por ADRIANA VARGAS MARQUES

Pós-graduanda do curso de Especialização em Formação em História e Cultura Africanas e Afro-Americanas da Universidade Estadual de Goiás. Especialista em História do Brasil pela Universidade Federal de Goiás. Licenciada em História pela Universidade Estadual de Goiás. Professora de História da rede privada de Goiânia

 

 

versão para imprimir [arquivo PDF]
Clique e cadastre-se para receber os informes de atualização da Revista Urutágua

 

Um exército invisível: a participação de indígenas na guerra contra o Paraguai

Adriana Vargas Marques

 

Resumo: O objetivo deste trabalho é evidenciar e analisar a participação de indígenas na guerra contra o Paraguai (1864-1870), a partir das relações entre indígenas e homem branco, procurando destacar os indígenas dentro da história do Brasil enquanto agentes construtores e não como agentes passivos que apenas sofrem ou reagem às políticas indigenistas do homem branco. Contudo, não se trata de aprofundar exaustivamente o conhecimento a cerca deste tema, mas sim buscar, a partir das evidências, indagar quais foram as etnias envolvidas, como se deu esse envolvimento e por quê. A abordagem da participação na guerra, a partir de uma visão metodológica que enfoca o indígena como centro e como agente histórico, é uma proposta de contribuição para o avanço das discussões em torno da questão indígena para que estes sejam vistos a partir da condição de seres racionais que fazem suas próprias escolhas e, conseqüentemente, sua própria história...

O recorte temporal e espacial do tema que proponho é a região de fronteira entre Brasil e Paraguai, especificamente a região do estado do Mato Grosso do Sul, no período de 1864 – 1870; datas limites para historiografia oficial como início e término da guerra contra o Paraguai.

Palavras Chaves: História do Brasil, Guerra do Paraguai, Brasil Império, Nações Indígenas, Conflito, Política Indigenista.

Resumen: El objetivo de este trabajo es evidenciar y analizar la participación de los indígenas en la guerra contra el Paraguay (1864-1870), apartir de las relaciones entre indígenas y hombres blancos, buscando resaltar los  indígenas dentro de la história do Brasil en cuanto agentes constructores y no como agentes pasivos que apenas sufren o reaccionan a las políticas indigenistas del hombre blanco. Sin embargo, no se trata de profundizar exaustivamente el conocimiento sobre este tema, pero sí, buscar, apartir de las evidencias, indagar cuales  fueron las etnias involucradas, como ocurrió y por qué. El abordaje de la participación en la guerra, apartir de una visión metodológica que enfoca el indígena como centro y como agente histórico, es una propuesta de contribución para el avance de las discusiones alrededor del tema del indígena para que estos  sean vistos apartir de la condición de seres racionales que hace sus propias escojas y, consecuentemente, su própia história...

El recorte temporal y espacial del tema que proponemos es la región de la frontera entre Brasil y Paraguay,  especificamente la región del estado de Mato Grosso do Sul, en el  período de 1864 – 1870; fechas límites para la  historiografia oficial como início y término de la guerra contra el Paraguay.

Palabras Claves: História de Brasil, Guerra del Paraguai, Brasil Império, Naciones Indígenas, Conflicto, Política Indigenista.

 

A guerra contra o Paraguai foi um dos temas cristalizados pela historiografia tradicional e, conseqüentemente, ao ser considerado como apenas mais um fato da História do Brasil, passou um longo período sem ter sua real importância reconhecida dentro da história dos países que formaram a “Tríplice Aliança”. E isto de torna evidente na forma como este tema aparece nos livros didáticos: de forma superficial, que trata das “glórias brasileiras nos campos de batalha a um Paraguai super-desenvolvido em pleno século XIX” (POMER,1982, p. 05).

A partir do movimento Revisionista da História, na década de 20, iniciado com os Annales, que tinha como bandeira rever e, principalmente, refazer a história vista de cima, ou seja, a abordagem tradicional da história dos heróis, datas e fatos que falam por si, a guerra contra o Paraguai passou a ser revista, debatida e pensada sob outro prisma. De acordo com Peter Burke, “uma maneira de descrever as realizações do grupo dos Annales é dizer que eles mostraram que a história econômica, social e cultural pode atingir exatamente os padrões profissionais estabelecidos por Ranke para a história política”, e ainda: “sua preocupação com toda a abrangência da atividade humana os encoraja a ser interdisciplinares...” (Burke,1992, p. 16).

