por KELI DE OLIVEIRA SILVA

Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM)

 

 

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A periferização causada pela desigual urbanização brasileira

Keli de Oliveira Silva

 

Resumo: O artigo procura introduzir o leitor no processo que levou as cidades brasileiras a apresentarem hoje grandes desigualdades entre seus moradores. Logo no início da urbanização, após a Segunda Guerra Mundial, havia grandes expectativas quanto a melhoria na qualidade de vida de todos. A industrialização levou muitos camponeses às cidades em busca de maiores ganhos. Mas estas não foram capazes de atender o aglomerado de pessoas que chegavam. Muitos tiveram que se instalar em moradias desprovidas de infra-estrutura, como cortiços e favelas, e mais recentemente em áreas periféricas ou conjuntos habitacionais, que não dispõem de condições mínimas de habitabilidade e são distantes dos serviços básicos, como o consumo, a saúde e o lazer. A urbanização acabou criando grandes problemas sociais, como o desemprego, a falta de habitação, a criminalidade, entre outros. Este trabalho procura então, fazer um pequeno resgate, baseado em alguns autores, dos conceitos de urbanização, segregação e periferia.

Palavras-chave: Urbanização, segregação e periferia.

Caused Periphery Production for the Unequal Brazilian Urbanization

Abstract: The article looks for to introduce the reader in the process that took the Brazilian cities today to present great inaqualities between its inhabitants. Soon in the beginning of the urbanization, after the Second World War I, had great expectations how much the improvement in the quality of life of all. Industrialization took many peasants to the cities in search of bigger profits. But these had not been capable to take care of the accumulation of people who arrived. Many had had that if to install in housings unprovided of infrastructure, as tenement houses and slum quarters, and more recently in peripheral areas or housing estates, that do not make use of minimum conditions of habitability and are distant of the basic services, as the consumption, the health and the leisure. The urbanization finished creating great social problems, as the unemployment, the habitation lack, crime, among others. This work looks for then, to make a small rescue, established in some authors, of the concepts of urbanization, segregation and periphery.

Word-key: Urbanization, segregation and periphery.

 

Urbanização

As cidades, como conjuntos complexos, possuem uma história que as faz resultar no que são hoje. A partir da colonização e da urbanização de um território é possível encontrar as causas da desigualdade e da segregação existente na maioria delas.

O processo de urbanização no Brasil inicia-se na década de 50[1] com o aumento da população e o desenvolvimento do espaço urbano. Os moradores do campo mudam-se para as cidades atrás de melhores condições de vida, surgindo então uma correlação imediata entre emprego e metropolização. Mas, ainda antes, durante o século XVIII, a urbanização começa a se desenvolver, se intensificando, então, durante o século XIX, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. A taxa de urbanização que em 1940 era de 26,35%, em 1980 alcança 68,86% (SANTOS, 1998).

Em pouco mais de uma geração a partir dos meados deste século, o Brasil, um país predominantemente agrário, transformou-se em um país virtualmente urbanizado. Em 1950, tinha uma população de 33 milhões de camponeses – em crescimento -, com 19 milhões de habitantes nas cidades, ao passo que hoje tem a mesma população no ‘campo’ - agora diminuindo - e a população urbana sextuplicou para mais de 120 milhões. É claro que transformações quantitativas de tal magnitude implicam transformações qualitativas profundas. O país, se não está inteiramente ‘urbanizado’, tem seguramente caráter preponderantemente urbano (DEÁK & SHIFFER, 1999, p. 11-12).

O fenômeno da urbanização é conseqüência de fatores antigos, pois, com a crise do sistema colonial houve uma mudança na economia que favoreceu o mercado urbano, assim grande parte da mão-de-obra utilizada no campo, muda-se para a cidade. Então, para compreende-lo é fundamental fazer uma referência ao passado, segundo Ruben Oliven:

A formação de um modo de produção urbano-industrial capitalista  no Brasil está ligada ao enfraquecimento da economia colonial e o surgimento de uma economia de mercado [...] o longo período de crescimento das exportações de café levou ao uso crescente de mão-de-obra na agricultura de exportação, em detrimento das atividades de subsistência e de manufatura. A isto deve-se acrescentar a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre (principalmente imigrantes) e o crescimento das cidades devido as atividades de exportação (OLIVEN, 1984, p. 61).

