 Introdução
Introdução
      
      
      Esse
      artigo se insere no contexto das problemáticas a respeito dos métodos de
      pesquisa, respeitando suas adversidades,
      limites teóricos e principalmente se colocando na direção de compor uma
      reflexão séria a respeito do marxismo naquilo que se refere à produção
      do conhecimento científico.
      A
      produção do conhecimento, classicamente, é entendida na relação entre
      o sujeito que conhece (cognoscente) e o objeto que pode ser conhecido
      (cognoscível). A interpretação se dar por modelos teóricos: “esta
      tipologia não é de maneira nenhuma especulativa, pois que cada um destes
      modelos
      encontrou a sua ilustração concreta em correntes filosóficas
      historicamente existentes” (SCHAFF, 1986, p.73)
      O
      objetivo deste artigo é refletir sobre o método dialético na compreensão
      de suas particularidades e na busca pela revelação da realidade
      contemporânea.
      Materialismo
      Dialético
      A
      dialética marxista se insere na tentativa de superação da dialética
      hegeliana. Segundo Ianni (2003) a dialética hegeliana foi desenvolvida
      por Marx e outros pensadores na filosofia e ciências sociais onde se
      reabriu os contrapontos: indivíduo e história, classes sociais e grupos
      sociais, sociedade civil e Estado, estruturas e dominação e apropriação,
      soberania e hegemonia, classes subalternas e classes dominantes, reforma e
      revolução, capitalismo e socialismo. Alguns momentos lógicos da reflexão
      dialética compreendem contrapontos e articulações tais como: aparência
      e essência, parte e todo, presente e passado, singular e universal. O seu
      princípio explicativo fundamental é o da “contradição”.
      A
      par desses contrapontos reavivados pelas idéias de Marx, algumas mais
      diretas caracterizam o pensamento marxista. Segundo Meksenas (2002, p.
      84), pode-se caracterizar como elementos pertencentes à tipologia
      marxista: a) “a ciência é produto da história e continuará a sê-lo
      enquanto houver relações dos indivíduos entre si e com a natureza. Isto
      é, só posso conhecer, conceituar e pesquisar o mundo quando admito que o
      indivíduo age socialmente com ou contra seus semelhantes”; b) “o
      conhecimento da natureza e do ser humano realiza-se por meio da influência
      que os indivíduos recebem das relações sociais tornadas econômicas
      [...]. Faz-se necessário o conhecimento das relações sociais de produção
      e de sua distribuição, isto é, das condições produtoras da riqueza e
      da miséria.”
      Essas
      idéias radicalizam a forma de pensar. A título de exemplo, pode-se
      tratar da questão da relação entre a consciência e a realidade. Esse
      ponto foi decisivo no contraponto entre o marxismo e o idealismo
      (fenomenologia).
      Para o idealismo é a consciência que produz a realidade. Para Marx é
      justamente o contrário: a realidade, ao contrário, invés de produto é
      a produtora da consciência. Com isso, o marxismo inaugura um método que
      se sustenta pela concreticidade do real a partir da ordem material das
      coisas e não pela especulação direcionada à consciência do espírito
      como no método fenomenológico.
      A
      discussão sobre o método dialético envolve diferentes categorias que
      paulatinamente foram se desenvolvendo a partir dos escritos de Karl Marx.
      Dentre essas categorias, destacam-se:
      O
      Concreto e suas Mediações
      Em
      “Para a Crítica da Economia Política” 
      Marx trata do Método da Economia Política. Ele é enfático:
      O
      último método [dialético] é manifestamente o método cientificamente
      exato. O concreto é concreto porque é síntese de muitas determinações,
      isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento
      como o processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida,
      ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida
      também da intuição e da representação. No primeiro método
      (hegeliano), a representação plena volatiliza-se em determinações
      abstratas, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução
      do concreto por meio do pensamento. (MARX, 1985, p.14).
      
      
      Nesse
      instante, Marx expõe suas críticas ao pensamento hegeliano que, segundo
      ele, não dar conta de pensar a realidade como esta de fato é. Com isso,
      Marx desenvolve a idéia de unidade no diverso como desafio do pensamento
      e não um amontoado de idéias, fragmentadas e desenvolvidas linearmente
      como o faz o pensamento positivista, menos ainda uma lógica que valoriza
      uma totalidade abstrata como no idealismo. Ao contrário, ele baliza a
      realidade na própria realidade, na concretude do real.
      O
      dinheiro pode existir, e existiu historicamente, antes que existisse o
      capital, antes que existissem os Bancos, antes que existisse o trabalho
      assalariado. Desse ponto de vista, pode-se dizer que a categoria mais
      simples pode exprimir relações dominantes de um todo menos desenvolvido,
      ou relações subordinadas de um todo mais desenvolvido, relações que já
      existiam antes que o todo tivesse se desenvolvido, no sentido que se
      expressa em uma categoria mais concreta. Nessa medida, o curso do
      pensamento abstrato que se eleva do mais simples ao complexo corresponde
      ao processo histórico efetivo. (MARX, 1985, p.15).
      
