por ALEXANDRE HÖNIG GONÇALVES

Graduando em Relações Internacionais; bolsista do PIC/IML - Centro Universitário Moura Lacerda. Centro de Ciências Humanas e Sociais - Departamento de Relações Internacionais. Ribeirão Preto/SP, Brasil.

 

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Os termos da cidadania e da política em crise no Brasil[1]

Alexandre Hönig Gonçalves

 

Resumo

Este trabalho busca discorrer acerca da percepção que a sociedade brasileira tem sobre a crise política instalada no cerne da nação. Onde os termos da democracia, do regime de representação eleitoral e da cidadania, estão intimamente ameaçados. Para tanto, foi utilizada uma pesquisa exploratória qualitativa, com a finalidade de proporcionar o exame do tema em questão sob um enfoque diferenciado, gerando novas discussões e conclusões.

Palavras-chave: Sociedade; Democracia; Ruptura da Burocracia Estatal.

Abstract

This study looking for the conditions where the Brazilian society perceives the crisis installed in center of nation. When the terms of the democracy, politics’ representation and citizenship, are on dangerous. For in such a way, a qualitative exploratory research was used, that will provide the examination of the subject in question under a differentiated approach, generating new quarrels and conclusions.

Key-words: Society; Democracy; Rupture of State.

 

1 Introdução

Ao conduzirmos um exame histórico dos preceitos acerca dos termos da cidadania, podemos ponderar que sua acepção moderna pode ser evidenciada no âmbito do Estado capitalista moderno, sob a égide da ideologia liberal, estando primeiramente vinculada ao princípio de igualdade formal e, em contrapartida a desigualdade inerente à estratificação das classes sociais.

Inicialmente, a cidadania esteve vinculada ao conceito de igualdade dos Homens perante a lei e pela titularidade de direitos civis. Ao longo do tempo, seguiu estendendo seu conteúdo, incorporando também direitos políticos e sócio-econômicos, em conseqüência ao desenvolvimento do “mercado” e do acirramento dos conflitos sociais. Assim, a cidadania não se representa apenas como condição legal, estática ou definitiva. Uma vez que é um processo coletivo e prolixo, que tem seu surgimento e alargamento conectado à biografia da humanidade na Terra.

Por conseguinte, o termo cidadania pode ser compreendido sob a luz de três elementos constitutivos: civil, político e social. O elemento civil corresponde aos direitos necessários à liberdade individual, como “a liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, direito à propriedade privada e acesso irrestrito ao direito e a uma justiça integra”. O político refere-se ao direito de participação no exercício do poder político, como o direito a votar e ser votado e, de exercer cargos públicos. Por fim, o social é relativo “a tudo que guia um ser a levar sua vida aos moldes da civilização e, de acordo com os padrões que prevalecem no instinto coletivo” (MARSHALL, 1967, p.63-64).

Nesse sentido, o surgimento da cidadania segue em paralelo ao incremento do capitalismo, no século XVIII, quando a implementação dos direitos civis foi necessária a economia de mercado, para que cada indivíduo pudesse inserir-se na livre concorrência como unidade independente de produção e consumo (MARSHALL, 1967, p. 79). De imediato, o status da cidadania é pautado nos direitos civis, como um contrato acordado entre homens livres e iguais, que concede capacidade legal para que as pessoas lutem por seus interesses individuais. 

Ou seja, o alargamento da cidadania através da prática do direito civil e político a novos setores da população, acabaram por aprofundar o sistema de desigualdades sociais, conforme salienta Marshall (1967, p. 77):

A igualdade implícita no conceito de cidadania, embora limitada em conteúdo, minou a desigualdade do sistema de classe, que era, em princípio, uma desigualdade total. Uma justiça nacional e uma lei igual para todos deve, inevitavelmente, enfraquecer e, eventualmente, destruir a justiça de classe e a liberdade pessoal, como um direito natural universal.

