por JULIANA MARTINS
BARBACENA
Graduanda
do curso de Direito da Universidade Católica de Goiás.
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J.
Habermas e M. Weber:
dois
modelos de racionalidade jurídica
Juliana
Martins Barbacena
Resumo:
A democracia,
que ocupou um lugar privilegiado no cenário político do século
XX, continua a ser uma chave da situação paradoxal de nosso
presente. Jürgen Habermas, em sua tentativa de responder ao desafio
weberiano sobre a democracia, pretende demonstrar que o povo pode
fazê-la de modo justo e racional, malgrado as tensões do processo
de racionalização que marcam o mundo ocidental, pois que a
implementação democrática dos direitos é um processo no qual os
indivíduos, com base na igualdade de participação, chegam a um
consenso acerca das regras que desejam institucionalizar.
Palavras-chave:
Habermas,
Weber, Moral, Direito, Legitimidade.
Abstract: The democracy, that occupied a privileged place in politician scenery of
the century XX, continues to be a key of the paradoxical situation
of our present. Jurgen Habermas, in his attempt to answer the
weberiano challenge about democracy, intends to demonstrate that the
people can do of the just and rational mode, in spite of tensions of
the process of rationalization that mark the occidental world,
therefore the implementation democratic of the laws is a process in
which the person, on the basis of the equality of participates, they
arrive at a consensus about the rules that they desire to
institutionalize..
Key Words: Habermas, Weber,
Moral, Law, Legitimacy
|
O
presente artigo vem para configurar os problemas que, segundo Jürgen
Habermas, envolvem os conceitos de positividade e legalidade em Weber;
mapear as diferenças entre direito revelado e direito positivo à luz da
doutrina weberiana e esclarecer a noção habermasiana e a noção
weberiana de racionalidade jurídica.
As análises de temas éticos e morais ocupam um
lugar central no pensamento de Jürgen Habermas, que vem exercendo
significativa influência entre teóricos e profissionais das Ciências
Humanas. Habermas
sobressai como um dos grandes defensores do projeto moderno na atualidade.
Para ele, os grandes trunfos da modernidade são a idéia de
racionalidade, de controle do homem sobre seu futuro e de possibilidade de
construção de um projeto universal de liberdade, idéias-força que o
homem ainda não deve abandonar. Ele pretende, em diálogo permanente com
a problemática pós-moderna, sustentar a atualidade de um projeto moderno
renovado, atento a seu tempo e aos desafios que o mundo apresenta.
De
um lado, há Max Weber, cuja importante singularidade na pesquisa sociológica
sobre a dominação (bem como em seus escritos políticos) refere-se aos
modelos de democracia existentes. De outro, Jürgen Habermas, cuja
tentativa, sem dúvida a mais estimulante, de responder ao desafio
weberiano sobre a democracia, pretende demonstrar que o povo pode fazê-la
de modo justo e racional, malgrado as tensões do processo de racionalização
que marcam o mundo ocidental. A democracia, que ocupou um lugar
privilegiado no cenário político do século XX, continua a ser uma chave
da situação paradoxal de nosso presente.
Temos em análise a primeira fase de
Habermas fazendo críticas a pontos de vista de Max Weber no que toca o
direito e a moral, a racionalidade jurídica e fatos que envolvem
legitimidade e legalidade da norma jurídica. Eis que serão analisadas as
contradições que envolvem Weber e Habermas. Em rápidas pinceladas, para
aquele, a legalidade se legitima a partir de si mesma, transferindo os
problemas de fundamentação para os de procedimento, porém, não
conseguiu ultrapassar a discussão do conceito de Direito como
legitimidade racional, por estar circunscrito pelas suas densas preocupações
com a sociologia do poder. Um
acordo normativo para ser racional, segundo Weber se orienta de forma
“racional conforme fins” (teleológico), enquanto Habermas defende a
idéia de “racionalidade segundo valores” (deontológico). Weber ainda
menciona a moral como sendo autônoma em relação ao direito, enquanto
que Habermas caracteriza a moral de modo complementar em relação ao
direito.
Legalidade
e Legitimidade
“Com
o desaparecimento do Direito natural e com o processo de dessacralização
do direito na modernidade, a legalidade formal torna-se o único
fundamento da legitimidade do Estado racional. A conclusão desse diagnóstico
suscita, portanto, a problemática da autenticidade desse tipo de
legitimidade: as sociedades ocidentais modernas prescindem da legitimação
para sua organização social e política?” (ARGUELLO, 2002, p. 73).
