Introdução
Neste
presente artigo, pretendo realizar uma discussão sobre a teoria sobre
cultura em Simmel, relacionando-o ao meu objeto de estudo, os Jovens
envolvidos no Movimento Cabaçal.
Inicialmente
procurei realizar uma exposição das idéias estudadas relacionadas à
Simmel, através de suas influências e objeto de estudo, posteriormente
faço uma breve discussão sobre as temáticas fundamentais abordadas no
decorrer das aulas que se referem ao conflito como força integradora nas
idéias do autor, sociação, além de temáticas como o dinheiro e divisão
do trabalho, essenciais para o entendimento da transformação da
sociedade e formação da cultura atual.
A
“identidade” será outro ponto abordado, onde na ótica de alguns
autores deve ser substituída pelo termo identificação, com isso
pretendo facilitar o entendimento da teoria simmeliana sobre cultura.
Por
fim, realizo um paralelo da compreensão do termo cultura para SIMMEL e
para os jovens envolvidos no Movimento Cabaçal.
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Teoria simmeliana
Georg
SIMMEL desenvolve na Alemanha seu pensamento baseado numa racionalidade
científica, concentrou-se em três abordagens principais para seu estudo:
a filosófica, a pesquisa sociológica e a estética.
Tinha
como objeto de estudo a relação entre indivíduo e sociedade, e sua
inter-relação, acreditava que tanto o indivíduo como a sociedade seriam
importantes, e não um sobreposto ao outro, apesar de sua influência
junto ao Positivismo e DURKHEIM, superando-o neste sentido.
Realizou
um estudo sobre a teoria do conflito, onde afirmava que o mesmo
designava–se como elemento estruturador da vida social, e transformador.
Segundo SIMMEL, todos os grupos carregam para si, a síntese de vários
elementos conflitivos, através do mesmo, o autor irá afirmar, que a luta
será uma forma de socialização e que terá uma importância sociológica
para modificar as organizações, segundo ele, a
sociedade necessita de antagonismos para chegar a uma unidade
(1986,56), o antagonismo irá incitar a consciência.
Dentro
deste contexto, SIMMEL irá utilizar o termo sociação para referir-se as
formas que originarão os grupos de homens, unidos para viver uns ao lado
de outros, ou uns para os outros, ou então uns contra os outros. Daí
SIMMEL irá retirar seu conceito de sociedade,
Por
sociedade não entendo apenas o conjunto complexo de indivíduos e dos
grupos unidos numa mesma unidade política. Vejo uma sociedade em toda
parte onde os homens se encontram em reciprocidade de ação e constituem
uma unidade permanente ou passageira. (SIMMEL, 1983, p. 48)
Percebendo
sociedade como relação de indivíduos, SIMMEL irá preferir então o
conceito de sociação para designar a constante interação entre os
sujeitos, do que o termo sociedade, pos conseguir expor de uma melhor
forma sua concepção indivíduo/sociedade.
Como
se pode perceber, SIMMEL irá descrever a importância na estruturação
da sociedade da interação entre os indivíduos, e esta irá surgir através
de relações mútuas produzidas por certos motivos e interesses, e será
por meio destes interesses que se constituirão as unidades. Para o autor,
(...) a unidade de um todo complexo não significa outra
coisa senão a coesão dos elementos , e essa coesão só pode ser obtida
através do concurso mútuo de forças presentes. (SIMMEL, 1983, p. 50)
Com
isso, SIMMEL estruturará toda sua teoria através do estudo do conflito
como meio de transformação da sociedade, segundo ele não irá existir
relação se não houver conflito, pois a hostilidade é algo do instinto
natural do ser humano. Para SIMMEL, caso não haja integração não será
conflito apenas violência.
O
conflito então será a base para formação da sociedade, pois será a
partir dele que os sujeitos entrarão em sociação, e posteriormente
formarão uma unidade e integração da sociedade. O conflito torna-se
algo necessário para a dinâmica de sociedade, para ele, (...)
as sociedades têm interesse em que a paz e a guerra se alternem conforme
uma espécie de ritmo. (1983, p. 55).
