por PHILLIPE TADAO SAKAI

Graduando do curso de Direito da Universidade Estadual Maringá.

 

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RESENHA:

BARBATO JR. Roberto. Direito Informal e Criminalidade – Os Códigos de Cárcere e Tráfico. Campinas: Millennium, 2007. 176p.

 

Onde as normas estatais não entram: a sociedade entre o crime organizado e a ineficiência jurídico-estatal

Phillipe Tadao Sakai

 

Defronte as ações do crime organizado, ocorridas nos últimos anos, crescem as discussões acerca deste tema. Estes grupos armados têm se mostrado no Brasil, como os grandes inimigos das autoridades incumbidas da segurança pública. As demonstrações de poder por parte dos criminosos nunca foram tão audaciosas e perturbadoras.

A população se mostra insegura e temerosa. Enquanto restrita ao âmbito das favelas ou dos presídios, a violência aparentava estar numa normalidade aceitável, isto é, para as pessoas que não eram atingidas diretamente pela delinqüência. Esta postura ignorante, de permanecer alheio aos conflitos sociais está sendo alterada, pois nos últimos anos, a violência começou a afetar a todos, indistintamente. Ao que tudo indica, somente tomando estas dimensões é que a discussão sobre a marginalidade se tornará geral.

Com isto, o livro “Direito Informal e Criminalidade”, publicado no ano passado, é indicado a todos aqueles interessados na atual situação sócio-jurídica nacional. Vale ressaltar que devido à forma simples e objetiva da qual se utiliza Roberto Barbato Júnior, o texto torna-se acessível a todos, ou seja, engana-se quem acredita que somente os estudantes de Direito e Ciências Sociais estão aptos a lê-lo.

O conhecimento adquirido, em face à leitura do livro, facilitará o entendimento da atual conjuntura nacional relativa às esferas penal e social urbana, ainda que de forma expressa, não seja esta a pretensão primeira do título. Dado ao contexto social, este entendimento adquirido é de fundamental importância, tanto para quem deseja ingressar no plano da ação ou, no mínimo, para inquietar o espírito questionador dos leitores.

Tendo por objeto os códigos normativos que regulam as comunidades dos cárceres e das favelas, o autor discorre de modo analítico sobre as características destas duas fontes de Direito informal. Mesmo que algumas análises já tenham sido exaustivamente elaboradas por outros escritores, devido ao material de apoio que ampara a retomada da discussão, a redação adquire um aspecto original.

A interdisciplinaridade é uma característica marcante da qual se utiliza o redator. O movimento pendular proposto, principalmente entre o Direito e as Ciências Sociais, foge à tendência fragmentadora do conhecimento que visa racionalizar em frações, a cada dia menores, o objeto do estudo. O modelo interdisciplinar adotado nesta pesquisa permite uma visão panorâmica do assunto proposto, facilitando assim, o entendimento do processo de forma global.

A obra é iniciada com a questão da presença das fontes normativas extra-estatais, bem como, do Pluralismo Jurídico, de modo geral. A ineficiência do Poder Judiciário é determinante para o surgimento do Direito Informal; morosidade na resolução de litígios, formalismo e burocratização demasiados, ineficácia das sentenças no plano material, resultam no descrédito por parte da população.

Tudo isto quando há ao menos o acesso à Justiça, o que na maioria das vezes não é possibilitado à estas camadas populares. Sem mencionar o descaso por parte das autoridades públicas no trato das comunidades carcerária e favelada, além da discriminação sofrida por estas, proveniente do restante da sociedade.

Deste modo, ganha Legitimidade, isto é, aceitação por parte do povo, qualquer pessoa ou organização que lhes garanta as mínimas condições de vida, segurança e justiça. Na maioria das vezes, quem assume essa tutela está vinculado ao crime organizado, entretanto, devido à falta de escolha, este líder informal e ilegal será considerado o legítimo tutor desta abandonada parte da sociedade.

O comandante da cela ou do presídio assume o papel de “juiz informal”, segundo o Código do Cárcere. Este Código extra-estatal subsiste com os Códigos estatais, sendo em muitos momentos superior em relação as codificações formais. Não baseados em preceitos éticos e morais, impera o arbítrio do juiz informal nas sentenças ditadas. Esta espécie de juiz possui poder ilimitado dentro dos presídios, dispondo inclusive da pena capital.

Contudo, enganam-se aqueles que crêem que o poder deste líder se restrinja às penitenciárias. Seu poder transpõe os muros da prisão, atingindo pessoas relacionadas com presos, ainda que seja uma relação indireta.

Esta lei dos presos para os presos é conhecida como “Lei do cão”, esta contém a máxima: “cadeia é lugar de homem”, logo pode se pressupor o quão hostil e violento é o ambiente. Isto somado a conivência e corrupção por parte de algumas autoridades carcerárias, dentre outras falhas no sistema, acabam por impossibilitar a ressocialização, gerando sim, um território propício para a proliferação da criminalidade.

