Introdução
A
Reestruturação Produtiva engendrou-se a partir da década de 70 sob o
advento da Revolução Tecnológica, agravada pela crise do petróleo. No
entanto, para se entender a Reestruturação Produtiva e os novos parâmetros
de dominação e acumulação, é necessário compreender os antigos modos
de produção capitalista, baseados no binômio taylorismo/fordismo,
compactuado pelo Estado, o qual criou um certo “compromisso” entre
capital e trabalho.
O
Estado, analisado de forma restrita em Marx, devido às condições históricas
do século XIX, era considerado por ele como comitê
da burguesia, principalmente pelo caráter difuso da sociedade civil
da época. Porém, este viés de analise não responde integralmente as
transformações ocorridas no âmbito da complexidade do Estado
capitalista moderno.
Na
teoria do Estado ampliado desenvolvida por Gramsci, o Estado é entendido
essencialmente como relação social, palco das arenas de lutas das
correlações de forças que permeiam a sociedade capitalista. Portanto, a
sua atuação media o conflito e impõe o consenso, atuando como um pêndulo
que pode garantir direitos dos trabalhadores em médio prazo, e garantir a
reprodução duradoura do capital, dependendo da conjuntura das correlações
de forças sociais.
O
Estado não pode ser considerado uma entidade em si, mas, - do mesmo modo
como, de resto, deve ser feito com o capital - como uma relação; mais
exatamente como a condensação
material de uma correlação de forças entre classes e frações de
classe, tal como essa se expressa, sempre de modo específico, no seio do
Estado. (POULANTZAS, apud, COUTINHO, 1996: 64)
A
atuação estatal vigente do pós-guerra à década de 70, o chamado
Estado de Bem-Estar Social, atrelado aos interesses produtivos do sistema
capitalista-fordista, se caracterizava pela intervenção na dinâmica
social através da garantia de acesso da população aos serviços
sociais, os salários indiretos,
possibilitando ao trabalhador mais dinheiro para consumo em massa,
paradigma do sistema de produção fordista. Configurava-se, assim, o
compromisso capital/trabalho.
O
padrão de dominação do binômio taylorismo/fordismo, que se configurou
nos 30 anos gloriosos (do pós-guerra à década de 70), deu sinais de
crise como manifestação da crise estrutural do capital, principalmente
no que diz respeito à taxa decrescente de lucros. Essa crise ganhou
combustível com o ressurgimento da luta de classes dos anos 60, pondo fim
ao “compromisso” estabelecido pelo Welfare
State.
Como
resposta à crise do padrão de acumulação então vigente, iniciou-se a
reestruturação produtiva, sob o advento do neoliberalismo, com a
transferência sistemática de capitais ao mercado financeiro e, ancorado
na Revolução Tecnológica, implementando-se os modelos de produção
idealizados no “modelo japonês”. (ANTUNES, 1995)
As
repercussões dessas transformações para a classe trabalhadora são
sobremaneira importantes e desastrosas, pois a desproletarialização e a
precarização das formas de trabalho acarretaram a complexificação da
classe trabalhadora, e o enfraquecimento da sua unidade. Essa complexificaçao
da classe trabalhadora, além de fragmentar os trabalhadores, possibilitou
que fossem retirados direitos historicamente conquistados, o que ocasionou
o enfraquecimento do movimento sindical e, o seu controle através do
“sindicato da empresa”. (ANTUNES, 2000)
A
influência do projeto da reestruturação produtiva não se limitou ao
mundo do trabalho, seu lastro ideológico atacou incansavelmente o Estado,
culpando-o por todas as mazelas da exclusão capitalista.
Concomitantemente a essa ofensiva ideológica, iniciou-se o que se
visualiza hoje: a redução do Estado em relação às questões sociais
em detrimento da esfera econômica e a emergência do mercado como
redentor das mazelas sociais, acabando por particularizar as questões
sociais e as políticas sociais.
