Toda
profissão ou prática humana possui seus altos e baixos. Aliás, o senso
comum poderia dizer que é nesses movimentos oscilatórios que se
desenrola a história, ou seja, entre apogeu e decadência. A análise
proposta por esse trabalho quer buscar esses momentos no Jornalismo,
mas parte de uma constatação importante.
Durante
o decorrer da História do Jornalismo, parece que os jornalistas e seus
estudiosos tendem a massificar os períodos, tornando uma trajetória só
de glórias ou um poço, vil e trágico, sem fundo. Talvez, seja esse o
principal bloqueio para uma mudança que proporcionaria à atividade se
aproximar mais de sua função social.
O
que parece uma mera questão de gosto, vira algo mais complexo. Ora, se o
Jornalismo rigorosamente sua função e sempre, ou pelo menos na grande
maioria das vezes, ajudou a sociedade, por que mudá-lo? Por outro lado,
se o Jornalismo é uma lástima, considerado a expressão da alienação
da sociedade e apenas favorecendo os poderosos, por que insistir nele?
Porém,
o Jornalismo é intrínseco à sociedade contemporânea, principalmente
sob a imagem de mundo de cunho capitalista. Herbert Marcuse, no seu livro A
ideologia da sociedade industrial, quando busca uma forma de encerrar
a “sociedade unidimensional” pensa em
um
exemplo (infelizmente fantástico): a mera ausência de toda propaganda e
de todos os meios doutrinários de informação e diversão lançaria o
indivíduo num vazio traumático no qual ele teria a oportunidade de
cogitar e pensar, de conhecer a si mesmo (ou antes, o negativo de si
mesmo) e a sua sociedade (MARCUSE, 1967, p. 226).
Só
que, em seguida, ele constata a incompatibilidade dessa prática com o
mundo atual, ao afirmar que
sem
dúvida, tal situação seria um pesadelo insuportável. Conquanto as
criaturas possam suportar a criação contínua de armas nucleares, garoa
radiativa e alimentos duvidosos, não podem (por essa mesma razão!)
tolerar serem provadas da diversão e da educação que as torna capazes
de reproduzir disposições para a sua defesa e (ou) a sua destruição (MARCUSE,
1967, p. 226).
Na
verdade, para Marcuse, essa incompatibilidade é o grande trunfo para sair
da “sociedade unidimensional”, pois “o não-funcionamento da
televisão e dos meios estranhos de informação pode, assim, começar a
conseguir o que as contradições inerentes do capitalismo não
conseguiram – a desintegração do sistema” (MARCUSE, 1967, p.
226).
Essa
posição marcusiana extrema não reflete, totalmente, a opinião daqueles
que querem uma alternativa ao capitalismo. Lênin via uma outra função
para o Jornalismo, que é refletida no nome da primeira parte da sua coletânea
de artigos denominada A informação de classe. “O jornal como
organizador coletivo da força revolucionária” (LÊNIN, 1978, p.
17) é o resumo das idéias no período anterior e no início da Revolução
de 1917.
Em
1899, quando pensava na articulação da revolução do proletariado e
como tornar verdadeira a premissa de Marx que diz que toda luta de classes
é luta política, Lênin afirmou que acreditava
que,
na atualidade, a tarefa essencial consiste em achar a solução desses
problemas, e para isso devemos propor, como objetivo mais imediato, a
organização do jornal do partido, sua tiragem regular; sua estreita ligação
com todos os grupos locais. Cremos que para a organização dessa tarefa
deve dirigir-se, no futuro imediato, toda a atividade dos
social-democratas (LÊNIN, 1978, p. 22).
Como
podemos perceber, tanto para o capitalismo como para o comunismo
(principalmente para aquele conhecido como Socialismo Real), o Jornalismo
tem uma função crucial, mesmo adotando diferentes conceitos de ação.
Como o próprio parênteses de sua fala denuncia, nem mesmo Marcuse
acredita no fim do Jornalismo.