      
      É
      do mais simples que se chega ao mais complexo. Isso significa dizer que o
      desafio de toda pesquisa é confrontar o real no seu particular. É do
      particular que se chega à totalidade. Dos “nossos” objetos de
      pesquisa, recortados na sua particularidade e investigados em suas
      peculiaridades que podemos chegar ao mais complexo, isto é, à totalidade
      da realidade. Esse é o desafio dos trabalhos de pesquisa na Universidade.
      O
      processo inverso também se realiza, do mais desenvolvido que se encontra
      o menos desenvolvido e com isso pode-se dar luz e vida ao passado
      enterrado em nossa memória. Nesse sentido, Marx é contundente:
      A
      sociedade burguesa é a organização histórica mais desenvolvida, mais
      diferenciada da produção. As categorias que exprimem suas relações, a
      compreensão de sua própria articulação, permitem penetrar na articulação
      e nas relações de produção de todas as formas de sociedade
      desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos se acha edificada, e cujos
      vestígios, não ultrapassados ainda, leva de arrastão desenvolvendo tudo
      que fora antes apenas indicado que toma assim toda a sua significação
      etc. A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. O que nas espécies
      animais inferiores indica uma forma superior não pode, ao contrário, ser
      compreendido senão quando se conhece a forma superior. A Economia
      burguesa fornece a chave da Economia da Antigüidade etc. Porém, não
      conforme o método dos economistas que fazem desaparecer todas as diferenças
      históricas e vêem a forma burguesa em todas as formas de sociedade.
      Pode-se compreender o tributo, o dízimo, quando se compreende a renda da
      terra. Mas não se deve identificá-los. (MARX, 1985, p.17).
      
      
      É
      do homem que se chega no macaco e não o contrário. A consciência humana
      faz parte da etapa mais desenvolvida do homem e ela é que permite
      compreender, explicar e “inventar” a história. Nesse sentido, as
      teorias e idéias até podem ser especulações, mas são produtos da
      consciência do homem. Quem diz que tal espécie de macaco é X ou Y 
      não é o macaco e sim o homem. O macaco, na verdade, nem sabe. É
      o homem quem diz que o macaco faz tal e tal coisa, diz qual é a espécie
      do macaco e até inventa outras formas de pensamento, não apenas acerca
      do reino animal, mas tudo que permita dar significação aos homens como a
      arte, tecnologia, amor, política, economia, ciência, religião,
      filosofia, etc.
      Portanto,
      as produções da consciência humana, na dialética com a realidade
      produzem novas teorias, e dessa forma se compreende a realidade de maneira
      histórica e lógica, conforme a conhecemos.
      Toda
      a realidade significada pelo homem é parte da produção de sua própria
      consciência. Não se está aqui dizendo que a realidade é produto da
      consciência humana. Ao contrário, a realidade é produto da atividade
      humana. E esta mesma realidade é incorporada na consciência do homem não
      passivamente, mas pelo esforço que os homens (na passagem até o homem
      evoluído de hoje) fizeram ao longo de sua história para possuir a consciência
      tal qual a conhecemos.
      Esclarecendo
      essa questão do mais complexo e do menos complexo, pode-se dizer que o
      todo é necessário pela parte. Mas também da parte se chega ao todo. A
      particularidade e totalidade estão em conexão íntima numa tensão e
      jogo dialético em que não podem ser identificadas nem podem ser
      separadas. Aqui está o germe da discussão dialética. Parte e todo não
      são diferentes e nem são somente iguais. Ao contrário, são iguais e
      diferentes ao mesmo tempo, pois não podem ser separadas e nem
      identificadas. O que a faz existirem é a tensão constante de ambos.
      Nesse sentido, a teoria e a prática não se separam e nem são a mesma
      coisa.
      Segundo
      Ciavatta (2001) uma questão comum é o equívoco acerca do papel da
      totalidade na produção do conhecimento.
      Outra
      dificuldade é a compreensão equivocada de que totalidade tem o sentido
      de tudo, o que inviabiliza um processo sério de conhecimento. No sentido
      marxiano, a totalidade é um conjunto de fatos articulados ou o contexto
      de um objeto com suas múltiplas relações ou, ainda, um todo estruturado
      que se desenvolve e se cria como produção social do homem [...]. Estudar
      um objeto é concebê-lo na totalidade de relações que o determinam,
      sejam elas de nível econômico, social, cultural, etc. (CIAVATTA, 2001,
      p.132).
      
      
      O
      objeto de pesquisa deve ser situado no contexto histórico entendido num
      processo e não estaticamente e visto a partir de sua gênese nos
      processos sociais mais amplos, independente de qual seja a área do
      conhecimento. Esse é o verdadeiro sentido do que se chama de objeto
      complexo, isto é, que necessita ser investigado à luz de diferentes
      mediações apanhadas nas suas diferentes formas, para, na construção do
      objeto de pesquisa se ir revelando as peculiaridades que constituem este
      objeto.
      Destacamos
      até aqui os aspectos epistemológicos da reconstrução histórica do
      conhecimento. Concebemos a realidade não como um sistema estruturado em
      si mesmo, mas como uma totalidade histórica, socialmente construída
      [...]. Totalidade não significa todos os fatos, e todos os fatos reunidos
      não constituem uma totalidade. O conhecimento dos fatos isolados, mesmo
      quantificados, é insuficiente para explicar o todo [...] (CIAVATTA, 2001,
      p.138).
      