Weber
interpreta as ordens estatais das sociedades ocidentais modernas como
desdobramentos da “dominação legal”. Sua legitimidade depende da fé
na legalidade do exercício do poder. Não se pode considerá-lo como alguém
que aceitasse a submissão do político ao jurídico, porque o fundamento
da legitimidade weberiana oscila entre norma e decisão. Para Weber, seria
ilusório reduzir a política a uma discussão racional em uma esfera pública
dada. Admite ainda, que a força e a violência são fundamentais nos
processos políticos, mas nem por isso seria legítimo classificá-lo
simplesmente como um apologista da violência e da coerção. O poder é
vontade de potência, mas os sistemas políticos como sistema de dominação
têm necessidade da legitimação para serem duráveis: não existe dominação
sem legitimação; é necessário dosar coerção e consentimento.
Sua
sociologia política estabelece a relação entre a dominação e os
termos correspondentes: a obediência, as razões normativas que motivam a
subordinação dos submissos e os tipos de legitimidade que fundam as
pretensões dos dominadores. Além disso, a dominação não é tão
facilmente abolida; mesmo a democracia a pressupõe, afirma.
Nesse
sentido, a sociologia weberiana tem em comum como a filosofia política
moderna a inquietação em desvelar a maneira pela qual se é levado a
reconhecer a legitimidade de um poder e poder fazer da obediência um
dever.
Importante
apontar que, para Weber, há três tipos de dominação: a dominação
carismática que funda sua legitimidade na crença no caráter
sagrado, heróico do chefe ou do profeta; a dominação tradicional
que baseia sua crença na santidade na tradição; e a dominação
legal, em que há inexistência extrapositiva na qual os que obedecem
a essa dominação possam fundar sua validade. Eis um problema engendrado
por um tipo de dominação característica da modernidade, no qual a
legitimidade coincide com a sua legalidade. Segundo ele, a dominação
legal adquire um caráter racional, pois a fé na legalidade das ordens
prescritas e na competência dos que foram chamados a exercer o poder tem
a ver com a racionalidade que habita na forma do direito e que legitima o
poder exercido nas formas legais.
Uma
das características mais importantes de uma forma de dominação fundada
na crença da legitimidade da ordem jurídica e política é o seu caráter
impessoal, uma vez que a obediência não está ligada àquele que detém
o poder, mas é condicionada unicamente pelo conteúdo obrigatório do
direito. Outro aspecto importante é o caráter objetivo das competências
juridicamente delimitadas. A dominação legal tem ainda duas características
particulares: a burocratização da direção administrativa e a preeminência
da ordem jurídica estatal. O fundamento da legitimidade de uma ordem
estatal não poderia escapar à decisão, momento especificamente político.
A concepção weberiana de dominação racional decorre da relação de
força com os interesses complexos e com as ações destinadas a dar forma
a tais interesses e a lhes promover. Em razão desse ponto de partida, o
que importa, antes de tudo, é mostrar que a dominação é diferente dos
princípios de legitimação que a lei reivindica, mas não se trata de
uma discussão sobre a justiça ou injustiça de uma determinada construção
política. Para Weber cabe a visualização do problema da legitimidade,
como meio de estabilização e racionalização da disputa do poder, e
também como fim a ser perseguido por qualquer tipo de dominação.
Habermas,
por sua vez, afirma que “as ordens estatais da sociedade moderna não
podem tirar sua legitimação senão da idéia de autodeterminação, com
efeito, é necessário que os cidadãos possam conceber-se a qualquer
momento como os autores do direito ao qual estão submetidos enquanto
destinatários” (HABERMAS, 1997, p. 479). A tese defendida por Habermas
é a de que não se pode supor que a fé na legalidade de um procedimento
legitime-se por si mesma, como afirma Weber, pois o que dá força à
legalidade é justamente a certeza de um fundamento racional, a partir de
uma aceitabilidade consensual e dialógica, que transforma em válido todo
ordenamento jurídico. Avulta-se a importância de se evidenciar a
participação popular nos juízos de justificação das normas jurídicas.
