A literatura sul-baiana que exibe a sociedade cacaueira do
século XIX, especialmente por Jorge Amado, em Tocaia Grande: A Face
Obscura apresenta o poder androcêntrico estabelecido nas relações
sociais, onde o homem monopoliza as decisões em suas mãos. O poder em si não
existe, o que existe são relações que se estabelecem para impor certas
regras de dominação. O poder é uma prática social construída historicamente.
(FOUCAULT, 1979: X)
Antes de explanar a questão das relações de poder impostas ao
sexo feminino, explícitas na literatura sul-baiana, faz-se necessário
refletir acerca do contexto sócio-cultural desta localidade, enquanto terra
colonizada, ao final do século XIX, e comparar essa realidade ao contexto
europeu, continente colonizador, observando as trocas culturais. Desta
forma, ampliaremos o entendimento sobre a estruturação da sociedade
cacaueira, e conseqüentemente, sobre os mecanismos que caracterizavam a
imposição do poder androcêntrico naquela região.
1-O expansionismo europeu e a hibridação no Brasil
A colonização do nosso país, em 1500, impulsionada pela
expansão européia marcou o início da hibridização cultural, que foi contínua
durante o povoamento no litoral sul da Bahia, não somente através da mistura
de etnias pelo simples contato, mas, principalmente, pelas trocas culturais
que se solidificaram ao longo do tempo e constituem a cultura brasileira
moderna. Hábitos europeus foram incorporados ao modo de vida simples do
índio nativo e do negro escravizado, assim como o próprio colonizador
assimilou traços culturais do povo dominado. Do “entrelaçamento” de culturas
surgiu a identidade do nosso país. Essa cultura híbrida foi documentada na
literatura, especialmente por Jorge Amado, cuja obra Tocaia Grande: A
face Obscura é alvo desta pesquisa. Ele retratou o Brasil como
resultado da mesclagem de culturas e etnias. E, na condição de escritor
transculturador, conta a história de sua própria região, ressaltando os
traços mais peculiares e desmistificando a visão de país colonizado.
“Escritores e poetas, nos anos 20 e 30 do século XX contribuíram para a
consolidação de uma identidade cultural brasileira ao reagirem de modo
sistemático aos paradigmas sócio-culturais vigentes, baseados no quadro de
referências herdadas da cultura colonizadora”. (CHAVES& MACEDO 2003:42)
Na qualidade de escritor transculturador, Jorge Amado
esclarece a visão coletiva da cultura nacional formada pela interatividade
entre colonizador e colonizado, não através da simples reprodução do modelo
eurocêntrico. Assim, revela-se o nosso Brasil, um país de cultura
heterogênea, com influência do colonizador, mas que, em essência, tem a
tradição do índio e do negro. Nesse ângulo, a literatura contribui para a
consolidação da identidade cultural brasileira, negando os paradigmas
sócio-culturais pré-estabelecidos. Jorge, assim, supera a visão de
escritores que definiram o Brasil pelas lentes do colonizador. A ficção foi,
para ele, um meio de contar a história regional em todas as suas nuances, a
partir da sua visão enquanto pessoa que nasceu e viveu naquele cenário
retratado. Abordou o povoamento, as lutas sangrentas pela posse das terras
cobiçadas, por imigrantes europeus, árabes, sergipanos e alagoanos, que
objetivavam enriquecer com os lucros do cacau e também o perfil feminino no
litoral sul da Bahia.
Ao final do século XIX, a Europa já se encontrava em processo
de industrialização, ao passo que o Brasil, especificamente o sul da Bahia,
mantinha a economia ruralista monocultora. O povoamento daquela região era
gradativo, impulsionado pela possibilidade de enriquecimento gerado pelo
plantio do cacau. Tal fato foi registrado em Tocaia
Grande: A Face Obscura.
“Chegado ao Brasil há quinze anos, Fadul viera para trabalhar
e enriquecer. Enriquecer é a meta de todos os homens, para alcançá-la Deus
lhes dá alma e inteligência. Uns cumprem à risca o mandato do Senhor, ganham
dinheiro e se estabelecem, outros não conseguem; alma pequena, inteligência
curta ou tão somente pouca disposição para o trabalho, preguiça,
malandrice”. (AMADO, 1998:26)
A lavoura cacaueira norteou a estruturação social, econômica
e o desenvolvimento da nação grapiúna, entretanto, não deu margem à
industrialização. Paralelamente, no litoral sul baiano, as relações de
trabalho eram regidas pelo coronelismo. Não havia direitos para o
trabalhador. Ele “pertencia” ao seu dono, o coronel, o dono das terras.
