por LINDINALVO NATIVIDADE

Professor de Educação Física do Município de Barra Mansa. Contra-Mestre de Capoeira do Centro Esportivo de Capoeira Quarto Crescente.

 

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Praxis Capoeirana: um jogo de saberes na formação docente em Educação Física

Lindinalvo Natividade

 

Resumo: O objetivo deste artigo foi identificar a Práxis Capoeirana como uma nova metodologia no trato com a capoeira na formação docente em educação física, além de analisar as relações Capoeira e Educação Física no ensino superior e os elementos metodológicos formadores da Práxis Capoeirana para a construção do conhecimento em profissionais de Educação Física. O método de pesquisa utilizado foi do tipo qualitativa descritiva, sendo que o recolhimento das informações baseou-se na revisão de literatura. Observa-se que o trato com a capoeira na formação superior requer uma abordagem ampla, temática, política e pedagógica de modo que proporcione um enriquecimento cultural e cientifico no individuo para que este transforme o seu mundo histórico e a si mesmo.

Palavras chave: Educação Física. Práxis Capoeirana. Metodologia.

Abstract: The objective of this article was to identify the Práxis Capoeirana as a new methodology in the treatment with the capoeira in the teaching formation in physical education, besides analyzing the relations Capoeira and Physical Education in superior education and the methodological elements forms of the Práxis Capoeirana for the construction of the knowledge in professionals of Physical Education. The used method of research was of the descriptive qualitative type, being that the collect of the information was based on the literature revision. It is observed that the treatment with the capoeira in the superior formation requires an ample, thematic boarding, pedagogical politics and in way that provides a cultural and scientific enrichment in people so that this exactly transforms its world and itself historic.

Key words: Physical Education. Práxis Capoeirana. Methodology.

 

Fonte: http://www.uni.edu/~krueger/capoeira3.gif1. Introdução

Em uma roda de Capoeira, existem alguns fundamentos e algumas tradições que devem ser respeitadas por todos os capoeiristas que se prezem. Em geral nos grupos de Capoeira, a roda se desenvolve da seguinte maneira: chamada dos participantes, canto da ladainha[1], neste momento dois jogadores abaixam-se ao pé do berimbau[2] ouvem atentamente a ladainha e ao sinal do cantador: - “Ieh à volta ao mundo” saem para o jogo. Após os jogadores, dois a dois abaixam-se ao pé do berimbau e saem para o jogo de angola, que é um jogo rasteiro, malicioso, onde cada jogador observa atentamente os movimentos do outro como num diálogo de perguntas e respostas.

Em seguida, sobe-se o ritmo[3], são cantados cânticos denominados corridos. O jogo muda de forma sendo agora mais rápido, mais ligeiro, onde cada jogador pode comprar[4] o jogo quando assim desejar, ou com o capoeirista que queira jogar. Após vários jogos, é oportunizado aos formados[5] da roda, jogar no toque de Iuna[6] e para terminar um samba de roda para todos, inclusive para quem estiver assistindo a roda como um momento de descontração, de integração e sociabilidade.

Seguindo esta mesma linhagem de desenvolvimento, nossa pesquisa começa como no jogo de angola, ouvindo atentamente a ladainha, que se faz presente neste trabalho através das orientações de nosso orientador e as revisões de literatura, que serviram de alicerce a nossa obra. Iniciando o jogo com movimentos rasteiros estudando o camarada Capoeira, procuramos analisar as relações construídas através da história entre a Capoeira e a Educação Física brasileira e sua inserção na Universidade.

Dando seguimento ao jogo, procuramos analisar um novo conceito metodológico para o trato com a Capoeira no ensino superior: a práxis capoeirana, identificando propostas metodológicas fundamentais para a construção do conhecimento em profissionais de Educação Física. 

A metodologia de pesquisa utilizada foi do tipo qualitativa descritiva, sendo o recolhimento das informações feitos através da revisão de literatura.  O pólo teórico foi ancorado em autores que discutem elementos críticos acerca da Capoeira vinculados a área de Educação, Educação Física e Ciências Sociais.

