Introdução
A
discussão sobre o comércio internacional é um dos pontos mais antigos e
controversos no debate econômico. O estudo dos determinantes das trocas
comerciais internacionais tem sua evolução ligada à própria evolução
da Economia enquanto ciência. Desde os mercantilistas, quando se inicia
um processo de entendimento e sistematização do conhecimento econômico,
passando pelos clássicos e neoclássicos, além dos
“desenvolvimentistas”, a análise da trocas internacionais tem seu
lugar garantido e engendra os mais acalorados debates acerca de suas
benesses ou malefícios/limitações ao processo de desenvolvimento econômico
das nações.
Na
análise do comércio internacional, é de fundamental relevância a
constatação dos determinantes do comércio. Entender o porquê da existência
de comércio entre as nações, seus fundamentos básicos, o padrão de
comércio, quais os preços das exportações/importações, que
quantidades são ou poderiam ser exportadas/importadas, quais são as
diretrizes determinantes da política comercial dos países. Estes são
alguns dos questionamentos básicos quando dos estudos das teorias do comércio
internacional. As teorias buscam justamente demonstrar o porquê da existência
do comércio e quais seus benefícios reais e seus custos para o
crescimento econômico da nação.
Vale
salientar, desde já, que não podemos vislumbrar um arcabouço teórico
único que consiga abordar de forma completa as interações, conflitos e
interesses presentes no jogo do comércio internacional. Não há nada de
novo nesta constatação. Jacob Viner, já na década de 1950, alertava
para tal fato. Sobre esta constatação, Gonçalves (2005) expõe:
Dadas
as complexidades dos temas e a influência de variáveis heterogêneas, não
é possível obtermos uma teoria geral e única do comércio
internacional. É importante, por isso, termos um balanço dos diferentes
enfoques teóricos do comércio internacional. (GONÇALVES, 2005, p. 97)
Independentemente
das variações teórico-analíticas, um conceito-chave para o estudo das
teorias do comércio internacional é o de vantagem
comparativa. Criado e desenvolvido por David Ricardo em sua obra Princípios
de Economia Política e Tributação, de 1817, o princípio da vantagem
comparativa nos revela que o comércio internacional será benéfico
para os países mesmo se um determinado país possa produzir mais
eficientemente, em relação aos demais, todos os produtos que consome. As
principais teorias do comércio internacional se baseiam neste princípio,
podendo divergir quanto aos determinantes das vantagens.
Os críticos também tomam o princípio da vantagem comparativa e suas
bases de sustentação como ponto fundamental de suas construções analíticas
alternativas.
O
presente trabalho visa a apresentar, de forma relativamente aprofundada,
uma discussão sobre as “principais” teorias do comércio
internacional, que têm seus posicionamentos marcados por uma aderência
maior ou menor aos princípios do livre cambismo ou do protecionismo como
instrumento auxiliar de desenvolvimento econômico. Assim, ao
identificarmos, no curso histórico, as diversas teorias do comércio
internacional e suas bases constitutivas, pretendemos trazer uma análise
ponderada tanto acerca do embasamento analítico intrínseco de cada
abordagem quanto da interação entre as mesmas e também entre as teorias
e a realidade.
Feita
esta breve introdução, seguindo na nossa análise, apresentaremos as
“principais” teorias do comércio internacional. Primeiramente,
discutiremos as teorias “puras” do comércio internacional, analisando
seus fundamentos e desenvolvendo os modelos ligados à abordagem
liberal-tradicional, fundamentalmente focada no principio das vantagens
comparativas, embora o mesmo seja abordado de forma relativamente
distinta. Em seguida, apresentaremos a teoria crítica do comércio estratégico
de Friedrich List, com o seu “protecionismo educador”, e de Raúl
Prebisch, líder do movimento intelectual latino-americano que buscou
pensar o desenvolvimento a partir da ótica dos países em
desenvolvimento. Adicionalmente, os novos modelos teóricos de análise do
comércio internacional serão apresentados, identificando-se suas
principais contribuições ao debate teórico na área, fundamentalmente
no que concerne aos modelos de Helpman-Krugman, embasados nas idéias de
economias externas e de escala, e de Michal Porter, que dá real importância
à criação da vantagem competitiva da nação. Por fim, apresentaremos
as considerações finais acerca da importância do estudo das teorias do
comércio internacional para o entendimento da realidade das trocas
internacionais, não obstante suas possíveis insuficiências analíticas de
facto.
A
abordagem liberal-tradicional: as teorias clássica e neoclássica do comércio
internacional
Contra
a visão mercantilista, que via o comércio internacional como um jogo de
soma zero, e influenciado pelos escritos de David Hume e do fisiocratismo
francês, Adam Smith lançou sua análise sobre as trocas internacionais não
focando nos interesses e objetivos da nação de forma geral mas colocando
as necessidades dos agentes econômicos como objeto principal de sua análise.
Antes de apresentarmos a teoria clássica sobre o comércio é importante
que se compreenda a teoria do valor-trabalho dos mesmos, base teórica
fundamental do seu pensamento.
Os
clássicos desenvolveram a teoria do valor-trabalho a partir da qual lançaram
bases para sua interpretação do mundo econômico. Segundo essa teoria, o
trabalho, observado como um
elemento homogêneo, é o equalizador das trocas. Ademais, supõe-se pleno
acesso ao mercado de trabalho, concorrência perfeita e inexistência de
limitações institucionais. Ademais, Smith, em sua
obra-prima A Riqueza das Nações
(1776), deixa clara a idéia de que a especialização advinda da divisão
social do trabalho é um ponto fundamental para o aumento da produtividade
do trabalho na economia e, assim, de sua riqueza material. A partir do lançamento
de tais bases conceituais e analíticas, Smith nos apresenta uma teoria
das trocas internacionais fundamentada na idéia de vantagem
absoluta de custos.
Tendo
em vista sua visão de riqueza como capacidade de compra, isto é, aquilo
que se pode comprar com o dinheiro, Smith coloca que o comércio
internacional traz bem-estar ampliado à sociedade quando permite que esta
adquira produtos do exterior para a satisfação das necessidades dos
indivíduos. Além disso, e mais importante ainda, devido à propensão da
natureza humana a trocar, negociar produtos, que é limitada pelo tamanho
do mercado e que fundamenta o aumento da produtividade do trabalho a
partir da divisão social do mesmo, a expansão do comércio internacional
aumenta o mercado para os produtos produzidos pela economia nacional,
permitindo o aprofundamento da divisão do trabalho e contribuindo para o
incremento da riqueza das nações.
Dessa
forma, os países exportam, segundo a visão de Smith, os produtos nos
quais seus custos de produção absolutos sejam menores e importam aqueles
nos quais seus custos de produção absolutos sejam superiores aos de seus
parceiros comerciais. O resultado seria o aumento da produção, da
riqueza das nações e do bem-estar mundial, como um todo. A lógica por
trás da teoria das vantagens absolutas smithianas
está ligada à especialização absoluta.