Naquele momento histórico, a organização econômica européia já se baseava
nos ideais iluministas: igualdade, fraternidade e liberdade, porém, no
Brasil, principalmente, no litoral sul da Bahia, o modelo que prevalecia era
o escravista, baseado na exploração da mão - de - obra. Seria lógico pensar
que se a Europa evoluiu no modelo de organização econômica, adotando a
industrialização e os ideais iluministas para reger as relações de trabalho,
o Brasil seguiria a mesma linha. Mas sabemos que isso não aconteceu de
imediato.
O colonizador visava à exploração de tudo o que fosse
rentável na terra conquistada; e não a “construção” de uma nova civilização,
nos moldes europeus. Se, no momento da expansão marítima, a economia
européia era essencialmente agrária, as riquezas naturais encontradas no
solo brasileiro subsidiariam o comércio europeu. Justifica-se desta forma o
fato de o Brasil não adotar a industrialização ao mesmo tempo em que o seu
colonizador.
Desde o início da colonização, o europeu invadiu a terra
brasileira e tomou posse dela e dos nativos. Em situação análoga, algum
tempo depois, o próprio colonizado, após a República independente, no fim do
século XIX, agiu de forma arbitrária. No litoral sul da Bahia, travava-se
luta sangrenta pela posse das terras que renderiam muitos lucros, com a
comercialização do cacau. O colonizado, ao final do século XIX, criou a
figura do coronel, pois ia além de tomar posse da terra. Nesse espaço, ele
construía sua família, seu patrimônio e fincava suas raízes em bases
interpessoais hierárquicas e plenas de arbitrarismo.
O coronel contemplou os corpos ensangüentados. Berilo morrera
com o revólver na mão, não tivera ensejo de atirar: a bala arrancara-lhe o
tampo da cabeça, o Coronel desviou a vista. Compreendeu que aquela
carnificina significava o fim, já não tinha meios para prosseguir. Trancou a
aflição dentro do peito, não deu mostras, não deixou que os demais
percebessem. Elevou a voz no comando, ditou ordens (AMADO 1998:6).
Da cultura européia, herdou-se esse espírito de conquista,
que passou a se chamar coronelismo. Porém, observam-se algumas diferenças. O
colonizador europeu queria usufruir a terra brasileira, sem intenção de
cuidar, de construir, apenas para tirar dela o que fosse útil. Ele “sugava”
da terra e, em seguida, a abandonava. Todos queriam extrair do solo
excessivos benefícios, sem sacrifícios. “Ou como já dizia o mais antigo dos
historiadores, queria servir-se da terra, não como senhores, mas como
usufrutuários, só para desfrutarem e a deixarem destruída”. (HOLANDA, 2005:
52)
Como o sul da Bahia não seguiu o caminho da industrialização,
por estar numa outra coordenada histórica, o extrativismo norteou a economia
sendo a luta o que garantia a posse de terras e, conseqüentemente, a
riqueza. Portanto, prevalecia aquele que tivesse mais garra para vencer as
batalhas sangrentas. Essa forma de comportamento determinou as relações
interpessoais, sendo o patriarcalismo estabelecido aí em bases assimétricas,
entre pai-filho, patrão-empregado e, logicamente, entre homem-mulher.
2-A imposição do poder masculino em
Tocaia Grande: A Face Obscura
A mulher da fase colonial, tanto a brasileira quanto a
européia, evidentemente, foi submetida ao poder androcêntrico. Ambas
sofreram exclusões semelhantes, mesmo em contextos histórico-culturais
dissociados. A sociedade sempre foi estruturada a partir da ótica masculina.
O homem posicionou-se, sempre, ao longo da história, como agente construtor
e o papel de “figurante”, nesse processo, era dimensionado à mulher. “...
Calada e submissa, trabalhadeira e asseada...” (AMADO, 1998:51).