O historiador argentino, Leon Pomer, justifica sua preocupação com este fato histórico, “como uma forma de recuperar a identidade dos povos que nela lutaram”, e ainda: “mostrar ao povo seu caráter de agente, de construtor” (Pomer,1982, p. 05). Nesse sentido possuímos as mesmas intenções ao abordar o tema “Guerra do Paraguai”, pois também pretendo explicitar a posição de um povo enquanto agente, enquanto construtor de sua própria história, só que falamos de povos diferentes...

Leon Pomer, assim como José Chiavenato, Ricardo Salles, Francisco Daratioto, e tantos outros autores que tratam da Guerra do Paraguai, consideram como agente, como povo participante e imprescindível da guerra, apenas as nações brancas, ou seja, argentinos e brasileiros; no caso de Leon Pomer, principalmente argentinos. Não que os autores ignorem uruguaios e paraguaios, mas, apesar da intenção de revisar a história oficial, eles também não abordam a história da guerra contra o Paraguai a partir do prisma da participação de povos indígenas que se reconhecem enquanto nações indígenas e que não se enquadram nem como brasileiros, argentinos, uruguaios ou paraguaios, sem deixar de considerar outras peculiaridades da guerra evidenciadas nas discussões a respeito do papel das mulheres e dos negros, mas que, no entanto não compõem objeto desse trabalho.

Apesar de atualmente existir extensa bibliografia sobre a guerra contra o Paraguai, a questão indígena ainda não chegou a ser debatido e realmente abordado dentro do contexto desta guerra.

A participação de indígenas na guerra contra o Paraguai é fato reconhecido em nossos dias, sendo citado, inclusive, por vários autores, como por exemplo, Ribeiro (1996), Gomes (1991), Bertelli (1987), Campestrini e Guimarães (1995), entre outros. Apesar de tal constatação, apenas recentemente este tema passou a ser objeto de debates e pesquisas, uma vez que, até mesmo nos autores citados acima, encontramos apenas indicativos de tal fato, não havendo, assim, uma verdadeira discussão sobre o tema, o que acaba por refletir uma precariedade de bibliografias sobre o assunto, principalmente em Goiás.

Pesquisar sobre um tema que ainda não se consolidou enquanto debate, seja na historiografia, seja na própria Academia, não é tarefa fácil. E a primeira dificuldade a ser superada é a própria identificação de qual, ou quais etnias estiveram direta ou indiretamente envolvidas no conflito. Isto porque as bibliografias até aqui consultadas fazem referências principalmente à etnia Guaycurú, com destaque para os Kadiwéu, chegando ao máximo a citar os Terena. No entanto, há indícios nos documentos encontrados de que outras etnias estiveram envolvidas – o que não é difícil de se imaginar. Ora, a então Província de Mato Grosso, região fronteiriça com o Paraguai e onde se travou o conflito, ainda era, no período da guerra, uma região caracterizada essencialmente pela presença indígena, e cujo extermínio não havia se consolidado, como ocorreu, por exemplo, na Província do Ceará (GOMES, 1991, p.23). Esta característica nos deixa espaço para imaginarmos que as outras etnias (além de Guaycurú e Terena) de tal região sofreram o impacto desta guerra, seja de forma direta ou indireta. E digo de forma direta ou indireta porque nem todas as etnias envolvidas neste cenário foram incorporadas às forças expedicionárias que se formaram; além disso, muitos grupos indígenas procuraram proteção em lugares distantes, o que significou abandonar suas terras correndo o risco de perdê-las... E isso sem mencionar os que foram feitos prisioneiros, como nos mostra Campestrini e Guimarães: “população remanescente da vila de Corumbá, que não pôde tomar lugar nos vapores, permaneceu entregue ao arbítrio do invasor. Os índios de Bom Conselho tiveram suas choças incendiadas e foram feitos prisioneiros” (Campestrini e Guimarães, 1995, p. 53).