Não
obstante a relevância da contribuição de Smith com sua análise via
custos absolutos, muitas questões permaneciam não respondidas. Tendo em
vista as diferenças entre as estruturas produtivas dos países, seus
graus de desenvolvimento distintos, como poderia haver comércio
internacional entre nações quando uma nação tem vantagens absolutas de
custos em todo o seu espectro produtivo em relação a seus parceiros
comerciais? Como defender uma abertura comercial geral como meio de alcançar
um maior bem-estar na sociedade, dada a existência de tal complexidade e
diversidade produtiva entre as nações? Para responder a tais
questionamentos, o princípio das vantagens absolutas foi deixado de lado.
Entra em cena o conceito que vai dar embasamento, até hoje (ainda que com
algumas atualizações), à defesa do livre comércio: o conceito de vantagem
comparativa.
David
Ricardo foi quem primeiro advertiu sobre a insuficiência analítica da
teoria smithiana do comércio internacional. Ricardo observou que a idéia
de vantagens absolutas pode ser utilizada para se determinar o padrão de
comércio interno de um país que apresente perfeita mobilidade dos
fatores de produção, mas não para o comércio internacional, onde há a
presença de imobilidade (ou baixa mobilidade) dos fatores de produção.
Vale relatar, portanto, que a tese de Smith é na verdade uma ocorrência
particular da abordagem mais geral de Ricardo. O autor irá colocar, então,
que mesmo se um país for produtivamente superior a todos os outros com
quem pode comerciar, ou seja, mesmo se ele tiver vantagens absolutas de
custos para todos os produtos que produz e consome, haverá benefícios
para que este país se engaje nas trocas internacionais e melhore, assim,
o bem-estar de sua sociedade como um todo. Como já foi dito, o foco analítico
diferencial de Ricardo em relação a Smith é a análise a partir de
bases relativas de produtividade entre as nações, sendo estas a chave
para o entendimento do porquê da existência de comércio internacional
de bens assim como do padrão de trocas comerciais entre as nações.
Ricardo
usou a análise hipotética dos custos de produção de vinhos e tecidos
em Portugal e na Inglaterra.
Segundo sua hipótese, Portugal teria custos de produção tanto de vinho
como de tecidos mais baixos que a Inglaterra, mas mesmo assim o comércio
entre os dois geraria benefícios mútuos, fundados na análise das
vantagens relativas.
Para
melhor entendermos a teoria das trocas ricardianas, podemos fazer uso do
conceito de custo de oportunidade.
Consideremos αv
e βv como quantidades de unidades de trabalho
requeridas para a produção de vinho em Portugal e na Inglaterra,
respectivamente, e αt
e βt como quantidades de unidades de trabalho necessárias
para a produção de tecido em Portugal e na Inglaterra, também
respectivamente. Assim, a relação αv/αt
representa o custo de oportunidade de produção de vinho em relação
à de tecido em Portugal e βv/βt
o mesmo custo de oportunidade na Inglaterra. Se αv/αt < βv/βt
temos que a produção de vinho em Portugal apresenta menor custo de
oportunidade em relação à produção inglesa e, portanto, o primeiro
terá incentivos para especializar-se na produção de vinho e exportá-lo
para o segundo, enquanto este se especializará na produção de tecidos e
transacionará com o primeiro em troca de vinhos.
É
fácil notar, a partir dessa visão, que o comércio entre Portugal e
Inglaterra traria ganhos para ambos. Tais ganhos podem ser vislumbrados
tanto a partir da observação do comércio como meio indireto de produção
quanto ao se examinar como o mesmo afeta as possibilidades de consumo de
cada país, que se ampliam claramente.
A
partir dos pressupostos do modelo ricardiano, podemos observar,
logicamente, que os mesmos não são a melhor representação da realidade
e, por isso, suas conclusões devem ser devidamente qualificadas e
posicionadas. Krugman e Obstfeld (2001, p. 33) nos apresentam algumas críticas
à especialização extrema da economia, característica das economias
analisadas no modelo clássico. Alguns motivos pelos quais numa economia
real não se observa uma extrema especialização: 1) quando se considera
a existência de mais de um fator de produção a tendência à
especialização fica reduzida; 2) o protecionismo industrial; 3) o custo
do transporte internacional é positivo e pode ser tão alto que leve uma
economia à auto-suficiência em certos setores.
A
teoria das vantagens comparativas de David Ricardo é criticada em suas
bases irrealistas e especificas sobre tecnologia, estrutura industrial e
condições macroeconômicas e mobilidade dos fatores trabalho e capital.
Não obstante tais críticas, Ricardo deixou um legado importante à
teoria econômica. Seu conceito de vantagens comparativas, mesmo com
deficiências, deu nova fundamentação ao debate sobre os padrões das
trocas internacionais e engendrou novas formulações teóricas que buscam
analisar o comércio internacional, seja para refutar o livre-cambismo
enquanto meio de alcance do desenvolvimento econômico de uma nação seja
para defendê-lo, como faz o modelo teórico neoclássico
Heckscher-Ohlin-Samuelson (H-O-S).
Em
1919, Eli Heckscher lançou seu trabalho seminal sobre o comércio
internacional, a partir de um enfoque neoclássico. Ele vai, na verdade,
incorporar novas variáveis ao estudo dos determinantes do comércio entre
as nações e tentar, sobretudo, avaliar os impactos sobre a distribuição
de renda num país quando o mesmo se abre ao comércio com o exterior. A
noção de vantagens comparativa, diferentemente do modelo clássico, foi
ligada às diferenciações na dotação dos fatores produtivos de um país.
Gonçalves (2005) relata:
Ao
incorporar os fatores básicos de produção (trabalho, terra e capital)
à sua análise, Heckscher ampliou o modelo ricardiano, no qual os preços
relativos refletiam a produtividade relativa do trabalho. Porém, é a
suposição de igualdade internacional de tecnologia que gera as bases
para as propostas principais do modelo neoclássico de comércio exterior
(o modelo de Heckscher-Ohlin). (GONÇALVES, 2005, p. 102)
Na
tentativa de avaliar a relação entre distribuição de renda e comércio
internacional, Heckscher desenvolve a idéia de que haveria uma equalização
dos preços relativos dos fatores de produção com o comércio
internacional.
Vale
salientar que Bertil Ohlin deu prosseguimento no desenvolvimento do modelo
de Heckscher nas décadas de 1920 e 1930, dando ao mesmo a configuração
que encontramos hoje como o modelo neoclássico. Em 1948, Paul Samuelson,
fundamentado em pressupostos não muito realistas, utilizou-se de métodos
matemáticos para testar a hipótese de equalização dos preços
relativos dos fatores, por isso o modelo é conhecido atualmente como
modelo Heckscher-Ohlin-Samuelson.
Um
ponto interessante que nos é colocado por Gonçalves (2005) é que, na
verdade, o modelo teórico seminal desenvolvido por Heckscher foi, de
certa forma, desconfigurado em seu processo de desenvolvimento. No prefácio
à edição inglesa de seu artigo, que fora primeiramente publicado na Suécia,
seu país de origem, Heckscher coloca: “Deve-se enfatizar aqui que o
termo ‘fator de produção’ não se refere simplesmente às amplas
categorias de terra, capital e trabalho, mas às diferentes qualidades de
cada uma destas. O número dos fatores de produção, portanto, é
praticamente ilimitado” (HECKSCHER, 1919, apud GONÇALVES, 2005, p.
