1.
A esquerda no Brasil
Um
dos esquemas que vem ganhando força na interpretação da história da
esquerda socialista é a que fala em
ciclos da esquerda.
Um recente documento do Movimento Consulta Popular fala em três características
para definir um ciclo de esquerda:
"a
predominância de uma certa interpretação da sociedade; (...) a percepção
de uma forma de luta estratégica, que, uma vez conduzida com êxito,
(...) possibilita alterar a correlação de forças entre as classes e
inaugurar um novo e mais avançado período de luta; [e ] a presença de
uma organização política que se apresenta legitimamente, aos olhos da
sociedade e da maioria dos militantes, como a instituição mais
autorizada para propor, defender e aperfeiçoar aquela interpretação e
como a mais capacitada para conduzir a luta estratégica, a ela
associada".
O
documento em questão fala que é possível identificar dois grandes
ciclos da esquerda no Brasil. O mais antigo foi hegemonizado pelo Partido
Comunista Brasileiro (PCB), e o mais recente, pelo Partido dos
Trabalhadores (PT).
Oficialmente,
o PT foi fundado em 1980, tendo recebido o seu registro na justiça
eleitoral em 1982. O partido foi construído a partir de quatro grandes
alicerces: setores progressistas da igreja católica, em grande parte
organizados nas comunidades eclesiais de base; o novo sindicalismo, com
forte influência no ABC paulista; a intelectualidade, com professores
universitários, intelectuais, artistas, estudantes etc; e setores
difusos, organizações diversas, tanto as democráticas como as
revolucionárias, que haviam lutado contra a ditadura militar.
Foi
nesse caldo heterogêneo petista que surgiram ou se consolidaram a maioria
das principais organizações socialistas brasileiras atuais. Na forma de
tendências internas ao partido, tiveram vida a Democracia Socialista (DS),
a Causa Operária, a Brasil Socialista, a Tendência Marxista, a Força
Socialista, a Convergência Socialista e muitas outras. Ao longo dos anos,
houve muitas rupturas, mudanças de nome, fusões e até expulsões.
A história de algumas dessas tendências é importante para o
desenvolvimento deste texto e será, em parte, retomada mais à frente.
Das
discussões acerca da fundação do PT, em 1979, à campanha de reeleição
de Lula, em 2006, muitos eventos significativos ocorreram com o partido. Não
são raros, porém, os analistas políticos que vêem nas transformações
petistas uma ilustração clássica da lei de ferro da oligarquia,
prevista pelo teórico elitista Robert Michels na obra “Sociologia dos
partidos políticos”, escrita ainda em 1911, ou então uma ilustração
do processo de pragmatismo eleitoral calculado pelo (então) marxista analítico
Adam Przeworski no já clássico “Capitalismo e Social-Democracia”, de
1985.
Se
é verdade que as transformações do PT podem ser entendidas como um
processo de burocratização e degeneração rumo à mera acomodação ao
jogo eleitoral, talvez um dos maiores símbolos de ruptura com a história
do partido seja a “Carta ao Povo Brasileiro”, divulgada pouco antes
das eleições de 2002.
Na
carta de princípios do PT, de 1979, toda a estrutura discursiva é
construída em torno da idéia de que a sociedade é dividida em classes,
com explorados e exploradores.
Assim, a carta fala em criar um “partido só dos trabalhadores”, que
será “expressão política dos de baixo”, já que “a emancipação
dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores”. O documento em
questão critica o MDB, que possuiria integrantes de “classes sociais
cujos interesses são incompatíveis”. Ainda, “o PT proclama que sua
participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão
a seu objetivo maior, que é o de estimular e aprofundar a organização
das massas exploradas”. Em última instância, trata-se de “um partido
que tem como objetivo acabar com a relação de exploração do homem pelo
homem”. O socialismo e a democracia são assumidos abertamente, já que
“não há socialismo sem democracia e nem democracia sem socialismo”.