O
direito, para se legitimar, ou seja, a busca pela fundamentação racional
da base de validade do Direito, deverá contar com o assentimento de seus
destinatários, que são ao mesmo tempo, seus autores. Isso acontece
segundo Habermas, a partir da conexão entre soberania popular (exige o
entendimento mútuo) e os direitos subjetivos ou direitos humanos
(permitem o agir orientado pelo interesse privado) e, portanto, entre
autonomia pública e privada.
O
princípio da soberania do povo estabelece um procedimento que, a partir
de suas características democráticas, fundamenta a suposição de
resultados legítimos. Esse princípio expressa-se nos direitos à
comunicação e à participação que garantem a autonomia pública dos
cidadãos. Em contraposição a isso, aqueles direitos humanos clássicos
que garantem aos membros da comunidade jurídica vida e liberdade privada
para seguir os seus projetos pessoais, fundamentam uma soberania das leis
que as torna legítimas a partir de si mesmas. Sob esses dois pontos de
vista normativos deverá legitimar-se o Direito codificado, portanto,
modificável, como um meio de garantir uniformemente a autonomia privada e
pública do indivíduo.
A
autonomia privada e a pública pressupõem-se mutuamente. O nexo interno
entre democracia e Estado de direito consiste em que se, por um lado, os
cidadãos só podem fazer uso adequado da sua autonomia pública se forem
suficientemente independentes em virtude de uma autonomia privada que seja
uniformemente assegurada; por outro, só podem usufruir uniformemente a
autonomia privada se, como cidadãos, fizerem o emprego adequado dessa
autonomia política. Não há Direito sem a autonomia privada dos cidadãos.
Em um sentido político, os cidadãos só são autônomos quando eles
mesmos criam suas próprias leis. Essa idéia de criação das próprias
leis inspira também o processo de formação de uma vontade democrática,
com o qual se consegue transferir uma dominação política para uma base
ideologicamente neutra de legitimação.
Mas
para que a soberania política também seja garantida – para que os
sujeitos se entendam não só como destinatários, mas também como
autores das leis, é necessário aplicar o princípio do discurso,
por ser necessário assegurar um espaço público discursivo procedimental
para atuação da autonomia política dos cidadãos, para que possam
participar do processo dialógico e discursivo do consenso. Ser necessária
a institucionalização dos direitos fundamentais, como a quarta categoria
de direito: direitos fundamentais à participação, em igualdade
de chances, em processo de formação da opinião e da vontade nos quais
os civis exercitam sua autonomia política e através dos quais eles criam
direito legítimo. É necessário que a autonomia assuma uma figura
concreta, utilizando-se para isso de um princípio de legislação
concreto, usado factualmente pelos cidadãos. Este princípio que é
decorrente da institucionalização jurídica do princípio do discurso é
chamado por Habermas, de princípio da democracia. Nas palavras de
Habermas, “o princípio da democracia destina-se a amarrar um
procedimento de normatização legítima do direito. Ele significa, com
efeito, que somente podem pretender validade legítima as leis jurídicas
capazes de encontrar o assentimento de todos os parceiros do direito, num
processo de normatização discursiva” (HABERMAS, 1997, p. 145).
Esse
nexo interno e essa problemática só podem ser equacionados através de
uma racionalidade intersubjetiva ou comunicativa, com o que se deixa para
trás essa tradição metafísica e subjetivista do Direito, ou seja, só
através de uma concepção intersubjetiva ou comunicativa do Direito que
leve em conta o agir comunicativo, orientado pelo entendimento, como fonte
de integração social. A “Teoria do Discurso” de Habermas explica a
legitimidade do direito com auxilio de processos e pressupostos de
comunicação – que são institucionalizados juridicamente – os quais
permitem levantar a suposição de que os processos de criação e de
aplicação do direito levam a resultados racionais. Ora, para Habermas a
linguagem serve como garantia da democracia, uma vez que a própria
democracia pressupõe a compreensão de interesses mútuos e o alcance de
um consenso. Assim o consenso social deriva da Ação Comunicativa, ou
seja, uma orientação que responde ao interesse cognitivo por um
entendimento recíproco e ao interesse prático pela manutenção de uma
intersubjetividade permanentemente ameaçada. Em conseqüência o objetivo
de uma Teoria Crítica da Democracia fundamentada normativamente, consiste
em explicar se as sociedades complexas admitem a existência de uma opinião
pública baseada na garantia de condições gerais de comunicação que
assegurem uma formação discursiva da vontade. Ou seja, trata de analisar
se as Democracias Contemporâneas contém a possibilidade de estruturar
uma praxes argumentativa pública, que vincule as validades das normas de
ação a uma justificação racional, oriunda da livre discussão dos
cidadãos.