A
Crise do Sistema Capitalista e a Reestruturação Produtiva
O
sistema de produção e acumulação capitalista, vigente do pós-guerra
à década de 70, no binômio taylorismo/fordismo, se caracterizava pela
produção em massa para consumo em massa, que era garantido pela política
Keynesiana, firmada no compromisso capital e trabalho, estruturada pela
regulação do Estado.
No
entanto, esse “compromisso” e essa “regulação” do pacto do
Estado Keynesiano apresentou sinais de crise, seja por uma crise de
sobreprodução e de arrecadação, ou pelo fim da canalização dos
conflitos entre capital e trabalho devido à eclosão dos movimentos operários
da década de 60. Esse conjunto de crises, que é a reprodução da crise
estrutural do capital, aliado à crise do petróleo, fez com que surgisse
um novo paradigma de dominação e acumulação, caracterizado como
“capitalismo flexível” (HARVEY, apud IAMAMOTO, 2003).
O
capitalismo flexível, que emergiu como resposta à crise estrutural do
capital e do sistema taylorista/fordista, se afirma pela prática da
retirada de capitais do setor produtivo e seu investimento no mercado
financeiro, pela associação à informatização, pela enorme redução
da mão de obra empregada, que fez aumentar o exército de reserva, além
da retirada sistemática de direitos sociais, pondo em destaque o legado
neoliberal cuja dupla Tatcher-Reagan são experimentadores primeiros.
As
primeiras experiências da Reestruturação Produtiva deram-se na Suécia,
na Itália e no Japão, sendo que o modelo japonês galgou mais espaço,
transformando-se no tão experimentado “Toyotismo”. A característica
flexível e fragmentada da dinâmica produtiva toyotista se torna
compreensível na explicação:
Uma
produção vinculada à demanda visando atender às exigências mais
individualizadas do mercado consumidor (...) [que] fundamenta-se no
trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções (...) [com]
processo produtivo flexível, que possibilita ao operário operar
simultaneamente várias máquinas. (ANTUNES, 2000:54)
Portanto,
ao contrário do operário e da produção fordistas, que se
caracterizavam por uma rigidez no processo produtivo, o operário e a
produção toyotistas se caracterizam pela multifuncionalidade do
trabalhador, que opera até 5 máquinas, e pela produção voltada para
atender necessidades individualizadas.
No
Brasil, as mudanças realizadas no seio do processo produtivo iniciaram-se
basicamente na década de oitenta, sobretudo com a introdução da automação
e da microeletrônica, principalmente nas grandes empresas de capital
financeiro e naquelas voltadas à exportação.
As
repercussões dessas transformações para o mundo do trabalho e para a
classe trabalhadora são, com certeza, importantes. Um sistema de trabalho
flexível necessita de um sistema de regulação flexível, com “novas
formas de estruturação” (IAMAMOTO, 2003: 31).
Portanto,
as relações de trabalho, síntese do pacto até então vigente, se
encontrariam em descompasso com a dinâmica emergente de acumulação e
precisariam ser desregulamentadas em favor de práticas de negociação
direta, logo, sem intermediação do Estado. É o que acontece atualmente,
na passagem do modo de produção fordista para o modelo
japonês.
O
papel das políticas da reestruturação produtiva é definido como sendo,
na ótica neoliberal:
(...) a tendência de flexibilização das relações de
trabalho, caracterizada pela perda de espaço da regulação pública para
aquela que se realizava nos espaços privados das empresas (...)
considera-se fundamental que as empresas tenham a capacidade de
reorganizar rapidamente o processo de trabalho e, conseqüentemente, as
funções e as tarefas que cada trabalhador realiza. (DEDECCA, 1998: 274)
Vê-se,
portanto, um ataque frontal aos direitos do trabalho: emerge o trabalho
precarizado nas mais diversas formas de contratação (terceirizados,
temporários, trabalho feminino dupla jornada, entre outras.),
fundamentado pela desconcentração fabril e pelo despotismo psicológico
operado pela ideologia do toyotismo.