Enfim, o artigo teve como finalidade analisar os elementos metodológicos formadores da Práxis Capoeirana para a construção do conhecimento em profissionais de Educação Física, além de identificar na Práxis Capoeirana uma nova metodologia no trato com a capoeira na formação docente.

Capoeira e Educação Física: Construindo relações

As relações Capoeira e Educação Física, segundo Silva (2002) começaram a ser construídas a partir do final do séc. XIX e inicio do séc. XX.  A Educação Física brasileira estava vinculada ao militarismo e as propostas de higienização e eugenização da raça. A Educação Física desempenhou um papel de controlador das classes subalternas, uma vez que a ela coube a responsabilidade de disciplinarização dos corpos desejados pelo sistema vigente (SILVA, 2002, p70).

Porém como nos relata Silva (2002) a população brasileira em sua maioria, era formada por negros e índios. Começou então a ganhar força o discurso nacionalista e da miscigenação, até com incentivos de imigrações européias com o intuito de embranquecimento da raça brasileira como qualidade da formação do povo brasileiro.

Essa política de embranquecimento da raça foi um mecanismo lançado pelo governo que buscava equilibrar e fazer prevalecer na população brasileira os descendentes de origem branca em detrimento daqueles de origem negra (ex-escravos) [...] tinham como finalidade reforçar a identidade brasileira com a classe dominante (SILVA, 2002, p.71).

Dentro desta concepção buscava-se também uma forma de valorização da cultura nacional, de modo que esta pudesse se opor aos métodos ginásticos europeus que predominavam na época, como o método francês, sueco e alemão. Sendo assim a Capoeira passa a ser cogitada como método ginástico nacional, mas não poderia ser aquela que era praticada pelos estratos mais baixos da sociedade, com citação até no código penal.

Art. 402, dos vadios e Capoeiras instituía: Fazer nas ruas e praças públicos exercícios de agilidade e destreza corporal, conhecido pela denominação de Capoeiragem; andar em correrias, com armas, andar com instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoas certas ou incertas, ou incutindo temor ou algum mal. Pena: Prisão celular de dois a seis meses [...] (VIEIRA, 1998, p.93).

Aproximadamente em 1907, foi elaborado um trabalho cujo autor assinava O.D.C (Ofereço, Dedico e Consagro a distinta mocidade), com o título de Guia do Capoeira ou Gymnastica brazileira que tinha por objetivos:

[...] levantar a gymnastica brazileira do abatimento que jaez(ia), nivelando-a como singularidade pátria, ao socco inglez, a savatta francesa, a lucta alemâ, às corridas e jogos tão decantados em outros paizes. Nossa briosa mocidade hoje desconhece pela mor parte, os trabalhos e termos da arte antiga, e por isso nós resolvemos publicar o presente guia(ODC apud SILVA, 2002, p.70 )

Em 1928, Annibal Bulamarqui publica opúsculo Ginástica Nacional (Capoeiragem) Methodizada e Regrada. Propôs a metodização da Capoeira admitindo sua origem escrava, mas remeteu ao seu valor moral utilizando o discurso nacionalista para justificá-lo com intuito de retirar a Capoeira do rol das atividades clandestinas.

Aníbal Bulamarqui adotou o apelido de ZUMA porque segundo Silva (2002) era a quarta parte de seu segundo nome e também para que se diferenciasse seu método dos esportes comuns. No mesmo ano o escritor Coelho Neto (1928) publicou o artigo “Nosso Jogo”, no qual apresenta uma proposta de inclusão da capoeira nas escolas civis e militares, chamando a atenção para a excelência desta como ginástica e estratégia de defesa individual.

E como era necessário dar a Capoeira uma nova roupagem, uma nova imagem, nos remete uma reflexão sobre a criação da Capoeira regional baiana pelo então Manoel dos Reis Machado.  Antes da criação da luta regional baiana havia apenas uma Capoeira, com o advento da regional passou-se a adotar as seguintes nomenclaturas: Capoeira angola (a primeira e tida por muitos capoeiristas como a Capoeira mãe) e Capoeira regional, a recém criada.