Ainda
de acordo com Habermas, a pergunta pela legitimidade da ordem legal não
obtém resposta adequada quando se apela para uma racionalidade jurídica
autônoma, isenta da moral. A validade, a legitimidade de um ordenamento
jurídico se estabelece a partir de uma relação interna entre Direito e
Moral. A legitimidade pode ser obtida através da legalidade, na medida em
que os processos para a produção de normas jurídicas são racionais no
sentido de uma razão prático-moral procedimental. É resultante do
entrelaçamento entre processos jurídicos e uma argumentação moral que
obedece à sua própria racionalidade procedimental. Assim, para Habermas,
só tem sentido falar em legitimidade da legalidade à medida que a
juridicidade se abre e incorpora a dimensão da moralidade, estabelecendo
assim uma relação com o Direito que, ao mesmo tempo, é interna e
normativa. Em síntese, só é legitima a legalidade circunscrita em uma
racionalidade cujo procedimento se situa entre processos jurídicos e
argumentos morais.
O
apelo weberiano ás instâncias formal e material não é suficiente para
estabelecer a relação entre Direito e Moral, pois que, para Habermas,
Weber confunde os aspectos estruturais com os aspectos de conteúdo; as
qualidades formais de procedimento, que possibilita uma fundamentação pós-metafisica,
com as orientações de conteúdo, isto é, com orientações valorativas
materiais. Weber, segundo Habermas, não teria visto o cerne moral do
direito, confundindo a preferência por valores (resultado de orientações
de valores subjetivos e culturalmente contingentes) com a validade
normativa (o dever ser das normas universais obrigatórias). O
direito é um meio ambíguo, podendo mesmo conferir uma aparência de
legitimidade a um poder não legitimo, uma vez que se nutre das fontes de
integração social seguintes: mercado (dinheiro), Estado (poder) e
solidariedade (comunicação).
A
legalidade funda-se em um forte conceito ético, que é a legitimidade. O
poder que impõe a legalidade deve ser um poder legítimo. Modernamente não
se aceita mais a legalidade como conceito meramente formal. Para que a
limitação à esfera individual seja válida, deve ser o poder que a impõe
legítimo. Exige-se legalidade do exercício e forma de aquisição do
poder para que haja legitimidade do poder em si. O problema, aí, deixa de
ser meramente jurídico para assumir conotação eminentemente ética.
Nossa
sociedade aceita a legitimidade só através da legalidade, sendo assim é
preciso fundamentar esta legalidade. Já foram utilizados fundamentos como
a metafísica e a religião, mas atualmente estes não são mais aceitos.
Assim se buscou a razão como fundamento para nossa legalidade. Mas se de
acordo com Max Weber a inserção da moral no direito retira sua razão e
por sua vez sua legalidade, podemos questionar o fato de a razão estar
baseada na moral; afinal não retiramos os padrões morais sociais do
limbo.
As
normas jurídicas e as decisões políticas e judiciais só podem ganhar o
status de normas válidas e legítimas quando baseadas e justificadas
racionalmente no princípio do tratamento igualitário dos sujeitos de
direitos que vivem numa comunidade jurídica.
O
Estado Democrático de Direito representa um processo de construção de
uma sociedade livre, autônoma e emancipada. Projeto este que só
sobrevive e se atualiza ação cultural críticas, vigilante e criativa da
sociedade civil. O paradigma procedimentalista reconhece o processo democrático
de manifestação da soberania do povo, como a fonte do poder comunicativo
que fornece, em última análise, validade e legitimidade ao direito. Tal
situação representa a contínua relação de tensão entre as dimensões
da positividade ou vigência formal (facticidade) e validade material do
direito (legitimidade). Numa sociedade democrática, somente o público de
cidadãos pode validar crítica e discursivamente as normas jurídicas,
emprestando, assim, legitimidade ás decisões estatais.
