Urbanização
As
cidades, como conjuntos complexos, possuem uma história que as faz
resultar no que são hoje. A partir da colonização e da urbanização de
um território é possível encontrar as causas da desigualdade e da
segregação existente na maioria delas.
O
processo de urbanização no Brasil inicia-se na década de 50
com o aumento da população e o desenvolvimento do espaço urbano. Os
moradores do campo mudam-se para as cidades atrás de melhores condições
de vida, surgindo então uma correlação imediata entre emprego e
metropolização. Mas, ainda antes, durante o século XVIII, a urbanização
começa a se desenvolver, se intensificando, então, durante o século
XIX, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. A taxa de urbanização
que em 1940 era de 26,35%, em 1980 alcança 68,86% (SANTOS, 1998).
Em
pouco mais de uma geração a partir dos meados deste século, o Brasil,
um país predominantemente agrário, transformou-se em um país
virtualmente urbanizado. Em 1950, tinha uma população de 33 milhões de
camponeses – em crescimento -, com 19 milhões de habitantes nas
cidades, ao passo que hoje tem a mesma população no ‘campo’ - agora
diminuindo - e a população urbana sextuplicou para mais de 120 milhões.
É claro que transformações quantitativas de tal magnitude implicam
transformações qualitativas profundas. O país, se não está
inteiramente ‘urbanizado’, tem seguramente caráter preponderantemente
urbano (DEÁK
& SHIFFER, 1999, p. 11-12).
O
fenômeno da urbanização é conseqüência de fatores antigos, pois, com
a crise do sistema colonial houve uma mudança na economia que favoreceu o
mercado urbano, assim grande parte da mão-de-obra utilizada no campo,
muda-se para a cidade. Então, para compreende-lo é fundamental fazer uma
referência ao passado, segundo Ruben Oliven:
A
formação de um modo de produção urbano-industrial capitalista
no Brasil está ligada ao enfraquecimento da economia colonial e o
surgimento de uma economia de mercado [...] o longo período de
crescimento das exportações de café levou ao uso crescente de mão-de-obra
na agricultura de exportação, em detrimento das atividades de subsistência
e de manufatura. A isto deve-se acrescentar a substituição do trabalho
escravo pelo trabalho livre (principalmente imigrantes) e o crescimento
das cidades devido as atividades de exportação (OLIVEN, 1984, p. 61).
A
influência da colonização brasileira persiste nos dias de hoje. A oposição
entre os senhores de engenho e os escravos foi substituída pela relação
entre o empregador e o empregado. A distância entre a Casa Grande e a
Senzala foi substituída pelo centro e a periferia. O Estado e os agentes
imobiliários
(CORRÊA, 2002) continuam criando espaços particulares que diferencie e
separe as classes com maiores e menores condições financeiras.
A
urbanização está, então, vinculada ao processo de industrialização.
A criação de uma indústria, fábrica ou empresa, principalmente de
grande porte, tende a atrair à região onde se instalou um alto número
de pessoas. Ela gera empregos diretos e indiretos, fazendo com que novos
imóveis e prestadores de serviços se instalem aos seus arredores.
A
partir dos anos 1940-1950 a industrialização não pode ser entendida
apenas como a criação de atividades industriais, mas também como um
processo social complexo, formando um mercado nacional, expandindo o
consumo, impulsionando as relações e ativando a urbanização,
envolvendo todo o país e acelerando a urbanização das médias e grandes
cidades, que são as primeiras a receber estas indústrias (SANTOS, 1998).
Mas ambos não necessariamente se confundem:
A
urbanização, entretanto, apresenta um padrão diferente da industrialização.
A primeira se torna muitas vezes relativamente independente do
desenvolvimento industrial regional. O crescimento das cidades menos
industrializadas apresenta um ritmo quase tão intenso como o das cidades
mais industrializadas. As cidades que crescem se espalham por todo o
litoral brasileiro, não se observando uma macrocefalia urbana, nem uma
concentração geográfica da industrialização semelhante à que ocorre
na indústria (OLIVEN, 1984, p. 70).
Ou
seja, há ainda outros fatores que favorecem o desenvolvimento das
cidades, como a migração interna; pólos educacionais, econômicos e políticos;
pontos turísticos, qualidade de vida e dos serviços de saúde, entre
outros.