A influência da colonização brasileira persiste nos dias de hoje. A oposição entre os senhores de engenho e os escravos foi substituída pela relação entre o empregador e o empregado. A distância entre a Casa Grande e a Senzala foi substituída pelo centro e a periferia. O Estado e os agentes imobiliários[2] (CORRÊA, 2002) continuam criando espaços particulares que diferencie e separe as classes com maiores e menores condições financeiras.

A urbanização está, então, vinculada ao processo de industrialização. A criação de uma indústria, fábrica ou empresa, principalmente de grande porte, tende a atrair à região onde se instalou um alto número de pessoas. Ela gera empregos diretos e indiretos, fazendo com que novos imóveis e prestadores de serviços se instalem aos seus arredores.

A partir dos anos 1940-1950 a industrialização não pode ser entendida apenas como a criação de atividades industriais, mas também como um processo social complexo, formando um mercado nacional, expandindo o consumo, impulsionando as relações e ativando a urbanização, envolvendo todo o país e acelerando a urbanização das médias e grandes cidades, que são as primeiras a receber estas indústrias (SANTOS, 1998). Mas ambos não necessariamente se confundem:

A urbanização, entretanto, apresenta um padrão diferente da industrialização. A primeira se torna muitas vezes relativamente independente do desenvolvimento industrial regional. O crescimento das cidades menos industrializadas apresenta um ritmo quase tão intenso como o das cidades mais industrializadas. As cidades que crescem se espalham por todo o litoral brasileiro, não se observando uma macrocefalia urbana, nem uma concentração geográfica da industrialização semelhante à que ocorre na indústria (OLIVEN, 1984, p. 70).

Ou seja, há ainda outros fatores que favorecem o desenvolvimento das cidades, como a migração interna; pólos educacionais, econômicos e políticos; pontos turísticos, qualidade de vida e dos serviços de saúde, entre outros.

Até agora trabalhamos com o termo urbanização, mas é interessante distingui-lo de outro semelhante: o urbanismo.

O urbanismo moderno realiza e manifesta também, por meio das formas que constrói, uma nova relação do homem com a cidade, passando a concebê-la com totalidade, a partir de uma nova visão unitária tornada possível, em um primeiro momento, com a perspectiva e as vias retas abrindo espaços e interligando os pedaços da cidade e, posteriormente com planos de conjunto de melhoramento, embelezando e expansão, que marcaram a  urbanística a partir do século XIX [...]

Através da reforma da cidade se busca a nova sociedade, e o urbanismo será o instrumento mobilizador dessa operação, meio para construção de um cotidiano civilizado (ANDRADE, 1995, p. 339-340).

O urbanismo se preocupa com a característica estética da cidade. Ele propõe uma construção de forma harmoniosa com as atividades dos homens e tem o intuito de por ordem ao caos.

A cidade surge então, principalmente, para atender as necessidades dos homens, sejam elas econômicas, políticas ou sociais, assim o espaço urbano é traçado enfocando-as. Os locais em que as satisfazemos, ou seja, o local em que moramos, trabalhamos, estudamos ou nos divertimos, são espaços distintos, distribuídos pelo município.

Segundo Maria Adélia A. de Souza (1999) o espaço urbano não se limita a cidade, esta e o espaço rural se mesclam. A partir dessa definição podemos pensar a urbanização como o local onde está a produção, as classes sociais e a divisão do trabalho. Então, ela é resultado de um conjunto de ações humanas, que procuram modificar a natureza para seu conforto e melhoria na qualidade de vida.