De
fato, a legitimação do direito deixou de ser “decisiva no processo de
integração social” e perdeu muito de sua “eficácia ideológica”,
nesse sentido, pode-se aferir que talvez estejamos condenados a alguma
forma de “positivismo”. O trabalho profissional da doutrina jurídica
pode dar uma contribuição para a legitimação somente quando e na
medida em que ajudar a satisfazer a necessidade de fundamentação, a qual
surge na medida em que o direito como um todo se transforma em direito
positivo. Assim, no direito positivo as normas perderam, em princípio, a
validade consuetudinária, visto que, as contribuições de sistematização
dos juristas profissionais chamaram a atenção para o modo pós-tradicional
da validade do direito.
Direito
Positivo
O
direito positivo tem por base o ordenamento jurídico, o qual será
determinado nas suas características. O direito positivo determina o
direito como um fato e não como um valor, tem uma abordagem valorativa do
direito. A norma não mais considerada dentro de uma estrutura
isoladamente, mas um conjunto de normas jurídicas vigentes numa
sociedade.
É
o direito institucionalizado pelo Estado, é a legitimidade racional do
Estado moderno que se reveste em formalismo. O tipo mais puro de uma
racionalidade em valor, o direito natural, cai em descrédito e não pode
mais ser retomado como fundamento do direito, não somente em razão do
conflito insolúvel entre o direito natural material e direito natural
formal das teorias evolucionistas, mas também em razão da desagregação
e da relativização dos axiomas metajurídicos: de um lado, sob a influência
do ceticismo e do intelectualismo modernos e, de outro, sob a influência
do racionalismo jurídico. Dessa forma, Weber estabelece o que pode ser
considerado com um diagnóstico sobre o destino inelutável do direito em
nossos dias: o positivismo faz grandes progressos; ele afirma “o
desaparecimento das velhas concepções do direito natural anulou qualquer
possibilidade de dotar o direito de uma dignidade supra-empírica em
virtude de suas qualidades imanentes. Em muitas de suas disposições, as
mais importantes, o direito é desvelado como produto e meio técnico de
um compromisso de interesses” (WEBER, 1922, p. 502).
A
interpretação weberiana do direito constata a dificuldade de ordem
racional própria a modernidade ocidental, representada pela tensão entre
racionalidade em valor e racionalidade em finalidade, uma vez que esta última
é hegemônica e produzida pela dinâmica mesma da racionalidade material,
ou seja, o direito, como instituição moderna, retira sua origem dos
ideais racionalistas, mas desenvolve pouco a pouco uma lógica cada vez
mais funcional.
Em
seu conceito de direito, de caráter positivista, afirma que o direito
é aquilo que o legislador, democraticamente legitimado ou não,
estabelece como direito, seguindo um processo institucionalizado
juridicamente. Isto significa que o direito moderno tem que legitimar
o poder exercido conforme o direito, apoiando-se exclusivamente em
qualidades formais próprias, sendo que a força legitimadora da forma jurídica
não teria ligação com a moral.
Weber
baseia sua interpretação sobre qualidades formais do Direito em dois
indicadores empíricos:
-
A
progressiva sistematização do ordenamento jurídico através de uma
lógica interna própria pelo seu respectivo manejo por operadores
tecnicamente qualificados.
-
A
identificação da legitimidade á legalidade propiciando a transferência
dos problemas de fundamentação para os de procedimento, que
legitima-se por si mesmo.
Weber
afirma que as qualidades formais descritas podem ser tidas como
“racionais” num sentido moralmente neutro. Habermas questiona se tais
qualidades formais são suficientes para garantir ao Direito fundamento
razoável que possibilita ao poder estatal manifestar-se legitimamente
através da legalidade. Eis que são seus argumentos:
 |
A
questão da qualidade formal das leis, sua forma clássica de lei
abstrata e geral não legitima um poder exercido em tais formas pelo
simples fato de esse poder preencher certas exigências funcionais
para a busca autônoma, privada e racional, de interesses próprios.
|
 |
A
construção científica e metódica de um corpo jurídico,
configurado sistematicamente, também não é capaz, por si só, de
explicar a eficácia legitimadora da legalidade.
|
Para
Habermas, “as qualidades formais do direito, pesquisadas por Weber, sob
condições sociais especiais, só poderiam ter garantido legitimidade a
legalidade na medida em que se tivessem comprovado como “racionais”
num sentido prático-moral. Weber não reconheceu esse núcleo moral do
direito formal enquanto tal, porque entendeu sempre as idéias morais como
orientações valorativas subjetivas, e os valores eram tidos como conteúdos
não racionalizáveis, inconciliáveis com o caráter formal do direito”
(HABERMAS, 1997, p. 200-201).