102). Podemos verificar, pois, que o modelo neoclássico simplificado,
onde se toma como pressuposto para a existência de dois países, dois
produtos e dois fatores de produção – modelo tipo 2x2x2, aparenta
apresentar uma quebra parcial em relação à abordagem original de
Heckscher acerca dos determinantes das vantagens comparativas das nações
no comércio internacional.
“A
contribuição central de Heckscher, que Ohlin desenvolveu em seguida,
consiste em explicar a troca internacional com base na abundância ou na
escassez relativa dos vários fatores de produção de que são dotados os
países” (BADO, 2004, p. 07). O teorema de Heckscher-Ohlin assevera,
pois, que um país terá vantagens comparativas no produto cuja fabricação
utilize de forma intensiva o fator de produção abundante no mesmo. Dessa
forma, cada país produzirá e exportará os bens intensivos no fator de
produção profuso em seu território econômico.
No
modelo H-O-S, as trocas internacionais serão identificadas como a troca
de fatores abundantes por fatores escassos. Isto é, a mobilidade
internacional dos bens serve como substituto a mobilidade dos fatores de
produção entre as nações, algo muito mais difícil. Tais trocas,
ademais, somadas à divisão do trabalho, acabam por efetuar uma equalização
dos preços dos fatores de produção em nível mundial, segundo a teoria
neoclássica. Contudo, é importante salientar que duas condições
importantes devem ser observadas para que haja a equalização dos preços
dos fatores, como coloca Baumann et al (2004, p.25), quais sejam: 1)
necessidade de alguma proximidade entre as dotações fatoriais dos países
analisados; e 2) a inexistência de uma especialização completa dos países
considerados.
No
que concerne à interação entre comércio internacional e distribuição
de renda, a teoria neoclássica nos apresenta a avaliação de que os
setores da economia do país que se encontram envolvidos na produção de
bens intensivos no fator abundante serão beneficiados com o comércio
internacional. Já os setores que produzem bens intensivos em fatores
escassos, concorrentes com importações, sairão prejudicados com a
abertura ao comércio com o exterior. Krugman e Obstfeld (2001, p.80)
apresentam dois aspectos importantes a serem considerados acerca do
processo de distribuição de renda com o comércio internacional no
modelo neoclássico, quais sejam: 1) a distribuição de renda é afetada
temporariamente se nos reportarmos à análise da imobilidade dos fatores;
e 2) o comércio internacional afeta significativamente e de forma mais
permanente a distribuição considerada em grandes grupos de fatores:
capital, terra, trabalho.
Vale
frisar que a observação mais atenta dos fluxos de comércio
internacional atualmente acaba por apresentar certas inconsistências analíticas
do modelo neoclássico do comércio internacional, quando da tentativa de
explicação da realidade comercial e dos determinantes dos padrões de
comércio entre as nações. A maior parte do comércio mundial é feita
entre países desenvolvidos, os quais apresentam dotações fatoriais
relativamente similares, caso que o modelo H-O-S não pode explicar.
Ademais, os críticos irão questionar algumas idéias subjacentes ao
modelo liberal neoclássico, como em relação à difusão do progresso
tecnológico através do comércio internacional. Apesar das críticas, o
modelo Heckscher-Ohlin-Samuelson de comércio internacional apresenta visível
utilidade quando da análise dos impactos sobre a distribuição de renda
de um país advindos do envolvimento do mesmo no comércio internacional.
Teoria
do comércio estratégico: o protecionismo “educador” de List e a visão
de Raúl Prebisch
O
debate teórico-ideológico entre livre-cambistas e protecionistas esteve
presente na história do pensamento econômico mesmo muito antes dos Clássicos
(dizem que se pode observar o debate sobre o comércio e a proteção
mesmo em obras de Aristóteles). Nesta questão, nem sempre as coisas
podem ser observadas tão claramente, existindo muitas vezes aspectos e
posições aparentemente destoantes que demarcam a complexidade analítica
do processo. Talvez, por exemplo, um observador menos atento possa pensar
que encontramos em Karl Marx um defensor da proteção do comércio
nacional contra o capitalismo globalizante, considerando-se a importância
da obra do autor para o pensamento esquerdista no século XX, esquerda
essa que teve (e, em geral, ainda tem) forte tendência protecionista. No
entanto, como observado em seu discurso na Associação Democrática de
Bruxelas em 09 de janeiro de 1848, Marx deixa claro seu posicionamento em
favor do livre cambismo.
[...]
the protective system of our day is conservative, while free trade system
is destructive. It breaks up old nationalities and bushes the antagonism
of the proletariat and the bourgeoisie to extreme point. In a word, the
free trade system hastens the social revolution. It is in this
revolutionary sense alone, gentleman, that I vote in favor of free trade.
[Grifo nosso] (MARX, 1848, p.09)[5]
Na
verdade, uma defesa contundente e fundamentada numa inter-relação de
elementos de posição em prol do protecionismo surgirá na região que
hoje chamamos de Alemanha, no fim do século XVIII e início do XIX, através
dos escritos de Johann Gottlieb Fichte. Sua principal obra intitulada O Estado Comercial Fechado, publicada em 1800, pode ser considerada
o livro-marco da defesa do protecionismo econômico. Nessa obra, Fichte irá
apresentar a idéia da necessidade de se criar uma nação autárcica
através de planejamento (estado dirigido) tanto da questão puramente
comercial, com a proibição aduaneira, quanto em aspectos relativos à
conversibilidade da moeda e necessidade de um território mínimo à
auto-suficiência econômica (Estado de dimensão ótima, tese precursora
da idéia de Lebensraum). Como
é colocado por Paulo Henrique de Almeida, “[...] a autarcia aparece
como uma conseqüência da planificação imperativa” (ALMEIDA, 1999,
p.05).
Diferentemente
de Fichte, mas com claras influências do mesmo em seu pensamento, Georg
Friedrich List desenvolve uma abordagem crítica à Escola Clássica,
livre cambista, que se sedimenta como uma sistematização acurada acerca
do protecionismo e o desenvolvimento econômico da nação. List não vê
o protecionismo como um fim em si mesmo ou como uma forma objetiva de
alcançar a autarcia da nação. Porquanto, enxerga o protecionismo como
um meio de alcançar o fim específico de construção e desenvolvimento
de uma Nação forte que possa vir a comerciar num mundo com livre comércio
de forma ativa e favorável.
Observamos,
assim, uma distinção substantiva entre o pensamento de List e de Fitche.