Essa
redefinição do fazer produtivo levou a uma diminuição do proletariado
devido, sobretudo, à Revolução Tecnológica, que operou a troca do
trabalho vivo pelo trabalho morto e a retirada de capitais do processo
produtivo para esfera da especulação financeira.
Essa
desproletarialização levou a uma complexificação da classe
trabalhadora, que para ser entendida na sua heterogeneidade e totalidade,
uso o termo Classe-que-vive-do-trabalho
(termo de Antunes), sendo paradigma de assalariamento, e não de emprego,
para se entender a classe trabalhadora.
A
Classe-que-vive-do-trabalho, de acordo com Antunes (2000), visualiza com
certeza sua “crise mais intensa”, pois vê afetada não só a sua
materialidade (devido a sua heterogeneizaçao), mas a sua subjetividade e
consciência.
O
avanço das políticas neoliberais retirou fôlego das lutas sindicais que
buscavam uma nova dinâmica societária, levando à cooptação dos
sindicatos no modo de sindicato de empresa ao individualizar as lutas, além
de enfraquecê-las em suas realidades universais, já que a ação
fragmentada do sindicalismo de empresa acirra a competição e o
individualismo dentro da classe.
Dentro
dessa ótica, o neoliberalismo, respaldo ideológico da reestruturação
produtiva, concentrou esforços em um ataque fervoroso ao Estado e às políticas
sociais universais. Esse ataque se manifestou na reorganização da
estrutura estatal e de seu papel; a investida neoliberal qualificou a satanização do Estado, colocando-o como o responsável por todas
as mazelas sociais: retórica do FMI e do chamado “Consenso” de
Washington, sendo o mercado a única alternativa para a superação da
pobreza e da exclusão.
A
alternativa da busca do mercado, para que todas as esferas da vida social
tenham caráter privado, torna a procura pelos fundos públicos cada vez
mais consistentes, operando-se a prática da socialização dos custos e a
privatização dos lucros.
Segundo
Behring (2002), os argumentos economicistas da escassez de recursos
viabilizam a busca por contenções do déficit público através dos
cortes dos gastos estatais, a partir de então, a política social passa a
ser encarada como geradora do desequilíbrio, algo que deveria ser
acessado via mercado, não como direito social.
O
que se realiza na verdade é o menor investimento do Estado na área
social, aumentando a exclusão das massas sobrantes, que cada vez mais são
de característica estrutural, ou seja, têm suas causas fundadas na
estrutura de produção. As repercussões da ofensiva neoliberal
acarretaram “uma redefinição das relações entre Estado e sociedade
civil, que representou dentre outros aspectos, o afastamento do Estado da
área social” (TEIXEIRA, 2003: 88).
Dentro
desse contexto, no Brasil, o sistema de proteção social do Estado de
Bem-estar não chegou a se configurar como tal, logo, a implementação do
legado ideo-político neoliberal aliado aos parâmetros produtivos flexíveis,
causou a acentuação das desigualdades sociais e do desemprego no país.
A
onda neoliberal no Brasil segundo Faleiros (2000), teve início na era
Sarney (1985-1989), que, enquanto os trabalhos teóricos da Constituição
cidadã se consolidavam, esse governo na prática realizava o início do
desmanche das políticas sociais desestruturando o aparato estatal. Porém,
para Raichelis (2000), Behring (2002), o verdadeiro ator a iniciar as práticas
neoliberais de forma mais sistematizada foi o Presidente Collor. Este se
alinhou ao projeto neoliberal desde o início da campanha presidencial,
com propostas de redução da atuação do Estado, incluindo as reformas
constitucionais com o seu Plano
Brasil, para, assim, descaracterizar a recente Constituição
promulgada em 1988, decretando a tão propalada caça aos marajás
(funcionários públicos com altos salários). Dentre as características
do Plano Brasil destaca-se:
Mudança
significativa na natureza do Estado e nas suas formas de atuação [...]
um Estado menor, mais ágil e bem informado [...] a tarefa de modernização
da economia terá na iniciativa privada seu principal motor [...] ao
Estado cabe porém um importante papel de articulador dos agentes privados
[...] (RAICHELIS, op.cit. : 96)
Frente
as denúncias de corrupção, Collor sofreu o impeachement.