Mas com o acumulo crescente de habitantes, elas se tornam grandes áreas de risco, com altos índices de miséria, desigualdades, desemprego, violência e outros problemas, principalmente nas metrópoles[3]. As cidades têm diferenças, porém uma característica é comum: são marcadas de um lado pela exclusão de muitos, e de outro, pelas melhores condições de vida de poucos. A urbanização, então, acaba criando grandes problemas, segundo Milton Santos:

Por um lado, há a hipótese de que a urbanização é necessária para o processo do crescimento nacional pelas economias de aglomeração e escala que cria, pelas oportunidades de emprego e melhoramento de posição social que oferece e, finalmente, por seu clima favorável à elaboração de ideologias progressistas. Por outro lado, porém, acusa-se a urbanização de agravar desequilíbrios sócio-econômicos e disparidades regionais, de gerar subemprego, degradação da habitação e definição de serviços essenciais. As pessoas reagem como se a origem, tanto das boas coisas como das más, fosse a cidade e, por conseqüência, devesse esta elaborar suas respostas em seu próprio interior (SANTOS, 1982, p. 181).

A cidade não estava, e ainda hoje não está, preparada para o grande contingente de pessoas que se mudaram do campo. Ela veio crescendo de forma descontinua e sem planejamento, prejudicando seriamente a qualidade de vida ao não disponibilizar a todos emprego, saúde, educação, habitação e lazer. Milton Santos aponta que não é a cidade a responsável por todas carências, mas outros agentes, podemos citar como exemplo o poder público e os proprietários.

Para Milton Santos “Quanto mais intensa é a divisão do trabalho numa área, tanto mais cidades surgem e tanto mais diferentes são uma das outras” (SANTOS, 1998, p. 52). Ou seja, quanto mais uma região produz, mas ela vai se desenvolver, pois criará um maior número de necessidades.

O processo de urbanização tem altos e baixos. Ele veio para melhorar a qualidade de vida da população e diminuir as distâncias, mas acabou tornando-se uma questão complexa, pois trouxe grandes problemas, que cada vez aumentam mais e se tornam difíceis de serem solucionados. Um deles é a desigualdade social que será trabalhado no decorrer.

Segregação

Com a intensificação da urbanização, espaços distintos começam a ser criados, identificando seus moradores de formas opostas, divididos entre os bairros de classes baixa, média e alta.

Com o crescimento da população e a falta de planejamento das cidades ocorre um grave problema: a segregação, tanto espacial (distância entre moradias de diferentes grupos) como social (distância de condições no que diz respeito ao acesso, elaboração e execução de políticas públicas). A primeira está relacionada à valorização excessiva dos imóveis que dispõem dos serviços básicos, como asfalto, saneamento básico e transporte, e uma localização estratégica que facilita o acesso ao trabalho, comércio e lazer, além, ainda, da construção dos conjuntos habitacionais na periferia. A segunda diz respeito a dificuldade de alguns grupos têm para conseguir serviços de melhor qualidade, como escolas, médicos, emprego, cultura e lazer. As duas formas de segregação são extremamente ligadas e concentradas nos grupos com menores rendas.

A segregação no Brasil está relacionada às condições econômicas. Desde o período colonial é pregado o bem estar dos ricos em detrimento dos pobres. A distância espacial era um meio de distinguir os moradores da Casa Grande e da Senzala. Porém, apesar de já existir a muito tempo, é no Capitalismo que ganha mais força (ARAÚJO, 2004). Este sistema é predatório e não permite que todos tenham os mesmos direitos aos bens de consumo, privilegiando, assim, uma minoria com condições econômicas melhores.

Os principais responsáveis por estes espaços com características geográficas, econômicas e estéticas diferenciados são o Estado e a iniciativa privada. Eles são representados pelo capital imobiliário, construção civil e o estoque de terras urbanas (ARAÚJO, 2004). Os investimentos públicos e privados se concentram em determinadas áreas, valorizando-as ao disponibilizar saneamento básico, asfalto, transporte e segurança, enquanto a área periférica, como os cortiços, os bairros distantes do centro e os conjuntos habitacionais, são esquecidos. Os primeiros espaços citados são reservados para a elite e leva os que não possuem recursos financeiros à periferia.

