por JULIO PINHEIRO FARO HOMEM DE SIQUEIRA

Graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória; Editor da Panóptica

 

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Que é Iura novit curia?

Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

 

Resumo:  

Este pequeno ensaio procura explicar o significado do princípio jurídico iura novit curia.

Palavras-chave: Princípio, iura novit curia.

Abstract:  

This short essay explains the meaning of the iura novit curia law principle.

Key-words: Principle, iura novit curia.

 

O princípio iura novit curia traduz-se no dever que o juiz tem de conhecer a norma jurídica e aplicá-la por sua própria autoridade. Conforme ensina Calmon de Passos (1983, p. 189), ao juiz cabe conhecer o nomen iuris dado ao conjunto formado pelo direito subjetivo do autor da demanda e respectivo direito subjetivo de demandar.

De fato, ao juiz devem ser apresentados o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, conforme dispõe o artigo 282, inciso III, do Código de Processo Civil de 1973, de forma clara, precisa, exaustiva e concisa. Aliás, da análise dos requisitos da petição inicial constantes no Código, observa-se que não é necessário ao autor indicar o dispositivo legal (nomen iuris) que caracterizaria a sua pretensão, e isto decorre do princípio iura novit curia. Pontes de Miranda (1996, tomo IV, p. 17) faz a seguinte afirmação: “não se exige a referência a determinado texto de lei. Iura novit curia!”.

O aforismo iura novit curia remonta ao direito romano e daquela época traz a carga com a qual se nos apresenta atualmente: as partes devem se preocupar em provar os fatos alegados de acordo com os fundamentos jurídicos do pedido, ao juiz cabe, a partir do que ficou provado, aplicar o direito, ou seja, subsumir ao caso concreto a norma jurídica mais adequada (as normas jurídicas mais adequadas).

Assim, a atividade de subsunção feita pelo juiz decorre (também) do aforismo iura novit curia, haja vista que o magistrado terá de adaptar a norma jurídica abstrata à situação de fato. Conforme nos ensina Carrara (2003, p. 77) a atividade subsuntiva não é simples, os casos concretos sempre estão envolvidos em circunstâncias sem relevância jurídica e de valoração distinta, de forma que o juiz tem de analisar cada circunstância precisamente a fim de que não incorra em injustiças. Além disso, a subsunção geralmente não é de apenas um dispositivo legal ao caso concreto, mas de vários dispositivos legais sobre o mesmo caso concreto.

O fundamento do aforismo está no modo como se compõe a relação processual, ou seja, a relação entre o Estado-juiz e as partes. Na sábia lição de Carnelutti (2004, pp. 56 e 44), a noção de parte é o resultado de uma divisão: “os litigantes são partes porque estão divididos. Se vivessem em paz, formariam uma unidade”. Já o Estado-juiz, representado pela pessoa física juiz, é aquele que tem juízo: “diz-se que têm juízo os que sabem julgar”.

Desta forma, se ao autor cabe apresentar os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, nada mais salutar que o juiz dê o juízo sobre os fatos provados, julgando favorável, ou não, ação em relação ao autor.

Calmon de Passos (1983, p. 190) avisa que: “a tipificação dos fatos pelo autor é irrelevante”, o autor deve apresentar e provar os fatos formulando corretamente o seu pedido, sem se preocupar com a tipificação legal, haja vista que se não formular o seu pedido de maneira correta, será prejudicado, porque, pelo princípio da adstrição, o juiz vincula-se ao pedido formulado, não podendo corrigi-lo de ofício.

Ao que complementa Goldschmidt (2002, p. 90-91): “os defeitos da contribuição dos fundamentos de Direito devem ser subsanados pelo juiz em conformidade com os dois aforismos: iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi ius [dá-me os fatos, que lhe darei o direito]”.

Por fim, vale lembrar as palavras do incomparável jurista italiano Calamandrei (2000, p. 183): “o tradicional aforismo iura novit curia não tem nenhum valor prático se não se acompanhar deste outro: mores novit curia”. Ou seja: “não basta que os magistrados conheçam com perfeição as leis tais como são escritas; seria necessário que conhecessem igualmente a sociedade em que essas leis devem viver”.

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Referências

CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. Trad. Eduardo Brandão. 1. ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000, 397p.

CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. Trad. Hebe Caletti Marenco. 2. ed. Campinas: Editora Minelli, 2004, 176p.

CARRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Trad. Joaquim Campos de Miranda. 1. ed. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003, 88p.

GOLDSCHMIDT, James. Princípios gerais do processo civil. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. 1. ed. Belo Horizonte: Editora Líder, 2002, 150p.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV – arts. 282 a 443. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1996, 552p.

PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III – arts. 270 a 331. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983, 529p.

 

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Publicado em 20.04.07 - Última atualização: 23 abril, 2007.