23
anos depois, é divulgada a “Carta ao povo brasileiro”. Nela, a
“classe” é substituída pelo “povo”. A palavra socialismo
desaparece do discurso, assim como sua possibilidade desaparece do
horizonte. Agora, fala-se em “desenvolvimento econômico”, “crescer,
incluir, pacificar”, “justiça social” e “projeto nacional
alternativo”. Assim, a solidariedade é com a frustração de “todas
as classes e em todas as regiões [sic]”. Como caminho para mudar o
Brasil, fala-se em aliança com “parcelas significativas do
empresariado”, ao mesmo tempo em que são assumidos diversos
compromissos com o “povo” brasileiro, entre eles a continuidade das
obrigações financeiras e a busca de equilíbrio fiscal, desoneração do
capital, combate à inflação, aumento das exportações, crescimento
sustentável etc. Ao mesmo tempo em que se fala em “valorizar a
agricultura familiar”, a carta propõe o mesmo para o agro-negócio e
para os latifúndios exportadores. Posteriormente, as idéias do documento
foram sintetizadas na expressão conciliação
de classes, expressa na proposta de aliança “com todos os segmentos
da sociedade”.
O
fato é que, se aceitarmos a idéia de ciclos de esquerda apresentada
anteriormente, temos que admitir que, independentemente de quantos ciclos
de esquerda tenha havido, independentemente de suas delimitações cronológicas,
o ciclo PT está esgotado.
Atualmente,
são muitas as organizações que, no plano discursivo, assumem a
defesa do socialismo no Brasil. Entre elas, estão as chamadas correntes e
tendências da esquerda do PT. Há também: o Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificado (PSTU), há o Movimento Consulta Popular, há
organizações independentes, há muitos movimentos sociais que assumem de
maneira explícita a luta pelo socialismo. Não há, porém, a predominância
de uma certa leitura da sociedade, nem há apenas uma organização que
hegemoniza a esquerda brasileira, ou seja, ainda não se entrou em um novo
ciclo da esquerda.
Em
2004, surge mais uma organização disposta a participar deste processo, a
assumir esta bandeira e a tentar interferir nos rumos do Brasil em direção
ao socialismo: o Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL).
2.
Início do governo Lula, início dos processos de ruptura com o PT
É
fato que a discussão para a formação de um novo instrumento político
socialista já estavam dadas em 2002, com a insatisfação, por exemplo,
com a Carta ao Povo Brasileiro e com os rumos do PT em geral. Ainda
durante o pleito de 2002, era comum na imprensa a utilização da alcunha
de “radicais” para fazer referência à esquerda do PT.
Imediatamente
antes do segundo turno das eleições de 2002, a Revista Veja publica edição
cuja matéria de capa era intitulada “O que querem os radicais do
PT”. Na figura da capa, uma figura está postada ameaçadoramente: o cão
Cérbero, cujas cabeças são ilustradas por caricaturas de Lênin,
Trotski e Marx. A reportagem em questão afirma que 30% dos participantes
do PT são “revolucionários” e que, caso Lula vencesse o pleito, tais
revolucionários cobrariam a fatura.
O
caminho do PT já fazia com que diversos agrupamentos e coletivos internos
do partido já pensassem em novos rumos, novos instrumentos. Porém, foram
as opções da Frente Popular que aceleraram este processo. Logo após a
posse, Lula estabelece uma divisão de poder que deixa insatisfeitos
diversos setores da esquerda do PT. Por exemplo, ao Ministério da
Agricultura é indicado um latifundiário ligado ao agro-negócio. Já
nesta época, começa uma polarização interna no partido, com a senadora
Heloísa Helena recusando a indicação do tucano Henrique Meirelles para
a presidência do Banco Central e questionando o apoio do governo federal
ao ex-presidente José Sarney, candidato à presidência do Senado
Federal.
No
início do governo, a ampla maioria da esquerda que se reconhecia na tradição
socialista, incluindo tanto as tendências da esquerda do PT como o
Partido Comunista do Brasil (PC do B) e os movimentos sociais, adotam a
tese do governo em disputa. A idéia é simples: o governo estaria dotado
de uma grande quantidade de contradições internas, na medida em que
seria composto de setores da esquerda e da direita, ou seja, setores com
interesses diferentes. Portanto, a hegemonia seria dada a partir da
disputa: os interesses que pressionassem com mais força o governo
determinariam seu rumo.