O Estado, ainda, é responsável pelo planejamento urbano, ou seja, a maneira como o espaço é organizado. Esse planejamento, na maioria das vezes, não é devidamente adequado a toda sociedade. Ele concentra as atividades, tanto comerciais como sociais, em determinado local, colocando a elite a sua volta e afastando os que possuem menores rendas. Assim, o Estado acaba por expressar a influência das classes dominantes, que desejam um espaço particular para sua reprodução social, daí a inviabilidade de um planejamento democrático e igualitário (MARICATO, 2002).

Ligadas ao planejamento urbano estão as leis de zoneamento (distinção entre os espaços de uma cidade). Elas dirigem o uso e a ocupação do solo, separando áreas para comércio, lazer, indústrias e habitações. Neste último nível se dão as desigualdades que são mais marcantes. Ao mencionar um bairro, os seus moradores são automaticamente relacionados a essa separação. Eles recebem um rótulo: se morarem próximos ao centro e das atividades comerciais e sociais são bem sucedidos, cidadãos dignos de respeito; se morarem na periferia são rotulados como pobres, violentos ou sujos e muitas vezes nem mesmos são tratados como cidadãos pelas autoridades como a polícia por exemplo, e pela sociedade de modo geral.

Então, dentro do processo de segregação, surgem problemas, principalmente referentes a questão da moradia: aluguéis altos, imóveis ilegais, periferização e déficit habitacional. Os bairros que possuem acesso fácil as atividades comercias e sociais, como escolas, hospitais e supermercados, se valorizam cada vez mais, impedindo que muitos adquiram um imóvel nesta região. A isso se soma a especulação imobiliária que mantêm imensos vazios na cidade à espera de valorização. Há pouco investimento público no setor imobiliário para habitações populares, onde, muitas vezes, a classe média acaba por ocupar as habitações que eram destinadas a população de baixa renda, graças a burocracia do cadastramento e a dificuldade dessas famílias em pagar a quantia mensal exigida para adquirir um imóvel, mesmo que popular.

A questão habitacional deve ser analisada com base nas questões sociais, econômicas e políticas. Segundo Kowarick (1993) é necessário observar, além do preço da terra urbana, o setor imobiliário–construtor e o Estado; é preciso também considerar o conjunto da composição social do capital e a forma como se reparte o trabalho excedente do necessário, resgatando assim, idéias marxistas. Ou seja, quando a oferta de empregos é insuficiente ou os salários são muito baixos, dificultam a aquisição de uma moradia digna, que disponha de saneamento básico, comércio e lazer.

Neste contexto, ocorre então, a restrição do mercado privado, em especial do imobiliário, além de políticas sociais insuficientes, fazendo com que os moradores para que possam ter direito a habitação, tenham que procurar em lugares cada vez mais distantes do centro, ou mesmo busquem imóveis ilegais ou construam suas casas nas chamadas áreas de grande risco. Segundo Meyer (1979) podemos avaliar uma estrutura urbana a partir do grau de segregação, ou seja, quanto menos segregada uma cidade, mais está é desenvolvida. A autora ainda distingue dois modos no processo de segregação: as favelas e as cidades-dormitórios.

As favelas caracterizam–se por serem imóveis ilegais. Estas, geralmente não surgem na periferia, mas próximas ao centro. Trata–se de barracos, construídos precariamente, sem qualquer tipo de saneamento básico e segurança. O espaço construído é mínimo, muitas vezes formado por um só cômodo, onde quarto, sala e cozinha estão juntos. Esse tipo de moradia, não fornece nenhum tipo de conforto a seus moradores, mas é a única forma de habitação que eles conseguiram ter acesso.