Para
nosso estudo será interessante compreendermos alguns conceitos principais
de SIMMEL relacionados à cultura para relacionarmos ao movimento em
estudo.
O
surgimento da cultura
SIMMEL
irá trabalhar inicialmente com elementos de criação que se constituirão
em três, os quais: alma, espírito e cultura. A conceitualização de
cultura para SIMMEL será entendida como um processo dual entre sujeito e
objeto, a cultura será um processo de produção da vida, isto é, todas
as formas de perceber e produzir o mundo.
Poderemos
entender com maior precisão este conceito através da análise inicial de
SIMMEL sobre o dinheiro e conseqüentemente a divisão do trabalho, pois
ele irá utilizar a economia monetária para analisar a cultura da
sociedade moderna.
Inicialmente,
o autor irá referir-se sobre as implicações que o dinheiro trouxe para
a modernidade, onde o mesmo levou o indivíduo a uma maior “libertação”.
No passado a relação era do indivíduo com o senhor feudal, essa unidade
segundo SIMMEL, foi destruída pela modernidade, gerando ao indivíduo
autonomia e personalidade ás relações, mas por outro lado confere um
caráter impessoal nas mesmas, isto é, divide e une ao mesmo tempo. O
dinheiro traz um sentido abstrato ás relações, pois agora é posto um
valor (abstrato) por aquela atividade.
No
mesmo sentido na origem do dinheiro, nasce conseqüentemente à divisão
do trabalho, a especialização deste trará conseqüências essenciais
para entendermos o que irá representar o termo cultura para SIMMEL.
O
que se pode perceber, é que através desta individualização que o
dinheiro irá causar, e conseqüentemente a divisão do trabalho, irá
originar um caráter objetivo às relações, pois a partir desta
especialização o homem, cada vez mais se distancia de seu objeto,
segundo ele,
Na
medida em que o próprio trabalho seu objeto imediato pertencem a
pessoas distintas, o caráter objetivo destes objetos é extraordinária
e agudamente acentuado na consciência do trabalhador.(1998, p. 42)
Neste
momento irá ocasionar na conceitualização de cultura, tanto um caráter
objetivo (divisão do trabalho) como subjetivo (dinheiro) para SIMMEL. A
cultura aparece para o autor como algo que será cultivado, se origina
para além da vida natural, SIMMEL chamará cultura como natureza
cultivada, segundo ele:
Os
bens materiais de cultura - móveis e plantas de cultura, obra de arte e
máquinas, aparelhos e livros, em cujas formas as matérias naturais
podem, de fato, se desenvolver, mas nunca pelas suas próprias forças -
são a nossa própria vontade e sentimento desdobrado por idéias.
(1998, p. 42)
SIMMEL
irá no decorrer de seu pensamento demonstrar que o conceito de cultura
será a junção da cultura subjetiva e objetiva. Por cultura objetiva o
autor irá descrever,
Assim
como nossa vida exterior é envolta por um número crescente de objetos,
cujo espírito objetivo empregado em seus processos de produção não
examinamos a fundo, de uma maneira distanciada, também a nossa vida íntima
e social é preenchida por construções tornadas simbólicas , nas
quais uma espiritualidade abrangente é armazenada – o espírito
individual, no entanto aproveita-se minimamente delas. Esta discrepância
entre a cultura tornada objetiva e a subjetiva parece expandir-se
permanentemente. (1998, p. 45)
Nesta
citação, pode-se observar o que o autor compreende por cultura objetiva,
que seria o conhecimento adquirido pelo indivíduo no decorrer dos anos,
sendo que este acervo aumenta diariamente, já a cultura subjetiva é algo
que está em uma aceleração contida, pois, ela representa algo que
existe independente do homem.
Através
dessa análise observa-se que a formação da cultura representa uma
construção onde, existe uma cultura subjetiva anterior ao homem e esta
se junta, com todo o conhecimento carregado pelo indivíduo no decorrer
das gerações, originando finalmente, o espírito tornado objetivo. Essas
especificidades culturais referentes a cada homem, que conferirá ao indivíduo
o que SIMMEL irá chamar de “seu
mundo”.