Em
2003, o grande eixo político que agrupa alguns dos setores que
futuramente irão romper com o PT e construir o P-SOL é a luta contra a
contra-reforma da previdência. Isto é válido para importantes
sindicatos e uma parcela significativa de militantes ligados ao
funcionalismo público. No plano parlamentar, diversos petistas, desde o
início, avisam que são contra a reforma da previdência e assim iriam
votar, o que de fato fazem. São eles: a senadora Heloísa Helena e os
deputados federais Babá, João Fontes e Luciana Genro. Para eles, a
reforma tem viés privatizante, retira direitos conquistados
historicamente e tem caráter político distinto ao defendido
historicamente pelo PT.
O
deputado Lindberg Farias (PT/RJ) até então também era apresentado como
um dos radicais. Tendo sido presidente da União Nacional dos Estudantes
(UNE) nos anos 90, para posteriormente romper com o PC do B e integrar o
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Lindberg
apresentava discurso radical contra a reforma da previdência. Pouco tempo
antes da votação, porém, modera o discurso, e acaba votando a favor. No
ano seguinte, é eleito prefeito da cidade de Nova Iguaçu. Luciana Genro
e Roberto Robaina contam que “outro parceiro [na luta contra a reforma e
na construção do novo partido] era o deputado Lindberg Farias [...]. Porém,
logo mostrou ser exemplar vivo de como se chega ao oportunismo por vaidade
na enésima potência. Nunca esteve, é lógico, desacompanhado na bancada
petista”.
No
primeiro turno da votação da reforma, há ainda oito deputados petistas
que preferem se abster (o que, para efeitos práticos de aprovação da
reforma, equivale a votar contra). São eles: pela tendência Democracia
Socialista (DS), João Alfredo (CE), Orlando Fantazzini (SP) e Walter
Pinheiro (BA); pela Força Socialista,
Ivan Valente (SP) e Maninha (DF); e independentes ou ligados a grupos
regionais, Chico Alencar (RJ), Mauro Passos (SC) e Paulo Rubem Santiago
(PE).
No
PC do B, quatro dos onze parlamentares do partido votaram contra a reforma
no primeiro turno. O governo só conseguiu aprová-la na Câmara Federal
porque 62 tucanos e pefelistas votaram a favor.
O
processo de expulsão dos parlamentares radicais do PT é iniciado vários
meses antes da votação da reforma. Em 12 de maio, por 13 votos a 7, a
Executiva Nacional do partido aprova representação do então secretário
de organização do partido, Silvio Pereira, contra Luciana, Babá e Heloísa.
Em um momento posterior, por exibir a jornalistas imagens antigas de Lula
em discurso contra a reforma, João Fontes é incluído entre os radicais
passíveis de expulsão.
Em
um momento inicial, a intenção era expulsar do PT os radicais antes
mesmo da votação da reforma. Para evitar desgaste de sua imagem, porém,
o partido aguarda a consumação da votação para expulsá-los.
Em
julho, a Socialist Review publica manifesto intitulado “Petition on
Behalf of PT Senator Heloisa Helena And PT Deputies Joao Batista Araujo
Baba and Luciana Genro”.
O texto é encabeçado pelo lingüista Noam Chomsky e pelo cineasta Ken
Loach, e pede que o PT reconsidere sua posição e não expulse os
radicais. A versão final do manifesto, divulgada no início de dezembro,
contava com mais de mil assinaturas. Além disso, diversos intelectuais,
sindicatos e organizações brasileiras protestaram contra a tentativa de
expulsão.
Mesmo
assim, a reunião do Diretório Nacional que consuma a expulsão ocorre
dias 13 e 14 de dezembro, no luxuoso Hotel Blue Tree, em Brasília. Entre
as testemunhas de defesa, estavam “Chico de Oliveira, Dalmo Dallari,
Emir Sader, Paulo Arantes, Reinaldo Gonçalves, Eduardo Suplicy, Plínio
de Arruda Sampaio, entre outros”.