A mulher retratada por Jorge Amado tem forte carga de
erotismo. É sensual e forte, transgredindo, muitas vezes, as convenções
sociais, mas, ao mesmo tempo, traduz a opressão sofrida por seu gênero. O
simples fato de ser mulher já lhe confere distância da organização política
e econômica na sociedade. Em Irisópolis, a cidade ficcional de Jorge Amado,
o patriarcalismo também imperava e a figura feminina era submetida ao poder
androcêntrico, que era acentuado pelo coronelismo. Comparada a um mero
objeto, deveria apenas satisfazer os desejos sexuais masculinos. Mera
espectadora na sociedade e isolada à condição de fêmea reprodutora, no
romance alvo desta pesquisa, a mulher sul - baiana é representada através da
descrição minuciosa de seu corpo, com um erotismo exacerbado.
Moça alta, bem feita, o rosto de lua cheia, as ancas de égua,
Malena tomou da mão de Valério, apertou-lhe os dedos brutos, recolheu a
moeda, percorreu com a unha a linha do destino numa cócega leve e excitante
que descia da palma da mão para os quibas do tangedor de burros (AMADO,
1998:88).
Um dos mecanismos de imposição do poder masculino,
engendrados na sociedade sul-baiana, durante o século XIX, era o casamento.
Determinado para a mulher como forma de manter patrimônios, o casamento era
realizado, na maioria das vezes, entre famílias abastadas, e visava atribuir
à figura feminina a condição de mãe e esposa.
Que Jamil escolhesse noivo para a filha e o impusesse,
tratava-se de procedimento habitual, correto e justo, digno de aplausos. Pai
extremoso, preocupado com a felicidade e o futuro de Aruza, assim agia para
lhe assegurar lar abençoado, vida tranqüila, contínuo bem-estar. A boa
tradição, provada e comprovada, incontestada, mandava que os pais,
responsáveis pela sorte das filhas, elegessem entre os varões do reino ainda
solteiros o melhor de todos para lhe propor aliança e dote (AMADO,
1998:120).
Tal imposição nem sempre era cumprida pelas filhas dos
coronéis. Havia, entre elas, quem infringisse as regras, tentando escolher o
parceiro para o próprio casamento. É o caso da personagem Aruza, filha de
Jamil Skaf, comerciante de colchões de luxo e móveis em Irisópolis. “Prenha?
Se não estava, deveria estar, segundo as más línguas cochichavam. Aruza e o
doutor Epitácio Nascimento, bacharel sem causas, havia enfrentado as
lágrimas de dona Jordana e a fúria de Jamil e tinha confessado o mau passo,
fruto de amor desesperado.” (AMADO, 1998:124).
Além do gênero, a classe e a etnia definiam o destino da
mulher, em Irisópolis, a cidade ficcional do romance Tocaia Grande: A
Face Obscura e também no Brasil real ao final do século XIX. Os
noivos não se casavam por amor, e sim para atender aos interesses de ambas
as famílias. Essa condição perpetuava a condição de subalternidade da mulher
em relação ao homem. O espaço social que lhe cabia era o lar. A fidelidade
conjugal era sustentada pela imagem da boa esposa, cujos pensamentos,
desejos e ações eram neutralizados pela pressão social. O adultério era
permitido para o homem. Mas a esposa que traía o marido enlameava sua imagem
diante da sociedade. Entretanto, mesmo no âmbito das esposas de coronéis
havia casos de traição. Nesse aspecto, observa-se a superação feminina à
ordem estabelecida a partir do ideário europeu.
Ao regressar de Guadalupe onde o marido, tenente-coronel de
artilharia, comandara a guarnição, Madeleine fizera duas declarações
peremptórias: a) todos os tenentes-coronéis nascem com irrevogável vocação
para corno-manso, nem a mais pateta da esposas pode impedir que cumpram seu
destino; b)os negros, em matéria de cama, são absolutamente insuperáveis.
Não havia melhor prova da primeira afirmativa do que o próprio esposo de
Madeleine: fora ele que trouxera para casa, na qualidade de ordenança, o
negro Dodum, exatamente a melhor prova, a mais esplêndida da segunda
revelação (AMADO, 1998:45).
As moças, oriundas de famílias ricas, eram preparadas somente
para o casamento. Ressalta-se que essa regra era comumente atribuída às
mulheres brancas ou descendentes destas, cujo destino era constituir
família. Tinham acesso à educação para o recato e as regras de etiqueta.