Portanto,
fazer uma análise dos altos e baixos do Jornalismo é essencial para
compreender o seu percurso e para procurar as linhas de fuga para uma
atividade, que poderia ser assim chamada, voltada para a melhoria da
sociedade.
1.
Zola e o ápice
Ao
invés de pegar o início do Jornalismo, essa análise começará pelo
primeiro caso jornalístico de grande notoriedade que, talvez, possa ser
considerado um dos ápices da prática jornalística. A relação de Émile
Zola com o Caso Dreyfus não mostra apenas o bom Jornalismo, mas também
todo um mecanismo, que pode ser ajuizado qualitativamente como podre, da
prática na época.
É
um ótimo ponto de partida para não só discutir ética, uso político e
função social do Jornalismo, mas também para pensar em alguns exemplos
que possam nos ajudar na mudança, que é um dos vieses desse trabalho.
Engana-se quem acredita que, apenas com o envolvimento direto de Zola na
defesa do caso, podemos achar esses exemplos.
Logo
no tímido envolvimento inicial do escritor, o artigo Pour les Juifs
(Para os Judeus), com suas críticas ao anti-semitismo e suas propostas de
inclusão social, é um grande exemplo tanto para a imprensa da época,
que mobilizava a sociedade francesa com o tema do anti-semitismo e
utilizava o judeu Dreyfus como exemplo-mor de traidor da pátria, como
para os dias de hoje onde a pauta da inclusão social está mais forte do
que nunca, porém os jornalistas apenas “factualizam” as discussões,
sem explicá-las.
Como
constata Gisely Hime em seu estudo, Zola, ao se dirigir aos anti-semitas, “destaca
que ‘se ainda há Judeus, a culpa é sua. Eles teriam desaparecido,
teriam se fundido, se não o tivessem forçado a se defender, a se
agrupar, a se confinar em sua própria raça. (...) No dia em que o Judeu
for apenas um homem como nós, ele será nosso irmão’” (HIME,
1997, p. 2).
“Para
Zola, defender os judeus é defender os princípios fundamentais da República
Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade, ideário da Revolução
Francesa de 1789” (HIME, 1997, p. 3), ou seja, podemos, no limite,
interpretar que essa intervenção inicial de Zola contra a própria
imprensa da época é um retorno para a gênese do Jornalismo. Como lembra
Ciro Marcondes Filho,
o
jornalismo é filho legítimo da Revolução Francesa (...) Ele expande-se
a partir da luta pelos direitos humanos nesta que foi a ‘revolução símbolo’
da destituição da aristocracia, do fim das monarquias e de todo o
sistema absolutista herdado da Idade Média, assim como da afirmação do
espírito burguês (MARCONDES FILHO, 2000, p. 10).
É
nesse movimento que reside a escolha dessa análise por um início com
Zola. Ele, além de ser em si um ponto alto do Jornalismo e representar
uma luta contra os baixos da prática, significa uma retomada ao seu alto
início. Isso significa que, no limite, podemos perceber dois ápices
jornalísticos e como eles estão encadeados.
Só
que não foi apenas na luta contra o anti-semitismo que Zola se destacou
no Caso Dreyfus. Graças a sua forte participação como jornalista, através
de pesquisa de campo e de artigos nos jornais, pode denunciar, como aponta
Hime, a falibilidade das instituições, o uso dos temas unânimes na
imprensa francesa (anti-semitismo e nacionalismo) como legitimação de um
mecanismo falho de Pátria e o mau exercício do jornalismo (HIME, 1997,
p. 12-13).
A
importância de mostrar a falibilidade das instituições para a sociedade
não era apenas para ridicularizar as Forças Armadas, o Executivo e o
Judiciário franceses. Era para mostrar para a sociedade francesa como ela
pode ser utilizada e manipulada para buscar legitimidade. Era interessante
para o Exército aparecer novamente aos olhos da população como forte e
confiável, já que tinha entrado em desmoralização após a derrota para
a Alemanha em 1870.