Neste
contexto, SIMMEL irá se referir aos dois outros elementos de criação
que já havia me referido inicialmente, a alma e o espírito. O espírito
para SIMMEL irá representar o conteúdo lógico-objetivo do pensamento, a
alma irá apresentar-se como o espírito vive para nós. Segundo o autor,
na divisão do trabalho, estes dois elementos aumentam a distância entre
eles na medida em que o objeto é produzido por uma ação conjunta,
influenciando assim, na formação cultural de cada indivíduo.
A
idéia de cultura então irá originar-se para SIMMEL através dessa
concepção entre alma subjetiva e espírito objetivo, da interação
destes elementos, sendo a alma a primeira determinação da cultura. O
autor denomina alma como,
Não
é simplesmente um laço formal que abrange o desenvolvimento de suas
forças específicas de um modo sempre igual. Antes, por meio destas forças
específicas, num desenvolvimento desta unidade da alma como totalidade
é sustentado.E o objetivo de um refinamento – para o qual todo aquele
potencial e aquelas perfeições constituem um meio – precede
anteriormente o desenvolvimento da totalidade. (1998, pp. 80-81)
O
que realmente resume o pensamento de SIMMEL na sua concepção em torno de
cultura é sua afirmação Cultura
é o caminho que sai de uma unidade fechada, passando pela pluralidade
desenvolvida, chegando á unidade desenvolvida.(1998, p. 81) Através
dessa afirmação pode-se perceber a importância que SIMMEL oferece tanto
ao espírito (objetivado) quanto à alma (natureza) dando origem enfim ao
espírito objetivado que, segundo o autor, este deve abandonar sua
subjetividade, mas não sua espiritualidade. Caso haja o abandono dessa
essência se originará o que SIMMEL irá denominar a Tragédia da
Cultura.
-
Discutindo “identidade” para compreender cultura
Através
da conceitualização de cultura objetiva podemos, relacioná-la ao termo
identidade. O conceito de identidade propagado para exprimir uma junção
de características para identificar um determinado povo, uma região ou
uma nação, vem sendo bastante discutido por alguns autores por
compreender que este termo representa algo estático. Para eles, este
designação não consegue dar conta da real definição que se propõe,
pois não representa algo linear ou cartesiano e sim um processo histórico.
Segundo
BEZERRA DE MENEZES (2004), a identidade é um termo que merece relevância
apenas no pensamento da lógica e
das matemáticas (p. 04). O autor irá abordar que o termo identificação,
conseguirá dar conta da definição, por significar algo que está num
constante processo histórico, segundo ele, este termo
se reconstrói de modo infindo (p. 04).
Essa
discussão representa uma das bases para entendermos a formação da
cultura, para o autor a construção deste termo representa uma invenção
e está em constante construção, não existe uma identidade fixa,
determinada e sim um constante processo de modificação, de acordo com o
espaço, tempo e povos analisados.
A
identidade não ultrapassa a tautologia e os limites de validade dos
sistemas em apreço. Quando passamos ao domínio do comportamento humano,
sobretudo o coletivo, deparamo-nos com um universo axiológico e semiótico
que se elabora historicamente em incessante construção e cuja interpretação
exige outros instrumentos hermenêuticos variados e até contraditórios
ou ambíguos, porque são assim caminhos da existência social. (BEZERRA
DE MENEZES, 2004, p. 04)
Segundo
o autor, estamos envolvidos num intenso processo histórico onde ocorre
uma constante transformação, temos assim
a necessidade de apreender a realidade que está em permanente mutação.
