O
extremo da poesia:
‘Terminal’,
de Ronald Polito
Jardel
Dias Cavalcanti
Acaba se ser lançado
pela editora Sette Letras, do Rio de Janeiro, o livro de poesias
“Terminal”, de Ronald Polito. A editora já havia publicado do mesmo
autor os livros “Solo” (1996) e “Intervalos” (1998). Além desses
livros, Polito já publicou outros dois: “Vaga” (edição do autor,
1997) e “De passagem” (Nanquim Editorial, 2001).
O
livro é composto por 43 poemas, divididos em pequenos grupos com denominações
como “City Ligths”, “Gabinete”, “Respirações Artificiais”,
“Minizôo” e “No desterro”. Como nos informa a edição, os poemas
foram escritos entre os anos 2003 e 2005.
Tal
como nos livros anteriores de Polito, este também é um livro onde o
poeta parece exercer uma batalha com a linguagem em busca da concreção
de vivências e percepções ontológicas que beiram o limite de sua existência.
Procura-se, portanto, tentar encontrar as palavras justas como ponto nodal
onde a experiência perceptiva do poeta pode ser amarrada pela linguagem
numa confluência entre vivência e poética extremas. Casamento
perigoso... Para o poeta e para os leitores.
Polito
é dado a minimalismos nos nomes de seus livros. Tentativa de síntese
absoluta do conteúdo geral dos poemas contidos no livro. Seus poemas também
trazem muitas vezes esta característica, buscando como próprio de seu
fazer poético esse exercício de tentar possuir através de uma imagem única
o absoluto ontológico do que pretende representar. E o sentido duplo da
palavra “Terminal” nos diz muito dessa luta entre vivência e concreção
poética da mesma: como algo que chegou ao limite e que também foi
alinhavado nesse limite (como forma
literária).
Dito
isso, vale entrar rapidamente no livro e perscrutar seus poemas e sua poética.
Entre os versos que abrem o livro “Pode haver/ um ponto de partida” e
os versos iniciais do último poema, “Quando tudo desapareceu”, tensão
constante entre o existir, o preparar-se para existir e o fiasco do mesmo,
arma-se, no edifício dos versos, vários pontos de estalos da linguagem
que nos premiam com sínteses primorosas colocados na justa tradução das
palavras: pense-se, por exemplo, em “Um nirvana”, definido como “um
mundo sem rugosidade, elevações,/ quedas ou texturas”. Ou “Urso
Polar”, definido excepcionalmente como “floco inconsútil entre
cristais”.
Mas
nos poemas o incômodo também se instala numa espécie de poesia que é
“um escalpo para expor”, dolorosa experiência que se quer anular,
“Desnascendo”, ainda que essa poesia seja “esse estranho que reconheço
como meu”. Uma dor que se deseja suprimir mas que, na incapacidade desse
desejo, torna-se poesia.
A
negatividade da experiência e a negatividade da própria tentativa de
traduzi-la em linguagem como leitmotiv
da poesia de Polito volta a se firmar também nesse livro. Uma espécie de
lesma que quer apagar seus próprios vestígios dentro da gosma letárgica
que a possui? Sim e não, porque afinal os poemas são esta gosma que
sobra do caminho traçado pelo poeta, “refocinhando bem/ o teu metro/
quadrado/ de vida”.
A
vontade de objetivação dessa negatividade, como no poema “Bem, nem a sós”,
quando diz peremptório que “não/ não seremos salvos”, corresponde
à idéia trágica de expor o humano em seu lado cru, terrível, numa
poesia que tem por princípio ser uma máquina autodiscordante que crava
os dentes no seu próprio mecanismo de funcionamento – como o humano que
crava os dentes na própria carne para aproveitar o sabor de sua própria
autodestruição.
Não
se pode descuidar de perceber nos próprios poemas uma alegoria do fazer
poético como uma tentativa inútil de resolver a incorrigível existência
e o poema torna-se, então, “o rasto/ de sangue de um animal indo/
talvez morrer sozinho,/ uma fagulha de expectativa/ nos cantos de uma
boca/ (...) esse/ vácuo,/ filtro de passagem/ para qualquer/ estado da
matéria,/ que se prova aqui.”
A
matéria do mundo, a alma do mundo, a vivência da existência, por mais
que entendidas, dissecadas, racionalizadas (ou seja, interpretadas) e
descritas só podem encontrar sentido no mistério de sua impossibilidade
de compreensão, e a poesia é mais uma nuvem no meio do caminho, como no
poema seguinte:
Depois
da interpretação
Olhar
de novo o céu
tantas
e tantas vezes
incompreensível
E
então cobri-lo de nuvens
mais
incompreensíveis ainda.
A
poesia como matéria maior da negatividade, é, ainda assim, o
mini-triunfo do poeta, “um controle mesmo do/ desmantelo”. A tradução,
afinal, do que seja o poeta, esse “Tigre Branco” que mesmo na
derrocada do poema pode dizer, recolhido na força de sua “solidão extática
e inexpugnável”, que “o verdadeiro rei sou eu”.