Itamar Franco ao assumir conseguiu controlar a inflação com o plano
Real. Fernando Henrique Cardoso, ministro da fazenda de Itamar Franco, foi
eleito presidente defendendo amplamente as perspectivas neoliberais, como
o ajuste fiscal, a privatização, e com a retirada paulatina dos direitos
sociais, sob a agenda do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Um
dos feixes de desestruturação característicos do avanço do projeto
neoliberal é a Reforma da Previdência, em que as conquistas sociais têm
sido solapadas sob a justificativa de ajuste fiscal, obscurecendo as
verdadeiras causas políticas (corrupção, desvio de verbas etc.), que
configuram o possível déficit previdenciário, acarretando o aumento do
tempo de contribuição e a redução do valor dos benefícios, abrindo
espaço para a emersão da previdência privada. De acordo com
Cordero (2005), a realidade é que o desequilíbrio financeiro é
provocado pelo desvio de contribuições destinadas à seguridade, que
deveriam estar sendo utilizadas para garantir a sua ampliação, e vêm
sendo utilizados para aumentar o superávit primário do governo.
Outro
exemplo marcante da implementação das políticas neoliberais é o ataque
e desregulamentação do SUS (Sistema Único de Saúde), sistema que foi
fruto de lutas democráticas da sociedade brasileira, contempladas na
Constituição de 1988.
Desde
de o final da década de 80, final do governo Sarney, visualiza-se a redução
efetiva dos investimentos na área da saúde. De acordo com dados do
Ministério da Saúde, encontrados em Elias (2005), sob o ponto de vista
quantitativo, observa-se para o período amostrado (1987-1994), índices
por volta de US$ 10 bilhões durante o governo Sarney (1987-1989), e cerca
de US$ 8 bilhões na gestão de Collor, com leve acréscimo no período
Itamar. Durante o legado FHC,
o orçamento da saúde teve um aumento gradativo, chegando em 1999 a um
valor por volta de 20 bilhões de dólares. No entanto, o avanço dos
recursos disponibilizados à saúde, não acompanhou a inflação e o acréscimo
populacional. Além disso, o aumento dos recursos quantitativos se
destinou menos a ampliação dos investimentos e mais a amortização da dívida.
De acordo com Rizzotto (2000), em 1999 por exemplo, cerca de 2,3 bilhões
do orçamento foram destinados a pagamento de dívidas, isto é, por volta
de 10%.
Outro
fator preponderante, é o desvio de recursos prioritariamente das áreas
sociais para o pagamento de precatórios e dívidas ativas. Destaca-se
dentro deste quadro, o fato de que no ano 2000, por meio de medidas e
decretos, foram retirados cerca de R$ 637,7 milhões de programas sociais
para o pagamento de precatórios.
Os
dados acima apresentados, com certeza, dão a direção política/ ideológica
que o Estado brasileiro tem seguido nos últimos anos, contribuindo para
uma reordenação da intervenção estatal, garantido a precarização dos
serviços e o persistente ataque à legitimidade do Estado social. De
acordo com Soares (1999), os “ajustes” neoliberais têm garantido, na
verdade, um desajuste social nos países latino americano. Um peculiar
exemplo desses “ajustes” é o projeto colocado pelo Banco Mundial em
parceria com governo FHC quanto à estruturação do SUS, o chamado
REFORSUS, que nas entrelinhas busca a focalização do sistema aos mais
pobres, rompendo a universalidade preconizada no Sistema Único.