Mesmo assim, com 55 votos a favor e 27 contra, o PT expulsa Heloísa, Babá
e Luciana. João Fontes havia sido expulso algumas horas antes, com 55
votos a favor da expulsão, 26 contra e uma abstenção.
Assim
começa o primeiro processo de desligamento do PT. Em memorável carta
publicada no mesmo dia da expulsão dos radicais, o sociólogo Chico de
Oliveira, fundador do partido, conta por que está se desligando:
"Afasto-me
porque não votei nas últimas eleições presidencial e proporcional no
Partido dos Trabalhadores [...] para vê-lo governando com um programa que
não foi apresentado aos eleitores. [Ninguém pediu] meu voto para
conduzir uma política econômica desastrosa, uma reforma da Previdência
anti-trabalhador e pró-sistema financeiro, uma reforma tributária mofina
e oligarquizada, uma campanha de descrédito e desmoralização do
funcionalismo público, uma inversão de valores republicanos em benefício
do ideal liberal do êxito a qualquer preço [...], uma política de alianças
descaracterizadora, uma "caça às bruxas" anacrônica e
ressuscitadora das piores práticas stalinistas, um conjunto de políticas
que fingem ser sociais quando são apenas funcionalização da pobreza
--enfim, para não me alongar mais, um governo que é o terceiro mandato
de FHC. [...]
Mas
minha discordância não se funda apenas --e esse apenas já seria muito--
no que poderia ser considerado um desvio conjuntural, uma operação política
tática para governar e atenuar os efeitos da herança de FHC.
Ela
vai mais longe: há transformações estruturais na posição de classe de
um vasto setor que domina o PT, que indicam uma real mudança do caráter
do partido. E, como posições de classe não se mudam com simples mudanças
de nomes ou de conjuntura ou de melhoria de alguns indicadores econômicos,
considero que o governo Lula está aprofundando a chamada "herança
maldita" de FHC e tornando-a irreversível”.
As
correntes políticas de Babá e Luciana Genro, respectivamente a Corrente
Socialista dos Trabalhadores (CST) e o Movimento Esquerda Socialista (MES),
historicamente oriundas do trotskismo ortodoxo, consideram-se expulsas do
partido e desfiliam-se dele. A situação de Heloísa Helena é mais
complicada. Heloísa pertencia à DS, tendência interna do PT que já
havia decidido continuar no partido. A DS era ligada a um setor mais
moderado do trotskismo, relacionada com o antigo Secretariado Unificado (SU)
da IV Internacional. Mesmo assim, alguns militantes da DS, de diversas
regiões do país, em solidariedade a Heloísa, também se consideram
expulsos e saem do PT.
3.
Os movimentos pelo novo partido e a consolidação do P-SOL
Quem
saiu na frente para a composição de um novo partido foi o PSTU,
partido que surgiu a partir da expulsão do PT da então tendência
interna Convergência Socialista (CS), ocorrida em 1992. A tendência,
estruturada nacionalmente, acaba se unindo a grupos regionais e locais na
formação de uma “frente revolucionária”, que culmina, em dezembro
de 2003, na formação de um movimento para a legalização do PSTU.
O
PSTU se reconhece na tradição do “trotskismo ortodoxo”, inspirado
nas realizações do militante e teórico argentino
Nahuel Moreno. Internacionalmente, o partido faz parte da Liga
Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI), seção da IV Internacional
fundada pelo próprio Moreno em 1982.
Ainda
em 2002, o partido buscava se aproximar de setores da esquerda do PT,
fazendo um chamado vago à formação de um novo partido. Já em 2003, a
discussão interna ganha corpo, e a direção do partido faz um conjunto
de reuniões com as direções do MES e da CST para discutir as
possibilidades de um novo partido.
Em
novembro de 2003, ocorre, em Belo Horizonte, o Fórum Social Brasileiro. O
PSTU aproveita o evento para convocar plenária, com hegemonia do próprio
partido, da qual participam mais de 500 pessoas e na qual formaliza a criação
do “Movimento por um Novo Partido Socialista”.