As cidades–dormitórios são municípios pequenos vizinhos a um maior e mais próspero. A segregação atinge uma amplitude que extrapola os limites da cidade, sem condições de adquirir um imóvel nem mesmo na periferia, famílias inteiras mudam-se para regiões vizinhas onde a valorização excessiva ainda não ocorreu por se tratar de locais pouco urbanizados. Segundo Meyer, as cidades-dormitórios não oferecem um lugar para se morar, elas são apenas para o descanso e não para o desenvolvimento de atividades produtivas. De um lado temos o espaço onde nos alojamos e de outro onde trabalhamos, esta distância, não é só física, mas acaba se tornando também social.

Então, sem condições de adquirir imóveis no centro, as famílias com menores rendas, ao se estabelecerem na periferia, acabam criando uma identidade própria, diferente daquela dos moradores dos bairros com maiores rendas. Não freqüentam restaurantes, não colocam seus filhos em escolas particulares e praticamente só saem do bairro para trabalharem. Ambos criam sua própria forma de cultura e lazer, se adaptando as condições que lhes são dadas, condições estas de caráter econômico. A segregação ainda faz com que gerações inteiras não mudem de posição social, os filhos herdam as condições econômicas dos pais e as repassam, num ciclo vicioso que torna a mobilidade social quase que impossível, enquanto a concentração de renda continua em domínio da elite.[4]

Diante desde quadro os moradores da periferia não têm perspectivas de um futuro melhor. Eles se sentem excluídos do sistema social e das oportunidades de progresso, aumentando o consumo de drogas, delinqüência e ainda outros fatores que favorecem a sua degradação social (SABATINI, 1986). Estas condutas funcionam como uma fuga da realidade e condição de existência, abandonados pelo Estado só podem contar consigo mesmos.

Nos últimos anos vem surgindo um fato novo: o confinamento dos grupos com maiores rendas em condomínios fechados. Eles estão se mudando para estes espaços em busca de maior segurança. Suas vidas são monitoradas por porteiros, que controlam a entrada e a saída de pessoas no local, vinte e quatro horas por dia. Seus moradores adquirem um status diferente do restante da população, porque nem todos têm acesso a este espaço. Estas áreas estão se valorizando cada vez mais, intensificando a segregação.

Mas, a segregação, não é apenas um processo de separação dos moradores de uma cidade, ela está baseada em desigualdades maiores, principalmente no que diz respeito a condições sociais. Para Francisco Sabatini há três dimensões da segregação social e urbana. A primeira diz respeito a diferença no nível de vida entre os bairros, relacionada a condições econômicas. A segunda dimensão é geográfica, apresentando dois aspectos: de escala (as famílias com mesmas condições socioeconômicas podem morar em um mesmo bairro ou bairros vizinhos) ou de relações (as distâncias são agravadas pelo estado de pobreza de seus moradores que pouco saem do seu bairro). E uma terceira dimensão, subjetiva, é percebida quando os habitantes procuram morar próximos daqueles que lhes são semelhantes, seja através de critérios de classe, étnicos, religiosos ou de origem migratória. Como exemplo temos os bairros de imigrantes japoneses ou italianos em São Paulo.

A classe média alta, o Estado e o mercado imobiliário segregaram e continuam segregando a população mais pobre, especialmente por dois motivos: primeiro acreditam que estando distantes destes grupos aumentam a própria segurança, visto que os relacionam pobreza a delinqüência. E, segundo, porque favelas e imóveis antigos ou em condições precárias desvalorizam os imóveis vizinhos. Os pobres no centro não são, no que diz respeito a estética da cidade, bem vindos, eles mostram o lado negativo da organização urbana, causando incômodo e desconforto aqueles que são responsáveis pelo processo de segregação-espacial.

Quanto mais a cidade cresce, mais se intensifica a segregação. Não há moradia suficiente para todos nas regiões próximas ao centro, obrigando muitos a se distanciarem cada vez mais. É certo que não é possível instalar uma prefeitura em cada bairro, mas é essencial que aumente sua representação, medidas devem ser tomadas para diminuir as distâncias. A ação governamental, além de melhorar a infra-estrutura dos bairros, deve incentivar o desenvolvimento do comércio, do transporte e do lazer nestas regiões.