Quanto
ao projeto de reforma do SUS, Rizzotto aponta:
O
discurso do prosseguimento e aprofundamento das reformas e mesmo a retórica
que o defende tem servido como estratégia para ofuscar a realidade e
diminuir as resistências à implementação das reformas de cunho
neoliberal (...) enquanto no plano do discurso, permanece a defesa do SUS
como um sistema difuso, que por não ser um projeto concluso, permite o
seu redesenho no processo de implantação; no plano prático, realizam-se
mudanças profundas (...) que estão descaracterizando a proposta inicial
de um Sistema Único de Saúde, em nível nacional. (RIZZOTTO, 2000:216)
Em
bases gerais, a política e a economia da era FHC implementaram um modelo
“de maior favorecimento do mercado e de redução do Estado, priorizando
os que vivem da especulação em detrimento dos que vivem do trabalho”
(FALEIROS, 2000: 206).
Essa
reordenação das relações entre Estado e sociedade civil, com a
redefinição do papel do Estado, ocasionou o que Telles (1998) denomina
“privatização do espaço público”: as leis do mercado passam a
ditar as regras de proteção e de direitos sociais, relegando o papel do
cidadão à função de consumidor. A submissão do Estado aos
condicionantes do mercado confirma o caráter das políticas sociais
neoliberais. Segundo Teixeira (op.cit: 91):
Na
atual esfera do neoliberalismo, depreendemos as possibilidades das políticas
sociais apresentarem como característica a subordinação do político ao
econômico (...) além de obscurecer as verdadeiras causas políticas e
econômicas da exclusão social de parte considerável da população, impõe
o processo de competição e individualismo.
A
reestruturação produtiva provoca expressivas mudanças tanto na
estrutura ocupacional quanto nos requerimentos de qualificação do
trabalho, o que determina a necessidade de modificações na orientação
de políticas públicas e empresariais de formação profissional e
treinamento de trabalhadores.
Por
exemplo, o novo padrão das políticas de emprego no Brasil vivência o
que muitos autores como Teixeira (2003), Faleiros (2000), caracterizam por
“empregabilidade”, em que o verdadeiro causador da exclusão do
processo de trabalho e do emprego é obscurecido, e o trabalhador é
responsabilizado por sua situação. Podemos depreender essas realidades
nas políticas de emprego no Brasil, em que as alternativas se relacionam
ao “indivíduo empreendedor”, com grande respaldo na educação como
redentora dos problemas e atraso social do país.
Portanto,
o verdadeiro papel das políticas implementadas pelo neoliberalismo,
impulsionado pelo capitalismo monopolista em nível global, é a diminuição
do Estado, de seu papel social, com aplicação de parâmetros
administrativos privados na ação estatal, que por sua vez não responde
as demandas dos trabalhadores do exército de reserva, já que, há uma
pressão pelo aumento dos gastos, vis-a-vis pela pressão para a queda da
receita, dinamizando a meritocracia e a culpabilização das vítimas,
pois, os trabalhadores de maneira perversa são culpados por sua situação
de atraso social/econômico.
Considerações
finais
A
reestruturação produtiva iniciada na década de 70, concomitante à
ideologia neoliberal, interferiu em grande medida na organização da
produção, bem como nas esferas do Estado e das políticas públicas.
O
redimensionamento do processo de trabalho fabril, contemporâneo à informática
e aos procedimentos do capitalismo flexível, exige um trabalhador de
estilo multifuncional, que saiba se adaptar às mudanças, o que é
justificado inclusive pela variedade de produtos fabricados na indústria.
A organização flexível da produção, ancorada na informatização,
levou a uma redução nos postos de trabalho, seja pelo caráter descartável
que tomou o trabalho ou pela troca do trabalho vivo pelo trabalho morto.