Uma
das tarefas do “Movimento por um Novo Partido Socialista” era a
publicação de uma revista para debate. A revista é publicada em
fevereiro de 2004, intitulada “Novo Partido em debate”, sob os
cuidados do PSTU, com a participação de alguns agrupamentos regionais.
Os setores recém-saídos do PT, porém, não ingressam nesse movimento,
que logo em seguida se desarticula e deixa de existir.
Naquele
momento, o PSTU encontrava-se fragilizado. Havia ocorrido, em outubro de
2003, o congresso do partido. Segundo a concepção de centralismo democrático
adotada, não são permitidas tendências políticas permanentes em seu
interior. As tendências são apenas temporárias, constituídas em período
de pré-congresso. As orientações políticas vitoriosas no congresso são
as que serão seguidas pelo conjunto dos militantes no período subseqüente.
Assim, naquele congresso, ocorreu a formação de importante tendência,
denominada “Socialismo e Liberdade”. Tal tendência rompe com o PSTU
após o fim do Congresso, em outubro. Nesse movimento, saem do partido
mais de 70 militantes, entre eles 7 membros do Comitê Central. Nesse mês,
publicam o encarte “Novas tarefas para um novo momento histórico”,
versão modificada de documento inicialmente apresentado na discussão
congressual. Posteriormente, este agrupamento se amplia e passa a se
chamar Coletivo Socialismo e Liberdade (C-SOL).
Em
19 de janeiro de 2004, ocorre, no Rio de Janeiro, reunião da qual
participam “convidados, representantes de correntes políticas,
personalidades, lideranças dos movimentos sociais, intelectuais e os
parlamentares [...] expulsos do PT por terem se mantido fiéis às
bandeiras históricas da classe trabalhadora[...]”. Na reunião,
aprova-se documento intitulado Esquerda Socialista e Democrática –
Movimento por um Novo Partido (ESD).
São
signatários do documento da ESD a CST, o MES, representantes do Movimento
Terra, Trabalho e Liberdade (MTL), do C-SOL e de organizações menores,
como o Socialismo Revolucionário (SR). Foi escolhida uma comissão, que
alguns dias depois propôs um cronograma para a realização de plenárias
estaduais para a estruturação do partido. O primeiro Encontro Nacional
do novo partido ocorreu nos dias 5 e 6 de junho de 2004. Participaram mais
de 750 pessoas, representantes de 22 estados. Por votação em plenário,
decidiu-se pelo nome Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL). O encontro
decidiu ainda a Executiva Nacional, o Diretório Nacional, o programa e o
estatuto, todos provisórios.
Segundo
o site oficial do partido, o encontro contou com a participação do
“melhor da intelectualidade brasileira de esquerda”, destacando as
participações de Francisco de Oliveira, Carlos Nelson Coutinho, Leandro
Konder, Ricardo Antunes, Leda Paulani e Paulo Arantes, entre outros. O
texto diz ainda que o primeiro encontro deliberou que a tarefa central dos
militantes naquele momento seria “encaminhar as lutas sociais nos
estados, como a resistência popular por suas reivindicações, contra a
reforma sindical e trabalhista, contra a reforma universitária, em defesa
da reforma agrária, dos sem-teto, em apoio às lutas de todas as
categorias”. De maneira paralela, a militância deveria “começar a
estruturar nos estados os organismos partidários e iniciar a coleta de
438 mil assinaturas para garantir o registro definitivo do nosso
partido”.
4.
A crise política de 2005 acelera as rupturas
A
crise política que ocorre em 2005 abala o PT. Os escândalos de corrupção
chegam a envolver alguns dos principais dirigentes do partido, incluindo
seu tesoureiro nacional, Delúbio Soares, e o Secretário de Organização,
Silvio Pereira. Mesmo assim, grande parte das correntes da chamada
esquerda PT, tais como a DS e a Articulação de Esquerda (AE), embarcam,
junto com o PC do B e com diversos movimentos sociais de inspiração
socialista, na tese do “golpe das elites”, que estaria sendo preparado
contra o governo dos trabalhadores. Assim, continuam apoiando o governo.