Ainda sobre um envolvimento indireto, três documentos encontrados no Arquivo Estadual de Cuiabá, chamam a atenção. No primeiro, datado de 18 de março de 1862, o então Diretor Geral dos Índios, João Batista de Oliveira, informa ao Conselheiro Herculano Ferreira Pena, Presidente da Província de Cuiabá, sobre a mudança de indígenas da etnia Chamococo para o Forte Coimbra (medida esta proposta pelo Comandante do Forte):

(...) julgo mui acertado a medida proposta pelo mencionado Commandante, por que será mais um augmento de população, que pode vir a ser útil aos Distritos do Baixo Paraguay, augmentando o numero de braços para a sua lavoura tão definhada, logo que os mesmos adquirão o hábito do trabalho pello exemplo dos que se achão aldeados na Aldea do Bom Conselho... (Arquivo Público de Cuiabá, Livro 191).

Este documento nos mostra que a preocupação inicial das autoridades é a utilização da mão de obra indígena, além de sua contribuição populacional, o que é totalmente previsível em uma região de fronteira onde a posse territorial ainda é tema de discussões entre vizinhos. Mas, eis uma questão primordial: se em 1862, apenas dois anos antes do início oficial do conflito, indígenas da Nação Chamococo foram aldeados as margens do rio Paraguai, sobre a “proteção” do Forte Coimbra e tal fato nos leva a questionar se existiu alguma possibilidade de não terem sido envolvidos, mesmo que indiretamente, no conflito. Creio que uma resposta positiva seja praticamente impossível, até mesmo porque a imposição de uma fuga já significaria um impacto sobre eles, uma vez que uma mudança de meio implica também em escolhas e adequações.

Outro ponto interessante no documento em questão é que ele relata que foram ao Forte representantes Chamococos, em nome do Líder desses indígenas, pedir transportes para que o próprio fosse tratar com o Comandante do Forte sobre o aldeamento da tribo. Ou seja, é o Líder indígena que convoca o Comandante do Forte Coimbra para tratar dos interesses de seu povo. Como tal solicitação não foi atendida, é o Comandante quem se desloca para o seu, e com detalhe de levar brindes para agradar aos indígenas. Tal constatação vem reforçar a idéia de que não devemos ter uma visão que reforce a tutela imposta aos assuntos indígenas, que os reduz a seres inocentes e incapazes de articulações.

Outro indicativo encontramos no relatório do vice-presidente da Província de Mato Grosso, o Barão de Aguapehy, na abertura da sessão ordinária da Assembléia Legislativa provincial em três de maio de 1868:

Desde a invasão nada sem tem feito no sentido de chamar os Índios ao seio da civilização, tendo sido aprisionados pelos paraguayos os missionários encarregados da catechese no Baixo-Paraguay. O Districto de Serra acima tem sido victima algumas vezes das correrias dos selvagens – Coroados, que alli tem assassinado algumas pessoas, incendiando algumas casas. (Arquivo Estadual de Cuiabá, Livro 3b).

Tal documento nos permite constatar, em primeiro lugar, além do ataque paraguaio, que os brasileiros também sofriam com os ataques dos indígenas – correrias, como a dos Coroados, citado no documento. Mas além desta evidência, tal documento nos leva a questionar se, por outro lado, essas correrias dos Coroados também não chegaram a atingir os paraguaios, afinal, eles invadiram justamente a mesma região em que aqueles indígenas atacavam. Logo, o ataque indígena, ou a correria como chamavam, era na verdade uma faca de dois gumes, uma vez que poderia atingir o Império, prejudicando-o, ou atingir os paraguaios, beneficiando, assim os interesses imperiais. Ou seja, mesmo não estando entre as fileiras do exército brasileiro que se formavam naquele momento, os indígenas que viviam nessa região de fronteira ocupada pela guerra poderiam defender os interesses do Império, quando, na verdade, defendiam os seus interesses contra qualquer um que cruzasse o seu caminho.