“─ Em dezembro se forma em professora, toca piano, recita
poesia de cabeça. Muito instruída, não poupei dinheiro. Silenciou como se
calculasse quanto gastara com a educação da herdeira, mas logo prosseguiu
enumerando virtudes: ─ Devota e trabalhadora, obediente”. (AMADO, 1998:117)
As mulheres pobres e mestiças eram naturalmente conduzidas
pela hierarquia social ao trabalho doméstico escravo ou à prostituição. Em
Irisópolis, havia muitas personagens que traduziam esse perfil. Entre elas,
Dalila, Epifânia, Bernarda, Zuleica e Coroca. A narrativa amadiana não
demonstra nenhum julgamento preconceituoso em relação à condição social
representada por essas personagens. Pelas regras sociais, elas não eram
destinadas ao casamento, primeiro pela questão financeira, não tinham como
perpetuar a riqueza do possível marido, segundo, pelo preconceito que
separava as negras e as mestiças da ascensão social. Essas mulheres não
tinham nenhum acesso à educação para o lar, não sabiam ler, escrever nem
tinham quaisquer meios para aprender regras de etiqueta, que as senhoras
casadas deviam, por sua vez, conhecer bem.
As meretrizes tinham liberdade concebida, pois não se sentiam
inibidas ao praticar sua sexualidade. Porém, existia entre elas um tipo de
acordo. Quando resolviam não atender nenhum homem para o “desfrute”, elas
até travavam lutas corporais para defender seus direitos.
Ora, as putas, na influência dos festejos, haviam decidido
fechar o balaio, não aceitando fregueses nas noites dos forrós de junho:
festa é festa. Estavam na intenção de divertir-se, dançar, folgar, beber e
rir, namorar, se fosse o caso. Não sendo noite igual às outras todas ─
noites de afanar-se, de suar em peito estranho, de representar gemendo sem
sentir vontade, gozando de mentira ─ as três recusaram em uníssono as
ofertas do apatacado boiadeiro e seus dois subordinados: hoje não, vancês
desculpem, fica pra outra vez (AMADO, 1998:203).
Na concepção delas, o meretrício não as tornava mercadoria.
Esse comportamento transgride os padrões advindos da ideologia européia.
Elas eram objeto de prazer, sim, mas não pertenciam a ninguém.
−Pensei que eu tinha rabicho pelo turco. ─ Possa ser. Mas não
vou morar com ninguém por xodó ou por dinheiro. ─Pensativa, os olhos no chão
explicou: ─Viver junto, que nem marido e mulher só por bem de amor que dura
a vida toda que magoa a maldita e o coração. Não podendo ser assim, pra mim
se acabou. Mais melhor ser rapariga (AMADO, 1998:68,69).
As prostitutas não se sentiam ligadas a nenhum homem a ponto
de ceder somente quando ele quisesse. Essas mulheres eram donas de si mesmas
e usavam o próprio corpo para a sobrevivência, sem culpa alguma, já que não
lhes restava alternativa. A sociedade as excluía por serem mulheres, pobres
e mestiças. O gênero, a classe e a etnia norteavam o destino delas. Então,
faziam do meretrício o seu sentido de suas vidas.
Aprendeu rápido o bastante e se considerou sabida por não se
deixar dominar por nenhum homem, não viver com as outras arrenegando pelos
cantos a inconstância dos xodós. Tampouco aceitou propostas para desfrutar
de abastadas mancebias, escrava sob o relho de um rico coronel. Preferia
vagar ao sabor das contingências em cidades, povoados, lugarejos, em mal
paradas caixa-pregos que nem Tocaia grande. Livre e soberana (AMADO, 1998:
75).
A figura feminina representada em Tocaia Grande: A face
Obscura traduz o perfil da mulher brasileira, fugindo, portanto, ao
estereótipo europeu. Porém, em todo esse contexto social, é evidente o
conformismo feminino à sujeição imposta. Entretanto, não havia alternativa,
pois, sem direito à educação, à participação social e política e vivendo
numa sociedade preconceituosa, machista, ruralista, não industrializada. Não
podia ser diferente. Mas, o que fazer para modificar a realidade?
Constatamos algumas transgressões no comportamento das
personagens femininas no livro alvo desta pesquisa, mas isso não supõe que o
androcentrismo tenha sido superado. O papel social da mulher, na Europa e
no Brasil, foi definido por estratégias androcêntricas excludentes,
fundamentadas na ideologia cristã, defendida e difundida no processo de
colonização. Nessa ideologia, a mulher devia traduzir a santidade associada
à mãe de Jesus Cristo e se dedicar inteiramente ao seu casamento, como se
viesse ao mundo somente para a missão de mãe e esposa. Esse comportamento
estereotipado indica uma estratégia de dominação masculina.