Os
outros poderes seguiram a mesma lógica: para fortalecer o nacionalismo,
usaram a imagem que o povo judeu é um povo traidor historicamente e
colocaram a culpa, não só da traição em si, mas de toda derrocada
francesa, em um capitão judeu inocente. E toda a imprensa “comprou” e
divulgou todo o movimento de legitimação, chegando ao extremo de que “o
líder da campanha anti-Dreyfus (...) foi o Le Matin, jornal que, entre
outras ações para destruir o ‘traidor da França’, publicou o fac-símile
dos documentos secretos... e forjados” (HIME, 1997, p. 7).
Sobre
o mau exercício do jornalismo, tem o emblemático artigo no Le Figaro
intitulado Procès-verbal (Processo-verbal), cuja primeira parte é
dedicada a críticas à imprensa. Vemos Zola aqui criticar que
nesses
jornais, ditos sérios e honestos, a impassibilidade diante dos
acontecimentos, nenhuma preocupação em apurar a verdade dos fatos,
antes, o interesse em conquistar pela exploração do escândalo, da
desgraça, maior número de leitores: ‘Esses jornais honestos
contentaram-se em registrar tudo com um cuidado escrupuloso, a verdade
como erro’. Zola indigna-se contra a falta de revolta diante do erro
cometido contra Dreyfus e denuncia a perversão da imprensa, como uma
perigosa úlcera para a Nação, pois amplifica graves doenças sociais
como o anti-semitismo (HIME, 1997, p. 7-8).
Além
da famosa carta J´accuse (Eu acuso) e da absolvição do Capitão
Dreyfus, Zola nos mostra um importante exemplo de Jornalismo no alto de
sua função. Como conclui Hime,
um
exemplo que nos estimula a refletir os limites de nossa ação, sobre os
interesses que verdadeiramente a movem, sobre a nossa capacidade de lutar
verdadeiramente por uma causa justa, independente dos resultados que isso
possa nos trazer. Somos capazes? Ou nos escondemos atrás dos limites
impostos pela atual estrutura das empresas jornalísticas e pelos falsos
ideais de imparcialidade e objetividade? Somos capazes? (HIME, 1997, p.
13).
Só
poderemos saber isso se estudarmos melhor o que provocou essa crise no
Jornalismo na época de Zola. Será que essa crise não nos aflige até
hoje?
2.
Mercado Editorial como declínio
Qual
seria o principal fator de crise que assolou o jornalismo na época de
Zola e, segundo alguns teóricos, ainda assola toda a produção da
cultura na sociedade capitalista? O fenômeno da reificação, ampliado
depois pelo conceito de indústria cultural, seria o culpado. Mas, esses
teóricos não chamariam de crise e sim, de que o Jornalismo passa a ser
fator de legitimação e controle do status quo.
Segundo
Georg Lukács, crítico literário e formulador do conceito de reificação,
a obra Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac, demonstraria bem
tal processo, que, em linhas gerais, seria uma ampliação do conceito
marxista de “fetichismo de mercadoria” que envolveria todas as relações
humanas, coisificando-as.
Em
seu ensaio sobre Ilusões Perdidas, José Miguel Wisnik afirma que
Lukács,
para quem o confronto com o rebaixamento dos valores ‘autênticos’
origina o gênero, viu neste romance o próprio paradigma da destruição,
pelo capitalismo, do humanismo revolucionário das primeiras concepções
burguesas da sociedade e da cultura, assim como em D. Quixote o mundo dos
ideais feudais cavalheirescos fora destruído pela sociedade burguesa em
via de formação (WISNIK, 1992, p. 326).
