As
obras Direita e Esquerda
(Norberto Bobbio) e Para Além da
Esquerda e da Direita (Anthony Giddens) vieram a público em 1994.
Nelas seus autores abordam temas eminentemente políticos, inovando ou
aprimorando concepções norteadoras do fazer político contemporâneo. O
italiano Norberto Bobbio e o inglês Anthony Giddens são personagens
importantes do campo acadêmico, que merecem ser lidos por qualquer cidadão.
No
livro Direita e Esquerda, Bobbio
se dedica a tratar da diferença entre os dois campos políticos. Esta
pequena mas densa obra abarca uma defesa da legitimidade da díade direita
e esquerda no atual cenário político. Bobbio rebate os inúmeros
argumentos contrários à distinção, expõe critérios estabelecidos por
diversos autores para diferenciar os dois pólos e coloca seu próprio
elemento fundamentador da dicotomia.
Anthony
Giddens, em Para Além da Esquerda e
da Direita, toma outro percurso na condução do seu tema. Ao invés
de explanar a respeito do par direita e esquerda, este autor se dedica a
formular uma proposta que vá além da esquerda e da direita. Giddens toma
elementos dos dois campos para elaborar sua síntese.
As
páginas a seguir buscam mostrar de forma sucinta os principais tópicos
das duas obras. A compreensão mais profunda, é claro, só será
conseguida através da leitura dos próprios livros. De qualquer forma,
este trabalho é a minha contribuição para continuidade do debate sobre
esse tão controverso tema da vida política.
As
palavras direita e esquerda foram associadas ao universo político no período
da Revolução Francesa. De lá para cá já se passaram mais de dois séculos
e a distinção entre os dois termos ainda suscita discussões, ganha espaço
nos meios acadêmicos e permeia a linguagem política. Apesar das objeções
(que são várias) à validade da díade, ainda é corrente expressões
como “direita parlamentar”, “esquerda parlamentar”, “governo de
direita” e “governo de esquerda”. Legítima ou não a persistência
da dicotomia, o fato é que o pequeno livro de Bobbio obteve um expressivo
sucesso de vendas (mais de 200.000 exemplares no ano de publicação) e
dezenove traduções, passando não só pelos países europeus como também
na América do Sul e na Ásia.
Considerado
por Anthony Giddens como o “mais polêmico livro sobre o tema da
esquerda e da direita nos últimos tempos”, tentaremos nas linhas a
seguir discorrer sobre os principais tópicos dessa densa obra de Norberto
Bobbio. Conforme o autor italiano, o livro aqui tratado nasce da constatação
das repetidas afirmações de que a distinção não tem mais razão de
ser. O renomado liberal-socialista sai em defesa da dicotomia, mas de
antemão afirma está “olhando as coisas com uma certa distância”. De
certa forma é até necessário o lembrete sobre o cuidado em não cair
numa simples análise valorativa, pois o leitor desavisado poderia logo
associar o título da obra com a trajetória de esquerda do autor e
concluir de forma equivocada que o texto não passa de um panfleto
esquerdista.
Dentre
a avalanche de argumentos utilizados para desqualificar a permanência da
díade, Bobbio expõe primeiro os secundários: crise das ideologias; a
complexidade das sociedades democráticas; o surgimento de movimentos e
problemas que não se enquadram no esquema tradicional (Direita -
Esquerda). Bobbio responde à primeira objeção da seguinte forma:
“(...) não há nada mais ideológico do que a afirmação de que as
ideologias estão em crise. E depois, esquerda e direita não
indicam apenas ideologias” (BOBBIO, 2001, p.51). Os dois termos são
encarados como programas contrapostos de idéias, interesses e de valorações
a respeito da direção a ser seguida pela sociedade. Quanto à opinião
da complexidade da sociedade tornar inadequada a existência de apenas
duas partes contrapostas no universo político, o autor diz que a distinção
direita e esquerda não exclui posições intermediárias. Prova disso é
o “centro” ou também denominado de Terceiro Incluído; há ainda o
Terceiro Inclusivo. O Terceiro Incluído busca um espaço entre dois
opostos; não é nem de direita nem de esquerda, mas está entre uma e
outra. O Terceiro Inclusivo tende a ir além dos dois opostos e a englobá-los
numa síntese superior. Segundo Bobbio, o Terceiro Inclusivo apresenta-se
normalmente como uma tentativa de Terceira Via no debate político; uma
doutrina em busca de uma práxis.
