer o direito, que foi violado por um determinado membro da comunidade internacional, constituindo-se assim na chamada guerra justa.

A legitimação da guerra justa depende de sua relação com o direito. É o direito, em termos hobbesianos, que confere à espada da guerra o caráter de espada da justiça. Ou em termos kantianos, é o direito através do contrato que retira o homem das trevas, da menoridade, e o converte em um ser racional, que alcança a maioridade através do uso público da razão. Daí a guerra assumir o caráter de justa, e, portanto, legítima.

É partindo de tal legitimidade que Kant desenvolve um projeto de paz perpétua em contraposição a paz parcial, rompendo-se assim com a doutrina do equilíbrio do poder, na qual, a paz é sempre uma situação provisória. Para Kant, a única possibilidade de paz perpétua só poderia ser concebida a partir da hipótese hobbesiana, no entanto, aplicada em uma esfera internacional. Ou seja, de conceber uma situação humana natural, na qual, o indivíduo caracterizara-se por ser negativo, e, portanto, teria que abrir mão de sua liberdade em nome de um poder comum que pudesse garantir a liberdade, através do uso legítimo da força, limitando-a. A hipótese hobbesiana transposta para a esfera das relações internacionais por Kant, permitiria que se constituísse um soberano, com o poder de resolver as contendas entre Estados, através do uso e monopólio legítimo da força, ou seja, através da espada. Emerge, conseqüentemente, o estado de paz perpétua e universal.

[...] quem cumpre primeiro não tem a segurança de que o outro cumprirá depois, já que os laços das palavras são fracos demais para refrear a ambição humana, a avareza, a cólera, e outras paixões dos homens, quando estes não sentem o temor de um poder coercitivo, poder que não cabe supor que não exista na condição de mera natureza, na qual todos os homens são iguais e juízes da retidão de seus próprios temores. Por isso, quem cumpre primeiro confia-se a seu inimigo, contrariando o direito [...] de defender sua vida (HOBBES, 1974: p.132).

A tese de Kant, fundada na hipótese hobbesiana, é a de que os Estados nacionais, assim como os indivíduos, deveriam sair de seu estado natural e pré-político, em suas relações uns com os outros, e constituir um poder comum capaz de impor pela força os acordos e os pactos estabelecidos, evitando a invasão mútua entre os Estados. Para edificar tal empreendimento, os Estados deveriam instituir um pacto que os integrasse em uma confederação permanente, na qual se constituiria uma confederação republicana, fundada no controle dos cidadãos, para que esta não viesse a ser uma monarquia universal.

O propósito de Kant era, portanto, não fundar o Estado dos Estados, mas estabelecer uma sociedade de Estados que desse vida e corpo político a uma comunidade internacional, garantindo a paz perpétua. Entretanto, a garantia da paz perpétua pressuporia que todos os Estados-nação fossem, fundamentalmente, instituídos a partir da forma de governo republicana. O filósofo alemão, Immanuel Kant, parte do princípio iluminista que compreende como causa precípua das guerras, os próprios regimes despóticos. Portanto, para ultimar a guerra, necessitar-se-ia debelar as monarquias, e, em seu lugar, estabelecer formas de governos baseadas na soberania popular. Portanto, o tratado de paz perpétua, proposto na teoria kantiana, estabelece como pressuposto para a fundação de uma confederação de Estados, e por conseqüência para a garantia da paz perpétua, que todos os Estados monárquicos se convertessem em Estados democráticos.

Diferentemente das relações que se estabelecem no Estado-nação, no qual há um poder público unificado que garanta a ordem interna do país, nas relações internacionais não se verifica a constituição deste poder, com características supranacionais, que tivesse por intuito ordenar as relações externas dos Estados-nacionais. Ou seja, não há uma autoridade equivalente à do Estado nacional devido a não unificação do poder internacional que se encontra disperso na realidade contemporânea.

Assim sendo, a ingovernabilidade das relações internacionais faz emergir, nestes termos, um paradoxo entre a ordem interna e a desordem externa que colocam em risco a própria democracia, seja em uma perspectiva interna, seja em uma perspectiva externa. Partindo do pressuposto, segundo o qual, a melhor maneira de assegurar a paz é a expansão da democracia no âmbito internacional, a ausência de um poder supranacional democrático, capaz de regular e ordenar as relações internacionais pode, antes, levar a descaminhos.

Deste modo, somente com a democratização do sistema internacional pode-se pensar na tão desejada paz perpétua kantiana, sendo que tal processo só poderia avançar a partir da defesa inconteste dos direitos humanos acima dos Estados. Há uma necessária ligação tripartite, entre: democracia, direitos humanos e paz. Tal ligação seria necessária para a garantia desses três elementos, que só poderiam existir, se e somente se, de maneira mútua, nunca separadamente.