Habermas
alerta que Weber interpreta as qualidades formais do direito na
perspectiva interna do desenvolvimento do direito, como resultado de um
processo de racionalização. Argumenta que, a forma do direito moderno não
pode ser descrita como “racional”, num sentido moralmente neutro,
mesmo quando nessa abordagem leva-se em conta as premissas do formalismo
jurídico. As qualidades formais desse tipo de direito só oferecem
argumentos legitimadores à luz de princípios dotados de conteúdo moral
e podem ser entendidas num sentido mais abstrato, tendo em vista a relação
complementar que se estabelece entre o direito positivo e uma justiça
entendida de modo procedimental. E as medidas de uma racionalidade
procedimental extremamente exigentes emigram para o médium do
direito, e não se prova que o direito materializado não possui
qualidades formais das quais não se possa deduzir, pelo caminho da
analogia, argumentos legitimadores. Sendo ainda que, a mudança que o
direito sofre no Estado social não destrói necessariamente suas
qualidades formais em sentido amplo. Ao contrário, a mudança da forma do
direito exige uma radicalização da questão weberiana acerca da
racionalidade que habita no medium do direito. Pois o direito
formal e não-formal constituem, desde o início, variantes distintas, nas
quais se manifesta o mesmo direito. Um poder exercido nas formas do
direito positivo deve a sua legitimidade a um conteúdo moral implícito
nas qualidades formais do direito.
A
evolução jurídica, segundo Weber, perpassa pelo Direito revelado, em
seguida Direito tradicional e por fim, Direito moderno. No direito
revelado das sociedades primitivas, não existe ainda o conceito de normas
objetivas, isto é, não existe uma lei objetiva independente das ações.
As ações e normas são interligadas. O que predomina são os usos e
costumes; a ação não está ainda orientada para deveres legais
reconhecidos como coercitivos. Isto
somente ocorrerá na transição para o direito tradicional. “A passagem
do consenso tradicional para o consenso racional da Modernidade é operada
pelo Direito Natural com base no Contrato Social, mediante o qual indivíduos,
em princípio livres e iguais, estabelecem por contrato um determinado
modelo de elaboração e justificação das normas legais. Nos termos de
Max Weber, a validade baseada no consenso tradicional é substituída pela
validade fundada no consenso racional. Temos, assim, configurada a
passagem do formalismo mágico para o formalismo lógico, correspondendo
aos três tipos ideais de legitimidade, segundo Weber: carismática,
tradicional e racional-legal. (Weber, 1964)” (VIEIRA, 2005).
As
características do Direito moderno (esferas onde ações estratégicas são
institucionalizadas por meio de um padrão jurídico que tem como eixo as
ações racionais conforme fins) são:
 |
POSITIVIDADE:
é a expressão do Direito moderno, como é posto. É o modo de criação
(legislação) e validade do Direito. |
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LEGALIDADE:
critérios de coerção e sanção (categorias de responsabilidade e
culpa, que proporcionam segurança ética). |
 |
FORMALISMO:
modo como se estrutura a ação jurídica. Segundo Habermas é o
possibilitador da liberdade em termos negativos, o exercício do livre
arbítrio, a possibilidade de se fazer ou deixar de fazer tudo aquilo
que não é vedado em lei. |
A
partir da introdução das características do Direito moderno, fez-se uma
exigência de fundamentação, que só pode efetuar-se quando a consciência
moral atinge um nível pós-tradicional, onde as normas jurídicas são
suscetíveis a críticas e são falíveis.
O
Direito não é um sistema fechado em si mesmo, o que possibilita uma
abertura, inevitável, aos discursos morais. Dentre os princípios do
Direito moderno, há em grande parte os princípios morais, que possuem
uma dupla estrutura: ao mesmo tempo em que são morais, foram incorporados
ao sistema jurídico por meio da positivação. Essa abertura do Direito
á Moral significa que ela está incorporada à própria racionalidade
procedimental. É o Direito encarregado de barrar os excessos do sistema
econômico e político, porque ele, ao mesmo tempo que regulamenta o poder
e a economia, também regulamenta as expectativas dos sujeitos no mundo da
vida. Cumpre assim, uma função integradora(HABERMAS, 1997, p. 94-112).