Já os Códigos do Tráfico encontram nas favelas o local adequado para sua manifestação, por estas possuírem um caráter de exclusão e descaso por parte dos governantes. Deste modo, o Estado oficial ganha um aspecto abstrato neste ambiente, perdendo terreno para o Estado paralelo que apesar de arbitrário, torna-se o único capaz de atender aos anseios da população. Ou seja, não importa a forma da ação do Estado positivo, ainda que seja limitada pelas garantias dos valores da pessoa humana, isso pouco importa caso não haja eficiência.

Neste contexto, o líder da favela, geralmente um traficante, cumula a função de árbitro dos conflitos com funções de cunho político, como garantia das necessidades básicas, por meio do assistencialismo e, manutenção da ordem e da segurança pública. Exercendo estas atividades que deveriam ser do Estado, o traficante ganha prestígio e poder, além é claro, de Legitimidade, atuando justamente nas falhas estatais para se beneficiar posteriormente disso.

De maneira semelhante ao que ocorre no mundo do cárcere, os Códigos do Tráfico também estendem sua atuação, atingindo áreas que, teoricamente, são de pleno controle do Estado, isto é, não se limitando a suas “fronteiras”. Utiliza-se aqui a idéia de fronteira, devido ao autor considerar o Estado paralelo independente do oficial, ainda que co-relacionados.

A “Ribanceira-nação” é a nação que compõe o Estado não oficial, que ganhou esta posição por possuir uma estrutura política, social e econômica particularizada, isto é, diferente do restante da sociedade. O ponto de ligação do povo favelado é o contato com narcotráfico, mesmo que de forma indireta. O escritor coloca inclusive a idéia de soberania da Ribanceira-nação, tendo em vista que, qualquer forma de atuação oficial não é permitida, constituído desse modo, um poder soberano dentro do território das favelas.

Roberto Barbato Júnior expõe em suas considerações finais sua crítica aos positivistas jurídicos, por crer que a emanação das normas não se restringe a fonte estatal. Assumindo esta posição, ele se mostra preocupado com as manifestações prejudiciais à sociedade “tutelada” por estas “leis” paraestatais. E, principalmente, a preocupação torna-se ainda maior quando estas regras atingem uma camada da sociedade civil que, até o momento do “contato”, demonstrava-se alheia aos assuntos concernentes a criminalidade.

Atualmente, o maior problema a ser enfrentado é a alteração do comando do Poder Paralelo. Por diversos motivos, os antigos líderes carismáticos e que conquistaram a Legitimidade, por seu modo de atuação, acabaram sendo retirados de seus “cargos”. Assumem o comando, no lugar desses líderes, jovens despreparados que não utilizam as técnicas de Legitimação utilizadas por seus antecessores, mas sim, exclusivamente a violência e o medo.

Deste modo, a tutela dos indivíduos, que era um dos poucos pontos positivos do Direito informal vinculado a delinqüência, vem sendo deixada de lado pelos novos líderes. A população encontra-se novamente desamparada, tendo em vista que o único garantidor das suas condições básicas de vida, aparenta não estar mais interessado na troca de favores com a população marginalizada.

Mesmo sendo uma situação inaceitável para um Estado democrático de Direito, a banalização da violência por parte da população tornou-se fato notório. “Direito Informal e Criminalidade” nos faz retomar velhas discussões muito difundidas pelos meios de comunicação, mas que não obtiveram soluções.

Certamente que a violência no Brasil não é um tema novo a ser abordado, pelo contrário, é raro encontrar um enfoque inédito para esse tema, no entanto, nada ou muito pouco mudou no plano da ação nos últimos anos. Revigorar a discussão é a proposta do livro, com o intuito de que a população saia da sua posição passiva e resignada, requerendo medidas efetivas por parte de quem deveria zelar legalmente por suas vidas.

É inadmissível que este seja nosso Estado de Direito. A dignidade da pessoa humana esbarra no bel prazer do líder do tráfico. Trata-se, acima de tudo, de uma obra perturbadora que impregnará na consciência do leitor uma imagem: a figura de um juiz informal, que aplica a pena de morte de modo arbitrário, como se a vida humana fosse algo irrelevante. O problema reside no fato deste juiz arbitrário ser a única fonte eficaz de justiça para grande parte da população, isto é, a população marginalizada opta entre a sujeição ilimitada ou o total desamparo.

O livro nos fará refletir se é esta a sociedade livre e justa que os nossos antepassados lutaram para nos deixar como legado. Hoje, um traficante toma o leme de nossas vidas, nós agimos da forma como ele nos manda agir. Este tem sido o nosso Estado positivo. Este é o Ordenamento Jurídico de uma grande parcela da sociedade: moderno, completo, humanitário, inovador e completamente ineficaz.

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Sobre o autor

Roberto Barbato Júnior é Mestre em Sociologia e Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp; Professor nos cursos de Direito na Metrocamp de Campinas e Unip de Limeira; editor da Revista Sociologia Jurídica.

por PHILLIPE TADAO SAKAI

 
 

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Publicado em 21.04.07 - Última atualização: 20 agosto, 2007.