Todavia, diante desse contexto, os direitos políticos representavam uma possível ameaça ao sistema capitalista, apesar das classes menos favorecidas terem feito um uso “pacífico” desse poder. Uma vez que em meados do século XIX, mudanças significativas foram evidenciadas com a criação do sindicalismo, onde trabalhadores fizeram uso de seus direitos civis coletivamente. Configurando mudanças na tradição individualista do direito civil, permitindo certa harmonia com a fase capitalista vigente. Houve possibilidade dos trabalhadores firmarem reivindicações, pois como cidadãos, estavam habilitados a certos direitos sociais. Ou seja, o uso coletivo através dos sindicatos possibilitou “um sistema secundário de cidadania industrial paralelo e complementar ao sistema da cidadania política” (MARSHALL, 1967, p. 86). Deste modo, com o aumento das reivindicações sociais, o Estado passa a intervir na ordem sócio-econômica, conforme ressalta Bobbio (1986, p.123):

Quando os titulares dos direitos políticos eram apenas os proprietários, era natural que a maior solicitação dirigida ao poder político fosse a de proteger a liberdade de propriedade e dos contratos. A partir do momento em que os direitos políticos foram estendidos aos que nada têm e aos analfabetos. Tornou-se igualmente natural que aos governantes, que acima de tudo se proclamavam representantes do povo, passassem a ser pedidos trabalhos, escolas gratuitas e - por que não? - casas populares, tratamentos médicos, etc.

Ao limiar do século XIX, a marcha rumo à cidadania pouco modificou as desigualdades sociais, entretanto, contribuiu para o processo que levaria às políticas “igualitárias” do século XX. Ocasionando a incorporação dos direitos sociais ao status do termo, criando um “direito universal”.

Ou seja, analisando os direitos constitutivos do discurso da cidadania, na incorporação efetiva das classes subalternas à ordem burguesa, o conceito passa a existir como titularidade de direitos civis, políticos e sociais de todos os indivíduos, recobertos pelo princípio de eqüidade dos Homens perante a lei, sob a égide de um discurso nivelador, sendo então colocado em termos de universalidade. Contudo, a incorporação dos direitos sociais à cidadania, através das políticas assistenciais, conduziu o Estado burguês à intervenção na ordem sócio-econômica construindo-se como Estado de Bem-Estar Social e tendo por epicentro a questão das desigualdades entre as classes sociais, gerando assim espaço para os debates acerca do reconhecimento das contradições inerentes à sociedade capitalista.

Assim, o contexto que cerca o desenvolvimento do Estado interventor é caracterizado como keynesiano/fordista, que permitiu altas taxas de lucro aos empreendedores em um período de claro crescimento econômico sob hegemonia do grande capital monopolista dos Estados Unidos. Com a internacionalização do capital, impôs-se aos atores da economia mundial o padrão de produção e consumo norte-americano, “por meio das empresas transnacionais, da mundialização do capital financeiro e da divisão internacional dos mercados e do trabalho”, (MOTTA, 1995, p. 50). Somado a tal fato, introduz-se o avanço na industrialização de diversos países, sendo os Estados nacionais os impulsionadores da formação da base produtiva para atender as necessidades dos oligopólios internacionais, incentivando e financiando a indústria de bens de capital e obras de infra-estrutura, quanto não, intervindo na reprodução da força de trabalho através dos mecanismos keynesianos.

Este padrão de “desenvolvimento” hegemônico possibilitou um período de prosperidade à produção capitalista e certa estabilidade social no pós Segunda Guerra, que segundo Pires (1998, p. 36), não é resultado de uma determinação do mercado, mas “da luta de grupos e classes, que exigiu mudanças na forma de gestão econômica, no papel e estrutura do Estado, na relação salarial e no padrão de consumo”.