Até
agora trabalhamos com o termo urbanização, mas é interessante
distingui-lo de outro semelhante: o urbanismo.
O
urbanismo moderno realiza e manifesta também, por meio das formas que
constrói, uma nova relação do homem com a cidade, passando a concebê-la
com totalidade, a partir de uma nova visão unitária tornada possível,
em um primeiro momento, com a perspectiva e as vias retas abrindo espaços
e interligando os pedaços da cidade e, posteriormente com planos de
conjunto de melhoramento, embelezando e expansão, que marcaram a
urbanística a partir do século XIX [...]
Através
da reforma da cidade se busca a nova sociedade, e o urbanismo será o
instrumento mobilizador dessa operação, meio para construção de um
cotidiano civilizado (ANDRADE, 1995, p. 339-340).
O
urbanismo se preocupa com a característica estética da cidade. Ele propõe
uma construção de forma harmoniosa com as atividades dos homens e tem o
intuito de por ordem ao caos.
A
cidade surge então, principalmente, para atender as necessidades dos
homens, sejam elas econômicas, políticas ou sociais, assim o espaço
urbano é traçado enfocando-as. Os locais em que as satisfazemos, ou
seja, o local em que moramos, trabalhamos, estudamos ou nos divertimos, são
espaços distintos, distribuídos pelo município.
Segundo
Maria Adélia A. de Souza (1999) o espaço urbano não se limita a cidade,
esta e o espaço rural se mesclam. A partir dessa definição podemos
pensar a urbanização como o local onde está a produção, as classes
sociais e a divisão do trabalho. Então, ela é resultado de um conjunto
de ações humanas, que procuram modificar a natureza para seu conforto e
melhoria na qualidade de vida.
Mas
com o acumulo crescente de habitantes, elas se tornam grandes áreas de
risco, com altos índices de miséria, desigualdades, desemprego, violência
e outros problemas, principalmente nas metrópoles.
As cidades têm diferenças, porém uma característica é comum: são
marcadas de um lado pela exclusão de muitos, e de outro, pelas melhores
condições de vida de poucos. A urbanização, então, acaba criando
grandes problemas, segundo Milton Santos:
Por
um lado, há a hipótese de que a urbanização é necessária para o
processo do crescimento nacional pelas economias de aglomeração e escala
que cria, pelas oportunidades de emprego e melhoramento de posição
social que oferece e, finalmente, por seu clima favorável à elaboração
de ideologias progressistas. Por outro lado, porém, acusa-se a urbanização
de agravar desequilíbrios sócio-econômicos e disparidades regionais, de
gerar subemprego, degradação da habitação e definição de serviços
essenciais. As pessoas reagem como se a origem, tanto das boas coisas como
das más, fosse a cidade e, por conseqüência, devesse esta elaborar suas
respostas em seu próprio interior (SANTOS, 1982, p. 181).
A
cidade não estava, e ainda hoje não está, preparada para o grande
contingente de pessoas que se mudaram do campo. Ela veio crescendo de
forma descontinua e sem planejamento, prejudicando seriamente a qualidade
de vida ao não disponibilizar a todos emprego, saúde, educação, habitação
e lazer. Milton Santos aponta que não é a cidade a responsável por
todas carências, mas outros agentes, podemos citar como exemplo o poder público
e os proprietários.
Para
Milton Santos “Quanto mais intensa
é a divisão do trabalho numa área, tanto mais cidades surgem e tanto
mais diferentes são uma das outras” (SANTOS, 1998, p. 52). Ou seja,
quanto mais uma região produz, mas ela vai se desenvolver, pois criará
um maior número de necessidades.
O
processo de urbanização tem altos e baixos. Ele veio para melhorar a
qualidade de vida da população e diminuir as distâncias, mas acabou
tornando-se uma questão complexa, pois trouxe grandes problemas, que cada
vez aumentam mais e se tornam difíceis de serem solucionados. Um deles é
a desigualdade social que será trabalhado no decorrer.
Segregação
Com
a intensificação da urbanização, espaços distintos começam a ser
criados, identificando seus moradores de formas opostas, divididos entre
os bairros de classes baixa, média e alta.
