1 Introdução
Ao conduzirmos um exame histórico dos preceitos acerca dos
termos da cidadania, podemos ponderar que sua acepção moderna pode ser
evidenciada no âmbito do Estado capitalista moderno, sob a égide da
ideologia liberal, estando primeiramente vinculada ao princípio de igualdade
formal e, em contrapartida a desigualdade inerente à estratificação das
classes sociais.
Inicialmente, a cidadania esteve vinculada ao conceito de
igualdade dos Homens perante a lei e pela titularidade de direitos civis. Ao
longo do tempo, seguiu estendendo seu conteúdo, incorporando também direitos
políticos e sócio-econômicos, em conseqüência ao desenvolvimento do
“mercado” e do acirramento dos conflitos sociais. Assim, a cidadania não se
representa apenas como condição legal, estática ou definitiva. Uma vez que é
um processo coletivo e prolixo, que tem seu surgimento e alargamento
conectado à biografia da humanidade na Terra.
Por conseguinte, o termo cidadania pode ser compreendido sob
a luz de três elementos constitutivos: civil, político e social. O elemento
civil corresponde aos direitos necessários à liberdade individual, como “a
liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, direito à
propriedade privada e acesso irrestrito ao direito e a uma justiça integra”.
O político refere-se ao direito de participação no exercício do poder
político, como o direito a votar e ser votado e, de exercer cargos públicos.
Por fim, o social é relativo “a tudo que guia um ser a levar sua vida aos
moldes da civilização e, de acordo com os padrões que prevalecem no instinto
coletivo” (MARSHALL, 1967, p.63-64).
Nesse sentido, o surgimento da cidadania segue em paralelo ao
incremento do capitalismo, no século XVIII, quando a implementação dos
direitos civis foi necessária a economia de mercado, para que cada indivíduo
pudesse inserir-se na livre concorrência como unidade independente de
produção e consumo (MARSHALL, 1967, p. 79). De imediato, o status da
cidadania é pautado nos direitos civis, como um contrato acordado entre
homens livres e iguais, que concede capacidade legal para que as pessoas
lutem por seus interesses individuais.
Ou seja, o alargamento da cidadania através da prática do
direito civil e político a novos setores da população, acabaram por
aprofundar o sistema de desigualdades sociais, conforme salienta Marshall
(1967, p. 77):
A igualdade implícita no conceito de cidadania, embora
limitada em conteúdo, minou a desigualdade do sistema de classe, que era, em
princípio, uma desigualdade total. Uma justiça nacional e uma lei igual para
todos deve, inevitavelmente, enfraquecer e, eventualmente, destruir a
justiça de classe e a liberdade pessoal, como um direito natural universal.
Todavia, diante desse contexto, os direitos políticos
representavam uma possível ameaça ao sistema capitalista, apesar das classes
menos favorecidas terem feito um uso “pacífico” desse poder. Uma vez que em
meados do século XIX, mudanças significativas foram evidenciadas com a
criação do sindicalismo, onde trabalhadores fizeram uso de seus direitos
civis coletivamente. Configurando mudanças na tradição individualista do
direito civil, permitindo certa harmonia com a fase capitalista vigente.
Houve possibilidade dos trabalhadores firmarem reivindicações, pois como
cidadãos, estavam habilitados a certos direitos sociais. Ou seja, o uso
coletivo através dos sindicatos possibilitou “um sistema secundário de
cidadania industrial paralelo e complementar ao sistema da cidadania
política” (MARSHALL, 1967, p. 86). Deste modo, com o aumento das
reivindicações sociais, o Estado passa a intervir na ordem sócio-econômica,
conforme ressalta Bobbio (1986, p.123):
Quando os titulares dos direitos políticos eram apenas os
proprietários, era natural que a maior solicitação dirigida ao poder
político fosse a de proteger a liberdade de propriedade e dos contratos. A
partir do momento em que os direitos políticos foram estendidos aos que nada
têm e aos analfabetos. Tornou-se igualmente natural que aos governantes, que
acima de tudo se proclamavam representantes do povo, passassem a ser pedidos
trabalhos, escolas gratuitas e - por que não? - casas populares, tratamentos
médicos, etc.
Ao limiar do século XIX, a marcha rumo à cidadania pouco
modificou as desigualdades sociais, entretanto, contribuiu para o processo
que levaria às políticas “igualitárias” do século XX. Ocasionando a
incorporação dos direitos sociais ao status do termo, criando um
“direito universal”.