Mestre Bimba, como era conhecido, metodizou e regrou a  prática da Capoeira regional, instituiu formaturas com diplomas, paraninfos, patronos e madrinhas, abdicou o uso do atabaque, criou seqüências de ensino e cursos de especialização. Atuou decisivamente na liberação da Capoeira em 1937 pelo então presidente Getulio Vargas. Agora, a Capoeira antes marginalizada, era praticada em recintos fechados com métodos de ensino/aprendizagem.

Criando uma sistematização ampla que inclui seqüências de ensino, sistema hierárquico, regulamento para competições, normas de comportamento do capoeirista dentro e fora da roda, Bimba operou o inicio do contato da Capoeira com outras esferas sociais, além da periferia das grandes cidades, recodificando os rituais nos moldes do ambiente político e cultural da década de  trinta.  (VIEIRA, 1998, P 130)

Também foi considerado pela Secretaria de Educação, Assistência e Saúde da Bahia Professor de Educação Física (VIEIRA, 1998 p,138). Aceitava em sua academia somente alunos que passavam por um teste de aptidão física, o que ele mesmo chamou de teste de admissão. Seus alunos eram estudantes universitários e trabalhadores “Mestre Bimba só aceitava alunos que estudassem ou trabalhassem, devendo comprovar uma dessas duas condições através da apresentação do respectivo documento, carteira de trabalho ou estudante”. (VIEIRA, 1998, p145)

Em 1945 o Prof. Innezil Penna Marinho publica sua obra intitulada “Subsídios para o estudo da metodologia do treinamento da Capoeiragem”. Nesta época a Educação Física brasileira ainda trazia traços do modelo militarista, embora o Brasil estivesse saindo de um regime ditatorial e entrando em um regime democrático. A obras do Professor Marinho propunha a prática da Capoeira a serviço da Educação Física, com idéia de inserir a Capoeira como método de defesa pessoal, como já havia sido cogitado por outros autores. (SILVA, 2002, p130)

A Capoeira foi reconhecida como esporte pela Confederação Brasileira de Pugilismo (CBP), em 1972. Segundo Silva(2002) este reconhecimento teve caráter de controle, pois passaria a seguir critérios designados por aquele órgão. Mestre Falcão (2004) nos relata que o regulamento da Capoeira editado em 1972 passou a vigorar em janeiro de 1973 e deixava evidente “... a pretensão dos seus executores, investidos de autoridade delegada pelo Estado, de querer organizar e padronizar, através de normas e regras e segundo critérios próprios, toda a prática da Capoeira no território nacional”

Com isso a Capoeira agora esportivizada, se aproximou de outras artes marciais, com uso de cordões (como usam faixas no Judô e no Karatê) nas cores da bandeira brasileira. Com a vinculação de regras de um esporte institucionalizado, a Capoeira teve participação nos Jogos Estudantis Brasileiros (Jeb´s) a partir de 1985 (FALCÃO 2004, p.102) devido à sugestão do diretor de Educação Física e Desportos Estudantis da Fundação Educacional do Distrito Federal que se empolgara com a evidência dos trabalhos realizados com programas de Capoeira daquela órgão. Nestes jogos a Capoeira esteve presente de 1985 a 1991, retornou em 1994 e em 1996 deixou de integrar os referidos jogos. (FALCÃO, 2002, p103).

A Capoeira desvinculou-se da CBP em 1992 com a criação da Confederação Brasileira de Capoeira –CBC  que se instituiu: Única Entidade Nacional de Administração do Desporto da Capoeira em todo território brasileiro. De acordo com Silva (2002) há uma nova aproximação entre a Educação Física e a Capoeira, pois segundo a autora a CBC representa uma ala conservadora da Capoeira que se aliou ao setor também conservador da Educação Física.

No final da década de 90, através da lei 9696/98, foi regulamentada a profissão de Educação Física e criava também os respectivos conselhos: federal e regionais da classe: o sistema CONFEF/CREF’s.  No artigo 1º da resolução 046/02, especifica como uma das atribuições do profissional de  Educação Física a especialidade em “atividades físicas nas diversas manifestações... inclusive a Capoeira”.