Podemos enquadrar a proposta de Giddens nessa categoria de Terceiro
Inclusivo, pois o sociólogo inglês propõe na obra Para
Além da Esquerda e da Direita
uma “política radical reconstituída, que recorra ao conservadorismo
filosófico mas que preserve alguns dos valores centrais que até agora
estiveram associados ao pensamento socialista”. Portanto, a pretensão
de Giddens é elaborar uma síntese dos opostos. A terceira razão posta
para rejeitar a díade se apóia no surgimento de um Terceiro Transversal,
mostrando o caso dos Verdes como um movimento que atravessa os dois
campos. Os Verdes, diz Bobbio, não tornam anacrônica a velha díade, mas
sim tendem a se redividir em novas versões dos dois pólos.
As
razões discutidas até aqui são tidas como “secundárias” pelo
autor. Veremos agora os dois principais argumentos que foram colocados
para refutar a clássica díade. O primeiro é pautado na seguinte idéia:
onde não há esquerda não há direita e vice-versa. A queda dos regimes
comunistas passou a ser vista como o fim da esquerda por muitos grupos,
inclusive por movimentos que se autoproclamaram de esquerda. Com a
desautorização de um dos termos (neste caso a esquerda), a díade é
negada. Bobbio se contrapõe a esse novo ceticismo com uma retórica sobre
reação de autodefesa. Como uma das partes adquire grande relevância em
detrimento da outra, a parte frágil passa a desautorizar a díade para
ocultar a própria debilidade. Diz o autor: “Em um universo no qual as
duas partes contrapostas são interdependentes, no sentido de que uma
existe se também existe outra, o único modo de desvalorizar o adversário
é o de desvalorizar a si mesmo” (BOBBIO, 2001, p.63). O último
argumento posto para negar a díade diz que as duas etiquetas se tornaram
meras ficções. Os “destros” e os “esquerdos” dizem as mesmas
coisas, formulam mais ou menos os mesmos programas e propõem os mesmos
fins imediatos. Direita e esquerda não existiriam mais porque entre um
lado e outro não haveria mais aquelas diferenças merecedoras de nomes
diversos. A resposta a esta derradeira objeção será dada por Bobbio
quando ele estabelecer o critério de distinção entre as partes.
Antes
de nos dedicarmos ao critério proposto por Bobbio, vamos discutir um
pouco a respeito do caráter antagônico da política. Depende unicamente
de um fato acidental que, na visão “diádica” da política, as duas
partes de díade tenham recebido o nome de “direita” e “esquerda”.
O nome, argumenta o autor, pode mudar, mas a estrutural essencial e
originalmente dicotômica do universo político permanece. A essência da
política é a luta de idéias e políticas opostas.
O
cerne da obra consiste na defesa da legitimidade do par esquerda e
direita. Tal intuito passa pela exposição de um critério que diferencie
as partes e o escolhido por Bobbio é a atitude diante da igualdade. Fala
o autor: “(...) de um lado estão aqueles que consideram que os homens são
mais iguais que desiguais, de outro os que consideram que são mais
desiguais que iguais” (BOBBIO, 2001, p. 121). Esse contraste é
complementado por outro: a esquerda acredita que a maior parte das
desigualdades é social e, enquanto tal, eliminável; a direita acha que a
maior parte delas é natural e portanto ineliminável. É válido
ressaltar o caráter relativo do conceito de igualdade, sendo submetido a
três variáveis: igualdade entre quem, em relação a que e com base em
quais critérios. Uma enorme variedade de tipos de repartições igualitárias
pode ser obtida com a combinação destas três variáveis. Bobbio
aproveita o tópico para diferenciar a doutrina igualitária do
igualitarismo. Para ser de esquerda não é preciso proclamar o princípio
da “igualdade de todos em tudo”. Em outras palavras, afirmar que a
esquerda é igualitária não quer dizer que ela também é igualitarista.