Para Fichte, o livre comércio internacional não traz benefícios à nação,
é jogo de soma zero, enquanto que para List o livre comércio tende a ser
benéfico quando praticado entre nações com poderio econômico
semelhante, daí a defesa do protecionismo “educador” no sentido de
fortalecer economicamente a nação para que a mesma possa participar de
forma segura e ativa do jogo internacional do comércio. Como
relata Anson-Meyer (1982) : “Contrairement à ce dont on l´accuse
souvent, List n´a jamais prône le protectionnisme comme un principe général
de politique économique. Pour lui, il ne s´agit que d´une nécessité
historique imposé par la mise en place d´une société industrielle”
(ANSON-MEYER, 1982, p.165).
Ademais,
vale lembrar que Friedrich List, o suposto pai da defesa das infant
industries, teve seus primeiros contatos com tais idéias quando
estava exilado nos EUA na primeira metade do século XIX. A primeira
sistematização sobre os argumentos em defesa da proteção às indústrias
nascentes foi desenvolvida por pensadores estadunidenses como Alexander
Hamilton e Daniel Raymond.
Na obra Sistema
nacional de economia política, publicado em 1841, List inicia sua
construção teórica refutando o “individualismo cosmopolita” dos clássicos.
Isto é, a idéia clássica de análise econômica a partir do indivíduo
inserido num mundo cosmopolita, “sem nações”, sem interesses
conflitantes entre Estados nacionais, idéia essa bem desenvolvida por
Adam Smith, é claramente e veementemente repelida por List. Para este, os
clássicos, ao desconsiderarem a existência da Nação entre o indivíduo
e o mundo, incorreram em um erro crasso de análise, deixando de lado o
fundamental da realidade objetiva mundial e levando adiante uma idéia no
mínimo idealista, se não propositadamente construída segundo interesses
particulares, de um mundo cosmopolita, uma união universal onde existiria
um estado de paz perpétua. Portanto, List terá seu foco analítico na Nação
e sua construção enquanto elemento econômico forte no jogo mundial do
poder. Daí a importância que dará às políticas de caráter
protecionista na condução dos destinos econômicos nacionais.
Neste aspecto, analisando seu tempo, List relata que
“[...] nas atuais condições do mundo, o resultado da liberdade geral
de comércio não seria uma república universal, mas, pelo contrário,
uma sujeição total das nações menos adiantadas à supremacia da potência
industrial, comercial e naval atualmente dominante.” (LIST, 1983, p. 93)
E acrescenta:
O
sistema protecionista, na medida em que constitui a única maneira de
colocar as nações ainda atrasadas em pé de igualdade com a nação
predominante (a qual, aliás, nunca recebeu da Natureza um direito perpétuo
ao monopólio industrial, senão que apenas conseguiu adiantar-se às
demais em termos de tempo), esse sistema protecionista, considerando sob
este ponto de vista, apresenta-se como meio mais eficaz para fomentar a
união final das nações, e, portanto, também para promover a verdadeira
liberdade de comércio. (LIST, 1983, p. 93)
List irá desenvolver uma teoria
das forças produtivas que fundamentará a sua visão acerca do
desenvolvimento econômico de uma Nação. Para tal, List chama a atenção
que o comércio exterior não pode ser tratado seguindo uma lógica
simplesmente individualista e racional-econômica, faz-se necessário que
o Estado utilize da política comercial como meio de conseguir aumentar a
capacitação e o desenvolvimento das forças produtivas nacionais no
sentido de gerar prosperidade à Nação como um todo, segundo suas estratégias
de desenvolvimento deliberadamente traçadas.
Como abordado por Bado (2004), List “[...] não deixa
qualquer dúvida de que a industrialização constitui condição
essencial para a maturação econômica” (BADO, 2004, p.10). Sobre o
aspecto da importância da indústria para o desenvolvimento nacional, o
próprio List relata, de forma bastante contundente, que: “Uma nação
que troca produtos agrícolas por artigos manufatureiros estrangeiros é
um indivíduo com um braço só, sustentado por um braço estrangeiro” (LIST,
1983, p. 113).
Considerando as posições políticas adotadas pela grande potência econômica
européia de sua época, a Inglaterra, e seu discurso pró-liberalização
comercial, Friedrich List relata que os
países que chegam a um alto grau de desenvolvimento, usando de práticas
protecionistas acabam por “chutar a escada” pela qual chegaram ao
topo.
Quando
alguém conseguiu atingir o ponto máximo de sua grandeza, é muito comum
recorrer ele a um artifício astuto: atira para longe a escada que lhe
permitiu subir, para que outros não a usem para subir atrás dele. É
nisso que reside o segredo da doutrina cosmopolita de Adam Smith (...)
Toda nação que, por meio de adoção de taxas protecionistas e de restrições
à navegação estrangeira, conseguiu aumentar sua força manufatureira e
sua navegação a tal ponto que nenhum outro país é capaz de manter
livre concorrência com ela, nada melhor e mais sábio pode fazer do que
atirar para longe essas escadas que serviram para construir sua própria
grandeza, apregoar às outras nações as vantagens e benefícios do livre
comércio, e declarar, em tons penitentes, que até aqui andou por
caminhos errados, e só agora, pela primeira vez, conseguiu descobrir a
verdade. (LIST,1983, p.249)
Notamos, pois, como List coloca a prática de “chutar a
escada” para o desenvolvimento como algo usual perpetrado pelos países
prósperos, prática essa ainda possível de ser observada nos dias
atuais, seguindo padrões analíticos listianos,
como argumentado por Chang (2002).
List conseguiu compreender e sistematizar questões que
constituíram marco no debate econômico décadas após. O foco no
desenvolvimento nacional, com forte intervenção estatal, no qual o
mercado interno ganha importância significativa, com investimentos
infra-estruturais e proteção aduaneira às indústrias nascentes
nacionais, fazem do pensamento de List uma das bases de sustentação da
defesa do desenvolvimento nos países “subdesenvolvidos” na segunda
metade do século XX. Tal fato pode ser claramente observado a partir da
análise do pensamento da CEPAL e sua relevância para o processo de
industrialização da América Latina desde a década de 1950. Para melhor
compreendermos as interconexões existentes entre a visão cepalina e
alguns aspectos do pensamento de List, vamos apresentar mais
detalhadamente, a seguir, a abordagem desenvolvida por Raúl Prebisch, sua
similitude e confluência analítica acerca da política comercial
protecionista como mecanismo propulsor do desenvolvimento das nações
subdesenvolvidas.