Para ele:
Além
disso, já que a lógica formal é excludente e só opera no espaço da
racionalidade analítica, em sua abstrata universalidade, penso que a lógica
do real, vivido e sofrido existencial e histórico, é aquela implícita
á modalidade de consciência capaz de apreender a realidade mutante, não
propriamente por meio de categorias conceptuais, mas pela incorporação
do jogo sutil e sinuoso de conflitos, dos contrários, das contradições,
como dimensão intrínseca e fundante da contextura ôntica do mundo dos
homens. (BEZERRA DE MENEZES, 2004, p. 03)
Stuart
HALL (2005) abordará também esta discussão, para ele, a identidade é
algo construída com o tempo através de um processo, e não algo inato ao
indivíduo. Para ele a melhor definição deste termo será identificação,
Assim,
em vez de falar identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de
identificação, vê-la como um processo em andamento. A identidade
surge não tanto como um processo em plenitude da identidade que já está
dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é
“preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das
quais nós imaginamos ser vistos por outros. (HALL, 2005, p. 39)
O
autor irá discutir sobre a modificação da “identidade” na pós-modernidade,
que a mesma, estará sendo fragmentada, ou seja, haverá uma “crise de
identidade” do indivíduo onde haverá uma descentração do sujeito.
Com a “globalização”, haverá um processo de mudança na
“identidade” cultural, como a sociedade participa de uma mudança
constante a “identidade” também estará neste processo de mutação.
A
época moderna traz consigo uma nova forma de individualismo, uma nova
forma de ver o sujeito individual e sua “identidade”, pois com a
modernidade haverá uma maior socialização entre os sujeitos, não será
mais o sujeito e sim indivíduo e a sociedade O
significado é inerentemente instável: ele procura o fechamento (a
identidade), mas ele é constantemente perturbado (pela diferença). Ele
está constantemente escapulindo de nós. (HALL, p. 41)
Para
HALL (2005), a “identidade” é na realidade, representação cultural
compostas por símbolos instituídos culturalmente através de um
discurso, sentidos com os quais podemos nos identificar, construindo
assim, a chamada “identidade”. Irá descrever sobre a cultura nacional
que permanecem numa tensão de retorno a um passado e tentando restaurar
uma identidade passada.
Da
mesma forma que BEZERRA DE MENEZES, HALL refere-se ao termo identidade
como algo construído simbolicamente, uma invenção instituída.
A
identidade está profundamente envolvida no processo de representação.
Assim, a moldagem e a remoldagem de relações espaço-tempo no interior
de diferentes sistemas de representação têm efeitos profundos sobre a
forma com as identidades são colocadas e representadas. (HALL, 2005, p.
71)
HALL
(2005) irá descrever que, o objetivo principal deste termo
“identidade” será unificar o povo não importando classe, gênero ou
raça numa grande família nacional. Para o autor, as nações modernas são
todas híbridas culturalmente.
As
identidades nacionais não subordinam todas as outras formas de diferenças
e não estão livres do jogo do poder, de divisões e contradições
internas, de lealdades e de diferenças sobrepostas. (...) devemos ter em
mente a forma pela qual, as culturas nacionais contribuem para
“costurar” as diferenças numa única identidade. (HALL, 2005, p. 75)
Segundo
o autor, na medida em que a cultura relaciona-se com as influências
externas torna-se cada vez mais difícil, impedir que elas se tornem
enfraquecidas pelo “bombardeamento
e infiltração cultural”. Através deste conceito podemos relacioná-lo
ao significado de cultura objetiva para SIMMEL.
A
cultura objetiva citada por SIMMEL, da mesma forma que a identidade
representa uma construção que, ao entrar em contato com o mundo externo
absorve suas especificidades e se modifica.
Segundo
HALL, nascemos com a “identidade”, porém, esta é transformada com o
decorrer do tempo no interior da
representação (p. 48) e está sendo modificada também pelo processo
de globalização, Benedict ANDERSON (apud Hall, 2005, p. 57) resumirá
esta afirmação “a identidade nacional é uma comunidade imaginada.”
Para
o autor a globalização não representa um processo atual, segundo
GIDDENS A modernidade é
inerentemente globalizante (GIDDENS, 1990, p. 63 apud
HALL, 2005, p. 68), com isso, esta dita identidade vem
transformando-se desde os tempos antigos, e continua em constante modificação.
Como
conclusão provisória, parece então que a globalização tem, sim, o
efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e “fechadas”
de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as
identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições
de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas,
mais plurais e diversas; menos fixas unificadas ou trans-históricas.