Portanto, o Estado assume papel de administrador da força de trabalho, onde através das redes de serviços públicos buscou reduzir as desigualdades e o desemprego fomentando a criação das bases tecnológicas e da produção industrial. Dessa maneira, configurou-se o Estado de Bem-Estar Social, que está assentado sobre a teoria de Keynes, que dispõe sobre o Estado como regulador da conjuntura, efetivando, entre outras medidas, políticas para manter o crescimento econômico, garantindo demanda para consumo, e para amenizar os riscos que trabalhadores assalariados e suas famílias estão submetidos numa sociedade capitalista. Deste modo, o Estado de Bem-Estar Social contribuiu para o crescimento econômico e para o período de prosperidade e redistribuição de renda a favor dos assalariados, permitindo aumento no consumo de novos produtos e atendendo as necessidades das classes trabalhadoras pela prestação de serviços de saúde, educação, previdência e assistência social. Permitindo aos indivíduos o poder de consumir. 

Entretanto, o Estado de Bem-Estar Social remete a um tratamento contraditório do Estado acerca dos conflitos entre as classes sociais. Pois, na produção/reprodução da sociedade capitalista, o antagonismo de classes coloca-se no cenário político, transformando as relações entre Estado, sociedade e mercado. Travando mecanismos que giram o mercado, e atendem às necessidades de reprodução da classe trabalhadora.

O Estado de Bem-Estar Social caracteriza-se pela intervenção do governo no âmbito social, amparando uma classe da atitude antagônica do capitalismo e, de suas estruturas desiguais. Contudo, num “Estado social” que é ao mesmo tempo capitalista, a cidadania é quem promove os fins para legitimação das ações estatais. Todavia, o Estado intervencionista não alterou as bases e as relações econômicas e políticas do capitalismo. Os problemas assistenciais - relacionados ao trabalho, seguro social, habitação, saúde, educação -, são conseqüências do gradiente industrial capitalista. Nesse sentido, as políticas social-assistencialistas são um meio para compensar o processo de deterioração da vida do povo e resgatar a estabilidade de reprodução do poder e dominação burgueses, através do clientelismo (SAES, 2003 e 2001).

Em suma, as políticas voltadas ao atendimento das demandas das classes subalternas, como meio de acesso aos bens e serviços públicos, tornam-se necessária a produção capitalista, estabilizando tensões sociais de forma a não politizar a nação, desarticulando a resistência e encaminhando a sociedade a frentes menos conflituosas. Deste modo, o discurso da cidadania apropriado pelo Estado capitalista, auxilia na formação de suas bases de legitimação, onde a correlação de forças entre concessão e conquista, acabam por se diluir. Ou seja, o desenvolvimento histórico da cidadania vem se apresentar com um caráter essencialmente contraditório, numa relação dialética de contestação e legitimação, de conquista e concessão, de libertação e dominação e de emancipação e regulação.

2 Pensando acerca da cidadania no Brasil

A tortuosa biografia sobre a concepção da cidadania no Brasil é um componente fundamental para reflexão acerca da conjuntura sociopolítica contemporânea do país. Uma vez que a experiência brasileira seguiu-se como uma inversão conceitual durante a implementação dos programas de fomento às instâncias democráticas do Estado. Pois, a priori, vieram os direitos sociais implantados em períodos de supressão popular por um ditador e, a posteriori, passam a existir os direitos políticos de maneira atípica, já que os órgãos de representação política foram transformados em artefato decorativo pelo regime militar. Nesse sentido, podemos ponderar que, como em um pêndulo, sempre que o país incrementou os direitos políticos, deixou de lado os sociais, e vice-versa e, essa lógica perversa deixou uma alarmante seqüela: a excessiva valoração do Executivo. Pois, se os direitos sociais foram implantados durante a vigência de períodos ditatoriais, criou-se a imagem de centralização do Estado, onde o progresso recebido pela coletividade sempre veio embalado em clientelismo. Assim, os benefícios sociais não eram, e ainda não são tratados como conquista de todos, mas sim como fruto da negociação de grupos isolados com o governo e seus representantes. Ou seja, o povo passou a se organizar para garantir os privilégios distribuídos pelo Estado, estabelecendo-se no Brasil um laço direto entre Estado e indivíduo, fragilizando o sentido das eleições e da idoneidade do aparato burocrático estatal (Porto, 2004; Carvalho, 2001).