Como
ressalta Sílvio Demétrio em seu artigo,
tal
conflito é o centro da obra de Balzac, a saber, como reconhece Georg Lukács,
a “transformação do espírito em mercadoria”. Não há mais espaço
para as “ilusões” do humanismo, que levara a frente das manifestações
populares os intelectuais do século XIX. Tanto o jornalismo quanto a
literatura vêem-se envolvidos com uma nova dimensão que os transformará:
o mercado editorial de grande escala (DEMÉTRIO, s/d, p. 2).
A
relação entre reificação e Jornalismo não fica apenas na análise da
obra de Balzac, Lukács dedicou um largo parágrafo a ela em sua História
e Consciência de Classe, onde afirma que
essa
estrutura mostra-se em seus traços mais grotescos no jornalismo, em que
justamente a própria subjetividade, o saber, o temperamento e a faculdade
de expressão tornam-se um mecanismo abstrato, independente tanto da
personalidade do ‘proprietário’ como da essência material e concreta
dos objetos em questão, e que é colocado em movimento segundo leis próprias.
A “ausência de convicção” dos jornalistas, a prostituição de suas
experiências e convicções só podem ser compreendidas como ponto
culminante da reificação capitalista (LUKÁCS, 2000, p. 222).
Entretanto,
nos dias atuais, não se resumiria a esse o problema. Entraria em cena, a
“indústria cultural” e, com ela, além de manutenção do status
quo, a cultura e, conseqüentemente, o jornalismo perderiam a concepção
de “valor de uso” marxista. Para eles, só restaria o “valor de
troca”.
Como
afirmam Adorno e Horkheimer na Dialética do esclarecimento, ao se
assimilar
totalmente
à necessidade, a obra de arte defrauda de antemão os homens justamente
da liberação do princípio da utilidade, liberação essa que a ela
incumbia realizar. O que se poderia chamar de valor de uso na recepção
dos bens culturais é substituído pelo valor de troca; ao invés do
prazer, o que se busca é assistir e estar informado, o que se quer é
conquistar prestígio e não se tornar um conhecedor (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985, p. 148).
E
completam dizendo que
o
consumidor torna-se a ideologia da indústria da diversão, de cujas
instituições não consegue escapar. É preciso ver Mrs. Miniver, do
mesmo modo que é preciso assinar as revistas Life e Time. Tudo é
percebido do ponto de vista da possibilidade de servir para outra coisa,
por mais vaga que seja a percepção dessa coisa. Tudo só tem valor na
medida em que se pode trocá-lo, não na medida em que é algo em si
mesmo. O valor de uso da arte, seu ser, é considerado como um fetiche, e
o fetiche, a avaliação social que é erroneamente entendida como
hierarquia das obras de arte – torna-se seu único valor de uso, a única
qualidade que elas desfrutam (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 148).
E
com isso, como ainda afirmam muitos adornianos, a cultura e o Jornalismo
continuariam imersos nessa conjuntura, sem esperança de saída. Porém, não
basta ficarmos parados e terminar nossa análise por aqui. Precisamos
buscar no jornalismo do século XX, novos exemplos de como fazer e de como
não agir. A análise dos altos e baixos ainda é necessária para
perceber se tivemos outro ápice similar ao de Zola para observá-lo e
construir o terreno para a mudança.
3.
Entre Watergate e Santiago Zavala
O
caso mais celebrado com exemplo de bom jornalismo no século XX é o caso Watergate
que desvelou uma série de fraudes feitas pelo Partido Republicano e que
ocasionou a derrubada do presidente Nixon. Aliás, o Watergate, além
de ser considerado ápice da prática na contemporaneidade, transcende os
limites do bom Jornalismo e o reconecta à defesa da democracia.
Não
é só o caso Watergate, mas toda o imaginário do Jornalismo
criado pela cultura norte-americana. Um exemplo de produto cultural
recente que retrata o imaginário dessa época é o filme Boa noite, e
boa sorte, sobre a luta do jornalista Ed Murrow contra os exageros da
campanha anticomunista liderada pelo Senador Joseph McCarthy.