Primeiramente,
cabe ressaltar que Prebisch irá construir um modelo macroeconômico de três
setores para as economias subdesenvolvidas, periféricas, tendo como fim
demonstrar a inaplicabilidade dos pressupostos, critérios e conclusões
neoclássicos acerca da alocação dos recursos em nível internacional,
consubstanciado no modelo Hecksher-Ohlin, bem como apresentar a
racionalidade econômica do protecionismo como um mecanismo de
desenvolvimento para a periferia do sistema capitalista. Assim,
observaremos uma ruptura com o pensamento neoclássico fundamentada na idéia
de que as relações econômico-comerciais entre as nações são
caracteristicamente assimétricas. Cardoso
(1993) relata:
Opondo-se
à idéia prevalecente nos meios liberais-ortodoxos que aceitavam a
premissa fundamental da teoria de mercado relativa às vantagens
comparativas da divisão internacional do trabalho, Prebisch afirma que as
relações econômicas entre o Centro e a Periferia tendem a reproduzir as
condições de subdesenvolvimento e aumentar o fosso entre países
desenvolvidos e subdesenvolvidos. A mão invisível do mercado apareceria,
para Prebisch, como madrasta: em vez de corrigir distorções,
acentuava-as. (CARDOSO, 1993, p. 34)
Ao analisar a economia periférica, Raúl Prebisch
observa-a repartida em três setores, quais sejam: um setor econômico de
subsistência, um segundo setor exportador de bens primários e um
terceiro caracterizado como industrial nascente. Desenvolver significaria
reduzir o abismo que separa os setores modernos dos arcaicos, melhorando
as condições de vida da massa populacional através de sua inclusão nos
setores mais dinâmicos da economia.
Prebisch nota, ao analisar o ciclo econômico através de
estudos empíricos, que havia na realidade uma tendência à deterioração
dos termos de intercâmbio das economias periféricas em suas relações
com o centro. Tal fato estaria ligado à baixa elasticidade-renda dos
principais produtos exportados pela periferia (bens primários)
conjuntamente com a alta elasticidade-renda das importações periféricas
e a relativa inelasticidade-preço da oferta dos produtos primários, que
confluíam no sentido de gerar desequilíbrios externos aos países da
periferia, dificultando ainda mais seu processo de desenvolvimento econômico.
Vale também ressaltar que questões organizativas e estruturais presentes
nas economias desenvolvidas ajudavam no processo de impedimento da difusão
dos frutos de progresso técnico para o mundo periférico. Acerca dessa
questão ligada à não difusão do progresso técnico, ponto fulcral da
crítica cepalina à teoria neoclássica do comércio internacional,
Prebisch (2000) relata claramente que:
Em
geral, o progresso técnico parece ter sido mais acentuado na indústria
do que na produção primária dos países da periferia (...) Por
conseguinte, se os preços houvessem caído em consonância com o aumento
da produtividade, a queda teria tido que ser menor nos produtos primários
do que nos industrializados, de modo que a relação de preços entre
ambos teria melhorado persistentemente em favor dos países da periferia,
à medida que se desenvolve a disparidade das produtividades. Se houvesse
ocorrido, esse fenômeno teria tido um profundo significado (...) os
frutos de progresso técnico ter-se-iam distribuído equitativamente no
mundo inteiro, segundo o pressuposto implícito no esquema da divisão
internacional do trabalho, e a América Latina não teria nenhum benefício
econômico em sua industrialização. Antes, haveria uma perda efetiva,
enquanto não se alcançasse uma eficiência produtiva igual à dos países
industrializados. (PREBISCH, 2000a, p. 81/82)
A conclusão a que Prebisch chegou foi de que não somente
os frutos do progresso não chegavam à periferia do sistema capitalista
como, na verdade, havia transferência real de ganhos econômicos da
periferia para o centro via intercâmbio desigual. Entra em cena,
destarte, a defesa por Prebisch da industrialização protecionista,
deliberadamente planejada e orientada pelo Estado nacional, tendo como fim
o desenvolvimento autônomo e
independente.
O pensamento de Raúl Prebisch sobre os problemas do
desenvolvimento/subdesenvolvimento teve importância fundamental nas
estratégias de desenvolvimento das nações periféricas, tanto na América
Latina quanto na Ásia, traçadas desde a década de 1950. A idéia de
industrialização deliberada, organizada e orientada pelo Estado
nacional, tornou estruturas econômicas agro-exportadoras da periferia em
estruturas industriais maduras, com grande capacidade produtiva,
demarcando uma era de crescimento econômico periférico na qual a proteção
às indústrias nascentes, às vezes já jovens ou maduras, foi levada
adiante como ponto fundamental da estratégia nacional de desenvolvimento.
Eis aqui, para alguns como Bado (2004, p.11), um ponto de divergência
entre o “pai do protecionismo moderno”, Friedrich List, e Prebisch.
List teria dado maior ênfase ao protecionismo “educador”, temporário,
focado em setores potencialmente competitivos, enquanto Prebisch teria
apresentado uma abordagem que via no protecionismo mais amplo uma forma de
consecução de estratégias nacionais de desenvolvimento periférico.
Desconsiderando-se o mérito ou não de tal argumento crítico,
fato é que tanto List quanto Prebisch formularam teorias que pensavam o
desenvolvimento a partir de uma ótica protecionista fundada na idéia de
construção da Nação. Os pressupostos clássicos e neoclássicos foram
refutados e todo um arcabouço teórico foi constituído no sentido de dar
embasamento a políticas econômicas que permitissem aos países atrasados
traçar suas catch-up strategies e se desenvolverem de forma relativamente
independente e autônoma.
Novos
modelos teóricos do comércio internacional
Com
as mudanças pelas quais vem passando o mundo desde meados da década de
1970, novas abordagens acerca do comércio internacional vêm sendo
desenvolvidas no sentido de dar maior realidade e consistência analítica
aos modelos teóricos que se propõem a realizar análises sobre o fenômeno
do comércio entre as nações. Novos conceitos necessitavam ser tomados
em conta quando da consideração das trocas internacionais, tais quais:
economias de escala, de aprendizagem, mudança tecnológica, diferenciação
de produto, política governamental, competição imperfeita, etc.
É
diante desse quadro que os novos modelos teóricos do comércio
internacional serão construídos, traçando esclarecimentos acerca dos
padrões comerciais e da competitividade tendo por base a apreciação das
interações estratégicas entre governos e empresas. Vamos aqui analisar
duas das principais construções analíticas desse novo pensamento sobre
o comércio internacional. Primeiramente, iremos desvelar o modelo de
Helpman e Krugman, fundamentado na idéia da concorrência imperfeita e na
existência de economias de escala enquanto causas geradoras de comércio
entre os países. Em seguida, abordaremos o modelo de Michel Porter, no
qual o foco é dado à construção das vantagens competitivas das nações.
Em
analisando a importância das economias de escala e da concorrência
imperfeita sobre o comércio internacional, Helpman e Krugman afirmam que:
[...]
em um mundo no qual os retornos crescentes existem, a vantagem comparativa
resultante das diferenças entre os países (dotação de fatores) não é
a única razão para a existência do comércio. As economias de escala
criam um incentivo adicional e geram comércio mesmo se os países forem
idênticos em gostos, tecnologias e dotações de fatores. (HELPMAN;
KRUGMAN, 1988, p.261 apud GONÇALVES, 2005, p.105)
Porém,
como colocado por Gonçalves (2005): “É importante destacar que os
pioneiros do comércio internacional já chamavam a atenção para as
influências das economias de escala (por exemplo, Ohlin, 1933, capítulos
III, p. 54-8, e VI, p. 106-8)” (GONÇALVES, 2005, p. 105). Assim,
podemos observar que a novidade trazida pelas teorias do comércio
internacional pautadas da idéia de concorrência imperfeita e economias
de escala se encontra mais no foco de abordagem, na sedimentação e
sistematização do conhecimento, do que no conteúdo em si que
apresentam.