Ou seja, analisando os direitos constitutivos do discurso da
cidadania, na incorporação efetiva das classes subalternas à ordem burguesa,
o conceito passa a existir como titularidade de direitos civis, políticos e
sociais de todos os indivíduos, recobertos pelo princípio de eqüidade dos
Homens perante a lei, sob a égide de um discurso nivelador, sendo então
colocado em termos de universalidade. Contudo, a incorporação dos direitos
sociais à cidadania, através das políticas assistenciais, conduziu o Estado
burguês à intervenção na ordem sócio-econômica construindo-se como Estado de
Bem-Estar Social e tendo por epicentro a questão das desigualdades entre as
classes sociais, gerando assim espaço para os debates acerca do
reconhecimento das contradições inerentes à sociedade capitalista.
Assim, o contexto que cerca o desenvolvimento do Estado
interventor é caracterizado como keynesiano/fordista, que permitiu altas
taxas de lucro aos empreendedores em um período de claro crescimento
econômico sob hegemonia do grande capital monopolista dos Estados Unidos.
Com a internacionalização do capital, impôs-se aos atores da economia
mundial o padrão de produção e consumo norte-americano, “por meio das
empresas transnacionais, da mundialização do capital financeiro e da divisão
internacional dos mercados e do trabalho”, (MOTTA, 1995, p. 50). Somado a
tal fato, introduz-se o avanço na industrialização de diversos países, sendo
os Estados nacionais os impulsionadores da formação da base produtiva para
atender as necessidades dos oligopólios internacionais, incentivando e
financiando a indústria de bens de capital e obras de infra-estrutura,
quanto não, intervindo na reprodução da força de trabalho através dos
mecanismos keynesianos.
Este padrão de “desenvolvimento” hegemônico possibilitou um
período de prosperidade à produção capitalista e certa estabilidade social
no pós Segunda Guerra, que segundo Pires (1998, p. 36), não é resultado de
uma determinação do mercado, mas “da luta de grupos e classes, que exigiu
mudanças na forma de gestão econômica, no papel e estrutura do Estado, na
relação salarial e no padrão de consumo”.
Portanto, o Estado assume papel de administrador da força de
trabalho, onde através das redes de serviços públicos buscou reduzir as
desigualdades e o desemprego fomentando a criação das bases tecnológicas e
da produção industrial. Dessa maneira, configurou-se o Estado de Bem-Estar
Social, que está assentado sobre a teoria de Keynes, que dispõe sobre o
Estado como regulador da conjuntura, efetivando, entre outras medidas,
políticas para manter o crescimento econômico, garantindo demanda para
consumo, e para amenizar os riscos que trabalhadores assalariados e suas
famílias estão submetidos numa sociedade capitalista. Deste modo, o Estado
de Bem-Estar Social contribuiu para o crescimento econômico e para o período
de prosperidade e redistribuição de renda a favor dos assalariados,
permitindo aumento no consumo de novos produtos e atendendo as necessidades
das classes trabalhadoras pela prestação de serviços de saúde, educação,
previdência e assistência social. Permitindo aos indivíduos o poder de
consumir.
Entretanto, o Estado de Bem-Estar Social remete a um
tratamento contraditório do Estado acerca dos conflitos entre as classes
sociais. Pois, na produção/reprodução da sociedade capitalista, o
antagonismo de classes coloca-se no cenário político, transformando as
relações entre Estado, sociedade e mercado. Travando mecanismos que giram o
mercado, e atendem às necessidades de reprodução da classe trabalhadora.
O Estado de Bem-Estar Social caracteriza-se pela intervenção
do governo no âmbito social, amparando uma classe da atitude antagônica do
capitalismo e, de suas estruturas desiguais. Contudo, num “Estado social”
que é ao mesmo tempo capitalista, a cidadania é quem promove os fins para
legitimação das ações estatais. Todavia, o Estado intervencionista não
alterou as bases e as relações econômicas e políticas do capitalismo.
Os problemas
assistenciais - relacionados ao trabalho, seguro social, habitação, saúde,
educação -, são conseqüências do gradiente industrial capitalista. Nesse
sentido, as políticas social-assistencialistas são um meio para compensar o
processo de deterioração da vida do povo e resgatar a estabilidade de
reprodução do poder e dominação burgueses, através do clientelismo (SAES,
2003 e 2001).