Periferia

A periferia surge quando ocorre uma alta elevação do valor dos terrenos do centro da cidade, fazendo com que os moradores com menor poder aquisitivo procurem moradias com valores acessíveis, porém, em áreas distantes e desprovidas de infra-estrutura. Esse processo está relacionado a dinâmica das cidades, elas crescem e não agregam todos os moradores de forma semelhante, sua expansão causa a expulsão dos pobres do centro e os segrega em regiões pouco desenvolvidas.

É prudente, antes de definir a periferia, descrever quais grupos, ou classes, que pertencem a cidade. Segundo Pastore e Haller (1993) a sociedade é dividida em seis classes, apresentadas em ordem decrescente de rendimentos. A primeira é a classe média alta, que reúne pessoas de alto poder econômico e importante influência política, como exemplo pode se citar fazendeiros com muitas posses e altos executivos. A segunda é a classe média superior, onde a maioria das ocupações são não manuais qualificadas ou proprietários de médio porte, como, por exemplo, administradores de grandes empresas e professores universitários. A terceira é a classe média média, que se concentra em ocupações não manuais qualificadas como pequenos comerciantes e caixas de banco, a partir desta o poder de influência começa a  se tornar limitado. A quarta é a classe média baixa, a maioria das ocupações são manuais qualificadas, como pedreiros e costureiras, a partir dessa classe há baixos níveis educacionais. A quinta é a classe baixa superior, com ocupações manuais não qualificadas, como entregadores e empregadas domésticas. A sexta e última é a classe baixa inferior, a mão-de-obra é rural não qualificada, como pescadores e garimpeiros.

Essas classes recebem um status em virtude dos lugares que freqüentam, dos produtos que consomem ou ainda a maneira como se comportam. A periferia, em geral, é ocupada pelos que pertencem as três últimas classes. Ela será analisada com base em oito esferas: consumo, moradia, educação, emprego, transporte, família, discriminação e lazer. Ainda há outras esferas, mas estas já auxiliam para a percepção do nível de segregação em que esses grupos se encontram.

Partindo do consumo é possível ressaltar que o poder de compra das famílias que moram na periferia é limitado. Em relação a bens não-duráveis, como roupas e alimentos, seus integrantes consomem produtos de baixa qualidade, enquanto que bens duráveis, como eletrodomésticos, móveis e outros o acesso é bastante restrito. Se para a elite produtos como computadores, microondas e dvds são essências, para os moradores da periferia eles são quase que desconhecidos.

A carência de recursos financeiros também se reflete na moradia. Estas são modestas e geralmente estão em precárias condições. Além de se localizarem em lugares distantes, muitas vezes há falta de água, luz, esgoto, asfalto e coleta de lixo. Quando localizados em conjuntos habitacionais tratam-se de casas de segunda linha[5] e quando em favelas de barracos[6]. Sua dimensão é pequena, não agrega os moradores confortavelmente e sempre há uma reforma a ser feita. Quando termina a construção da casa dos pais começa a dos filhos. Muitas vezes quando se casam constroem sua moradia nos espaços vagos do terreno dos pais ou moram na mesma casa.

As rendas baixas são reflexo da pouca escolaridade de seus moradores. Muitos, porque não freqüentaram a escola, são analfabetos ou freqüentaram somente níveis educacionais muito baixos. Os jovens, assim como seus pais o fizeram, deixam de freqüentar a escola para trabalhar e aumentar a renda da família, no futuro, possivelmente, repassarão esta condição também para seus filhos num ciclo vicioso que torna a mobilidade social inexistente por gerações, fato que podemos perceber em vários bairros por todo o Brasil. Quando conseguem freqüentar a escola pública a qualidade do ensino nem sempre é boa, pois muitas não recebem recursos suficientes do Estado, além da falta de condições dos pais em fornecer material escolar, uniforme e transporte. As escolas particulares, em muitas situações melhores que as instituições de ensino públicas, têm o acesso ainda mais restrito graças as mensalidades.