Um
acréscimo sobre a representação desse imaginário no filme. Creio que a
melhor escolha do diretor, George Clooney, foi filmá-lo em
preto-e-branco. A imagem desse jornalismo tem esse aspecto. Aspecto de
jornal, a folha branca com letra preta, como se naquela tinta fossem
denunciadas as sujeiras, as marcas da sociedade.
Preto-e-branco
também simboliza todas os focos de oposição dessa prática jornalística.
Branco e preto, presença e ausência de luz, o acusador e o acusado, o
lado de cá e o lado de lá da notícia, o povo e os seus inimigos, os
jornalistas e os poderosos.
A
coloração do Quarto Poder só podia ser em preto-e-branco, já que o
colorido sempre foi ligado ao entretenimento, que teria o pressuposto de
alegrar a vida, deixá-la mais leve. Tanto que, nos primeiros anos dos
filmes a cores, os musicais aproveitavam todo esse potencial e faziam
muito sucesso com o público.
Mesmo
sem cores, esse jornalismo deixa, na visão de tal imaginário, a vida
mais leve, pois ele sempre estará vigilante para sua sociedade contra os
abusos dos poderosos. Nesse ponto, a citação de Marcondes Filho sobre a
gênese do Jornalismo na Revolução Francesa pode ser relembrada, aliás,
podemos afirmar, no limite, que é um retorno a ela, esquecida desde os
tempos de Zola.
Só
que há uma atualização ou, pelo menos, um reforço nas tintas: esse
imaginário de Jornalismo nunca se desgruda da democracia. Michael
Schudson lembra, no seu artigo Creating public knowledge, que
“a
fome nunca atingiu gravemente”, diz Amartya Sen, economista com extensa
literatura sobre esse tema, “países com regime democrático e uma
imprensa relativamente livre.” Este é um pensamento fantástico. Sen
acrescenta que ele é válido inclusive para países democráticos pobres
que tenham tido suas plantações devastadas. A democracia do tipo
eleitoral, com o apoio da mídia, evita a fome. Quando a procura pelas notícias
aumenta, os contornos políticos se alteram (SCHUDSON, 1995, p. 27).
A
questão muda de rumo. É aqui que começa a surgir a visão de que o
jornalismo, dentro e de braços dados com a democracia, seria sempre lindo
e maravilhoso. Aliás, pregam que seria impossível ter uma dissociação
entre as duas, elas se tornaram sinônimas.
Como
lembra Nelson Traquina, em A tribo jornalística, há a mobilização
de todo um catálogo de estórias que permite ao jornalista completar o
seu trabalho. O valor-notícia da consonância corresponde ao esforço do
jornalista em encaixar novas situações em velhas definições. Assim, a
utilização do sufixo “gate”, do caso Watergate, torna-se cada
vez mais comum e em casos esdrúxulos como Collorgate e Pittagate.
Tudo
isso para permitir não só a fácil identificação de uma nova
reconfiguração do mesmo corpo, do mesmo “inventário de discurso”,
mas também de sempre reforçar o imaginário que Jornalismo e democracia
são um só.
Praticamente
na mesma época e não muito longe dos Estados Unidos, um novo imaginário
de Jornalismo foi criado: o imaginário latino-americano. Onde o
Jornalismo seria apenas um sustento, como qualquer profissão, que
abrigaria apenas os boêmios e os indecisos.
Na
verdade, se seguirmos a linguagem do livro Conversas na Catedral,
do escritor peruano Mario Vargas Llosa, falaremos que o Jornalismo é o
lugar onde alguns personagens liminares ganham a vida. Veja bem, eles não
são super-heróis como Bob Woodward, Carl Bernstein e Ed Murrow, são
pessoas, opacas e sem cor, imersas na massa social sem destaque.
Defesa
da democracia? Que democracia tinha a América Latina no meio do século
XX? Só governos militares (com golpes apoiados pela democracia dos EUA)
ou governos elitistas. E o jornalismo como prática existia normalmente,
criando um Jornalismo como mero emprego.