Em suma, as políticas
voltadas ao atendimento das demandas das classes subalternas, como meio de
acesso aos bens e serviços públicos, tornam-se necessária a produção
capitalista, estabilizando tensões sociais de forma a não politizar a nação,
desarticulando a resistência e encaminhando a sociedade a frentes menos
conflituosas. Deste modo, o discurso da cidadania apropriado pelo Estado
capitalista, auxilia na formação de suas bases de legitimação, onde a
correlação de forças entre concessão e conquista, acabam por se diluir. Ou
seja, o desenvolvimento histórico da cidadania vem se apresentar com um
caráter essencialmente contraditório, numa relação dialética de contestação
e legitimação, de conquista e concessão, de libertação e dominação e de
emancipação e regulação.
2
Pensando acerca da cidadania no Brasil
A tortuosa biografia sobre a concepção da cidadania no Brasil
é um componente fundamental para reflexão acerca da conjuntura sociopolítica
contemporânea do país. Uma vez que a experiência brasileira seguiu-se como
uma inversão conceitual durante a implementação dos programas de fomento às
instâncias democráticas do Estado. Pois, a priori, vieram os direitos
sociais implantados em períodos de supressão popular por um ditador e, a
posteriori, passam a existir os direitos políticos de maneira atípica, já
que os órgãos de representação política foram transformados em artefato
decorativo pelo regime militar. Nesse sentido, podemos ponderar que, como em
um pêndulo, sempre que o país incrementou os direitos políticos, deixou de
lado os sociais, e vice-versa e, essa lógica perversa deixou uma alarmante
seqüela: a excessiva valoração do Executivo. Pois, se os direitos sociais
foram implantados durante a vigência de períodos ditatoriais, criou-se a
imagem de centralização do Estado, onde o progresso recebido pela
coletividade sempre veio embalado em clientelismo. Assim, os benefícios
sociais não eram, e ainda não são tratados como conquista de todos, mas sim
como fruto da negociação de grupos isolados com o governo e seus
representantes. Ou seja, o povo passou a se organizar para garantir os
privilégios distribuídos pelo Estado, estabelecendo-se no Brasil um laço
direto entre Estado e indivíduo, fragilizando o sentido das eleições e da
idoneidade do aparato burocrático estatal (Porto,
2004; Carvalho, 2001).
A partir deste contexto deplorável, a sociedade brasileira
passou a constituir em seu cerne o conformismo com a tese de que o país é, e
sempre será um eterno mar de lama. Haja vista que para 79% dos entrevistados
em uma pesquisa acerca da percepção popular sobre as instituições políticas,
a corrupção é a marca maior do serviço público e, para 72% dos pesquisados,
os políticos só existem para se dar bem na vida. Ainda nesse sentido, 43%
dos brasileiros questionados crêem que uma mão dura do governo não faria mal
à nação e, 48% não se importariam se o país ficasse à mercê dos interesses
das organizações privadas se a vida deles melhorasse e, ainda, 26% pensam
que ter um regime democrático ou não-democrático de administração não faz
diferença alguma no cotidiano do povo (FGV, 2006). Por conseguinte às
constatações supracitadas, a cidadania, entendida como a participação do
indivíduo na criação de seu meio e sociedade, parece pouco desenvolvida na
essência da pátria, pois, uma pesquisa de 1993 já demonstrava a indiferença
dos brasileiros sobre a presença dos órgãos de representação política como
sendo necessários ao funcionamento pleno da soberania popular, uma vez que
30% dos abordados pela questão acreditavam que a sociedade poderia transpor
sua existência tranqüilamente sem a existência do Congresso Nacional e suas
atividades constitutivas (DATAFOLHA, 1993).
Portanto, a descrença contemporânea, renovada a cada crise no
governo por conta da corrupção, não é uma novidade. Entretanto a questão a
ser pensada diante de toda essa conjectura é: por que a sociedade é tão ágil
em identificar as rupturas institucionais e, tão lenta em modificar o
panorama da integridade do Estado e seus representantes eleitos diretamente?
Por conseguinte, no Brasil, um país de tantas desigualdades e
insatisfações, onde nunca houve um movimento popular capaz de promover uma
reforma eficaz na esfera nacional de poder, encontra-se muito aquém da
sensibilidade social e assim tem convivido pacificamente com a miséria
cotidiana, material e cívica sem gerar grandes ameaças à imposição deste
cenário. O paradoxo é que, desde os anos 1930, o país experimentou um salto
quantitativo na questão eleitoral sem que, no entanto, a cidadania dos votos
se fizesse acompanhar pelo fator qualitativo dos direitos sociais (Santos,
2006).