Ainda em relação a esta idéia de que ao defenderem seus interesses, poderiam também estar defendendo os interesses do Império brasileiro, mesmo que em determinados momentos isto significasse o ataque ao próprio Império, encontramos o ofício de número 76, datado de 04 de abril de 1867, da Secretaria da Polícia em Cuiabá, onde o então Chefe de Polícia, Firmino José de Mattos, informa ao Presidente da Província de Mato Grosso, José Vieira Couto de Magalhães, sobre a chegada em Cuiabá de Jacinta Pereira, em poder de indígenas Guatós desde a invasão paraguaia:

Vindo ela para esta Cidade na occasião da invasão com a comitiva de seu pai e em commpanhia de seu marido Justino de Godoy Moreira, forão accomettidos pelos índios que assassinaram ao dito Justino e mais pessoas da comitiva de seu pai e fizerão ferimentos em diversas outras, roubando todas as suas bagagens, sendo ella conduzida nessa ocasião pelo índio de nome José Maria. (Arquivo Estadual de Cuiabá, Caixa 1867d).

Este documento é mais uma evidencia de que as etnias que viviam na região de fronteira entre Brasil e Paraguai serviam de obstáculos para qualquer um que por ali transitassem, e isso inclui, obviamente, os paraguaios quando da invasão ao território brasileiro por ocasião da guerra.

Mas as evidencias não param por aí; há outros documentos que informam sobre a participação efetiva de indígenas na guerra contra o Paraguai. No entanto, alguns documentos não especificam qual, ou quais etnias a que se referem, afirmando apenas que tratava de índios, o que evidencia uma visão influenciada pelo etnocentrismo europeu que designava apenas como índios todos os habitantes deste território, hoje denominado Brasil, muito antes da gloriosa chegada de Cabral. Como exemplo, podemos destacar o ofício, Reservado, de 22 de março de 1866:

Em diversos offícios mostrei a V.S. quanto importava que procurasse obter informações acerca das forças inimigas que occupão o Distrito de Miranda, das posições que occupão e dos seus movimentos; e, outro sim, relativamente aos Índios que no mesmo Distrito existem armados e cujo auxílio pode aproveitar-nos (grifos meus) (Arquivo Estadual de Cuiabá, Caixa 1867d).[1]

Outra evidencia encontramos em Ribeiro (1996), quando este se refere aos Guaná:

Notícias da primeira metade do século XIX indicam que alguns grupos foram aldeados junto ao Paraguai; outros, mais a leste, no rio Miranda, viram-se envolvidos na guerra entre brasileiros e paraguaios e tiveram suas aldeias invadidas. Finda as hostilidades, voltaram a instalar-se nos antigos locais e entraram em competição com os criadores de gado que, nesse período, começavam a ocupar a região (grifos meus) (Ribeiro, 1996: 100).

Ribeiro (1996) ainda cita o impacto sofrido pelos Terena: “Outros, como os Terena, foram obrigados a afastar-se das terras mais férteis à margem do rio Miranda e a refugiar-se em terrenos áridos, onde se tornou mais difícil sua vida de lavradores”(Ribeiro, 1996, p.101).

Taunay (1967) nos mostra que a fuga não foi o único envolvimento dos Terena no conflito. Em diversos momentos o autor explicita o auxílio de um grupo Terena, que ele descreve como tendo voluntariamente se apresentado ao Coronel da expedição (p. 45/ 46), da qual o próprio autor participou, aproveitando, inclusive, para desmoralizá-los em determinados momentos:

Os auxiliares índios, Guaicurus e Terenas não foram os últimos a se apresentar para o saque. Tão pequena disposição para o combate haviam mostrado que, na nossa carreira, ao lhes tomarmos a frente, lhes brandávamos: Vamos! Avante! Valtentes camardas! Agora se lhes transmutara a indolência num ardor sem limites para o saque (Taunay, 1967, p. 57).

No entanto, em outros momentos o autor também reconhece a “bravura” destes mesmos indígenas; embora de forma determinista: "(...) mais longe, os índios Terenas e Guaicurus, que depois de se haverem comportado nesta refrega como bravos auxiliares”... (grifo meu) (TAUNAY, 1967, p.68).