Esta ação causou uma enorme repercussão no meio capoeirístico, pois muitos Mestres e Professores viram-se ameaçados e impedidos de continuarem seus ofícios. Para amenizar a situação, o sistema CONFEF/CREF’s instituiu um curso para os profissionais que já trabalhavam com manifestações da cultura corporal antes da promulgação da lei 9696/98. Porém para participação era necessário que o profissional atendesse algumas exigências como reza os art 1º e 2º da resolução 045/02

Art.1º - O requerimento de inscrição dos não graduados em curso superior de Educação Física, perante os Conselhos Regionais de Educação Física - CREFs, em categoria PROVISIONADO, far-se-á mediante o cumprimento integral e observância dos requisitos solicitados.

Art. 2º - Deverá o requerente apresentar comprovação oficial da atividade exercida, até a data do início da vigência da Lei nº 9696/98, ocorrida com a publicação no Diário Oficial da União (DOU), em 02 de Setembro de 1998, por prazo não inferior a 03 (três) anos, sendo que, a comprovação do exercício, se fará por:

I-carteira de trabalho, devidamente assinada; ou,

II - contrato de trabalho, devidamente registrado em cartório; ou,

III - documento público oficial do exercício profissional; ou,

IV - outros que venham a ser estabelecidos pelo CONFEF.

Após o curso estes  profissionais receberiam a denominação de provisionados e estariam habilitados a trabalharem nas suas respectivas modalidades.

Da senzala á Universidade: a Capoeira no ensino superior.

O contato da Capoeira com o meio acadêmico se dá inicialmente com Mestre Bimba e sua Capoeira regional. Como já dissemos anteriormente, Mestre Bimba criou formaturas, cursos de especialização, seqüências de ensino, ou seja, tudo aquilo que encontramos no ambiente universitário. Isto foi facilitado devido ao contato que o mestre mantinha com os universitários que freqüentavam suas aulas.

De acordo com Falcão (2004) a inserção da Capoeira no currículo universitário aconteceu em 1971, através do programa de melhoria do ensino nacional (PREMEM) da Faculdade de Educação da Universidade de Federal da Bahia. Depois foi ofertada pela Universidade Estadual da Guanabara (atual UERJ) como disciplina de práticas esportivas.

Em 1982 a Universidade Católica de Salvador introduziu a Capoeira como disciplina obrigatória no curso de Educação Física. Atualmente quinze instituições de nível superior oferecem a disciplina de forma obrigatória e dez apresentam na forma optativa. Com exceção da UNICAMP, que apresenta a disciplina Capoeira no curso de graduação em Dança, todas as outras a oferecem em cursos de graduação em Educação Física (FALCÃO, 2004, p. 193).

Em 1998, na Universidade Gama Filho surgiu o primeiro curso superior de Capoeira com duração de dois anos. Segundo Falcão apenas duas turmas concluíram o curso. Já em nível de especialização, a Universidade Nacional de Brasília (UNB) realizou o primeiro curso de especialização em “bases metodológicas e fisiológicas aplicados a Capoeira”.  Outra iniciativa de curso de especialização aconteceu em 2005 na Uniabreu sob responsabilidade do Prof. Leonardo Mataruna e do Professor Ms. João Marcus Perelli. Porém não temos maiores informações quanto à continuidade do curso e/ou sua conclusão.

Como projeto de Extensão, Falcão (2004) nos relata que doze Universidades Públicas e vinte e nove Universidades Privadas ofertam a Capoeira neste molde. Segundo o Mestre, esta inserção da Capoeira em projetos de extensão se dá através de grupos consolidados na comunidade capoeirana que utilizam a Universidade para a ampliação de seus horizontes e seus campos de trabalho. Muitos acabam deixando suas marcas, suas ideologias e as ideologias de seus grupos, contribuindo para uma Capoeira na Universidade e não para uma Capoeira da Universidade. Não é negar a inserção dos grupos, trata-se de refletir o papel da Capoeira na construção do conhecimento observando:

[...] princípios que regem uma instituição universitária que, em geral, se pautam pela universalização e democratização de idéias, valores e referências. A Universidade deve incorporar as demandas gestadas na sociedade, atenta aos critérios de universalização e democratização, de modo a evitar a construção de “igrejinhas” doutrinárias, de nichos, de guetos, que não se questionam e nem permitem ser questionados (FALCAO, 2004, p 195)

Apesar da Capoeira está em algumas Universidades públicas e privadas, seja como disciplina obrigatória ou optativa e até mesmo como projetos de extensão, muitas Universidades brasileiras ainda não contemplam a Capoeira em seus Currículos. Mesmo os Parâmetros Curriculares Nacionais evidenciarem as lutas inclusive a capoeira como um possível conteúdo para as aulas de educação física escolar. (PCN –EF, 1998, p 70).

Um novo conceito no trato com a Capoeira

Nenhum investimento econômico e social será mais significativo do que o utilizado na formação do educador

Eli Bennincá

A Capoeira provoca em seus participantes uma série de produções cognitivas, emocionais, afetivas e principalmente motoras. a) Cognitivas, ao fazer com que o capoeira tenha um pensamento rápido para cada situação do jogo. b) Emocional à medida que cada volta[7] é diferente da outra, assim como um jogador é diferente do outro. As energias trocadas não são as mesmas. c) Afetivas, a partir do despertar que todos na roda são iguais. Todos necessitam cooperar para o axé[8] da roda. Não há roda sem ritmo, sem coro e sem jogadores. d)Motoras através da percepção  de seus movimentos tão naturais e ao mesmo tempo tão complexos.(CORDEIRO, 2003)

Falcão (2004) em sua tese de doutorado em educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia- UFBA, propõe trazer para a comunidade Capoeirana o sentido de práxis.  Apesar de o termo práxis possuir uma etimologia grega, servindo para designar ações que se  realizava no âmbito das relações entre as pessoas, para Marx, o termo práxis refere-se “a atividade livre, universal, criativa e autocriativa, por meio do qual o homem e a mulher fazem, produzem e transformam seu mundo humano, histórico e si mesmo” (FALCÃO, 2004 p. 8.)

Foi a partir das formulações de Marx que Falcão (2004) buscou fundamentos para o entendimento da práxis capoeirana. Partindo desta premissa conceituou Práxis capoeirana como uma atividade de Capoeira, livre e criativa por meio da qual os sujeitos produzem e transformam seu mundo, humano e histórico, e a si mesmos. Portanto, a práxis capoeirana está referenciada por um projeto histórico superador do capitalismo.

O trato com o conhecimento da capoeira no currículo de formação  docente deve ser capaz de explicitar os avanços e os retrocessos de uma prática cultural complexa. E que esse trato seja operado como produção e divulgação dos saberes construídos a partir de diferentes  experiências (FALCAO b, 2004, p. 163).

Como disciplina, a práxis capoeirana  deve ser concebida como um complexo temático interdisciplinar onde se entrecruzam pressupostos de várias áreas do conhecimento, como História,  Antropologia, Sociologia, Psicologia, Filosofia, Educação Física dentre outras. Ela  deve conter uma totalidade, uma particularidade e uma operacionalidade em nível qualitativo,  com sua  teoria articulando-se com experiências práticas e concretas dos próprios capoeiristas e a realidade social impregnada de responsabilidade social vinculada à solução de problemas concretos.

[...] o complexo temático Capoeirana trata o conhecimento em sua estreita vinculação com a prática social. Este conhecimento se torna útil à medida que, com base nele, o homem pode transformar a realidade. Ele é útil porque é verdadeiro e não inversamente, verdadeiro porque é útil, como defende o pragmatismo (FALCÃO, 2004, p. 329)

Por meio dessa práxis, qualificada pela noção de complexo temático, os sujeitos na formação docente em educação física serão levados a: experimentar, problematizar, teorizar e reconstruir coletivamente essa mesma realidade de modo que possam  atuar com adequada fundamentação teórica que lhes permitam ações coerentes diagnosticando os interesses, expectativas e necessidades das pessoas, possibilitando a integração/interação nos grupos, a construção e reconstrução de conhecimentos e desenvolvimento do senso crítico e reflexivo. Cada participante contribui de forma singular e também de forma coletiva para o enriquecimento deste diálogo

A práxis capoeirana na formação docente em educação física contribuirá para o desenvolvimento da prática pedagógica numa perspectiva autodeterminada, autônoma, solidária, reflexiva e crítica. A formação docente por meio da práxis requer um processo de reflexão, avaliação, observação e crítica de sua ação pedagógica que se transforma e modifica seu jeito de ser professor.