A baixa escolaridade prejudica a entrada e permanência no mercado de trabalho da população periférica. Por falta de qualificação quando conseguem uma vaga, isso se conseguem, são mal remunerados. As profissões mais freqüentes são: carpinteiro, eletricista, costureira, mecânico, empregada doméstica, doceiros, babás, vendedores, motoristas, ambulantes, catadores de papel, e outras, estas são pouco reconhecidas pela sociedade e conseqüentemente mal remuneradas. Poucos têm a oportunidade de um emprego com carteira assinada, a maioria é submetida a relações informais ou exercem atividades por conta própria, os chamados “bicos” ou “biscates”. Impossibilitados de participarem de treinamentos ou cursos profissionalizantes, por falta de condições econômicas, tempo (fazem horas extras para complementar a renda da família ou cuidar dos serviços de casa) ou ainda por falta de apoio do Estado (que não fornece cursos profissionalizantes gratuitos) são submetidos a péssimas condições.

Quanto ao transporte, apesar dos grupos que moram na periferia serem os que mais necessitam deste serviço, porque moram distantes das atividades comerciais e sociais, são os que menos têm acesso (DURHAM, 1988). Sem condições de adquirir e manter um veículo próprio, dependem do sistema público de transporte, que é precário e insuficiente. As tarifas são altas se relacionadas aos rendimentos desses usuários, transportam grande volume de pessoas desconfortavelmente, (principalmente nos horários de maior movimento) e não passam com freqüência pelos bairros.

As relações familiares também acabam por refletir esse quadro de carências. Segundo Roberto C. Albuquerque (1993) as famílias pobres tendem a ser mais numerosas, muitas mulheres se tornam mães precocemente e não há campanhas de esclarecimento sobre o controle de natalidade através dos métodos anticoncepcionais. O autor continua defendendo que a renda na maioria dos casos depende dos ganhos do chefe da família, estes são geralmente jovens e se declaram de cor negra ou parda. Mas, a maior proporção das famílias pobres é chefiada por mulheres, talvez seja reflexo do grande número de mães solteiras e maridos que abandonaram o lar.

Há ainda a questão do preconceito e da discriminação contra esses grupos. Os moradores da periferia são marginalizados e relacionados a criminalidade, a atitude incorreta de alguns é tomada como se fosse a ação geral, o que não ocorre com a população de altas rendas. Muitos empregadores evitam contratar moradores desta região por acreditar que não são honestos.

Finalizando a análise de algumas esferas vemos que o lazer destes grupos também é comprometido. Por exemplo, eles não freqüentam o cinema ou o teatro, se limitam a opções oferecidas no próprio bairro com baixo ou nenhum custo, como churrascos ou jogos de futebol em locais impróprios. Esta região é carente de espaços culturais, como exposições ou oficinas de teatro e arte; e esportivos, como quadras, campos ou piscinas.

Todas essas condições enumeradas acima dificultam a ascensão social e conseqüentemente a melhoria na qualidade de vida dos moradores da periferia, mas favorecem o desenvolvimento de tipos de sociabilidade, avaliação do mercado de trabalho e formas de percepção da sociedade que lhes são próprias (DURHAM, 1988), distinguindo-os de outros grupos da sociedade.

A falta de estrutura leva muitos a perderem a perspectiva quanto ao futuro e outros ao conformismo. Dos primeiros, alguns se revoltam e entram na criminalidade para melhorar as condições de vida, outros, diante da baixa escolaridade, empregos mal remunerados e baixas perspectivas de melhora, se vêem diante de um conflito pessoal, sendo a fuga a busca por drogas, principalmente o álcool. Quanto aos segundos, que conseguiram adquirir a casa própria, muitos acreditam que estão melhores do que aqueles que pagam aluguel, ou quando eles próprios o pagavam, as condições da moradia podem ser precárias, mas são de sua propriedade e não de terceiros.