Infelizmente, esta pesquisa ainda encontra-se em estagio inicial, não sendo possível, assim, um detalhamento concreto de todas as etnias que, de uma forma ou de outra, acabaram envolvidas na guerra contra o Paraguai, e, principalmente, qual o impacto deste conflito sobre elas. No entanto, a maior evidencia de uma participação direta e efetiva, tanto ao nível de fontes primarias quanto secundárias, que até agora foi possível encontrar, diz respeito à etnia Guaycurú. Tal fato não nos causa estranheza se considerarmos a política indigenista do Império, que o levou a firmar um acordo de paz com esses:

Ao contrário dos ingleses na América do Norte, os portugueses nunca trataram os índios como nações (embora o termo fosse corrente na época), e sim, como vassalos. Assim, apenas em duas ocasiões se tem notícias de acordos formais entre Coroa e os índios. A primeira foi quando uma das aldeias dos índios Janduís, que habitavam parte do Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará, se decidiu a enviar uma delegação à Bahia para firmar um acordo de paz que desse fim `a chamada ‘Guerra dos Bárbaros’.(...). A delegação foi a Salvador, em 1691, e firmou acordo, que não foi cumprido.

A segunda ocasião de acordo se deu um século depois, em 1791. Desta vez foi com os chamados ‘Índios Cavaleiros’ (ou Guaicurus ou Kadiwéu do presente) e o governador-geral do Brasil, no Rio de Janeiro. (Gomes ,199, p.47)

Diante de tal fato , podemos constatar que desde o inicio do conflito, a aliança com os Guaycurús foi de extrema importância, uma vez que, antes mesmo de se servirem como “soldados brasileiros”, revelaram-se leais informantes, configurando-se assim, como os “olhos do Império” naquele inóspito e desguarnecido território. Fato que podemos confirmar no Relatório dos Presidentes de 30 de agosto de 1865, que se refere ao relato da invasão paraguaia na província de Mato Grosso: “Pelo vapor – Jaurú – há noticias dadas por índios Guaicurus, de que os campos de Miranda tinham sido talados, e a mesma vila e povoação de Nioc incendiadas” (Arquivo Público de Cuiabá. Microfilme: Relatório dos Presidentes – 1865-1875).

Creio que a relevância e até mesmo a importância do envolvimento dos Guaycurús na guerra contra o Paraguai, não poderia ser melhor explicitado do que o foi em documento do Ministério dos Negócios da Guerra, do Rio de Janeiro, datado de 8 de junho de 1867:

Fico inteirado, pelo seu Officio de 28 de março ultimo, de que Lapagote, um dos Capitães da tribu dos Canídeos que serve junto ás nossos forças em operações, em Miranda, mandado em exploração sobre a fronteira do Apa, conseguio sorprender e bateu um dos pontos fortificados que os Paraguayos conservão sobre esse rio; cconvindo que se repitão taes explorações com o concurso dos índios conhecedores d´aquellas passagens (Arquivo Estadual de Cuiabá, Caixa 1865a).

Algumas passagens em que Taunay (1967) registra a participação de Terenas e Guaycurús no corpo do exército destinado a atuar, pelo norte, sobre o alto Paraguai, foram citadas. No entanto, ainda gostaria de destacar duas passagens em que este autor explicita a “utilidade” dos indígenas para a coluna: “(...) Haviam nossos índios Guaicurus avançado até ali, anteriormente, num reconhecimento do tenente-coronel”(p.51). E ainda: “Enterramos todos os nossos cadáveres em covas que mandamos abrir pelos índios”(p.86).

Estas passagens demonstram claramente que a participação de indígenas na guerra contra o Paraguai não restringiu-se as batalhas, sendo os indígenas utilizados também como mão de obra para os trabalhos braçais que se faziam necessários – aliás, como sempre foram recrutados.

Apesar dos relatos de Taunay (1967), militar participante da guerra, demonstrar a relevância da participação dos indígenas, existe uma grande dificuldade de se encontrar fontes a respeito, o que pode ser perfeitamente compreensível se considerarmos que, apesar de necessitar da ajuda indígena naquele momento, o Império ainda os via como selvagens, como seres que ainda precisavam ser conduzidos a civilização. Além do mais, não registrá-los nos documentos oficiais era uma forma de se prevenirem, por exemplo, de pagamentos de indenizações, pensões ou qualquer tipo de gratificação pelos feitos na guerra.