Um movimento inspirado pela doutrina igualitária tende a reduzir as
desigualdades sociais e a tornar menos penosas as desigualdades naturais.
O igualitarismo defende a idéia de que todos os homens devem ser iguais
em tudo, independentemente de qualquer critério discriminador. Bobbio
considera o igualitarismo uma visão utópica.
Podemos
sintetizar a diferenciação das partes com as seguintes palavras: a
esquerda é mais igualitária e a direita é mais inigualitária. Conforme
vimos, a distinção entre esquerda e direita refere-se ao diverso juízo
positivo ou negativo sobre o ideal da igualdade. Bobbio considera esta
tese como colocada em um nível de abstração que serve apenas para
distinguir dois tipos-ideais. O conceito de tipo ideal é oriundo da
teoria de Max Weber, servindo como um instrumento auxiliar para o
pesquisador construir um modelo simplificado do real. No caso aqui
estudado, Bobbio se utilizou do recurso para trabalhar um tipo ideal de
esquerda e outro de direita. Novamente recorrendo a Weber, o que dá valor
a uma construção teórica é a concordância entre a adequação de
sentido que propõe e a prova dos fatos; caso contrário, ela se torna inútil,
seja do ponto de vista explicativo ou do conhecimento da ação real. A
fim de aproximar a tese elaborada e o empírico para provavelmente dar
valor a sua construção teórica, Bobbio volta os olhos para questões
políticas específicas. De acordo com o autor italiano, a diferença
entre os dois tipos-ideais resolve-se concretamente na avaliação da
discriminação, questão migratória, voto feminino e outros casos da
realidade social. Em termos práticos, as doutrinas e movimentos de
esquerda buscam favorecer as políticas que objetivam tornar mais iguais
os desiguais.
Ao
lado da díade igualdade-desigualdade, Bobbio coloca outra não menos
importante historicamente: liberdade-autoridade. Enquanto a apreciação
diante da igualdade distingue a direita da esquerda, a postura frente à
liberdade é o valor que separa os moderados dos extremistas no interior
de cada um dos campos. A contraposição entre extremismo e moderantismo
reside no método; a antítese entre direita e esquerda está relacionada
aos fins. A antidemocracia é o ponto em comum historicamente mais
persistente e significativo entre os extremistas. Não obstante as
características comuns, fascismo e comunismo representam na história do
século XX a grande antítese entre direita e esquerda.
Antes
de finalizar o livro, Bobbio comenta mais uma indicação de que a
doutrina igualitária é a característica distintiva da esquerda. O autor
discorre sobre o fato a seguir: um dos temas principais da esquerda histórica
foi a remoção da propriedade individual. Esta propriedade foi
considerada (da Antigüidade até o século XIX) um dos maiores, senão o
maior, obstáculo à igualdade entre os homens. A luta pela abolição da
propriedade individual e pela coletivização dos meios de produção
sempre foi encarada pela esquerda como uma luta pela remoção do
principal obstáculo para a realização de uma sociedade de iguais; uma
luta pela igualdade.
Anthony
Giddens se ocupa desta obra do autor italiano no livro A
Terceira Via. O teórico inglês diz inclusive que os argumentos de
Bobbio são dignos de ser ouvidos. O “pai” da Terceira Via concorda
que a distinção esquerda/direita não vai desaparecer e com a
perspectiva da desigualdade no cerne da dicotomia. No entanto, a definição
de Bobbio necessita de algum refinamento na opinião de Giddens. Este
acrescenta o seguinte: a esquerda busca não somente igualdade, mas também
acredita que o governo deve desempenhar um papel-chave na promoção dessa
meta. Para o sociólogo inglês, é mais preciso dizer que “ser de
esquerda é acreditar numa política de emancipação. A igualdade é
importante sobretudo por ser relevante para a oportunidade de vida, o
bem-estar e a auto-estima das pessoas” (GIDDENS, 2001, p.51). Apesar do
“refinamento” acrescentado por Giddens, percebemos que há concordância
na base da questão sobre o par esquerda/direita. Os dois autores ─
um liberal-socialista e o outro estigmatizado de “pai” da Terceira Via
─ deram contribuições importantes para expansão desse tão
profundo debate, influenciando personalidades e partidos políticos pelo
mundo a fora.