(HALL, 2005, p. 87)
ALBUQUERQUE
JÚNIOR (2001) também descreverá sobre a identidade, no caso a
nordestina, e esta suposta invenção de uma “identidade” regional. Os
estereótipos formados, as imagens expandidas, as principais temáticas
abordadas para determinar esta região como saudade, o bucólico, o
messianismo, a seca, o cangaço, todas estas construções são utilizadas
para determinar esta dita “identidade” nordestina.
O
autor passa pela música, pelos romances, e pela pintura para exemplificar
que os próprios artistas da época, levavam esta imagem do Nordeste como
algo peculiar e singular.
É
importante, pois, acompanhar não apenas a institucionalização do
Nordeste, feita pelo discurso de seus sociólogos e historiadores, ou pelo
contraponto com o olhar dos intelectuais de outras áreas do país, mas
também acompanhar o trabalho dos artistas e romancistas que produziram
esta elaboração imagético-discursiva regional de real poder de impregnação
e de reatualização. O Nordeste espaço de saudade, da tradição, foi
também inventado pelo romance, pela música, pela pintura, pela poesia,
pelo teatro etc. (ALBUQUERQUE JÚNIOR,2001, p. 106)
O
retorno a um passado, acreditando ser uma construção histórica e não
natural como muitos descrevem, segundo o autor, esta identidade nordestina
surge como uma reação conservadora ao processo de globalização, a
“identidade Nordestina” é criada por uma dominação da elite
paulista.
O
perigo do discurso identitário é, exatamente, o de rebaixar o histórico
ao natural, reificando determinados elementos e aspectos da vida sócia,
desconhecendo que cada gesto humano, cada forma de usar seus sentidos,
cada fibra de sua musculatura, cada calo em suas mãos conta uma história,
assim como cada sentimento, cada paixão, cada medo, cada sonho recolhe
elementos desta historicidade. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p. 120)
Para
ALBUQUERQUE JÚNIOR (2001) a imagem deste Nordeste apresentado deve ser
desconstruída para que, sejam construídas novas idéias e formas de ver
não o Nordeste, mas o ser humano que vive nesta região, que este, está
em constante transformação que, essa identidade construída não
representa algo estático, pois o “nordestino” também entrou em
contato com o meio externo e modernidade, e se modificou com o tempo.
A
criação desta identidade nordestina, deste retorno ao passado ás tradições,
além de ALBUQUERQUE JÚNIOR (2001), Hobsbawm, citado por Hall (2005) também
descreverá sobre este aspecto:
Tradições
que parecem ou alegam ser antigas são muitas vezes de origem bastante
recente e algumas vezes inventadas... (...) Tradição inventada
significa um conjunto de práticas...de natureza ritual ou simbólica,
que buscam inculcar certos valores e normas de comportamentos através
da repetição, a qual automaticamente, implica continuidade, com um
passado histórico adequado (Hobsbawm e Ranger, 1983, p. 1)
-
Tragédia da cultura e o Movimento Cabaçal
SIMMEL
irá descrever também sobre a formação da tragédia da cultura, esta
virá através da separação do sujeito/objeto, onde se realizará o
distanciamento da real origem e da finalidade que a cultura havia sido
concebida. Pode-se perceber então, que a tragédia vem com a autonomia
que o sujeito adquire do objeto o qual fora originado.
Uma
vez que certos motivos iniciais do direito da arte, e da moral são
criados – talvez segundo a nossa espontaneidade mais peculiar e interior
– já não controlamos mais para que tipo de formação específica eles
se desenvolvem (..) (SIMMEL, 1998: 95)
Com
isso podemos perceber, que a tragédia da cultura irá originar-se quando,
existe uma espontaneidade do nosso espírito, não há controle ou limite
para sua formação.
A
cultura acaba se impondo por não conseguir assimilar a todos
individualmente, pois no espírito objetivo há ausência de limites,
adquirindo assim um rumo próprio e afastando-se da finalidade e a razão
de ser, em que a cultura foi produzida. Esta será sua tragédia.
Através
de toda a descrição sobre o pensamento de Simmel até chegar num dos
objetos fundamentais de seu pensamento, a cultura, buscarei agora associar
um pouco desta teoria ao que acho compreensível para o estudo do
Movimento Cabaçal.