Se
o vazio deixado pelo conceito positivista da lei não pode mais ser
preenchido normativamente pelo interesse privilegiado de uma classe, as
condições de legitimação para a lei democrática têm que ser buscadas
na própria racionalidade do processo de legislação. Analisa-se a
racionalidade procedimental embutida no processo democrático da legislação,
a fim de verificar se é possível extrair dela argumentos para uma
legitimidade que se funda na legalidade.
Discussão
em torno da Racionalidade Jurídica.
O
que vem a ser racionalização? E qual a razão da ambigüidade de Weber
com relação à universalidade do significado e do valor do racionalismo
ocidental? As diretivas de Habermas são as de aclarar a primeira questão
e de se posicionar diante da segunda. Para este autor, a racionalização
é um fenômeno referente ao conjunto dos elementos constitutivos de uma
sociedade e a via ocidental da racionalização representa, do ponto de
vista formal, a via universal do referido processo de racionalização.
Dada sua posição ambivalente em face do racionalismo ocidental, Max
Weber se situa, segundo Habermas, entre as posições universalistas
e relativistas.
Segundo
Weber a racionalidade só existe devido ao caráter formal que está
incutido no direito, ou seja, só pode existir a razão em decorrência da
obediência aos procedimentos jurídicos, sua razão é prático-instrumental.
Dessa forma moral e direito são dois campos separados, sendo a moral
subjetiva e o direito objetivamente racional. Assim a interferência da
moral no direito acabaria por retirar a racionalidade do mesmo. Mas
Habermas nos mostra que o próprio ato de seguir os procedimentos jurídicos
já implica na mistura entre moral e direito, afinal o direito é constituído
de normas estabelecidas por um legislador e este possui uma moral que
acaba sendo incorporada a lei, assim, sua razão é prático-moral. Sendo
assim a teoria de Weber onde a legitimidade só pode ser alcançada pela
legalidade puramente racional perde força.
Para
Weber o direito dispõe de uma racionalidade própria, que não depende da
moral. Ao seu ver a ligação entre direito e moral pode até colocar em
risco a racionalidade do direito, e conseqüentemente o fundamento da
legitimidade da dominação legal. A dominação legal para Weber,
legitima-se mediante um procedimento, o que afasta a legitimação do
tipo prático-moral, considerado secundário. Reduz o direito à sua
dimensão cognitivo-instrumental.
Max
Weber estabeleceu duas relações esclarecedoras:
 |
A
racionalidade do direito está fundamentada nas suas qualidades
formais; |
 |
A
materialização
configura uma moralização do direito, isto é, a introdução de
pontos de vista da justiça material no direito positivo. Daí parte a
afirmação que, o estabelecimento de um nexo interno entre direito e
moral destrói a racionalidade do direito enquanto tal, a
“racionalidade formal”. |
Para
Habermas, a racionalização material do Direito é um passo progressivo
para a ética, enquanto Weber vê como um gradual desmantelamento da
concepção de racionalidade cognitiva de que o Direito é portador,
questionando o formalismo jurídico.
Weber
entende a racionalidade formal inerente ao direito, e se dá pelo trabalho
sistemático dos doutrinadores especializados e com formação acadêmica,
firmados sob as bases do princípio da positividade. Uma vez estabelecido
o nexo entre racionalidade e formalidade, o Direito só pode ser racional
à medida que em seu bojo não se encontram elementos morais. Para ser
racional o Direito precisa afastar-se de quaisquer proposições ético-morais.
A medida de racionalidade é determinada no Direito por elementos formais,
há uma racionalidade neutra em relação à moral. Para ele a
racionalidade é neutra no sentido moral. Em seu aspecto formal, as exigências
weberianas para que o Direito seja classificado como racional são: os três
tipos de racionalidade reunidas, através de seu aspecto formal á medida
que o sistema jurídico é estruturado conforme etapas de racionalização.
Assim, racionalização cientifica que lhe confere os juristas; á medida
que o direito é configurado a partir de normas que garantem a liberdade
negativa dos sujeitos de direito; da institucionalização de
procedimentos que tornam calculáveis as relações que desenrolam no
interior do sistema.
Para
Habermas, a racionalidade jurídica se dá através de um procedimento
aberto à moralidade que se põe como esfera deontológica –
racionalidade procedimental prático-moral. Segundo ele, o conceito de
racionalidade, com o qual trabalha, diz respeito a um sistema de pretensões
de validez. Tem em mente a idéia de que em um Estado de direito, que
separa os poderes, apóia sua legitimidade na racionalidade de processos
de legislação e de jurisdição, capazes de garantir a imparcialidade.