Anthony
Ggiddens também escreve
sobre a diferença entre a esquerda e a direita. Na obra Para Além da Esquerda e da Direita, ele trata da direita neoliberal
que passou a defender o domínio dos mercados, enquanto a esquerda apóia
maior previdência e provisão públicas. Em um plano mais geral, Giddens
vai distinguir as duas partes do campo político de forma parecida com
Bobbio. Diz aquele: “No todo, a direita aceita melhor a existência de
desigualdades do que a esquerda, e está mais propensa a apoiar os
poderosos do que os desprovidos de poder” (GIDDENS, 1996, p.284). O
direcionamento deste livro, contudo, não segue o mesmo caminho trilhado
por Bobbio. Giddens vai tratar de uma temática que contempla a díade
direita-esquerda, mas não se resume a ela.
Segundo
Giddens, a sociedade passou por mudanças significativas nas últimas
cinco décadas. Processos como a globalização e a expansão da
reflexividade social alteraram o contexto da vida política, levando ao
questionamento dos paradigmas políticos até então existentes. O
resultado disso foi a desintegração do socialismo, do conservadorismo e
os paradoxos do neoliberalismo. Diante desse quadro, o autor indaga pela
solução: qual é a alternativa política?
A
intenção primordial do autor inglês na obra supracitada é a elaboração
de uma “política radical reconstituída” que vá além da tradicional
dupla direita-esquerda. Tal proposta radical, afirma Giddens, é formada a
partir de elementos do conservadorismo filosófico juntamente com alguns
valores centrais do pensamento socialista. O conservadorismo filosófico
consiste numa política de proteção, preservação e solidariedade. A
estrutura de política radical desenvolvida pelo autor é fundamentada em
seis pontos que são expostos no decorrer de todo o livro. Voltaremos
nossa atenção para discutir o cerne do programa radical de Giddens.
O
primeiro ponto levantado consiste na preocupação de se restaurar as
solidariedades danificadas, implicando às vezes na preservação ou até
mesmo a reinvenção da tradição. Esse teorema, afirma Giddens,
aplica-se a todos os níveis que fazem a ligação das ações
individuais; seja em pequenos grupos, no Estado ou nos sistemas mais
globalizados. A questão da reconstrução de solidariedade social deve
ser entendida como “reconciliação de autonomia e interdependência”
nas diversas esferas da vida social, inclusive no domínio econômico. Um
instrumento importante colocado pelo autor para promover o par autonomia e
solidariedade consiste na chamada confiança ativa: é a confiança que
tem de ser conquistada ao invés de vir da efetivação de posições
sociais ou de papéis de gênero. A esfera da família é tomada como
exemplo de um espaço carente de reconstrução de solidariedade. Não é
preciso sustentar os “valores da família tradicional”, mas sim
fortalecer os comprometimentos e obrigações – baseados em confiança
ativa – no interior das atuais formas familiares.
A
política de vida é o segundo ponto da proposta radical de Giddens. Ela
consiste numa política de estilo de vida e está relacionada à disputas
e contendas sobre a maneira pela qual nós deveríamos viver em um mundo
onde aquilo que costumava ser fixado pela natureza ou pela tradição está
atualmente sujeito a decisões humanas. A política de vida compreende uma
política de identidade e de escolha, abarcando questões ecológicas,
feministas, econômicas e de trabalho. Novos desafios enfrentados pela
humanidade exigem decisões diante de um leque de possibilidades bem maior
do que havia antes.
Mais
um ponto fundamentador do programa é a chamada política gerativa.