O
modelo desenvolvido por Helpman e Krugman apresenta, de forma
simplificada, as seguintes hipóteses: 1) considera-se a existência de
dois fatores de produção (capital e trabalho); 2) dois tipos de produtos
(manufaturados e alimentos); 3) dois países comercializando os produtos
entre si; e 4) a estrutura de mercado típica dos produtos manufaturados
é de concorrência monopolística.
Observamos,
pois, que se trata de um modelo do tipo 2x2x2 semelhante ao modelo neoclássico
H-O-S, contudo, a hipótese 4 traz consigo a substancial diferença na análise.
Se desconsiderarmos a hipótese 4, o comércio internacional se
daria nos moldes neoclássicos, onde um país se especializaria na produção
de manufaturas e o outro na de alimentos, a depender da dotação fatorial
encontrada nos mesmos. Entretanto, a consideração da hipótese 4 nos
leva a observar que, no modelo de Helpman e Krugman (modelo H-K),
diferentemente da abordagem neoclássica, a especialização não será
determinada somente pelas vantagens comparativas baseadas na dotação de
fatores produtivos. Ela será, pois, fundamentada na conjunção das
vantagens comparativas com economias de escala. O comércio internacional
terá como característica basilar a ocorrência não só de comércio
inter-indústria, mas também de comércio intra-indústria, tendo este último
uma tendência de crescimento principalmente entre os países já
desenvolvidos.
Uma
avaliação, mesmo que superficial, dos tipos de comércio acima aludidos
nos conduzirá claramente a um resultado no qual observaremos que entre países
relativamente semelhantes em dotação dos fatores produtivos ocorrerá
com maior intensidade o comércio intra-indústria, enquanto que entre países
muito distintos em termos de dotação fatorial o comércio inter-indústria
será predominante. O ponto assaz importante a ser considerado, salientado
por Krugman e Obstfeld (2001), é o de que “o comércio intra-indústria
não gera os mesmos efeitos fortes sobre a distribuição de renda que o
comércio inter-indústria” (KRUGMAN; OBSTFELD, 2001, p. 161). Na
verdade, ao estar ligado à existência de economias de escala como fonte
geradora de trocas, o comércio intra-indústria acabará por interferir
de forma menos intensa na distribuição de renda do país, observando-se
como resultado global um aumento do bem-estar de modo mais ampliado no
conjunto da sociedade. Não ocorreria, portanto, uma concentração de
benefícios nas mãos de exportadores e, por outro lado, prejuízos aos
setores concorrentes com importações, como fica bem colocado no modelo
H-O-S no caso do comércio inter-indústria.
O
modelo H-K também faz sua análise dos impactos que as economias de
escala quando aplicadas ao nível da indústria podem ter sobre o comércio
internacional. Isto é, analisa a influência e importância das economias
externas como fonte geradora de comércio entre as nações. Seguindo
a tradição marshalliana,
pode-se apresentar três razões fundamentais para justificar a idéia de
que um conjunto de firmas pode ser mais eficiente do que uma determinada
firma observada isoladamente, quais sejam: a) existência de fornecedores
especializados, b) criação de um mercado comum de trabalho, e c)
transbordamento de conhecimento. Esses três fatores interligados dão
base de sustentação à idéia de que as externalidades positivas
provindas da interação possível entre firmas tendem a melhorar a
competitividade das mesmas internacionalmente. “A teoria das economias
externas indica que, quando estas são importantes, um país com uma
grande indústria será, tudo o mais constante, mais eficiente nesta indústria
que o país com uma pequena indústria. Em outras palavras, as economias
externas dão origem a retornos crescentes de escala em nível da indústria
nacional” (KRUGMAN; OBSTFELD, 2001, p. 154).
A
análise acerca das economias
externas traz consigo também a idéia de rendimentos crescentes dinâmicos,
isto é, levando-se em conta o acúmulo de conhecimento, os custos tendem
a cair com a produção acumulada ao longo do tempo ao invés de caírem
com a taxa de produção corrente. Tal aspecto abre espaço para
argumentos protecionistas como o da indústria nascente, visto que a falta
de experiência produtiva em determinada área é fator prejudicial à
queda dos custos de produção e conseqüente aumento da competitividade
internacional dos produtos nacionais.
Dessa
forma, na abordagem teórica ora em análise, os governos nacionais podem,
dentro de um espectro restrito de possibilidades, intervir de forma ativa
e com sucesso no processo de competição entre firmas “nacionais” e
estrangeiras, alterando o resultado em prol das primeiras, no sentido de
gerar maior bem-estar à “sociedade nacional”. Tal intervenção se dá
por meio de mudanças na política aduaneira ou via subsídios às firmas
“nacionais”. Observamos aqui alguma influência de pensadores como
Friedrich List no pensamento de Krugman, não obstante a superficialidade
de tal influência e as evidentes diferenças existentes entre suas
abordagens.
Malgrado
alguma confluência com o modelo de Hepman e Krugman, Michel Porter
desenvolve sua abordagem de forma independente, apresentando uma visão
com foco nas estratégias empresariais dentro das nações como mecanismo
de grande relevância para o entendimento do comércio entre as nações.
Portanto, para Porter, a pergunta a ser feita não é: “Por que algumas
nações têm êxito e outras fracassam na competição internacional?”
(PORTER, 2001, p. 01). Mas sim, “por que uma nação se torna base para
competidores internacionais bem-sucedidos numa indústria?” (PORTER,
2001, p. 01).
Numa
crítica à teoria das vantagens comparativas, apresentando a insuficiência
das explicações tradicionais, Porter coloca:
Uma
teoria que não atribui um papel à estratégia das empresas, como
melhoria da tecnologia ou a diferenciação de produtos, deixa-as quase
sem outro recurso que não seja a tentativa de influenciar a política
governamental. Não é de surpreender que a maioria dos empresários que
conhecem a teoria acham que desconhece o que lhes parece ser mais
importante e oferece pouca orientação para uma estratégia empresarial
adequada. (PORTER, 2001, p. 13)
A
partir dessa visão crítica acerca das tradicionais teorias que tentam
explicar o comércio internacional, Porter irá levantar a necessidade de
se pensar uma nova teoria explicativa do comércio entre as nações, mais
colada com o mundo comercial real e fundamentada em questões que envolvam
o estudo das estratégias empresariais.
Para
Porter, como já sinalizado, as políticas governamentais não seriam o
principal argumento para a grande competitividade das nações. Também
considera muito insuficiente a idéia de que a abundância de determinado
fator de produção num país possa ser a explicação factual de sua
competitividade internacional, embora não desconsidere sua importância
relativa. As práticas administrativas e a política macroeconômica de um
país são consideradas relevantes para a competitividade, mas não como
fatores determinantes e prioritários.
Três
ambientes da competitividade são apresentados por Porter, quais sejam, o
ambiente empresarial, o estrutural e o sistêmico. No primeiro, observamos
a gestão de fato da firma em seus setores financeiro, tecnológico, etc.