Esta
opção não foi unânime. Pode-se dizer que a crise pela qual passou o PT
em 2005 foi um dos grandes motores de rompimento com o partido em tal ano.
O primeiro raio na sucessão de rupturas que ocorre foi anunciado em 20 de
agosto de 2005: o deputado federal João Alfredo (CE), da DS, divulga
carta pública em que anuncia sua desfiliação do PT e entrada no P-SOL.
Quatro dias depois, é realizado ato em Fortaleza para oficializar a
entrada de Alfredo no partido.
Nos
dias 24 e 25 de setembro foi realizada em São Paulo, com a presença de
800 militantes, a primeira Assembléia Nacional Popular e da Esquerda (ANPE).
Ao final do ato, segundo informa o site do P-SOL, “um grupo de 400
petistas - representantes de movimentos sociais de todo o país, a maioria
sindicalistas -, realizaram ato de desfiliação do PT e ingresso no
P-SOL”. A maioria dos novos militantes seriam dissidentes das correntes
AE e DS que teriam, nas eleições internas do PT ocorridas em 2005,
apoiado o candidato independente Plinio de Arruda Sampaio.
Com
o mote “Para o PT voltar a ser PT”, Plinio concorreu à presidência
do PT apoiado pela tendência interna Ação Popular Socialista e por
grupos menores, tais como o Brasil Socialista e o Fórum Socialista. Com
uma plataforma de esquerda e representando diversos setores históricos do
partido, Plinio foi, durante boa parte da campanha, o candidato favorito
da esquerda do partido para disputar o segundo turno com o Campo Majoritário.
Na reta final, porém, foi prejudicado pela circulação da informação,
propagada inclusive pelas próprias correntes de “esquerda” dos outros
candidatos, de que romperia com o partido caso perdesse o pleito. Assim,
terminou a disputa na quarta posição, atrás de Ricardo Berzoini (1º
colocado, pelo Campo Majoritário), de Raul Pont, (2º colocado, pela DS)
e de Valter Pomar (3º colocado, pela AE).
A
desfiliação de Plinio do PT e entrada no P-SOL é consumada no dia 26 de
setembro, quando, em conjunto com o deputado Ivan Valente (SP), divulga
nota, na qual afirma que “o PT esgotou seu papel como instrumento de
transformação da realidade brasileira”.
O
deputado Ivan Valente não entra sozinho no P-SOL. Sua tendência política,
a Ação Popular Socialista (APS), havia realizado, nos dias 24 e 25 de
setembro, um Encontro Nacional Extraordinário, no qual, por uma votação
apertada, a coordenação nacional da corrente decide-se pela desfiliação
do PT e ingresso no P-SOL. Tal decisão também foi sacramentada nas instâncias
de base da APS. O documento que resume as posições políticas do
encontro avalia que “não há mais como [tirar o governo Lula] da
hegemonia neoliberal e colocá-lo num rumo democrático e popular.
Mas [sic] que
isto: sua orientação estrategicamente negativa para os trabalhadores, o
povo e a nação brasileira, não se limita à área macro-econômica. Está
presente também em quase todas as áreas”.
Além de Valente, participam da APS a deputada federal Maninha (DF),
quatro deputados estaduais (Afrânio Boppré, de Santa Catarina, Araci
Lemos, do Pará, Brice Bragato, do Espírito Santo e Randolfe Rodrigues,
do Amapá) e dezenas de vereadores. Inicialmente, a APS ingressa no P-SOL
com o estatuto da “filiação democrática”. A partir de janeiro de
2006, a tendência ingressa plenamente no partido, assumindo todos os
direitos e deveres previstos no estatuto.
No
mesmo dia 26 de setembro, o deputado federal Orlando Fantazzini (SP),
egresso da DS, também faz o movimento de saída do PT e entrada no novo
partido. Assim, no dia 29, realiza-se na Câmara Federal ato comemorativo
da nova bancada do P-SOL, então com 7 deputados federais e 2 senadores.