Norberto Bobbio, muito influenciado e adepto confesso da filosofia iluminista, parte do princípio de que a razão é o elemento substancial e progressivo da modernidade. Para ele, o iluminismo legou à modernidade a razão, e através dessa racionalidade tornou-se possível o homem tomar o seu destino em mãos, não ficando a mercê das intempéries do destino, orientando-se e orientando os rumos da sociedade através de projetos racionais, dos quais, se acreditara no progresso da modernidade, no domínio do conhecimento, enfim, no reino da razão.

Torna-se necessário – e aqui Bobbio busca seguir o projeto de Kant – naquilo que se refere à paz perpétua, que se democratize o sistema internacional através de um funcionamento semelhante a um sistema republicano: uma confederação permanente de Estados independentes que se comprometessem primeiramente, através do pacto negativo, não se invadirem mutuamente. Ou seja, um pacto de não-agressão. Para logo em seguida assegurar a constituição de um pacto positivo, que criasse leis para regular as relações internacionais de maneira a não necessitarem do uso da força. E como último elemento democratizador, submeterem-se a um poder comum que fizesse prevalecer o pacto e as leis de adesão inconteste e reconhecimento das liberdades civil e política.

Partindo de Kant, Norberto Bobbio, sugere uma fórmula normativa que pudesse solucionar a relação da guerra e da paz entre os Estados, para tanto, seria necessário à emergência de um poder político unificado e comum a todos, que fosse capaz de impor a ordem legítima através das normas anteriormente acordadas entre as partes. Daí o título de um dos seus livros que trata do assunto: O terceiro ausente, no qual, Bobbio caracteriza a sua ausência – do poder comum na esfera das relações entre Estados – como um estado de anomia. Bobbio parte da premissa da existência de um estado de natureza hobbesiano na esfera das relações internacionais, que só poderia cessar através do uso da razão, ou seja, através do contrato. Só por meio do contrato estabelecido em comum acordo entre os Estados, ou seja, através da fórmula democrática liberal, poder-se-ia pensar na emergência de uma paz perene e sólida, isto é, no projeto de paz perpétua kantiano. Todavia, como o próprio Bobbio advertira, nem a democracia é necessariamente liberal nem o liberalismo o é necessariamente democrático.

É de acordo com esta linha de pensamento que Bobbio argumenta que o regime democrático nascera a partir de três pactos: o primeiro, diz respeito a um pacto negativo, ou seja, um pacto de não-agressão entre as partes conflitantes, no qual, de maneira recíproca extingue-se o uso da força como alternativa para resolver ou mediar às relações entre as partes divergentes; o segundo, diz respeito a um pacto positivo, no qual, as partes em comum acordo e de maneira mútua decidem contratar, estabelecendo, previamente, regras para resolver pacificamente possíveis desavenças, saindo-se assim do estado de natureza; o terceiro e último pacto, diz respeito à necessidade de ambas as partes, de maneira recíproca e em comum acordo, atribuírem a um terceiro elemento, situado acima das partes, à capacidade de fazer respeitar os pactos, pela força da espada, se necessário, constituindo-se assim uma sociedade civil. Sendo a instituição de um poder comum, o elemento garantidor do cumprimento dos pactos pelas partes divergentes.

Os desafios da democracia do final do segundo milênio, e, portanto, também do século XXI, colocados pelo pensador italiano Norberto Bobbio estão no fato de que se torna necessário, para a saúde da democracia, que se caminhe por duas vias conexas e inter-relacionadas: por um lado necessitar-se-ia a ampliação da esfera dos Estados democráticos; e pelo outro, da democratização do sistema internacional em seu conjunto. Tais vias deveriam, segundo Bobbio, caminhar de maneira interdependente, na qual, uma passaria a ser garantidora do complemento e constituição da outra. Um Estado democrático, de acordo com Bobbio, só poderia se desenvolver e se expandir à medida que habitasse uma comunidade de Estados democráticos, pois o contrário representaria uma democracia incompleta. Parte-se do princípio de que, somente se todos os Estados contemporâneos constituídos fossem republicanos, formando uma comunidade democrática, poder-se-ia constituir a tão desejada paz perpétua, idealizada por Kant.