Com
o crescimento da população e a falta de planejamento das cidades ocorre
um grave problema: a segregação, tanto espacial (distância entre
moradias de diferentes grupos) como social (distância de condições no
que diz respeito ao acesso, elaboração e execução de políticas públicas).
A primeira está relacionada à valorização excessiva dos imóveis que
dispõem dos serviços básicos, como asfalto, saneamento básico e
transporte, e uma localização estratégica que facilita o acesso ao
trabalho, comércio e lazer, além, ainda, da construção dos conjuntos
habitacionais na periferia. A segunda diz respeito a dificuldade de alguns
grupos têm para conseguir serviços de melhor qualidade, como escolas, médicos,
emprego, cultura e lazer. As duas formas de segregação são extremamente
ligadas e concentradas nos grupos com menores rendas.
A
segregação no Brasil está relacionada às condições econômicas.
Desde o período colonial é pregado o bem estar dos ricos em detrimento
dos pobres. A distância espacial era um meio de distinguir os moradores
da Casa Grande e da Senzala. Porém, apesar de já existir a muito tempo,
é no Capitalismo que ganha mais força (ARAÚJO, 2004). Este sistema é
predatório e não permite que todos tenham os mesmos direitos aos bens de
consumo, privilegiando, assim, uma minoria com condições econômicas
melhores.
Os
principais responsáveis por estes espaços com características geográficas,
econômicas e estéticas diferenciados são o Estado e a iniciativa
privada. Eles são representados pelo capital imobiliário, construção
civil e o estoque de terras urbanas (ARAÚJO, 2004). Os investimentos públicos
e privados se concentram em determinadas áreas, valorizando-as ao
disponibilizar saneamento básico, asfalto, transporte e segurança,
enquanto a área periférica, como os cortiços, os bairros distantes do
centro e os conjuntos habitacionais, são esquecidos. Os primeiros espaços
citados são reservados para a elite e leva os que não possuem recursos
financeiros à periferia.
O
Estado, ainda, é responsável pelo planejamento urbano, ou seja, a
maneira como o espaço é organizado. Esse planejamento, na maioria das
vezes, não é devidamente adequado a toda sociedade. Ele concentra as
atividades, tanto comerciais como sociais, em determinado local, colocando
a elite a sua volta e afastando os que possuem menores rendas. Assim, o
Estado acaba por expressar a influência das classes dominantes, que
desejam um espaço particular para sua reprodução social, daí a
inviabilidade de um planejamento democrático e igualitário (MARICATO,
2002).
Ligadas
ao planejamento urbano estão as leis de zoneamento (distinção entre os
espaços de uma cidade). Elas dirigem o uso e a ocupação do solo,
separando áreas para comércio, lazer, indústrias e habitações. Neste
último nível se dão as desigualdades que são mais marcantes. Ao
mencionar um bairro, os seus moradores são automaticamente relacionados a
essa separação. Eles recebem um rótulo: se morarem próximos ao centro
e das atividades comerciais e sociais são bem sucedidos, cidadãos dignos
de respeito; se morarem na periferia são rotulados como pobres, violentos
ou sujos e muitas vezes nem mesmos são tratados como cidadãos pelas
autoridades como a polícia por exemplo, e pela sociedade de modo geral.
Então,
dentro do processo de segregação, surgem problemas, principalmente
referentes a questão da moradia: aluguéis altos, imóveis ilegais,
periferização e déficit habitacional. Os bairros que possuem acesso fácil
as atividades comercias e sociais, como escolas, hospitais e
supermercados, se valorizam cada vez mais, impedindo que muitos adquiram
um imóvel nesta região. A isso se soma a especulação imobiliária que
mantêm imensos vazios na cidade à espera de valorização. Há pouco
investimento público no setor imobiliário para habitações populares,
onde, muitas vezes, a classe média acaba por ocupar as habitações que
eram destinadas a população de baixa renda, graças a burocracia do
cadastramento e a dificuldade dessas famílias em pagar a quantia mensal
exigida para adquirir um imóvel, mesmo que popular.
A
questão habitacional deve ser analisada com base nas questões sociais,
econômicas e políticas. Segundo Kowarick (1993) é necessário observar,
além do preço da terra urbana, o setor imobiliário–construtor e o
Estado; é preciso também considerar o conjunto da composição social do
capital e a forma como se reparte o trabalho excedente do necessário,
resgatando assim, idéias marxistas. Ou seja, quando a oferta de empregos
é insuficiente ou os salários são muito baixos, dificultam a aquisição
de uma moradia digna, que disponha de saneamento básico, comércio e
lazer.