Neste sentido, com o fim da ditadura militar e a instituição
da democracia, a partir de 1985, a expressão “cidadania” tornou-se
extremamente divulgada, pois, havia a crença popular de que a democratização
das instituições traria rapidamente a felicidade e a prosperidade ao país.
Esse engodo funcionou com o voto, todavia, o abismo social e econômico
prevaleceu e, em conseqüência disso, os mecanismos e os agentes
democráticos, como as eleições, os partidos, o Congresso Nacional e os
políticos, se desgastaram e perderam a confiança do público (Carvalho,
2001).
Segundo esta acepção, ainda existe a recusa histórica da
coletividade em configurar um espaço notório para reflexões e discussões
acerca dos direitos humanos e da regulação do Estado. Se sujeitando a
efetivação de administrações individualistas e a gestão ineficaz de crises
diante das mudanças no cenário global, acendendo o alargamento nos processos
de desregulamentação do plano estatal e, influindo diretamente no acesso aos
direitos sociais, na destituição do poder popular e na anulação da política
nacional característica (Paoli, 2006).
Desta maneira, podemos pensar que existe um domínio de classe consentido,
ativa e passivamente, em que finalmente os dominados partilham dos mesmos
valores dos dominantes (Nogueira,
2005).
Portanto, cabe presumir que dificilmente será constituída uma
sociedade genuinamente democrática, cívica e forte combatente à corrupção, à
desigualdade e ao elitismo, que busca articular uma cultura nova e
politicamente adequada aos padrões ideais (Reis,
2005). Isso porque, a lacuna da cidadania - autentica -, impede a
articulação adequada para realização de ações pujantes na busca pela
transformação do Estado brasileiro em um ambiente melhor para se existir.
Esses fatos, aliados à descrença nos atores políticos, representantes
eleitos democraticamente pelo voto direto, geram um mecanismo nocivo que,
por sua vez, impede a criação de formas enérgicas de controle à decomposição
do Estado e das desigualdades sociais.
Deste modo, o difundido desapreço da população pelos direitos
civis e a insegurança hobbesiana instalada no instinto coletivo, ajudam a
explicar as enormes proporções de apoio às hipotéticas lideranças
carismáticas que buscam “unificar e guiar” a nação para uma “nova via” de
desenvolvimento pleno (Porto, 2004).
Isso porque o modelo neoliberal, adotado em escala global, ao chegar ao
país, afetou ainda mais o contexto da cidadania e do direito social,
invertendo-o sem, no entanto, resolver suas mazelas.
O pensamento liberal insistiu na importância do mercado e na
redução do papel do Estado. Todavia, sob essa ótica, o cidadão se torna cada
vez mais consumidor, afastando-se das preocupações com a política e com os
problemas coletivos (Carvalho,
2001). Conseqüentemente, hoje em dia os indivíduos não querem ser cidadãos,
mas consumidores, ou melhor, a cidadania que reivindicam é a do direito ao
consumo integral. Entretanto, a cultura do consumo dificulta o desatamento
do nó que torna tão lenta a marcha do progresso entre o povo, inviabilizando
resultados que impliquem na redução das desigualdades.
Ou seja, se antes o Estado poderoso era quem dificultava a
concretização dos termos da cidadania, a partir da década de 1990 foi a
propagação do imaginário de um Estado arruinado, o responsável pela
desmobilização do povo brasileiro (Oliveira,
2003). Posteriormente, o governo colocou os holofotes sobre a despesa
pública e converteu as despesas sociais públicas em causador da falência do
Estado, quando na verdade isso se deveu à dívida interna e externa do país.
Ainda segundo Oliveira (2003), na ilusão de que o Estado
apenas sobreviveria como extensão do universo privado, nasceu à falsa
consciência da não necessidade do setor público em funcionar pautado na
racionalidade e eficiência das organizações privadas. Logo, nada mais
natural que o indivíduo troque sua cidadania pelo consumo, buscando
“respeito” e qualidade nos bens e serviços adquiridos.
Essa permuta traz sérias implicações, pois, o sujeito é
obrigado a resolver suas dificuldades, desamparado do auxilio burocrático
estatal. Todavia, em contrapartida, a massa demanda cada vez mais do Estado,
alargando cada vez mais a descrença nas instituições públicas.
Nesse sentido, a violência constatada diariamente na mídia é
o resultado híbrido da associação entre o confinamento regulador da
cidadania e o hobbesianismo social, onde impera a brutalidade como modo
banal e rotineiro para resolução de conflitos particulares. Por isso o
comportamento predatório vem se generalizando na sociedade brasileira (Telles,
2006). Uma vez que um povo inculto é um povo bárbaro.