Um leitor atento verificará que nenhum dos documentos citados até agora, se referia a assuntos militares, mas sim a ofícios destinados apenas a manter o Império informado dos meandros da guerra. O que por sua vez não se tornava público, o que podemos perceber no pronunciamento de Dom Pedro II do dia 23 de setembro de 1867, ao encerrar a Primeira Sessão da Décima Terceira Legislatura da Assembléia Geral, Rio de Janeiro, cujo objetivo era informar sobre a situação da guerra e nenhuma menção aos feitos indígenas foi relatado, sendo os elogios direcionados apenas à “coluna expedicionária de Mato Grosso que restituíram à liberdade grande número de famílias brasileiras” (Arquivo Público de Cuiabá, Caixa 1867a). Tal fato nos leva a pensar que, na verdade, a participação de indígenas na guerra contra o Paraguai acabou se confirmando num trunfo do Império brasileiro, uma vez que esses acabaram configurando-se num verdadeiro “exército invisível”...

Fontes Manuscritas:

CUIABÁ. Palácio Paiaguás. Arquivo estadual. Mato Grosso, 2003. Livro 191. Assunto: Província de Mato Grosso. Registro de correspondência oficial da Diretoria Geral dos Índios com a Presidência da Provícia. Ano 1860 – 1873.

CUIABÁ. Palácio Paiaguás. Arquivo estadual. Mato Grosso, 2003. Caixa 1865 – A. Assunto: Rio de Janeiro. Ministério dos Negócios da Guerra.

CUIABÁ. Palácio Paiaguás. Arquivo estadual. Mato Grosso, 2003. Caixa 1867 – D. Assunto: Secretaria do Governo da Província. Ofício nº 76.

CUIABÁ. Palácio Paiaguás. Arquivo estadual. Mato Grosso, 2003. Caixa 1867 – D. Assunto: Secretaria do Governo da Província. Reservado.

 CUIABÁ. Palácio Paiaguás. Arquivo estadual. Mato Grosso, 2003. Caixa 1867 – D. Assunto: Relatório dos Presidentes 1848 –1860. Incubindo a Frei Antônio de Molinetto do aldeamento dos Índios Chamocôcos.

CUIABÁ. Palácio Paiaguás. Arquivo estadual. Mato Grosso, 2003. Livro 3 – B. Assunto: Registro dos Relatórios Apresentados pela Presidência da Província à Assembléia Legislativa Provincial. 1863 – 1874.

CUIABÁ. Palácio Paiaguás. Arquivo estadual. Mato Grosso, 2003. Micro-Filme: Relatório dos Presidentes 1865 – 1875.

CUIABÁ. Palácio Paiaguás. Arquivo estadual. Mato Grosso, 2003. Lata 1867 - A. Assunto: Falla com que Sua Majestade O Imperador encerrou a Primeira Sessão da Décima Terceira Legislatura da Assembléia Geral na dia 23 de setembro de 1867.

BIBLIOGRAFIA.

BERTELLI, Antônio de Pádua. Fatos e Acontecimentos com a Poderosa e Soberana Nação dos índios cavaleiros Guaikuru no Pantanal do Mato Grosso entre 1526-1986. São Paulo: Uyara, 1987.

BURKE, Peter (org). A Escrita da História. Novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.

CAMPESTRINI, Hildebrando e GUIMARÃES, Acyr Vaz. História de Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Gráfica e Papelaria Brasília Ltda, 1995.

GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil. Petrópoles: Editora Vozes, 1988.

POMER, Leon. Paraguai: nossa guerra contra esse soldado. 2ª Edição. São Paulo: Global, 1982.

RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. A integração das populações indígenas no Brasil moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

TAUNAY, Visconde de. A Retirada da Laguna. Edições Melhoramentos, 1967

__________

[1]Devido a deteriorização do documento não foi possível identificar o remetente e o destinatário. No entanto, no cabeçalho está: “Palácio da Presidência de Mato Grosso em Cuiabá”. O ofício também não possui numeração, apenas a indicação Reservado.

 

©Copyright 2001/2006 - Revista Urutágua - revista acadêmica multidisciplinar

Departamento de Ciências Sociais
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Av. Colombo, 5790 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá/PR - Brasil - Email: rev-urutagua@uem.br 

Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 31 agosto, 2006.