Neste
contexto, ocorre então, a restrição do mercado privado, em especial do
imobiliário, além de políticas sociais insuficientes, fazendo com que
os moradores para que possam ter direito a habitação, tenham que
procurar em lugares cada vez mais distantes do centro, ou mesmo busquem imóveis
ilegais ou construam suas casas nas chamadas áreas de grande risco.
Segundo Meyer (1979) podemos avaliar uma estrutura urbana a partir do grau
de segregação, ou seja, quanto menos segregada uma cidade, mais está é
desenvolvida. A autora ainda distingue dois modos no processo de segregação:
as favelas e as cidades-dormitórios.
As
favelas caracterizam–se por serem imóveis ilegais. Estas, geralmente não
surgem na periferia, mas próximas ao centro. Trata–se de barracos,
construídos precariamente, sem qualquer tipo de saneamento básico e
segurança. O espaço construído é mínimo, muitas vezes formado por um
só cômodo, onde quarto, sala e cozinha estão juntos. Esse tipo de
moradia, não fornece nenhum tipo de conforto a seus moradores, mas é a
única forma de habitação que eles conseguiram ter acesso.
As
cidades–dormitórios são municípios pequenos vizinhos a um maior e
mais próspero. A segregação atinge uma amplitude que extrapola os
limites da cidade, sem condições de adquirir um imóvel nem mesmo na
periferia, famílias inteiras mudam-se para regiões vizinhas onde a
valorização excessiva ainda não ocorreu por se tratar de locais pouco
urbanizados. Segundo Meyer, as cidades-dormitórios não oferecem um lugar
para se morar, elas são apenas para o descanso e não para o
desenvolvimento de atividades produtivas. De um lado temos o espaço onde
nos alojamos e de outro onde trabalhamos, esta distância, não é só física,
mas acaba se tornando também social.
Então,
sem condições de adquirir imóveis no centro, as famílias com menores
rendas, ao se estabelecerem na periferia, acabam criando uma identidade própria,
diferente daquela dos moradores dos bairros com maiores rendas. Não freqüentam
restaurantes, não colocam seus filhos em escolas particulares e
praticamente só saem do bairro para trabalharem. Ambos criam sua própria
forma de cultura e lazer, se adaptando as condições que lhes são dadas,
condições estas de caráter econômico. A segregação ainda faz com que
gerações inteiras não mudem de posição social, os filhos herdam as
condições econômicas dos pais e as repassam, num ciclo vicioso que
torna a mobilidade social quase que impossível, enquanto a concentração
de renda continua em domínio da elite.
Diante
desde quadro os moradores da periferia não têm perspectivas de um futuro
melhor. Eles se sentem excluídos do sistema social e das oportunidades de
progresso, aumentando o consumo de drogas, delinqüência e ainda outros
fatores que favorecem a sua degradação social (SABATINI, 1986). Estas
condutas funcionam como uma fuga da realidade e condição de existência,
abandonados pelo Estado só podem contar consigo mesmos.
Nos
últimos anos vem surgindo um fato novo: o confinamento dos grupos com
maiores rendas em condomínios fechados. Eles estão se mudando para estes
espaços em busca de maior segurança. Suas vidas são monitoradas por
porteiros, que controlam a entrada e a saída de pessoas no local, vinte e
quatro horas por dia. Seus moradores adquirem um status diferente do
restante da população, porque nem todos têm acesso a este espaço.
Estas áreas estão se valorizando cada vez mais, intensificando a segregação.
Mas,
a segregação, não é apenas um processo de separação dos moradores de
uma cidade, ela está baseada em desigualdades maiores, principalmente no
que diz respeito a condições sociais. Para Francisco Sabatini há três
dimensões da segregação social e urbana. A primeira diz respeito a
diferença no nível de vida entre os bairros, relacionada a condições
econômicas. A segunda dimensão é geográfica, apresentando dois
aspectos: de escala (as famílias com mesmas condições socioeconômicas
podem morar em um mesmo bairro ou bairros vizinhos) ou de relações (as
distâncias são agravadas pelo estado de pobreza de seus moradores que
pouco saem do seu bairro). E uma terceira dimensão, subjetiva, é
percebida quando os habitantes procuram morar próximos daqueles que lhes
são semelhantes, seja através de critérios de classe, étnicos,
religiosos ou de origem migratória. Como exemplo temos os bairros de
imigrantes japoneses ou italianos em São Paulo.