Inicialmente
explicarei em que concerne este objeto de estudo, este se dá através do
estudo de jovens residentes na zona urbana do Ceará participantes de um
Movimento Cultural iniciado em 2001, com o nome de Movimento Cabaçal,
por quatro bandas principais intituladas SoulZé, Jumentaparida,
D.Zefinha e Dr.Raiz, originárias de Fortaleza, Itapipoca e Juazeiro
do Norte. O repertório dessas bandas contempla, além dos ritmos, músicas
e instrumentos típicos da cultura pop rock (guitarras,
baixos e baterias) instrumentos, ritmos e músicas do universo das
bandas cabaçais
(pífanos, zabumbas, alfaias, rabecas e triângulos), e de expressões artísticas
típicas da chamada cultura popular nordestina. Realizando assim uma fusão
de ritmos e estética musical.
Através
das letras podemos perceber a busca destes jovens por um suposto retorno e
valorização da cultura nordestina, presenciado também no ritmo de suas
músicas e indumentárias, além de temáticas referentes ao sertão
nordestino, sua história e religiosidade,
Lá
se vais fiéis amigos, a santa procissão
Por
entre olhares tristes da pobreza e aflição
Juazeiro
terra santa, muita fé e oração
Sofrimento,
muita reza e penitência
Pra
encontrar a salvação
Penei,
rezei até me afobar
Tanta
reza nunca me ajudou
Subia
e descia o horto todo dia
Mas
minha paciência agora se esgota
Sofrimento,
muita e penitência
Fanatismo,
hipocrisia e miséria
É
verdade ainda dizem que o paraíso
Se
consegue sendo pobre sofredô
E
desse jeito vivi a vida reprimido
Pensando
estar certo meu sinhô.
(Borboletas
Azuis, Dr. Raiz)
Quando
pela porta da cozinha
Eu
vi bela menina
E
quis correr
Sopra
um suspiro agoniado
Desce
no peito calado
Um
bem querer
Vem
cá
Pra
junto deu
Que
o desejo despertou
Sei
lá o que pode ser
O
futuro desse amor
Romance
(D.Zefinha) Orlângelo Leal
|
Sou
do Nordeste
Da
praia do Sertão, da capital
Cabra
da peste
Riqueza
cultural de Norte a Sul
De
Lesta a Oeste
Eu
tô aqui para dizer
Eu
sou da terra da embolada
Da
rabeca bem tocada
E
do pandeiro
Que
é mais veloz
Que
o tiro do cangaceiro
Valente
e conhecido
Pelo
mundo inteiro
Daqui
pra frente
Misturo
rock com a levada do repente
Mostrando
que o nordeste é muito diferente
Da
imagem pobre que é passada pra você
Na
TV
(Sou
do Nordeste, Jumenta Parida)
Cyber
Cangaceiro
Ascende
no meio dia
Na
reta da calçada
Contencioso
da situação
Cyber
cangaceiro
Com
seu alforge prata
Da
palma sente falta
Por
essa gente, indignação
Meu
Pedro é pedreiro
Não
se engana com a cilada
No
seu discurso, a armada
Seu
pensamento é munição
(Cyber
Cangaceiro, Soulzé)
|
O
interesse em pesquisar o envolvimento das juventudes em movimentos artísticos-culturais
que se propõem a um diálogo com a cultura popular tradicional nordestina
emergiu a partir da identificação de sua presença no cenário contemporâneo
das cidades, sobretudo após a visibilidade adquirida pelo Manguebeat
na década de 90. É a partir desta década que uma série de bandas
identificadas com essa proposta começou a fazer sucesso entre o público
jovem nas principais cidades do nordeste, e do Brasil. Percebeu-se,
portanto, a emergência de um discurso e de iniciativas culturais e estéticas
com uma sensibilidade voltada para um suposto resgate das “raízes
nordestinas” em meio ao clima de globalização sócio-cultural, ao qual
atribui-se a perspectiva de uma homogeneização cultural, na direção de
uma massificação de valores, costumes e consumo em termos midiático e
metropolitano.