À medida que o educador educa, ele se educa a si mesmo; e, por ser o sujeito de sua formação, passa a ter condições de desenvolver uma práxis pedagógica. Pode-se afirmar, com toda a segurança, que, no processo da práxis pedagógica, o aluno privilegiado do professor é o próprio professor (BENNICÁ, 2002, P.187)

Falcão (2004) considera que a roda de Capoeira por si só, não garante esclarecimentos e superações de condições alienadoras, se faz necessário uma relação dialética com a totalidade, daí a necessidade de se desenvolver a consciência histórica e a reflexão filosófica para percebermos as necessidades da realidade.

Para finalizar, nos atenta para o fato que mesmo o conceito de práxis Capoeirana sugira um campo infinito de possibilidades, a Capoeira concebida como tal e tratada como complexo temático, não deve ser confundida com um ecletismo cômodo ou um hibridismo conciliador. Ela  deve jogar com conceitos mais elásticos, sem perder-se em generalizações vagas e apressadas que apenas servem para legitimar doutrinas hegemônicas.  (FALCÃO, 2004, p. 334)

Considerações finais

Como podemos verificar as relações Capoeira e Educação Física datam desde o séc. XIX, apesar de sua inserção nos currículos dos cursos universitários ter ocorrido somente no fim do séc. XX. A  Capoeira sempre foi cooptada pela Educação Física de alguma forma, seja ela para atender a interesses: nacionalistas, esportivistas, pedagógicos e até mesmo como meio de especialidade de uma profissão.

O trato com a capoeira na formação superior requer uma abordagem ampla, temática, política e pedagogicamente correta devendo proporcionar  um enriquecimento cultural e cientifico. É nesse sentido que surge a questão da possibilidade de construção da ciência pedagógica. Simplesmente não é reproduzir na formação docente o dia a dia das academias de Capoeira, com assimilação dos golpes, aulas de ritmos, rodas de capoeiras dentre outras coisas.

O conceito de Práxis Capoeirana vem romper estes paradigmas e estabelecer uma nova metodologia. Propõe para o trato com a capoeira na formação docente um trato de complexo temático interdisciplinar envolvendo as diversas áreas das ciências,  de modo que possibilite uma transformação social, histórica e humana de seus participantes. Portanto, há uma ressignificação dos sentidos e valores atribuídos à capoeira transformando os valores e sentidos culturais próprios de uma comunidade ou de um indivíduo.

[1] Ladainha é a primeira cantiga cantada no jogo de angola

[2]Pé do berimbau – local situado em frente ao ritmo ou charanga, onde os jogadores abaixam-se para sair para o jogo.

[3] Subir o ritmo é uma expressão usada pelos capoeiristas para mudar o toque do mais lento para o mais rápido

[4] Comprar o jogo é entrar na roda e escolher com que capoeirista queira jogar naquele momento.

[5] Formados são alunos que atingiram um grau maior na Capoeira. Bimba foi quem primeiro denominou assim seus alunos mais experientes. Hoje se referem aos instrutores e professores de Capoeira

[6] Iúna. Toque realizado por Mestre Bimba, para jogo entre formados. Neste toque não pode haver contato entre os jogadores. Jogo muito técnico.

[7] Volta é cada tempo de jogo na roda de Capoeira. Um capoeirista que tenha feito duas voltas, realizou dois jogos

[8] A palavra Axé é de origem yorubá e é muito usada nas casas de Candomblé. Axé significa: força, poder, realização.

 

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Publicado em 21.04.07 - Última atualização: 20 agosto, 2007.