Ainda numa perspectiva micro, no ambiente estrutural, o mercado entra em
cena e passamos a considerar as interações da firma com seus
fornecedores, clientes, distribuidores e concorrentes, sejam eles efetivos
ou potenciais. No ambiente sistêmico, já numa visão macro, as variáveis
relevantes de análise serão as políticas macroeconômicas, sociais, de
infra-estrutura, educacionais do país.
Na
construção de suas estratégias, as empresas devem ter por base uma análise
da estrutura da indústria na qual a firma está inserida. A conduta das
firmas deverá ser pautada em cinco elementos fundamentais, os quais
servirão de bússola na formulação das estratégias: 1) ameaça de
novas empresas; 2) concorrência efetiva; 3) ameaça de novos produtos ou
serviços; 4) poder de barganha dos fornecedores; e 5) poder de barganha
dos consumidores. Diante de tais condicionantes, as firmas traçaram seus
esquemas estratégicos no sentido de aumentarem seus lucros e market-share.
Em mercados onde a diferenciação é mais difícil, como no mercado de
produtos agrícolas (commodities),
a estratégia da liderança pelos custos é priorizada, tendo como
fundamento a idéia de que o menor custo num mercado de produtos homogêneos
é fator primordial de aumento de competitividade e, por conseguinte, de
lucros. Contudo, em mercado onde a diferenciação é mais fácil, as
firmas tendem a tirar proveito de tal aspecto e buscam a diferenciação
de produtos e a criação de certo grau de monopólio relativamente ao
produto. Na estratégia de enfoque, a firma escolhe seu nicho específico
do mercado quanto foco de busca de lucros.
Talvez
o ponto mais interessante e significante de abordagem de Porter acerca da
vantagem competitiva das nações esteja na sua construção teórica do
que ele chama de diamante nacional.
É aqui que toda sua argumentação toma forma final de análise nova
sobre o tema do comércio entre as nações. O diamante
nacional seria na verdade a construção de vantagens competitivas das
nações num ambiente estratégico sistêmico. Quatro elementos principais
são apresentados e inter-relacionados como sendo de fundamental relevância
na construção do diamante nacional.
São eles: 1) condições fatoriais; 2) condições de demanda; 3) indústrias
correlatas e de apoio; 4) estruturas, estratégias e rivalidade de
empresas. Além dos quatro elementos principais, dois outros são
apresentados como coadjuvantes no processo de construção da
competitividade nas nações: a) o papel do Estado; e b) o papel do acaso.
De
forma genérica, Porter classifica os fatores em cinco grupos: recursos
humanos, físicos, de conhecimento, de capital e infra-estrutura. A partir
do acesso e bom uso dos recursos existentes, ou construídos, numa
determinada nação é que são inseridas as condições fatoriais no
contexto do diamante nacional. Isto é, para o autor, a vantagem competitiva advém
da eficiência e efetividade com que são distribuídos e utilizados
produtivamente os fatores, não sendo, pois, o simples acesso condição
suficiente para garantir a vantagem. Ademais, o autor coloca que é de
suma importância para uma nação ter foco na construção de vantagens
competitivas em fatores adiantados (geralmente construídos e sustentando
uma competitividade de ordem superior) e específicos (de uso restrito),
porque os mesmos são mais exigentes no que concerne às pressões por
inovações, re-investimento, aperfeiçoamento constante das firmas,
aumentando a competitividade mundial das industrias nacionais.
Quanto
às condições de demanda, sua importância se deve ao fato de que ela
determina o rumo e o caráter da inovação, ou seja, é a partir das
condições de demanda interna que a firma inicia um processo de melhoria
competitiva que poderá torná-la uma grande competidora internacional.
Assim, tanto fatores de ordem qualitativa (como a composição da demanda,
seu grau de sofisticação e exigência) quanto quantitativa (como o
tamanho do mercado interno, sua taxa de crescimento, grau de saturação
dos produtos) são vistos como de grande importância na constituição de
fortes competidores nacionais que poderão se expandir para o mercado
internacional.
O
terceiro elemento formador do diamante
nacional é a existência de indústrias correlatas e de apoio. Alfred
Marshall já nos abria os olhos para as chamadas economias externas à
firma, as economias de clusters, e suas interligações benéficas com a
competitividade empresarial das firmas “agrupadas”. Porter segue a
linha e lembra que, com a proximidade de fornecedores e de indústrias
correlatas, as firmas vêem sua eficiência no acesso aos insumos
aumentar, a coordenação de estratégias fica mais fácil, a inovação e
o aperfeiçoamento contínuo são estimulados, ocorre a redução dos
custos de transação, etc. Esses fatos tendem a incrementar o movimento
de atração de indústrias, o que gera um ciclo virtuoso de produção e
competitividade nacional nos setores envolvidos. Para tal, o quarto
elemento do diamante é
essencial. As estratégias, estruturas e rivalidade de empresas no âmbito
nacional são determinantes no processo de aumento das vantagens
competitivas, tendo em vista que representam o contexto no qual as firmas
são criadas, organizadas e dirigidas. Quanto maior a rivalidade, competição
interna entre as firmas, maior é a chance de se gerar grandes players
internacionais a partir da base interna de competitividade. Deste modo,
Porter coloca que tanto estruturas de mercado monopolísticas ou oligopolísticas
quanto as reservas de mercado tendem a não estimular a construção de
vantagens competitivas.
Por
fim, vale comentar sobre os dois elementos coadjuvantes na construção da
vantagem competitiva nacional: o papel do Estado e do acaso. Porter vê no
Estado um ator de segunda importância quando o assunto é geração de
competitividade internacional. Contudo, mesmo com um papel parcial e
limitado, o mesmo acaba por influenciar os determinantes das vantagens
competitivas formadores do diamante nacional e vice-versa. As políticas
governamentais devem ser feitas, pois, a partir de uma interação clara
com as verdadeiras fontes da competitividade nacional. Sobre tal aspecto,
o autor coloca: “O governo, ao que parece, pode apressar ou aumentar as
probabilidades de obter vantagem competitiva, mas falta-lhe o poder de
criar a própria vantagem” (PORTER, 2001, p. 148). No que concerne ao
papel do acaso, Porter abre espaço para os acontecimentos imprevistos que
causam interrupções que permitem transformações na posição
competitiva. As guerras, surtos de demanda, grandes modificações no
mercado financeiro internacional, atos de pura invenção são alguns dos
elementos que podem surpreender e alterar o espaço competitivo no qual as
firmas atuam, modificando os padrões nacionais de competitividade para
melhor ou pior.
Tendo
por base o padrão analítico desenvolvido a partir dos determinantes das
vantagens nacionais, Porter coloca que os países periféricos apresentam
fragilidades competitivas importantes que dificultam uma maior participação
ativa dos mesmos no jogo do comércio internacional. Podemos enumerar
cinco elementos a serem considerados como os mais relevantes na avaliação
do autor acerca das fragilidades periféricas. São eles: 1) grande dependência
de fatores básicos; 2) desconhecimento da demanda e dos concorrentes; 4)
baixa integração vertical; 5) baixa cooperação empresarial; 6) forte
paternalismo estatal.