Segundo Giddens, é uma política que busca permitir aos indivíduos e
grupos fazerem as coisas acontecerem ao invés de esperarem que lhes
aconteçam. Ela opera fornecendo condições materiais e estruturas
organizacionais para as decisões de políticas de vida tomadas por indivíduos
e grupos na ordem social ampla. Uma política dessas depende da construção
de confiança ativa nas instituições do governo ou nas agências
governamentais. O autor considera a política gerativa como o principal
meio de se abordar com eficiência os problemas de pobreza e de exclusão
social nos dias de hoje. Essa modalidade de política implica nas
seguintes circunstâncias: promover as condições sob as quais os
resultados desejados possam ser alcançados; criar situações nas quais a
confiança ativa possa ser estabelecida e mantida; conceder autonomia aos
afetados por programas ou políticas específicas; gerar recursos que
ampliem a autonomia e, por último, a descentralização do poder político.
Dessa forma, a política gerativa alcança uma série de domínios nos
quais as questões políticas surgem e devem ser respondidas. A prevenção
é citada como um exemplo da aplicação da política gerativa. Por
exemplo, muitas mulheres deixam seus companheiros devido à violência que
sofrem com eles. Um programa gerativo estaria interessado, acima de tudo,
em reduzir os níveis dessa violência.
O
quarto ponto levantado por Giddens diz respeito à idéia de democracia
dialógica. Em uma ordem social mais reflexiva e globalizadora, surge a
necessidade de incrementar formas mais radicais de democratização. A
extensão da democracia dialógica é vista pelo autor como representante
de uma parte de um processo de democratização da democracia. A
democracia dialógica consiste numa maneira de criar uma arena pública na
qual assuntos controversos possam ser resolvidos ou, pelo menos, abordados
por meio de diálogo e não por formas preestabelecidas de poder. Além da
esfera política formal, essa modalidade de democracia avança em quatro
áreas interligadas: vida pessoal, movimentos sociais e grupos de
auto-ajuda, arena organizacional e, por último, ordem global maior. Na área
da vida pessoal – relações entre pais e filhos, relações sexuais,
relações de amizade –, a democracia dialógica avança até o grau em
que tais relações são ordenadas por meio do diálogo e não por meio do
poder arraigado. Segundo Giddens, os indivíduos dotados de um bom
entendimento da própria constituição emocional e capazes de se
comunicar de maneira eficiente com os outros em uma base social estão bem
preparados para as tarefas mais amplas da cidadania. Já os grupos de
auto-ajuda e movimentos sociais contribuem para expansão da democracia
dialógica pelo fato de abrirem espaços para o diálogo público com relação
aos assuntos pelos quais se interessam. As organizações também vivem
processos democratizadores internamente, estimulando a superação do
modelo de organização burocrática. Quanto à ordem global maior,
pode-se falar no estabelecimento de formas de democracia em nível global.
O
tópico seguinte da proposta radical reside em “repensar o welfare state”. Conforme Giddens, o welfare state foi formado como um “compromisso de classe” ou
“acordo” em condições sociais que, atualmente, se alteram de maneira
bastante acentuada. Por exemplo: seus sistemas de seguridade foram
projetados para enfrentar muito mais o risco externo do que o artificial;
o welfare state estava ligado a
um modelo implícito de papéis de gênero tradicionais, pressupondo a
participação masculina na força de trabalho assalariado enquanto a
mulher permanecia no lar; o Estado-nação era forte e outras circunstâncias
mais que também foram modificadas nesse contexto de globalização
intensiva e de reflexividade social. O autor acha que um novo “acordo”
se faz urgentemente necessário hoje. Um welfare
state repensado não pode mais assumir a forma de uma distribuição
de cima para baixo. As medidas previdenciais devem possibilitar a aquisição
de poder e não ser meramente “distribuídas”; elas devem se preocupar
exatamente com a reconstrução de solidariedade social. Esse novo acordo
deve dar a devida atenção ao gênero e não somente as classes.