A partir deste contexto deplorável, a sociedade brasileira passou a constituir em seu cerne o conformismo com a tese de que o país é, e sempre será um eterno mar de lama. Haja vista que para 79% dos entrevistados em uma pesquisa acerca da percepção popular sobre as instituições políticas, a corrupção é a marca maior do serviço público e, para 72% dos pesquisados, os políticos só existem para se dar bem na vida. Ainda nesse sentido, 43% dos brasileiros questionados crêem que uma mão dura do governo não faria mal à nação e, 48% não se importariam se o país ficasse à mercê dos interesses das organizações privadas se a vida deles melhorasse e, ainda, 26% pensam que ter um regime democrático ou não-democrático de administração não faz diferença alguma no cotidiano do povo (FGV, 2006). Por conseguinte às constatações supracitadas, a cidadania, entendida como a participação do indivíduo na criação de seu meio e sociedade, parece pouco desenvolvida na essência da pátria, pois, uma pesquisa de 1993 já demonstrava a indiferença dos brasileiros sobre a presença dos órgãos de representação política como sendo necessários ao funcionamento pleno da soberania popular, uma vez que 30% dos abordados pela questão acreditavam que a sociedade poderia transpor sua existência tranqüilamente sem a existência do Congresso Nacional e suas atividades constitutivas (DATAFOLHA, 1993).

Portanto, a descrença contemporânea, renovada a cada crise no governo por conta da corrupção, não é uma novidade. Entretanto a questão a ser pensada diante de toda essa conjectura é: por que a sociedade é tão ágil em identificar as rupturas institucionais e, tão lenta em modificar o panorama da integridade do Estado e seus representantes eleitos diretamente?

Por conseguinte, no Brasil, um país de tantas desigualdades e insatisfações, onde nunca houve um movimento popular capaz de promover uma reforma eficaz na esfera nacional de poder, encontra-se muito aquém da sensibilidade social e assim tem convivido pacificamente com a miséria cotidiana, material e cívica sem gerar grandes ameaças à imposição deste cenário. O paradoxo é que, desde os anos 1930, o país experimentou um salto quantitativo na questão eleitoral sem que, no entanto, a cidadania dos votos se fizesse acompanhar pelo fator qualitativo dos direitos sociais (Santos, 2006).

Neste sentido, com o fim da ditadura militar e a instituição da democracia, a partir de 1985, a expressão “cidadania” tornou-se extremamente divulgada, pois, havia a crença popular de que a democratização das instituições traria rapidamente a felicidade e a prosperidade ao país. Esse engodo funcionou com o voto, todavia, o abismo social e econômico prevaleceu e, em conseqüência disso, os mecanismos e os agentes democráticos, como as eleições, os partidos, o Congresso Nacional e os políticos, se desgastaram e perderam a confiança do público (Carvalho, 2001).

Segundo esta acepção, ainda existe a recusa histórica da coletividade em configurar um espaço notório para reflexões e discussões acerca dos direitos humanos e da regulação do Estado. Se sujeitando a efetivação de administrações individualistas e a gestão ineficaz de crises diante das mudanças no cenário global, acendendo o alargamento nos processos de desregulamentação do plano estatal e, influindo diretamente no acesso aos direitos sociais, na destituição do poder popular e na anulação da política nacional característica (Paoli, 2006). Desta maneira, podemos pensar que existe um domínio de classe consentido, ativa e passivamente, em que finalmente os dominados partilham dos mesmos valores dos dominantes (Nogueira, 2005).