Sob a luz dos instintos da massa, observa
Santos (2006), a insatisfação é decorrente
do aumento no volume de demandas e pedidos que não são atendidos pelo
Estado. Assim, parece que a insatisfação da população não é tanto com a
democracia ou não, do regime político brasileiro, mas sim com a estagnação e
declínio das instituições populares. Visto que, nas últimas décadas, o país
ingressou num processo de subdesenvolvimento organizacional público, onde, à
medida que a expansão de grupos de interesses heterogêneos não se vê
adequadamente expressos no governo e, no destino da nação.
3
Considerações finais
Repousando sobre os dados e reflexões evidenciados
previamente neste texto, podemos concluir que ao visualizarmos o termo
“cidadania”, ele pode ser pensado a partir de dois conjuntos de reflexão
teórica: um articulado mais no campo do indivíduo e, outro modelado mais
explicitamente ao conceito de democracia. Em relação ao indivíduo, é no
quadro do conflito entre liberais e republicanos que podemos buscar alguns
traços mais “violentos e contraditórios” sobre os fundamentos da cidadania.
A partir dessas informações, podemos apontar que a essência
política do conceito de cidadania “ocidental greco-romana” reveste-se de uma
discrepância entre democracia real e ideal. Portanto, uma igualdade de
direitos políticos que, de fato, não era e, não é, praticada. Ao decorrer da
história, entretanto, o conceito de cidadania passou a se referir as
diferentes esferas que não apenas à política. Assim, para entender seu
significado, somos coagidos a atentar para os direitos civis e sociais,
situando o conceito também no domínio jurídico e moral (MARSHALL, 1967, p.
63-65).
Contudo, é possível ainda apreender outros aspectos
importantes desse contraste, confrontando as leituras liberais e as
comunitárias acerca da cidadania. Em síntese, a cidadania “não liberal” é
uma responsabilidade e, por implicação, um encargo orgulhosamente assumido.
Em relação à visão liberal, a cidadania é um conjunto de direitos da qual se
integra de forma passiva. Assim, são dois focos distintos: um representa a
homogeneidade social e outro simboliza um processo mais difuso e impositivo.
A partir dessas considerações, podemos pensar e discorrer
seguros sobre os problemas da nação brasileira. Podendo observar que as
instituições do Estado estão fragmentadas, apropriadas por interesses
particulares e aprisionadas pelas várias privatizações e privações
setoriais, sendo incapacitadas de contestar as transformações do cenário
globalizado e as múltiplas demandas sociais internas, não dando condições à
esfera estratégica do governo de continuar coordenando o desenvolvimento
pleno da nação.
Ao passado ditatorial recente se atribuiu a maior parcela de
responsabilidade pelo precário status quo contemporâneo. Todavia,
caberia à democracia que o sucedeu a tarefa de providenciar a cicatrização
das mazelas herdadas. Porém, pareceu ser tarde demais e o presente novamente
as frustrações e o não contentamento com a revelação do peso e ociosidade
estatal.
Diante desse componente intangível e, num país marcado pela
instabilidade geral, suscita uma elevada taxa de incerteza na população,
estimulando nas pessoas uma aversão ao risco, em especial nos mais pobres,
temerosos do desemprego, da violência e da marginalização, acrescentando a
falta crônica de organização, com sindicatos enfraquecidos, e a inércia do
povo. Os partidos e os políticos não são procurados, e nem se fazem
procurar, há evidente descompasso entre a magnitude das carências sociais e
o empenho da sociedade em resolvê-las. Pois, não sobra tempo para isso, ante
a locação prioritária do tempo e dos recursos individuais na solução de
problemas particulares.
Esse raciocínio, em nada destituído de sentido, faz com que a falta de
cidadania e as desigualdades tenham o amparo da indiferença, e o resultado
parece óbvio se revelando na convivência quase pacífica da nação brasileira
com a miséria cívica, moral e material. Todavia, o custo do fracasso nas
ações coletivas pode ser elevado, observando-se a deterioração do status
quo dos participantes, tornando as circunstâncias ameaçadoras o
suficiente para deprimir o ânimo reivindicante dos mais necessitados,
estagnando todas as esferas de desenvolvimento do Brasil, deixando o maior
país do continente órfão de sua própria força popular e política.
por ALEXANDRE HÖNIG GONÇALVES