Desde o princípio da história do mundo, através da imagem de
Eva, foi associada à mulher a figura de pecadora, ser inútil, que desvia a
atenção do homem para os assuntos sérios da sociedade. Essas
meta-narrartivas constituíram um grande respaldo para que o poder masculino
se perpetuasse. Em Irisópolis, também, os homens em alguns diálogos,
expressam a preocupação de não deixar que suas idéias e decisões sejam
direcionadas por alguma mulher. “Ainda não nascera fêmea capaz de obrigá-lo
a desistir, de mudar o curso do destino. Quem perde a cabeça por mulher a
ponto de abandonar o uso da razão, acaba na penúria, objeto de riso e de
debique, avacalhado”. (AMADO, 1998:70)
Se o único ofício que o sexo feminino podia realizar, segundo
o ideário androcêntrico, era o de mãe e esposa, por que tanta apreensão? O
homem teria consciência que a mulher era capaz de muito mais? Talvez sim.
Apesar de não ter construído sua identidade livre das
imposições, a mulher sempre demonstrou sua inteligência. Observando o
comportamento das personagens femininas de Tocaia Grande: A Face Obscura,
notamos ânsia de praticar o livre arbítrio de suas ações e esse
sentimento não era restrito a uma só classe social.
Para que não se faça mau juízo de Adroaldo Muniz Saraiva de
Albuquerque, Barão de Ituaçu, e se não lhe atribua a pecha de senhor de
engenho atrazadão, sustentáculo de vulgares preconceitos, indigno de esposa
européia, civilizada, deve-se dizer que o incidente com Castor, motivo da
agressão e da fuga, não teve como causa imediata a intimidade estabelecida
entre a baronesa e o ajudante de ferreiro. Ao que tudo indica, os chifres
provindos dos bucólicos passatempos de Madama não faziam mossa ao barão.Ele
os carregava com dignidade e nonchalance num exemplo aos bárbaros senhores
do açúcar de justiça sumária: matavam as sinhás e as sinhazinhas que se
atreviam com os negros; aos negros mandavam capar antes de matá-los. (AMADO,
1998: 48, 49)
O desejo de liberdade era pertinente às mulheres de todas as
classes sociais, como pudemos perceber, e, além disso, esse anseio não
ficava “preso” aos pensamentos da mulher sul-baiana. Ela o transformava em
ações e, assim, infringia as regras pré-estabelecidas para o seu gênero:
cometia adultério, tentava escolher seu esposo ou praticava a prostituição,
segundo suas próprias regras, mesmo enfrentando, em contrapartida, as
relações de poder masculino.
A traição da mulata doeu-lhe fundo: não se tratava de simples
capricho momentâneo de esposa entediada, risível leviandade, pecado venial;
tratava-se de pesado agravo afronta vil, humilhante escárnio ao senhor e
amo, culpa imperdoável, pecado mortal. Tolerar tal ultraje significaria
abalar os fundamentos da moral e da sociedade (AMADO, 1998: 49).
Nesse fragmento, foi registrada a “traição dupla” sofrida
pelo Barão de Ituaçu. Como vimos seu poder masculino reforçado pela alta
posição social não o impediram de ser traído pela esposa e também pela
mulata que mantinha como amante.
3- Considerações finais
Estabelecemos como meta a análise das relações de poder
masculino, presentes na literatura regional. Para tanto, observamos o
comportamento das personagens femininas criadas por Jorge Amado, na sua obra
Tocaia Grande: A Face Obscura. Desta forma, identificamos alguns
tipos de regras sociais impostas, como o matrimônio.
Jorge Amado contribuiu para o reconhecimento das
características identitárias brasileiras, explícitas na literatura
sul-baiana. Suas personagens femininas etnicamente híbridas, fortes e
ousadas reafirmam a brasilidade, pois podem ser percebidas como diferentes
do inventário etnocêntrico, apesar de sofrerem imposições androcêntricas, já
que, muitas vezes, transgrediam as regras sociais.
Como pudemos observar, neste artigo, a produção cultural
local explicitou a situação da mulher no litoral sul-baiano, ao final do
século XIX, e possibilitou a problematização de fatores econômicos, sociais
e políticos, pertinentes àquela época, que influenciaram a condição
feminina.
por DAIANE CONCEIÇÃO SIMÕES
SANTOS