por JARDEL CAVALCANTI

Mestre em Historia da Arte pela UNICAMP e Doutor em História pela UNICAMP. Prof. de História da Arte e Filosofia da Arte na UNIMESP (Universidade Metropolitana de São Paulo)

 

 

 

versão para imprimir [arquivo PDF]
Clique e cadastre-se para receber os informes de atualização da Revista Urutágua
 

Resenha:

POLITO, Ronald. Terminal. Rio de Janeiro: Sette Letras, 2006.

 

O extremo da poesia: 

‘Terminal’, de Ronald Polito

 

Jardel Dias Cavalcanti

 

Acaba se ser lançado pela editora Sette Letras, do Rio de Janeiro, o livro de poesias “Terminal”, de Ronald Polito. A editora já havia publicado do mesmo autor os livros “Solo” (1996) e “Intervalos” (1998). Além desses livros, Polito já publicou outros dois: “Vaga” (edição do autor, 1997) e “De passagem” (Nanquim Editorial, 2001).

O livro é composto por 43 poemas, divididos em pequenos grupos com denominações como “City Ligths”, “Gabinete”, “Respirações Artificiais”, “Minizôo” e “No desterro”. Como nos informa a edição, os poemas foram escritos entre os anos 2003 e 2005.

Tal como nos livros anteriores de Polito, este também é um livro onde o poeta parece exercer uma batalha com a linguagem em busca da concreção de vivências e percepções ontológicas que beiram o limite de sua existência. Procura-se, portanto, tentar encontrar as palavras justas como ponto nodal onde a experiência perceptiva do poeta pode ser amarrada pela linguagem numa confluência entre vivência e poética extremas. Casamento perigoso... Para o poeta e para os leitores.

Polito é dado a minimalismos nos nomes de seus livros. Tentativa de síntese absoluta do conteúdo geral dos poemas contidos no livro. Seus poemas também trazem muitas vezes esta característica, buscando como próprio de seu fazer poético esse exercício de tentar possuir através de uma imagem única o absoluto ontológico do que pretende representar. E o sentido duplo da palavra “Terminal” nos diz muito dessa luta entre vivência e concreção poética da mesma: como algo que chegou ao limite e que também foi alinhavado nesse limite (como forma literária).

Dito isso, vale entrar rapidamente no livro e perscrutar seus poemas e sua poética. Entre os versos que abrem o livro “Pode haver/ um ponto de partida” e os versos iniciais do último poema, “Quando tudo desapareceu”, tensão constante entre o existir, o preparar-se para existir e o fiasco do mesmo, arma-se, no edifício dos versos, vários pontos de estalos da linguagem que nos premiam com sínteses primorosas colocados na justa tradução das palavras: pense-se, por exemplo, em “Um nirvana”, definido como “um mundo sem rugosidade, elevações,/ quedas ou texturas”. Ou “Urso Polar”, definido excepcionalmente como “floco inconsútil entre cristais”.

Mas nos poemas o incômodo também se instala numa espécie de poesia que é “um escalpo para expor”, dolorosa experiência que se quer anular, “Desnascendo”, ainda que essa poesia seja “esse estranho que reconheço como meu”. Uma dor que se deseja suprimir mas que, na incapacidade desse desejo, torna-se poesia.

A negatividade da experiência e a negatividade da própria tentativa de traduzi-la em linguagem como leitmotiv da poesia de Polito volta a se firmar também nesse livro. Uma espécie de lesma que quer apagar seus próprios vestígios dentro da gosma letárgica que a possui? Sim e não, porque afinal os poemas são esta gosma que sobra do caminho traçado pelo poeta, “refocinhando bem/ o teu metro/ quadrado/ de vida”.

A vontade de objetivação dessa negatividade, como no poema “Bem, nem a sós”, quando diz peremptório que “não/ não seremos salvos”, corresponde à idéia trágica de expor o humano em seu lado cru, terrível, numa poesia que tem por princípio ser uma máquina autodiscordante que crava os dentes no seu próprio mecanismo de funcionamento – como o humano que crava os dentes na própria carne para aproveitar o sabor de sua própria autodestruição.

Não se pode descuidar de perceber nos próprios poemas uma alegoria do fazer poético como uma tentativa inútil de resolver a incorrigível existência e o poema torna-se, então, “o rasto/ de sangue de um animal indo/ talvez morrer sozinho,/ uma fagulha de expectativa/ nos cantos de uma boca/ (...) esse/ vácuo,/ filtro de passagem/ para qualquer/ estado da matéria,/ que se prova aqui.”

A matéria do mundo, a alma do mundo, a vivência da existência, por mais que entendidas, dissecadas, racionalizadas (ou seja, interpretadas) e descritas só podem encontrar sentido no mistério de sua impossibilidade de compreensão, e a poesia é mais uma nuvem no meio do caminho, como no poema seguinte:

 

Depois da interpretação

 

Olhar de novo o céu

tantas e tantas vezes

incompreensível

 

E então cobri-lo de nuvens

mais incompreensíveis ainda.

 

A poesia como matéria maior da negatividade, é, ainda assim, o mini-triunfo do poeta, “um controle mesmo do/ desmantelo”. A tradução, afinal, do que seja o poeta, esse “Tigre Branco” que mesmo na derrocada do poema pode dizer, recolhido na força de sua “solidão extática e inexpugnável”, que “o verdadeiro rei sou eu”.

 

©Copyright 2001/2007 - Revista Urutágua - revista acadêmica multidisciplinar

Departamento de Ciências Sociais
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Av. Colombo, 5790 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá/PR - Brasil - Email: rev-urutagua@uem.br 

Publicada em 21.12.06 - Última atualização: 20 dezembro, 2006.