Portanto, cabe presumir que dificilmente será constituída uma sociedade genuinamente democrática, cívica e forte combatente à corrupção, à desigualdade e ao elitismo, que busca articular uma cultura nova e politicamente adequada aos padrões ideais (Reis, 2005). Isso porque, a lacuna da cidadania - autentica -, impede a articulação adequada para realização de ações pujantes na busca pela transformação do Estado brasileiro em um ambiente melhor para se existir. Esses fatos, aliados à descrença nos atores políticos, representantes eleitos democraticamente pelo voto direto, geram um mecanismo nocivo que, por sua vez, impede a criação de formas enérgicas de controle à decomposição do Estado e das desigualdades sociais.

Deste modo, o difundido desapreço da população pelos direitos civis e a insegurança hobbesiana instalada no instinto coletivo, ajudam a explicar as enormes proporções de apoio às hipotéticas lideranças carismáticas que buscam “unificar e guiar” a nação para uma “nova via” de desenvolvimento pleno (Porto, 2004). Isso porque o modelo neoliberal, adotado em escala global, ao chegar ao país, afetou ainda mais o contexto da cidadania e do direito social, invertendo-o sem, no entanto, resolver suas mazelas.

O pensamento liberal insistiu na importância do mercado e na redução do papel do Estado. Todavia, sob essa ótica, o cidadão se torna cada vez mais consumidor, afastando-se das preocupações com a política e com os problemas coletivos (Carvalho, 2001). Conseqüentemente, hoje em dia os indivíduos não querem ser cidadãos, mas consumidores, ou melhor, a cidadania que reivindicam é a do direito ao consumo integral. Entretanto, a cultura do consumo dificulta o desatamento do nó que torna tão lenta a marcha do progresso entre o povo, inviabilizando resultados que impliquem na redução das desigualdades.

Ou seja, se antes o Estado poderoso era quem dificultava a concretização dos termos da cidadania, a partir da década de 1990 foi a propagação do imaginário de um Estado arruinado, o responsável pela desmobilização do povo brasileiro (Oliveira, 2003). Posteriormente, o governo colocou os holofotes sobre a despesa pública e converteu as despesas sociais públicas em causador da falência do Estado, quando na verdade isso se deveu à dívida interna e externa do país.

Ainda segundo Oliveira (2003), na ilusão de que o Estado apenas sobreviveria como extensão do universo privado, nasceu à falsa consciência da não necessidade do setor público em funcionar pautado na racionalidade e eficiência das organizações privadas. Logo, nada mais natural que o indivíduo troque sua cidadania pelo consumo, buscando “respeito” e qualidade nos bens e serviços adquiridos.

Essa permuta traz sérias implicações, pois, o sujeito é obrigado a resolver suas dificuldades, desamparado do auxilio burocrático estatal. Todavia, em contrapartida, a massa demanda cada vez mais do Estado, alargando cada vez mais a descrença nas instituições públicas.

Nesse sentido, a violência constatada diariamente na mídia é o resultado híbrido da associação entre o confinamento regulador da cidadania e o hobbesianismo social, onde impera a brutalidade como modo banal e rotineiro para resolução de conflitos particulares. Por isso o comportamento predatório vem se generalizando na sociedade brasileira (Telles, 2006). Uma vez que um povo inculto é um povo bárbaro.

Sob a luz dos instintos da massa, observa Santos (2006), a insatisfação é decorrente do aumento no volume de demandas e pedidos que não são atendidos pelo Estado. Assim, parece que a insatisfação da população não é tanto com a democracia ou não, do regime político brasileiro, mas sim com a estagnação e declínio das instituições populares. Visto que, nas últimas décadas, o país ingressou num processo de subdesenvolvimento organizacional público, onde, à medida que a expansão de grupos de interesses heterogêneos não se vê adequadamente expressos no governo e, no destino da nação.