A
queda no nível de emprego e o crescimento do setor de serviços e da
informalidade fragmentaram a classe trabalhadora devido às diversas
formas de serviço, tendo grande impacto nas entidades sindicais, que não
conseguiram unificar as lutas e “abraçar” as diversas formas de
manifestação de assalariamento, nova forma de leitura para entendimento
da classe trabalhadora, passando a ser entendida como Classe-que-vive-do-trabalho.
As
novas exigências do processo de trabalho flexível levaram a uma
flexibilidade das leis do trabalho, sendo afetados diretamente os direitos
conquistados historicamente pelos trabalhadores. A nova dinâmica das exigências
ao trabalhador, aliada à flexibilização das leis trabalhistas, acabou
por fazer emergir novos modos de trabalho, nas formas dos subcontratados,
terceirizados, part-time, sem descartar a dupla jornada do trabalho
feminino indispensável para a reprodução do capital.
Para
acompanhar as mudanças no seio produtivo, foi dedicada atenção especial
à educação para o trabalho como meio de superação da condição de
atraso e pobreza de um país. A formação profissional passou a ser ponto
chave para a inserção do trabalhador no emprego, sendo esta uma manipulação
mais ideológica do que concreta.
As
políticas públicas, executadas sob a agenda neoliberal, desviaram a
discussão do direito ao trabalho, para o empreendedorismo individual, que
passou a julgar o indivíduo isoladamente sobre a sua condição. O que se
vê, por exemplo, nas políticas de emprego e renda no Brasil, é o
enfoque na “empregabilidade”, que além do enfoque particularizado,
suscita a competição e o individualismo entre os trabalhadores.
A
empregabilidade significa a capacidade individual de encontrar emprego ou
trabalho no mercado, pelo esforço de capacitação e de busca de
competitividade pessoal. A competitividade é que está na base da
empregabilidade, fazendo com que os trabalhadores se inscrevam em
programas de formação profissional (...) Os programas têm o efeito de
manter a expectativa de trabalhar, fazer crer no esforço individual, no
seu fracasso e de diminuir a busca do emprego. (FALEIROS, 2000: 193)
A
retirada do papel central do Estado no combate às questões sociais,
levou a um arcabouço de políticas sociais particularizadas e isoladas,
que na maioria das vezes não ataca as questões na gênese, buscando
somente remediar os problemas sociais particularizados, criando as
chamadas “populações-alvo”.
O
papel das políticas de reforma do Estado e de sua intervenção, aliado
às condições de produção, além da falta de visibilidade de
alternativas concretas ao sindicalismo, levam a uma crise de materialidade
e de consciência da Classe-que-vive-do-trabalho, em que a mesma é
controlada e manipulada ideologicamente pelas estratégias de integração
patrão / empregado.
Tendo
visto todas as transformações ocorridas no seio da produção, e suas
repercussões para a classe trabalhadora, bem como na esfera estatal,
chega-se a conclusão de que todas as mudanças do lastro neoliberal têm
reforçado a retirada de direitos, mudando a noção básica de cidadania,
que é direito a ter direitos, reforçando ainda mais as estratégias que
transformam os direitos sociais em segmentos mercadológicos.
Apesar
da invisibilidade de alternativas concretas para a superação da lógica
neoliberal, Salama (1995) avalia que há de se pensar alternativas democráticas
para a superação da crise, em que se deve privilegiar, através de políticas
efetivas de distribuição de renda, um novo modelo de produção
industrial mais inclusivo e eqüitativo, retomando o papel do Estado no
controle de capitais, na busca de viabilizar a inserção da população
no processo produtivo, incentivando nesta a sua capacidade de ação política.
É neste sentido que termino este ensaio com as palavras de Teixeira (op.cit;
p.93): “É tarefa urgente ultrapassar o reino das aparências para
estabelecer as verdadeiras relações que conferem uma nova materialidade
ao discurso da pedagogia das competências e da ‘empregabilidade’”.