A
classe média alta, o Estado e o mercado imobiliário segregaram e
continuam segregando a população mais pobre, especialmente por dois
motivos: primeiro acreditam que estando distantes destes grupos aumentam a
própria segurança, visto que os relacionam pobreza a delinqüência. E,
segundo, porque favelas e imóveis antigos ou em condições precárias
desvalorizam os imóveis vizinhos. Os pobres no centro não são, no que
diz respeito a estética da cidade, bem vindos, eles mostram o lado
negativo da organização urbana, causando incômodo e desconforto aqueles
que são responsáveis pelo processo de segregação-espacial.
Quanto
mais a cidade cresce, mais se intensifica a segregação. Não há moradia
suficiente para todos nas regiões próximas ao centro, obrigando muitos a
se distanciarem cada vez mais. É certo que não é possível instalar uma
prefeitura em cada bairro, mas é essencial que aumente sua representação,
medidas devem ser tomadas para diminuir as distâncias. A ação
governamental, além de melhorar a infra-estrutura dos bairros, deve
incentivar o desenvolvimento do comércio, do transporte e do lazer nestas
regiões.
Periferia
A
periferia surge quando ocorre uma alta elevação do valor dos terrenos do
centro da cidade, fazendo com que os moradores com menor poder aquisitivo
procurem moradias com valores acessíveis, porém, em áreas distantes e
desprovidas de infra-estrutura. Esse processo está relacionado a dinâmica
das cidades, elas crescem e não agregam todos os moradores de forma
semelhante, sua expansão causa a expulsão dos pobres do centro e os
segrega em regiões pouco desenvolvidas.
É
prudente, antes de definir a periferia, descrever quais grupos, ou
classes, que pertencem a cidade. Segundo Pastore e Haller (1993) a
sociedade é dividida em seis classes, apresentadas em ordem decrescente
de rendimentos. A primeira é a classe média alta, que reúne pessoas de
alto poder econômico e importante influência política, como exemplo
pode se citar fazendeiros com muitas posses e altos executivos. A segunda
é a classe média superior, onde a maioria das ocupações são não
manuais qualificadas ou proprietários de médio porte, como, por exemplo,
administradores de grandes empresas e professores universitários. A
terceira é a classe média média, que se concentra em ocupações não
manuais qualificadas como pequenos comerciantes e caixas de banco, a
partir desta o poder de influência começa a
se tornar limitado. A quarta é a classe média baixa, a maioria
das ocupações são manuais qualificadas, como pedreiros e costureiras, a
partir dessa classe há baixos níveis educacionais. A quinta é a classe
baixa superior, com ocupações manuais não qualificadas, como
entregadores e empregadas domésticas. A sexta e última é a classe baixa
inferior, a mão-de-obra é rural não qualificada, como pescadores e
garimpeiros.
Essas
classes recebem um status em virtude dos lugares que freqüentam, dos
produtos que consomem ou ainda a maneira como se comportam. A periferia,
em geral, é ocupada pelos que pertencem as três últimas classes. Ela
será analisada com base em oito esferas: consumo, moradia, educação,
emprego, transporte, família, discriminação e lazer. Ainda há outras
esferas, mas estas já auxiliam para a percepção do nível de segregação
em que esses grupos se encontram.
Partindo
do consumo é possível ressaltar que o poder de compra das famílias que
moram na periferia é limitado. Em relação a bens não-duráveis, como
roupas e alimentos, seus integrantes consomem produtos de baixa qualidade,
enquanto que bens duráveis, como eletrodomésticos, móveis e outros o
acesso é bastante restrito. Se para a elite produtos como computadores,
microondas e dvds são essências, para os moradores da periferia eles são
quase que desconhecidos.