A democratização das relações entre os Estados nacionais, portanto, constitui-se em baluarte da democracia. Ou seja, somente através da expansão da fórmula democrática ocidental, da democracia burguesa a todo o globo terrestre, podemos pensar em uma possibilidade de paz perpétua. A democracia, de acordo com tal discurso, assume um caráter civilizador. Pois a democracia não pode ser entendida como um ser, que existe por si, tampouco, como um elemento neutro que tem vontade própria. Mas, e, substancialmente, como uma forma de dominação que como o próprio Bobbio diz, define quem e como está autorizado a participar. Desta forma, abrem-se a possibilidade de legitimação das guerras travadas pelas grandes potências capitalistas, como guerras justas. Justificando-as através do discurso de expansão da democracia como única possibilidade de garantir a paz. A única possibilidade de garantir a paz é através da guerra, dita justa, que assume um caráter civilizador, mas que tem como intuito debelar seus oponentes. É através da destruição de toda e qualquer forma de organização política, social e cultural diferente da fórmula democrática burguesa, que se pode garantir a paz perpétua.

Segundo Bobbio é a constituição deste poder comum que garante o nascimento e a manutenção de um Estado democrático, pois o monopólio legítimo da força, atribuído a tal poder, torna-se o elemento garantidor das liberdades civis e dos direitos políticos:

[...] o exercício exclusivo da força por parte do Estado democrático deve servir para garantir o uso pacifico das liberdades civis e políticas, e, por meio delas, para definir as decisões coletivas mediante o debate livre e a contagem de votos. A rigor o direito de reunião está garantido, desde que os participantes não portem armas. O direito de associação está reconhecido, com exceção das sociedades militares e paramilitares. A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são reconhecidas, desde que não sejam usadas para instigar a violência. A principal forma de oposição de massas, que é a greve, é uma forma típica de oposição não violenta. A própria desobediência civil pode ser tolerada em casos extremos, caso se realize por meio de manifestações pacificas ou como resistência passiva (BOBBIO, 2003c: p.239).

Ora, toda forma de atuação político-social passa a ser permissível, desde que não coloque em xeque a democracia burguesa, e não se constitua em alternativa a ela. Portanto, o princípio da maioria, defendido pela democracia liberal, tem um limite de validade. Ou seja, o limite de validade da regra da maioria, tal como foi institucionalizada na democracia burguesa, está na possibilidade de a própria maioria decidir pela extinção do princípio da maioria. Portanto, a questão colocada repousa sobre a ética dos resultados, segundo o qual, se torna necessário garantir o princípio da maioria instituído pela democracia burguesa, mesmo que a maioria assim não o queira. Ou melhor, neste sentido só se poderia pensar de maneira unilateral o princípio liberal-burguês da maioria, não abrindo possibilidades para se pensar outro princípio de maioria, fundado em outros parâmetros.

Ora, o princípio da maioria, e, portanto, das liberdades civis e políticas, são permitidos na democracia liberal até o momento em que a maioria não coloque em risco a ordem social liberal. Portanto, os direitos são garantidos pela democracia liberal até o momento em que se garanta a ordem democrática liberal-burguesa, sob pena de utilizar-se de expedientes não democráticos para se manter a ordem democrática, cassando os direitos políticos e civis daqueles que a ameaçam. Eis os limites da validade da regra da maioria. Portanto, a regra da maioria aqui não tem uma validade absoluta, e sim relativa, na medida em que só é válida enquanto não admita sua própria extinção – pelo menos da maneira como foi concebida no Estado liberal-burguês – mesmo que a maioria assim o decida proceder.

A partir da complexa teia de argumentos construídos por Bobbio pode-se observar que em uma sociedade policêntrica como a contemporânea, só se pode haver uma convivência pacífica entre maioria e minoria, através da constituição, primeiro de uma sociedade civil, depois de uma comunidade política que a garanta, através do contrato, valendo-se do monopólio da força se necessário.

Ao se estabelecer às regras do jogo, torna-se necessário que tais regras apenas sofram alterações à medida que varie a correlação de forças entre maioria e minoria, emergindo-se assim o compromisso de nunca rompê-las, apenas reformá-las. O limite das regras do jogo é a própria ruptura de tais regras.

O limite da democracia moderna está na inviolabilidade de seus fundamentos, ou seja, na garantia dos ditos direitos invioláveis do homem e do cidadão, mesmo que o homem e o cidadão deste estatuto não os queiram, pelo menos da maneira como os concebera a democracia liberal-burguesa. Ao constituírem-se enquanto pedras elementares das constituições liberais, os direitos do homem e do cidadão assumem a forma de um ordenamento jurídico normativo indelével, e, portanto, inextinguível, que não podem ser limitados e muito menos suprimidos, mesmo que tal decisão advenha do princípio da maioria, constituído sob outros parâmetros que não o liberal-burguês.

 

por MARCELO LIRA SILVA

Referências bibliográficas

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HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Coleção Os Pensadores. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril, 1974.

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Publicado em 21.04.07 - Última atualização: 20 agosto, 2007.