O
princípio iura novit curia
traduz-se no dever que o juiz tem de conhecer a norma jurídica e aplicá-la
por sua própria autoridade. Conforme ensina Calmon de Passos (1983, p.
189), ao juiz cabe conhecer o nomen
iuris dado ao conjunto formado pelo direito subjetivo do autor da
demanda e respectivo direito subjetivo de demandar.
De
fato, ao juiz devem ser apresentados o fato e os fundamentos jurídicos do
pedido, conforme dispõe o artigo 282, inciso III, do Código de Processo
Civil de 1973, de forma clara, precisa, exaustiva e concisa. Aliás, da análise
dos requisitos da petição inicial constantes no Código, observa-se que
não é necessário ao autor indicar o dispositivo legal (nomen
iuris) que caracterizaria a sua pretensão, e isto decorre do princípio
iura novit curia. Pontes de
Miranda (1996, tomo IV, p. 17) faz a seguinte afirmação: “não se
exige a referência a determinado texto de lei. Iura
novit curia!”.
O
aforismo iura novit curia
remonta ao direito romano e daquela época traz a carga com a qual se nos
apresenta atualmente: as partes devem se preocupar em provar os fatos
alegados de acordo com os fundamentos jurídicos do pedido, ao juiz cabe,
a partir do que ficou provado, aplicar o direito, ou seja, subsumir ao
caso concreto a norma jurídica mais adequada (as normas jurídicas mais
adequadas).
Assim,
a atividade de subsunção feita pelo juiz decorre (também) do aforismo iura
novit curia, haja vista que o magistrado terá de adaptar a norma jurídica
abstrata à situação de fato. Conforme nos ensina Carrara (2003, p. 77)
a atividade subsuntiva não é simples, os casos concretos sempre estão
envolvidos em circunstâncias sem relevância jurídica e de valoração
distinta, de forma que o juiz tem de analisar cada circunstância
precisamente a fim de que não incorra em injustiças. Além disso, a
subsunção geralmente não é de apenas um dispositivo legal ao caso
concreto, mas de vários dispositivos legais sobre o mesmo caso concreto.
O
fundamento do aforismo está no modo como se compõe a relação
processual, ou seja, a relação entre o Estado-juiz e as partes. Na sábia
lição de Carnelutti (2004, pp. 56 e 44), a noção de parte é o
resultado de uma divisão: “os litigantes são partes porque estão
divididos. Se vivessem em paz, formariam uma unidade”. Já o
Estado-juiz, representado pela pessoa física juiz, é aquele que tem juízo:
“diz-se que têm juízo os que sabem julgar”.
Desta
forma, se ao autor cabe apresentar os fatos e os fundamentos jurídicos do
pedido, nada mais salutar que o juiz dê o juízo sobre os fatos provados,
julgando favorável, ou não, ação em relação ao autor.
Calmon
de Passos (1983, p. 190) avisa que: “a tipificação dos fatos pelo
autor é irrelevante”, o autor deve apresentar e provar os fatos
formulando corretamente o seu pedido, sem se preocupar com a tipificação
legal, haja vista que se não formular o seu pedido de maneira correta,
será prejudicado, porque, pelo princípio da adstrição, o juiz
vincula-se ao pedido formulado, não podendo corrigi-lo de ofício.
Ao
que complementa Goldschmidt (2002, p. 90-91): “os defeitos da contribuição
dos fundamentos de Direito devem ser subsanados pelo juiz em conformidade
com os dois aforismos: iura novit
curia e da mihi factum, dabo
tibi ius [dá-me os fatos, que lhe darei o direito]”.
Por
fim, vale lembrar as palavras do incomparável jurista italiano
Calamandrei (2000, p. 183): “o tradicional aforismo iura
novit curia não tem nenhum valor prático se não se acompanhar deste
outro: mores novit curia”. Ou
seja: “não basta que os magistrados conheçam com perfeição as leis
tais como são escritas; seria necessário que conhecessem igualmente a
sociedade em que essas leis devem viver”.