Ressalte-se,
também, que, no mesmo período, dezenas de pequenos agrupamentos,
correntes regionais e militantes independentes optaram pelo novo partido.
Nesse
movimento de 2005, outro fato de destaque foi a mudança de posição do
PCB. Participante da Frente Popular que levou Lula à vitória, o partidão
realizou, em março de tal ano (portanto antes da crise política que
assolou o governo), seu XIII Congresso. As resoluções aprovadas avaliam
que “cabe ao PCB ser um acerbo crítico do governo Lula e da
social-democracia, colocando-se no campo de alternativa de esquerda. Para
tal é necessária a constituição de um Bloco de Esquerda que transcenda
a mera disputa eleitoral”. Ainda, o partido “rompe com o governo Lula,
em função deste governo estar a serviço do grande capital, não
havendo, no que se refere aos interesses dos trabalhadores, a
possibilidade de disputa em seu interior”.
Este movimento é importante porque, posteriormente, o PCB aproxima-se
politicamente do P-SOL, vindo inclusive a compor, nas eleições
presidenciais de 2006, a chapa nacional denominada Frente de Esquerda,
composta por P-SOL, PCB e PSTU
e que lançou a candidatura nacional de Heloísa Helena, além de chapas
locais em quase todas as unidades da federação.
5.
As tendências
No
P-SOL, a formação de tendências políticas permanentes é livre,
estando estas sujeitas às instâncias do partido. Diz o estatuto provisório
do partido, em seu art. 88, que:
“A
prerrogativa de constituição das tendências partidárias é fruto da
concepção de Partido e sociedade acumulados na formação deste Partido,
estando, assim, garantido aos militantes que
coletivamente decidam organizar-se para defender posições e teses
nos Congressos e fóruns partidários contribuir na elaboração teórica
do Partido SOCIALISMO E LIBERDADE, atuar a partir de posições comuns no
quotidiano da militância, organizarem-se em tendências.
[...]
As tendências organizam-se livremente, sem nenhum controle ou ingerência
das direções do Partido, com a condição de não se contraporem aos fóruns
e reuniões dos organismos do Partido[sic].[23]”
Assim,
há, no partido, incontáveis tendências: de pequenos agrupamentos
regionais a grupos nacionalmente estruturados. Entre os grupos maiores,
talvez seja possível falar na existência de seis tendências majoritárias,
por seu peso social, político, formulativo e organizativo:
Ação
Popular Socialista: Surge com este nome em um encontro realizado em
junho de 2004, tendo sido resultado da unificação entre a Força
Socialista, então tendência do PT nacionalmente estruturada, e um
conjunto de outras organizações e militantes petistas de diferentes regiões
do Brasil. Ingressa no P-SOL em setembro de 2005, inicialmente com o
estatuto da “filiação democrática”. Como política sindical, a APS
defende a participação na CUT, tendo disputado o último Concut, e, como
política estudantil, a participação na UNE, tentando conformar uma
frente de esquerda em ambas as entidades. O manifesto de fundação da
tendência afirma que “um outro Brasil e um outro mundo são possíveis
como fruto da disputa democrática, da auto-organização dos explorados e
exploradas e a necessária construção da revolução social, em termos
nacionais e internacionais”.
Coletivo
Socialismo e Liberdade: Origina-se de uma ruptura ocorrida no
Congresso que o PSTU realizou em 2003 outubro de 2003. Participa do P-SOL
desde a formação da ESD. Como política sindical, defendeu, em um
momento inicial, a concentração de forças na articulação da ANPE, e,
em um momento posterior, da Intersindical. Na apresentação do documento
“Novas tarefas para um novo momento histórico”, afirmam que
“defendemos o socialismo, o caminho da mobilização e da auto-organização
democrática dos trabalhadores e do povo explorado para conquistar as
profundas transformações que o país precisa. Defendemos o
internacionalismo ativo entre a classe trabalhadora de todo o mundo. [...]
Queremos contribuir para a unidade da esquerda socialista, da qual nos
consideramos uma parte”. Publica a revista Debate Socialista.