A
carência de recursos financeiros também se reflete na moradia. Estas são
modestas e geralmente estão em precárias condições. Além de se
localizarem em lugares distantes, muitas vezes há falta de água, luz,
esgoto, asfalto e coleta de lixo. Quando localizados em conjuntos
habitacionais tratam-se de casas de segunda linha
e quando em favelas de barracos.
Sua dimensão é pequena, não agrega os moradores confortavelmente e
sempre há uma reforma a ser feita. Quando termina a construção da casa
dos pais começa a dos filhos. Muitas vezes quando se casam constroem sua
moradia nos espaços vagos do terreno dos pais ou moram na mesma casa.
As
rendas baixas são reflexo da pouca escolaridade de seus moradores.
Muitos, porque não freqüentaram a escola, são analfabetos ou freqüentaram
somente níveis educacionais muito baixos. Os jovens, assim como seus pais
o fizeram, deixam de freqüentar a escola para trabalhar e aumentar a
renda da família, no futuro, possivelmente, repassarão esta condição
também para seus filhos num ciclo vicioso que torna a mobilidade social
inexistente por gerações, fato que podemos perceber em vários bairros
por todo o Brasil. Quando conseguem freqüentar a escola pública a
qualidade do ensino nem sempre é boa, pois muitas não recebem recursos
suficientes do Estado, além da falta de condições dos pais em fornecer
material escolar, uniforme e transporte. As escolas particulares, em
muitas situações melhores que as instituições de ensino públicas, têm
o acesso ainda mais restrito graças as mensalidades.
A
baixa escolaridade prejudica a entrada e permanência no mercado de
trabalho da população periférica. Por falta de qualificação quando
conseguem uma vaga, isso se conseguem, são mal remunerados. As profissões
mais freqüentes são: carpinteiro, eletricista, costureira, mecânico,
empregada doméstica, doceiros, babás, vendedores, motoristas,
ambulantes, catadores de papel, e outras, estas são pouco reconhecidas
pela sociedade e conseqüentemente mal remuneradas. Poucos têm a
oportunidade de um emprego com carteira assinada, a maioria é submetida a
relações informais ou exercem atividades por conta própria, os chamados
“bicos” ou “biscates”. Impossibilitados de participarem de
treinamentos ou cursos profissionalizantes, por falta de condições econômicas,
tempo (fazem horas extras para complementar a renda da família ou cuidar
dos serviços de casa) ou ainda por falta de apoio do Estado (que não
fornece cursos profissionalizantes gratuitos) são submetidos a péssimas
condições.
Quanto
ao transporte, apesar dos grupos que moram na periferia serem os que mais
necessitam deste serviço, porque moram distantes das atividades
comerciais e sociais, são os que menos têm acesso (DURHAM, 1988). Sem
condições de adquirir e manter um veículo próprio, dependem do sistema
público de transporte, que é precário e insuficiente. As tarifas são
altas se relacionadas aos rendimentos desses usuários, transportam grande
volume de pessoas desconfortavelmente, (principalmente nos horários de
maior movimento) e não passam com freqüência pelos bairros.
As
relações familiares também acabam por refletir esse quadro de carências.
Segundo Roberto C. Albuquerque (1993) as famílias pobres tendem a ser
mais numerosas, muitas mulheres se tornam mães precocemente e não há
campanhas de esclarecimento sobre o controle de natalidade através dos métodos
anticoncepcionais. O autor continua defendendo que a renda na maioria dos
casos depende dos ganhos do chefe da família, estes são geralmente
jovens e se declaram de cor negra ou parda. Mas, a maior proporção das
famílias pobres é chefiada por mulheres, talvez seja reflexo do grande número
de mães solteiras e maridos que abandonaram o lar.
Há
ainda a questão do preconceito e da discriminação contra esses grupos.
Os moradores da periferia são marginalizados e relacionados a
criminalidade, a atitude incorreta de alguns é tomada como se fosse a ação
geral, o que não ocorre com a população de altas rendas. Muitos
empregadores evitam contratar moradores desta região por acreditar que não
são honestos.
Finalizando
a análise de algumas esferas vemos que o lazer destes grupos também é
comprometido. Por exemplo, eles não freqüentam o cinema ou o teatro, se
limitam a opções oferecidas no próprio bairro com baixo ou nenhum
custo, como churrascos ou jogos de futebol em locais impróprios. Esta
região é carente de espaços culturais, como exposições ou oficinas de
teatro e arte; e esportivos, como quadras, campos ou piscinas.