O
que é buscado por esses jovens? Nessa era moderna e global um suposto
“retorno às origens” como muitos se referem, à valorização desta
cultura nordestina tão comentada em suas músicas é colocada como
objetivo principal e como proposta desse movimento. Sendo que ao mesmo
tempo, misturam elementos da cultura nordestina que receberam em sua formação,
aliando-a a elementos da cultura moderna, advindos de seu atual momento e
influência, originando assim um novo modelo estético-musical.
O
que pude perceber, tentando aliar o estudo de Simmel sobre cultura com o
objeto ao qual descrevi acima, é sua referência à cultura objetiva e
subjetiva e seu produto final, o espírito objetivado.
Inicialmente
vejo a cultura nordestina como representante, segundo a teoria de Simmel
da alma subjetiva, posto que se encontra num estágio anterior ao sujeito,
mas a alma não percorre um caminho de si para si mesmo, ele necessita
passar por estações, para que o sujeito alcance o valor próprio da
cultura. Essas estações seriam as normas sociais, a arte em contato com
o mundo moderno, em que estes jovens estão inseridos.
As
transformações ocorridas durantes o decorrer das gerações, fizeram com
que esta cultura nordestina se reconfigurasse através do contato com a
realidade adquirida dos jovens da atualidade, da cultura urbana o qual estão
inseridos.
O
espírito que representa as heranças e impressões do indivíduo,
representam a formação destes jovens, que em contato com o mundo urbano
em que vivem, se junta à alma subjetiva (cultura nordestina) originando
assim um novo produto que seria o espírito objetivado, isto, é uma nova
configuração da cultura nordestina exposta no referido movimento.
Esta
unidade fechada, que sai do sujeito, passando pela pluralidade
desenvolvida e chegando a unidade desenvolvida revela muito bem a
transformação ocorrida junto aos jovens envolvidos neste movimento, a
cultura nordestina que apesar de não ser “morta” estava pré-estabelecida
na concepção de muitos destes jovens através de suas origens
familiares, junta-se com os valores adquiridos na modernidade e resulta em
algo individual e modificado através do “mundo de cada um”, como diria Simmel.
As
referências que estes jovens tinham através de gerações são
ressignificadas e darão origem a um novo objeto, e assim a cultura na
concepção de Simmel. O que acontece, é que esta cultura também poderá
ter um fim trágico, pois a finalidade em que ela foi constituída pode
ser eliminada através da forma que ela for expandida. Os jovens que compõem
estas bandas e as instituições em que eles estarão vinculados poderá
originar algo impositivo para aceitação e expansão desta cultura
originada, isto é, uma opressão cultural, levando elementos gerais onde
não atingirá aos anseios individuais de seu público, e com isso
distanciando-se da sua essência, e do fim em que ela foi criada. Daí
originando num fim trágico para essa cultura.
Considerações
finais
Através
desta compreensão, podemos perceber como a teoria simmeliana está
presente nos dias atuais. Através do estudo de um movimento composto na
atualidade, podemos realizar um paralelo sobre o que representa cultura
para o autor e para estes jovens.
SIMMEL
irá constituir toda sua teoria a partir de uma cultura que se modifica
com o decorrer do tempo, que está em constante mutação. Através dessa
concepção, podemos observar o entendimento de alguns autores que também
estudam este eixo temático, porém utilizando o termo identidade, sendo
este um aspecto cultural.
A
identidade como um aspecto estático, substiuindo-o por um termo mais dinâmico,
a identificação. Com isso, observamos que esta característica condiz
com toda essa movimentação dos jovens em busca de um movimento em que
contemple em sua estrutura, algo modificado ou fundido, não apenas o
“tradicional” é abordado em suas músicas, mas também o
“moderno” é incluído em seu desempenho musical.
A
cultura para SIMMEL representa bem essa constante mutação abordada,
através dessa junção do objetivo e subjetivo, isto é, o conhecimento
destes jovens adquiridos no decorrer de suas vidas, aliado a algo que
existe independente dos mesmos. A observação da proposta desse movimento
artístico-cultural demonstra como a cultura simmeliana se enquadra na
estruturação e objetivo deste.