3 Considerações finais

Repousando sobre os dados e reflexões evidenciados previamente neste texto, podemos concluir que ao visualizarmos o termo “cidadania”, ele pode ser pensado a partir de dois conjuntos de reflexão teórica: um articulado mais no campo do indivíduo e, outro modelado mais explicitamente ao conceito de democracia. Em relação ao indivíduo, é no quadro do conflito entre liberais e republicanos que podemos buscar alguns traços mais “violentos e contraditórios” sobre os fundamentos da cidadania.

A partir dessas informações, podemos apontar que a essência política do conceito de cidadania “ocidental greco-romana” reveste-se de uma discrepância entre democracia real e ideal. Portanto, uma igualdade de direitos políticos que, de fato, não era e, não é, praticada. Ao decorrer da história, entretanto, o conceito de cidadania passou a se referir as diferentes esferas que não apenas à política. Assim, para entender seu significado, somos coagidos a atentar para os direitos civis e sociais, situando o conceito também no domínio jurídico e moral (MARSHALL, 1967, p. 63-65).

Contudo, é possível ainda apreender outros aspectos importantes desse contraste, confrontando as leituras liberais e as comunitárias acerca da cidadania. Em síntese, a cidadania “não liberal” é uma responsabilidade e, por implicação, um encargo orgulhosamente assumido. Em relação à visão liberal, a cidadania é um conjunto de direitos da qual se integra de forma passiva. Assim, são dois focos distintos: um representa a homogeneidade social e outro simboliza um processo mais difuso e impositivo.

A partir dessas considerações, podemos pensar e discorrer seguros sobre os problemas da nação brasileira. Podendo observar que as instituições do Estado estão fragmentadas, apropriadas por interesses particulares e aprisionadas pelas várias privatizações e privações setoriais, sendo incapacitadas de contestar as transformações do cenário globalizado e as múltiplas demandas sociais internas, não dando condições à esfera estratégica do governo de continuar coordenando o desenvolvimento pleno da nação.

Ao passado ditatorial recente se atribuiu a maior parcela de responsabilidade pelo precário status quo contemporâneo. Todavia, caberia à democracia que o sucedeu a tarefa de providenciar a cicatrização das mazelas herdadas. Porém, pareceu ser tarde demais e o presente novamente as frustrações e o não contentamento com a revelação do peso e ociosidade estatal.

Diante desse componente intangível e, num país marcado pela instabilidade geral, suscita uma elevada taxa de incerteza na população, estimulando nas pessoas uma aversão ao risco, em especial nos mais pobres, temerosos do desemprego, da violência e da marginalização, acrescentando a falta crônica de organização, com sindicatos enfraquecidos, e a inércia do povo. Os partidos e os políticos não são procurados, e nem se fazem procurar, há evidente descompasso entre a magnitude das carências sociais e o empenho da sociedade em resolvê-las. Pois, não sobra tempo para isso, ante a locação prioritária do tempo e dos recursos individuais na solução de problemas particulares.

Esse raciocínio, em nada destituído de sentido, faz com que a falta de cidadania e as desigualdades tenham o amparo da indiferença, e o resultado parece óbvio se revelando na convivência quase pacífica da nação brasileira com a miséria cívica, moral e material. Todavia, o custo do fracasso nas ações coletivas pode ser elevado, observando-se a deterioração do status quo dos participantes, tornando as circunstâncias ameaçadoras o suficiente para deprimir o ânimo reivindicante dos mais necessitados, estagnando todas as esferas de desenvolvimento do Brasil, deixando o maior país do continente órfão de sua própria força popular e política.

 

por ALEXANDRE HÖNIG GONÇALVES

[1] Trabalho orientado pelo Prof. Dr. Israel Roberto Barnabé - Docente da Universidade de Ribeirão Preto. Centro de Ciências Humanas e Sociais - Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior. Ribeirão Preto/SP, Brasil.
 

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Publicado em 21.04.07 - Última atualização: 20 agosto, 2007.