      
      Consciência
      e Realidade
      Uma
      outra questão típica do método dialético e que radicaliza a noção de
      método dialético em contraposição aos demais é a relação entre a
      consciência e a realidade, conforme apontado anteriormente. Marx (1985,
      p.25) afirma: “O modo de produção da vida material condiciona o
      processo em geral de vida social, político e espiritual. Não é a consciência
      dos homens que determina o seu ser, mas ao contrário, é o seu ser social
      que determina sua consciência”. Com essa idéia Marx produz uma nova
      forma de interpretar o mundo não mais na abstração mental da consciência
      como no idealismo hegeliano, mas na própria materialidade da realidade.
      Kosik (2002) esclarece:
      
      
      A
      dialética não considera os produtos fixados, as configurações e os
      objetos, todo o conjunto do mundo material reificado, como algo originário
      e independente. Do mesmo modo como assim não considera o mundo das
      representações e do pensamento comum, não os aceita sob o seu aspecto
      imediato: submete-os a um exame em que as formas reificadas do mundo
      objetivo e ideal se diluem, perdem a sua fixidez, naturalidade e pretensa
      originalidade, para se mostrarem como fenômenos derivados e mediatos, com
      sedimentos e produtos da praxis social da humanidade. (KOSIK, 2002, p.21).
      
      
      O
      pensamento dialético coloca o homem no “centro da vida”, da produção,
      como é sua condição ontológica. Marx e Engels (1984) afirmam em A
      Ideologia Alemã:
      Podemos
      distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião, por
      tudo o que se quiser. Mas eles começam a distinguir-se dos animais assim
      que começam a produzir os seus meios de vida, passo este que é
      condicionado pela sua organização física. Ao produzirem os seus meios
      de vida, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material.
      (MARX e ENGELS, 1984, p.15).
      
      
       
      
      
      Em
      outro ponto eles destacam: “a consciência é, pois, logo desde o começo,
      um produto social, e continuará a sê-lo enquanto existirem os homens”
      (MARX, 1985, p.34). As relações sociais são produto das relações
      humanas e estas são também produtos da consciência humana que por sua
      vez é intrinsecamente dependente da produção material dos homens.
      O
      Papel da Ciência na Produção do Conhecimento
      A
      partir das considerações do método dialético a ciência toma um novo
      rumo, o de esclarecer o real. Como afirma Kosik (2002):
      Como
      a essência – ao contrário dos fenômenos – não se manifesta
      diretamente, e desde que o fundamento oculto das coisas deve ser
      descoberto mediante uma atividade peculiar, tem de existir a ciência e a
      filosofia. Se a aparência fenomênica e a essência das coisas
      coincidissem diretamente, a ciência e a filosofia seriam inúteis.
      (KOSIK, 2002, p.17).
      
      
      A
      produção do conhecimento tem sentido enquanto sua função de revelar a
      realidade na contradição desta, no contraponto aparência e essência e
      na tensão entre representação e conceito. Dito de outra forma, por
      Kosik (2002):
      O
      conhecimento se realiza como separação de fenômeno e essência, do que
      é secundário e do que é essencial, já que só através dessa separação
      se pode mostrar a sua coerência interna, e com isso, o caráter específico
      da coisa. Neste processo, o secundário não é deixado de lado como
      irreal ou menos real, mas revela seu caráter fenomênico ou secundário
      mediante a demonstração de sua verdade na essência da coisa. Esta
      decomposição do todo, que é elemento constitutivo do conhecimento filosófico
      – com efeito, sem decomposição não há conhecimento – demonstra uma
      estrutura análoga à do agir humano: também a ação se baseia na
      decomposição do todo. (KOSIK, 2002, p.18).
      
      
      A
      Noção de Verdade
      Dentro
      desta perspectiva o conceito de verdade é repensado: a verdade é então
      absoluta ou relativa? Essa é uma questão que desafiou muitos
      intelectuais durante os séculos XVIII e XIX. A partir do movimento de
      quebra da estrutura tradicional do pensamento positivista a idéia de
      verdade relativa se impôs. À luz do pensamento marxista é possível ir
      mais longe e afirmar: a verdade é relativa, mas é relativa à história.
      Ela não é de todo relativa como defendem os relativistas e como se tem
      visto hoje na corrente pós-moderna.
      Se
      não devemos nos iludir com a tentação do absoluto – risco político e
      cognitivo – podemos construir uma verdade em processo. Considerar a
      verdade como processo é admitir que tendemos a ela, mas que ela jamais
      será terminada. Significa também admitir que o contraditório exige
      discussão e debate, e não imposição unilateral. (FONTES, 2001, p.129).
      
      
      A
      verdade deve ser vista num processo situado no contexto histórico em que
      esta vigora. Este é o desafio da verdade, nas pesquisas científicas à
      luz do marxismo.