A periferia vem crescendo mais do que as cidades. Além da alta taxa de natalidade, ela atrai um grande número de imigrantes, seja de outros bairros ou municípios, graças ao baixo custo de vida. Quando há um aumento da densidade populacional as reivindicações ganham maior força e a prefeitura leva para esta região, ao longo de vários anos, infra-estrutura. As condições precárias do início da ocupação diminuem e muitas transformações ocorrem, influenciando a valorização dos imóveis, mas isso faz com que surjam outras regiões periféricas, ainda mais distantes que a primeira, pois, alguns moradores não conseguem arcar com os custos do imposto, esgoto e outras despesas que acompanham o processo de reformas e, ainda, outros acabam vendendo sua moradia para adquirirem um imóvel de menor valor e poder investir o que resta em outros bens, como automóvel, móveis, eletrodomésticos ou construir uma casa maior ou melhor do que a anterior. Isso faz com que enquanto na cidade uma minoria aumenta sua qualidade de vida, a grande maioria pouco melhora, quando não piora de condições.

A periferia ainda funciona como trampolim político. Em épocas de campanhas eleitorais, candidatos de todas as partes da cidade prometem melhorar as condições de vida dos moradores, mas, em geral, quando se elegem nada é feito.

Ela é a expressão da grande concentração de renda que se reflete em todos os níveis no Brasil. Apesar de não ser um fato novo ou mesmo exclusivo do nosso país, nas últimas décadas vem ganhando índices assustadores. Mesmo havendo pessoas com baixas condições financeiras em toda a cidade é na periferia que eles se concentram em um número maior (DURHAM, 1988).

Considerações finais

O processo de urbanização elaborado ao longo dos anos no Brasil causou um processo de segregação, levando uma quantidade cada vez maior de famílias a deixar as áreas mais centrais da cidade e se dirigirem à periferia. Esta, desprovida de uma infra-estrutura adequada e distante da vida produtiva da cidade, faz com que a vida destas se torne muito difícil. Essa situação se mantém porque permite lucros sempre crescentes a um pequeno grupo: representantes do Estado, empresários, construtoras, loteadoras, imobiliários e demais participantes deste mercado, intensificando seus ganhos e aumentando a concentração de renda, de forma que seja impossível uma reviravolta.

Políticas criadas pelo Estado só minimizam essa situação, dando aos moradores uma falsa sensação de posse. Acreditam que, mesmo tendo dificuldades, agora possuem um terreno e uma casa, mesmo que sejam distantes dos serviços básicos. Parece que é de interesse do governo retirar tais pessoas do cenário político, diminuindo suas reivindicações, para poder assim, se concentrar em outros setores.

Os bairros pobres são vistos hoje como uma bomba pronta a explodir. Os níveis de criminalidade estão cada vez maiores e a qualidade de vida cada vez pior. Eles necessitam de uma atenção especial do Estado com programas emergenciais que busquem minimizar os problemas mais graves, e propor a elaboração de projetos que permitam uma solução viável a essas regiões.

__________

[1] De 1950 a 1960 a população urbana aumentou em 60% (SOUZA, 1999).

[2] Responsáveis pelo comércio de imóveis

[3] Segundo Milton Santos: “Metrópole pode ser definida como o organismo urbano onde existe uma complexidade de funções, capazes de atender a todas as formas de necessidade da população urbana e nacional ou regional.” (SANTOS, M. 1982: p 36-37).

[4] Características que distinguem a periferia do centro serão desenvolvidas no próximo item.

[5] Geralmente em alvenaria, atingindo apenas os padrões considerados mínimos de habitabilidade.

[6] Construções feitas com material precário e de baixo valor, como folhas de zinco, papelão, madeira, etc. Muitas vezes sem sanitários ou contando apenas com um cômodo.

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Publicada em 21.12.06 - Última atualização: 19 dezembro, 2006.