Todas
essas condições enumeradas acima dificultam a ascensão social e conseqüentemente
a melhoria na qualidade de vida dos moradores da periferia, mas favorecem
o desenvolvimento de tipos de sociabilidade, avaliação do mercado de
trabalho e formas de percepção da sociedade que lhes são próprias
(DURHAM, 1988), distinguindo-os de outros grupos da sociedade.
A
falta de estrutura leva muitos a perderem a perspectiva quanto ao futuro e
outros ao conformismo. Dos primeiros, alguns se revoltam e entram na
criminalidade para melhorar as condições de vida, outros, diante da
baixa escolaridade, empregos mal remunerados e baixas perspectivas de
melhora, se vêem diante de um conflito pessoal, sendo a fuga a busca por
drogas, principalmente o álcool. Quanto aos segundos, que conseguiram
adquirir a casa própria, muitos acreditam que estão melhores do que
aqueles que pagam aluguel, ou quando eles próprios o pagavam, as condições
da moradia podem ser precárias, mas são de sua propriedade e não de
terceiros.
A
periferia vem crescendo mais do que as cidades. Além da alta taxa de
natalidade, ela atrai um grande número de imigrantes, seja de outros
bairros ou municípios, graças ao baixo custo de vida. Quando há um
aumento da densidade populacional as reivindicações ganham maior força
e a prefeitura leva para esta região, ao longo de vários anos,
infra-estrutura. As condições precárias do início da ocupação
diminuem e muitas transformações ocorrem, influenciando a valorização
dos imóveis, mas isso faz com que surjam outras regiões periféricas,
ainda mais distantes que a primeira, pois, alguns moradores não conseguem
arcar com os custos do imposto, esgoto e outras despesas que acompanham o
processo de reformas e, ainda, outros acabam vendendo sua moradia para
adquirirem um imóvel de menor valor e poder investir o que resta em
outros bens, como automóvel, móveis, eletrodomésticos ou construir uma
casa maior ou melhor do que a anterior. Isso faz com que enquanto na
cidade uma minoria aumenta sua qualidade de vida, a grande maioria pouco
melhora, quando não piora de condições.
A
periferia ainda funciona como trampolim político. Em épocas de campanhas
eleitorais, candidatos de todas as partes da cidade prometem melhorar as
condições de vida dos moradores, mas, em geral, quando se elegem nada é
feito.
Ela
é a expressão da grande concentração de renda que se reflete em todos
os níveis no Brasil. Apesar de não ser um fato novo ou mesmo exclusivo
do nosso país, nas últimas décadas vem ganhando índices assustadores.
Mesmo havendo pessoas com baixas condições financeiras em toda a cidade
é na periferia que eles se concentram em um número maior (DURHAM, 1988).
Considerações
finais
O
processo de urbanização elaborado ao longo dos anos no Brasil causou um
processo de segregação, levando uma quantidade cada vez maior de famílias
a deixar as áreas mais centrais da cidade e se dirigirem à periferia.
Esta, desprovida de uma infra-estrutura adequada e distante da vida
produtiva da cidade, faz com que a vida destas se torne muito difícil.
Essa situação se mantém porque permite lucros sempre crescentes a um
pequeno grupo: representantes do Estado, empresários, construtoras,
loteadoras, imobiliários e demais participantes deste mercado,
intensificando seus ganhos e aumentando a concentração de renda, de
forma que seja impossível uma reviravolta.
Políticas
criadas pelo Estado só minimizam essa situação, dando aos moradores uma
falsa sensação de posse. Acreditam que, mesmo tendo dificuldades, agora
possuem um terreno e uma casa, mesmo que sejam distantes dos serviços básicos.
Parece que é de interesse do governo retirar tais pessoas do cenário político,
diminuindo suas reivindicações, para poder assim, se concentrar em
outros setores.
Os
bairros pobres são vistos hoje como uma bomba pronta a explodir. Os níveis
de criminalidade estão cada vez maiores e a qualidade de vida cada vez
pior. Eles necessitam de uma atenção especial do Estado com programas
emergenciais que busquem minimizar os problemas mais graves, e propor a
elaboração de projetos que permitam uma solução viável a essas regiões.
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