O
livro de Llosa demonstra bem não só um país em decadência, mas mostra
um Jornalismo em igual situação. Um Jornalismo que persiste até hoje,
mas quer, para se legitimar, absorver o Imaginário norte-americano. Aliás,
só absorver a imagem já construída e não mudar suas atitudes e práticas
jornalísticas de acordo com as regras deles.
Quando
se pensa em reformar um jornal por aqui, usam o USA Today (como no
caso da Folha) e não o The Washington Post. Pensam apenas
em reformas gráficas e estruturais de texto, mas não em mudanças de
enfoque.
Porém,
mesmo assim, usam e abusam do “Jornalismo e democracia”. Só que, ao
conviver com o Imaginário latino-americano, a cantilena não tem tanta
força. Ficamos em uma situação dúbia. Estamos em um apogeu ou no declínio?
Realmente, jornalismo é democracia ou jornalismo é reificação e indústria
cultural? Sabemos que a situação não está boa, porém, como podemos
mudar?
4.
Conclusão
A
dúvida em definir se estamos no apogeu ou no declínio é mais grave do
que aparenta. A caracterização desse “double bind” no Jornalismo,
onde ficamos entre dois imaginários, o do jornalista “super-herói”
norte-americano e o do jornalista “fodido” latino-americano; entre
Jornalismo é democracia e Jornalismo é reificação e indústria
cultural, ou seja, controle do status quo; e entre não-mudar e
mudar.
A
situação de “double bind” é clara no Jornalismo. O termo foi
cunhado por Gregory Bateson para relatar o caso de uma mãe que tem medo
do contato íntimo com o seu filho criança, mas que, simultaneamente, não
aceita seus próprios sentimentos de medo e busca que o filho a veja como
mãe amorosa, ou seja, ela é ambígua.
A
patologia do “double bind” surgiria com a proibição pela mãe de ser
cobrada pelo filho, quando este percebe a ambigüidade. Ou seja, ela
impede-o de metacomunicar, atrofiando assim sua capacidade de interação,
desfigurando a sua percepção metacomunicativa. Surge daí a
esquizofrenia.
No
Jornalismo, isso também acontece. Não só pelo comportamento da imprensa
(que toma atitudes erradas e, para legitimá-las e não ficar mal com o público,
se relaciona com a democracia), mas com a postura de diversos teóricos do
Jornalismo que são radicalmente contra qualquer questionamento,
transformando os críticos em meras pessoas que não gostam, mas que se
imbuem da missão de pensar o Jornalismo.
Para
sair dessa situação não basta afirmar como Marcuse e pregar a extinção
do Jornalismo. Se ele, como prática atual, está decadente, ainda podemos
salvá-lo como parte integrante do Conhecimento. O Jornalismo deve seguir
mais o exemplo de Zola para servir ao povo do que entrar nos jogos de
Poder entre políticos de situação e oposição.
Aliás,
aquela pergunta proposta por Hime é pertinente aqui. Somos capazes de
efetuar essa mudança? Somos capazes de seguir Zola e os rapazes do Watergate?
Na
verdade, para mudar temos que ser capazes de acreditar que o Jornalismo
que aí está pode ser modificado. Ele não é uma estrutura fixa, ele está
sendo, ele é um devir. Tanto é um devir que pudemos, nessa análise,
falar em vários Jornalismos dentro de jornalismos.
Então,
podemos implementar o novo sim. Acreditar que o Jornalismo pode ser
modificado para além do seu escopo atual é indispensável para sair
desse “double bind” entre apogeu e declínio. O que precisamos é nos
desamarrar das concepções antigas e ir, “freireanamente”, em direção
a um Jornalismo como ação cultural para a liberdade.
__________
Bibliografia
LAGE,
Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística.
Rio de Janeiro: Record, 2004.
LÊNIN,
Vladimir I. La información de clase. Cidade do México: Siglo XXI,
1978.
MARCUSE,
Herbert. A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1967.