Diante
do que foi colocado sobre as “novas” abordagens teóricas do comércio
internacional, podemos considerar que tanto o modelo de Helpman e Krugman
quanto o de Michel Porter tentam, na verdade, dar um caráter mais real às
premissas tradicionais dos modelos neoclássicos, por vezes negando-as
completamente. Não há dúvida de que as mudanças ocorridas no mundo nas
últimas décadas contribuíram para tornar os tradicionais modelos analíticos
do comércio internacional ainda mais deslocados e obsoletos em vários
aspectos. As novas contribuições, embora não dêem conta de explicar a
complexidade real envolvida nas trocas entre as nações, como é natural,
vêm marcar posicionamentos menos abstratos acerca das políticas
comerciais dos países e os padrões de trocas e competitividade
internacionais, ajudando a dar maior consistência analítica e prática
às abordagens teóricas das trocas comerciais entre as nações.
Considerações
finais
O
debate acerca do comércio internacional e sua inter-relação com o
desenvolvimento econômico não é recente. Na verdade, pode-se asseverar
que o mesmo é um dos pontos mais antigos e controversos da Economia. Dada
a complexidade que o tema envolve, não existe uma estrutura teórica única
que aborde de forma completa as diretrizes do jogo do comércio
internacional.
Adam
Smith, indo de encontro às idéias mercantilistas que viam o comércio
internacional como um jogo de soma zero, acaba por dar início a todo um
arcabouço de idéias seminais sobre as trocas internacionais, ainda que
relativamente imperfeitas. Aprofundando os estudos sobre o comércio entre
as nações, David Ricardo viria a dar uma das maiores contribuições à
análise econômica internacional através do seu conceito de vantagens
comparativas, das quais as vantagens absolutas smithianas
seriam um caso específico. Tal conceito norteia a discussão teórica
sobre o comércio internacional até a atualidade, seja para ratificá-lo,
ainda que em novas bases, seja para retificá-lo ou mesmo ataca-lo de
forma mais direta e peremptória.
Se
tomarmos por base o “pensamento protecionista” de List, e mesmo suas
influências, veremos que ele busca construir um arcabouço teórico que
justifique a edificação de um sistema econômico nacional protecionista,
aqui muito mais por questões de ordem estratégicas (o desenvolvimento
– industrialização – sendo igual à construção de poderio nacional
de facto). Por outro lado, o
embate entre livre cambismo e protecionismo viria a tomar uma nova forma
no século XX com a escola
desenvolvimentista, liderada por Prebisch, contraponto-se à teoria
neoclássica do comércio internacional, fundamentalmente ligada às idéias
presentes no modelo Heckscher-Ohlin-Samuelson. Exatamente a partir dessas
novas abordagens críticas, ações práticas tomaram forma na busca do
desenvolvimento econômico tanto na América Latina quanto na Ásia,
embora de forma bastante diferenciada nas duas regiões.
O
que se pode notar a partir de uma avaliação das novas teorias do comércio
internacional de Helpman-Krugman e Porter é a existência de uma tendência
a se buscar um maior refinamento teórico que aproxime a teoria cada vez
mais da realidade. Análise de mercados imperfeitos, economias externas,
economias de escala, o papel da concorrência e das instituições na
“construção” de vantagens competitivas, enfim, observa-se uma nítida
aproximação entre as proposições teóricas e a realidade, dando às
primeiras um caráter muito mais complexo e abrangente.
A
“evolução” da teoria nos deixa claro que o comércio entre as nações
foi observado como uma ferramenta fundamental de análise no processo de
construção e desenvolvimento econômico de uma nação, tanto pelos
liberais quanto pelos protecionistas. Tal aspecto fica potencializado com
o incremento da interdependência econômico-comercial mundial atual, o
que torna ainda mais premente o estudo acurado do instrumental teórico
acerca das trocas internacionais. Não obstante muitos possam, por vezes,
acusar as tentativas teóricas de entendimento da realidade de simplistas,
é fato que, sem a teoria e sua boa compreensão, a complexidade das relações
no plano real pode nos cegar e impedir qualquer análise minimamente
fundamentada.
__________
Referências
bibliográficas
ALMEIDA,
Paulo Henrique de. O Estado
Comercial fechado de Fichte e a origem teórica das políticas autárcicas
fascistas e stalinistas. IN: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA,
4, jun.1999. UFRGS, Porto Alegre. Disponível em: <www.race.nuca.ie.ufrj.br>.
Acesso em: 27 jul. 2006.
ANSON-MEYER,
Monique. Friedrich List :
un économiste du dévelopment au XIX siècle. 1
ed., Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble. 1982. 239 p.
BADO,
Álvaro Labrada. Das
vantagens comparativas à construção das vantagens competitivas: uma
resenha das teorias que explicam o comércio internacional.
Revista de economia e relações internacionais. v. 3. n. 5, p. 05-20.
jul. 2004.
BAUMANN,
Renato et al. Economia
Internacional: teoria e experiência brasileira. 1.ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004. 442 p.
CARDOSO,
Fernando Henrique. As idéias e seu
lugar: ensaios sobre as teorias do desenvolvimento. 2.
ed. Petrópolis: Vozes, 1993. 244 p.
CHANG,
Ha-Joon. Kicking away the ladder:
development strategy in historical perspective. 1.ed.
Londres: Anthem Press, 2002. 187 p.
GONÇALVES,
Reinaldo. Economia política internacional: fundamentos teóricos e as relações
internacionais do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. 319 p.
KRUGMAN,
Paul R.; OBSTFELD, Maurice. Economia
Internacional: teoria e política. 5 ed. São Paulo: Makron Books,
2001. 828 p.
LIST,
Georg Friedrich. Sistema
nacional de economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 338
p.
LOVE,
Joseph L. A construção do
terceiro mundo: teorias do desenvolvimento na Romênia e no Brasil.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. 643 p.
MARX,
Karl. On the question of free trade.
Discurso na
Associação Democrática de Bruxelas em 09 de janeiro de 1848. Disponível
em: <www.marxists.org> . Acesso em: 25 jul. 2006.
PREBISCH,
Raúl. Por uma nova política comercial em prol do desenvolvimento. In:
BIELSCHOWSKY, Ricardo (Org.). Cinqüenta
anos de pensamento da CEPAL. Rio de Janeiro: Record, 2000a. v. 1, cap.
10, p. 373-422.
____________.
O desenvolvimento econômico da América latina e alguns de seus problemas
principais. In: BIELSCHOWSKY, Ricardo (Org.). Cinqüenta anos de pensamento da CEPAL. Rio de Janeiro: Record,
2000b. v. 1, cap.1, p. 69-136.
PORTER,
Michael E. A vantagem competitiva
das nações. São Paulo: Campus, 2001. 897p.
RICARDO,
D. Princípios
de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
SMITH,
A. A
Riqueza das Nações. São Paulo: Abril Cultural, 1979.