Corrente
Socialista dos Trabalhadores: A origem da corrente remonta a 1992.
Naquele ano, a CS foi expulsa do PT e chamou a formação de uma Frente
Revolucionária, que agrupou algumas organizações regionais e
eventualmente resultou na formação do PSTU. Um conjunto de militantes
tinha avaliação diferente da conjuntura nacional e internacional,
rompendo, naquele momento, nacionalmente com a CS e internacionalmente com
a LIT-QI, formando a CST, que continuou no PT, tendo vinculação
internacional com a União Internacional dos Trabalhadores (UIT-QI). Saiu
do PT em 2003, com a expulsão do deputado federal Babá. Como política
sindical, defende a participação na Coordenação Nacional de Lutas –
Conlutas. Publica o jornal Debate Socialista.
Enlace:
Nos dias 4 e 5 de dezembro de 2004, ocorre, no Rio de Janeiro, seminário
para a formação da tendência Liberdade e Revolução (LR), fusão da
Liberdade Vermelha com o Marxismo Revolucionário Atual.
Nos dias 9, 10 e 11 de dezembro de 2005, é realizada Conferência
Nacional para a estruturação do Enlace. Segundo a resolução do evento,
“o Enlace é um reagrupamento de socialistas oriundos de diferentes
coletivos militantes (Tendência
Liberdade e Revolução do PSOL, Movimento de Unidade Socialista [MUS] e
Dissidências da Democracia Socialista, da Articulação de Esquerda e do
Fórum Socialista do PT) que buscam, juntos, caminhos para a superação
da grave crise vivida pela esquerda”.
Alguns setores da tendência referenciam-se no SU – IV Internacional,
cujas relações com a DS e com o Enlace são ambíguas. A tendência
publica ainda a revista eletrônica Marxismo Revolucionário Atual.
Movimento
Esquerda Socialista: Surge a partir de uma polarização ocorrida na
CST. Formam-se dois grupos: CST-Maioria e CST-Minoria, com o primeiro
tendo forte presença no Rio Grande do Sul e o segundo no Pará. O grupo
que compunha a CST-Maioria sai da corrente, formando o MES. O MES sai do
PT no fim de 2003, com a expulsão da deputada federal Luciana Genro. Até
o fim de 2006, a tendência referenciava-se internacionalmente na Corrente
Movimento, com quem publicava a Revista Movimiento. A partir de 2007,
passa a publicar, com outras organizações internacionais, a revista América.
Poder
Popular: Surge com este nome em 2006, a partir de uma articulação
entre dirigentes e militantes oriundos do MTL. A maior parte destes
militantes participaram do P-SOL desde a sua fundação. No início de
2006, durante o período pré-congressual do P-SOL, apresentaram documento
em que se denominavam “Movimento por uma Nova Tendência”.
Prepara-se a fusão entre o Poder Popular e o MES, que são próximos
politicamente.
Quadro:
esboço das origens das tendências

Conforme
já enfatizado, além das seis tendências acima, há muitas outras. Entre
as que se organizam internacionalmente, podemos destacar as seguintes: Revolutas,
que se referencia na “Tendência Socialista Internacional”; Socialismo
Revolucionário (SR), que se referencia no “Comitê por uma
Internacional Operária”; e o grupo Práxis,
que se referencia no “Socialismo ou Barbárie”.
A
página eletrônica do P-SOL/SP
lista ainda diversas outras tendências, tais como a “Corrente Operária”,
“Luta de Classes”, “Participação Efetiva Socialista” e “Avançar
a Luta Socialista”. Em tal página,
podem ser acessados documentos políticos dos grupos em questão.
6.
Os parlamentares
O
P-SOL entrou o ano de 2006 com oito representantes no Congresso Nacional.
A tabela abaixo apresenta este quadro, com o nome dos parlamentares e os
dados acerca das respectivas unidades da federação, da tendência política,
da origem, dos votos recebidos no pleito de 2002, dos mandatos anteriores
e da profissão declarada. Entre os oito, Heloísa Helena é a única
senadora, sendo os outros deputados federais.