Afirma que as normas jurídicas elaboradas conforme o processo, pretendem
legitimidade, sendo que o modo de validade do direito aponta não somente
para a expectativa política de submissão à decisão e coerção, mas
também para a expectativa moral do reconhecimento racionalmente motivado
de uma pretensão de validade normativa, a qual só pode ser resgatada
através da argumentação. Habermas coloca a seguinte posição: “No
processo de legislação, pode emergir uma moralidade que emigrara para o
direito positivo, de tal modo que os discursos políticos se encontram sob
as limitações do ponto de vista moral, que temos que respeitar ao
fundamentar as normas” (HABERMAS, 1997, p. 245-246). A norma jurídica
é a garante de sua liberdade e tem um sentido deontológico para a ação.
Essas duas dimensões da validade jurídica implicam a exigência racional
da legitimação para o Direito, e que, somente podem pretender validade
aquelas normas capazes de obter assentimento de todos os indivíduos
envolvidos como participantes de um discurso prático. Uma norma ética é
válida, quando puder ser consensualmente justificada, sem coação, e
todas as conseqüências que advirão para os interesses concretos dos
indivíduos que pautarem o seu comportamento por ela.
Depreende-se
da idéia então, que é justamente esse consenso, racionalmente alcançado,
que dará força factual à pretensão de validade do que é de fato tido
e instituído como Direito.
Conclusão.
Normas
jurídicas devem ter uma qualidade tal que possam ser simultaneamente
consideradas em seus aspectos como leis de obrigatoriedade e leis de
liberdade. Ao menos, deve ser possível cumprir normas jurídicas, não
porque obrigam, mas porque são legítimas. A validade de uma norma jurídica
significa que a autoridade estatal garante simultaneamente tanto a
positivação legítima quanto a sua efetivação. O Estado de Direito
precisa garantir ambas as possibilidades: por um lado, a legalidade do
comportamento, no sentido de um cumprimento generalizado das normas, mas,
se necessário, um cumprimento compelido por sanções, e, por outro lado,
uma legitimidade das regras que, a qualquer momento, possibilita o
cumprimento de uma norma, motivado pelo respeito à lei.
Enquanto
desempenha um papel de gerador de direitos positivos, o princípio da
democracia é ele mesmo institucionalizado através de um sistema que
garante a igualdade de participação no processo de legitimação dos
direitos. A aplicação desse princípio, no discurso de legitimação dos
direitos, pressupõe, portanto, um sistema no qual todos os indivíduos
– enquanto autores e endereçados do direito – possuam igualdades de
condições. Esta é uma aplicação do princípio de democracia, enquanto
um princípio do discurso. Habermas já indica o princípio moral como
condição do próprio princípio de democracia.
A
implementação democrática dos direitos é um processo no qual os indivíduos,
com base na igualdade de participação, chegam a um consenso acerca das
regras que desejam institucionalizar. É justamente esse consenso,
racionalmente alcançado, que dará força factual à pretensão de
validade do que é fato tido e instituído como Direito.
Surgem,
assim, os chamados direitos positivos. A democracia, nesse contexto, é
pensada como princípio jurídico que permite a formação discursiva da
opinião e da vontade política, na qual a norma válida é a que pode
encontrar assentimento de todos os potencialmente na medida que estes
participam de discursos racionais. O procedimento de normatização legítima
é estabelecido por direitos intersubjetivamente argumentados, a partir da
institucionalização de direitos fundamentais, por meio dos quais é
exercida a autonomia política. Assim, o Devido processo Legislativo, que
garante o processo de formação das normas será aberto a toda comunidade
jurídica. Somente uma deliberação autônoma de sujeitos livres e iguais
é que poderá dar validar a norma jurídica de forma democrática.
As
leis, as decisões políticas e judiciais dependem de aprovação pública
da sociedade. Decisões racionais são, pois, aquelas que preenchem as
condições e pressupostos essenciais do discurso, fundamentado em
argumentos sérios e relevantes e que se submetem ao processo de validade
democrática e aceitação social das normas.
__________
Referências
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Weber e Jürgen Habermas. Revista
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Cidadania, Democracia: Uma reflexão crítica, texto extraído
do site: http://www.puc-rio.br/direito/revista/online/rev09_listz.html |
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