O
sexto e último ponto do programa de política radical está relacionado
ao problema da violência nas questões humanas. Giddens considera esse
problema um dos mais difíceis de lidar em termos de teoria política. Em
quaisquer circunstâncias sociais, afirma o autor, existe apenas um número
limitado de formas para tratar com o conflito de valores. Uma delas é por
meio da segregação geográfica: os indivíduos ou as culturas de tendências
conflitantes podem coexistir se tiverem pouco contato. Outra forma é o
distanciamento: um indivíduo ou grupo que não convive bem com o outro
pode mudar-se. Uma terceira forma de enfrentar a diferença cultural ou
individual é por meio de diálogo. Aqui um embate de valores pode ser um
meio de auto-entendimento e comunicação ampliados, pois a melhor
compreensão do outro conduz a uma melhor compreensão de si mesmo.
Finalmente, um embate de valores pode ser resolvido pelo uso da força ou
da violência. As duas primeiras opções tornam-se drasticamente
reduzidas na sociedade globalizante em que vivemos; afinal, nenhuma
entidade social maior pode isolar-se da ordem cosmopolita global com muito
sucesso. O diálogo entre grupos culturais e Estados é um meio de
substituir o uso da violência pela conversa.
Esses
tópicos expostos formam o âmago da proposta de Giddens; anos mais tarde
este autor vai aprofundar o debate com a obra A
Terceira Via. Giddens acha que o mundo está radicalmente modificado e
por isso necessita de um programa radical que supere as concepções tanto
da direita como da esquerda. Os interessados no fazer político deste
autor precisam conhecer a obra aqui tratada. tica
de identidade e de escolha, abordando quest ser fixado pela natureza ou
pela tradiçaonsiste na chamada confiança
Norberto
Bobbio e Anthony Giddens compartilham de uma concepção semelhante sobre
o critério responsável pela distinção entre os campos políticos;
ambos consideram a igualdade um fator pertinente para diferenciar a
dicotomia. Os dois divergem quanto ao valor dado às concepções da
direita e da esquerda enquanto mecanismos para nortear a elaboração de
soluções para os problemas da sociedade. Bobbio ainda crê na divisão
direita-esquerda como um importante instrumento de orientação, sendo um
meio de o cidadão escolher candidatos e até guiar a prática política
de cada um. Já Giddens acha que as velhas ideologias da direita e da
esquerda não oferecem respostas satisfatórias para o mundo de hoje; por
isso ele formula um programa político que busca ir além da dicotomia. As
duas obras colocam e esclarecem questões que são de fundamental importância
para o arcabouço teórico de qualquer interessado na construção de um
mundo melhor.
O
contexto e o local são elementos cruciais para melhor compreensão de
qualquer obra. Os dois livros discutidos nessas linhas foram escritos num
momento de grandes dúvidas vividas pelas sociedades contemporâneas,
sobretudo as européias. Em meados da década de noventa a polarização
entre capitalismo e socialismo real já estava praticamente extinta; as
dicotomias Deus–diabo e burguesia-proletariado há muito passavam por um
processo de deslegitimação; para finalizar, aumenta o coro de que a díade
direita-esquerda não possui mais razão de ser. Enfim, “grandes”
dicotomias debatidas por muito tempo nas ciências humanas estavam em declínio.
É a partir desta conjuntura permeada pelo ceticismo que Bobbio e Giddens
impulsionam o debate acerca dos referenciais políticos.
Os
apontamentos de Bobbio são extremamente interessantes e frutíferos para
refletirmos sobre a carência de utopias no universo político. A obra
deste italiano pode ser de suma importância na construção de um ethos de esquerda ou de direita – conforme a preferência de cada
um. Assim como Bobbio, prefiro me colocar à esquerda no espectro político.
As reflexões anteriormente expostas podem auxiliar indivíduos e
coletivos na construção de uma práxis
cotidiana.
A
proposta de uma política radical colocada por Giddens parece não se
enquadrar bem com a situação de países como o Brasil. O pai
da Terceira Via trabalha bastante na obra a idéia de mudar valores
coletivos sem antes tocar nas condições econômicas e sociais da
sociedade. Fica então a pergunta: para que tipo de sociedade é cabível
a proposta radical? Os países “desenvolvidos” da Europa, os ditos
emergentes ou os “subdesenvolvidos”? Considero complicada a mudança
de determinados comportamentos coletivos quando as pessoas sequer possuem
condições dignas de sobrevivência. De qualquer forma, tais descompassos
não retiram o mérito da obra.