por FABRÍCIO FONTES DE ANDRADE

Acadêmico do 5º período de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros/ Unimontes

 

 

 

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Reestruturação produtiva: dos novos padrões de acumulação capitalista ao novo parâmetro de políticas sociais

Fabrício Fontes de Andrade

 

Resumo: Este artigo tem o objetivo de caracterizar as mudanças ocorridas no seio do processo produtivo, fazendo um resgate histórico-crítico do antigo padrão de produção instrumentalizado pelos processos Taylorista-Fordista, para posteriormente se entender as mudanças ocorridas no advento da restruturação produtiva. Finalmente, busca-se fazer um parâmetro entre reestruturação produtiva e o novo paradigma das políticas sociais e de organização do Estado, tendo em vista o modelo neoliberal, que transfere as obrigações ao indivíduo em buscar suas necessidades no mercado, privatizando direitos e o espaço público.

Palavras-chave: reestruturação produtiva; neoliberalismo; Classe trabalhadora; políticas sociais; Estado.

Abstract: The objective of this study was to describe the changes occured at the core of productive process, making a critical-historic rescue from the old production pattern implemented by Taylorist-Fordist processes, used later to understand the changes occured at the approach of productive restructuration. At last, it is search to make a parameter between productive restruturation and the new social politics paradigms and State organization, keeping in sight the neoliberal model, that transfers the obligations to individuals in search their needs at market, privatizating rights and public space.

Key-words: productive restruturation; neoliberalismo; work class; social politcs; state.

 

Fonte: www.fotosearch.com Introdução

A Reestruturação Produtiva engendrou-se a partir da década de 70 sob o advento da Revolução Tecnológica, agravada pela crise do petróleo. No entanto, para se entender a Reestruturação Produtiva e os novos parâmetros de dominação e acumulação, é necessário compreender os antigos modos de produção capitalista, baseados no binômio taylorismo/fordismo, compactuado pelo Estado, o qual criou um certo “compromisso” entre capital e trabalho.

O Estado, analisado de forma restrita em Marx, devido às condições históricas do século XIX, era considerado por ele como comitê da burguesia, principalmente pelo caráter difuso da sociedade civil da época. Porém, este viés de analise não responde integralmente as transformações ocorridas no âmbito da complexidade do Estado capitalista moderno.

Na teoria do Estado ampliado desenvolvida por Gramsci, o Estado é entendido essencialmente como relação social, palco das arenas de lutas das correlações de forças que permeiam a sociedade capitalista. Portanto, a sua atuação media o conflito e impõe o consenso, atuando como um pêndulo que pode garantir direitos dos trabalhadores em médio prazo, e garantir a reprodução duradoura do capital, dependendo da conjuntura das correlações de forças sociais.

O Estado não pode ser considerado uma entidade em si, mas, - do mesmo modo como, de resto, deve ser feito com o capital - como uma relação; mais exatamente como a condensação material de uma correlação de forças entre classes e frações de classe, tal como essa se expressa, sempre de modo específico, no seio do Estado. (POULANTZAS, apud, COUTINHO, 1996: 64)

A atuação estatal vigente do pós-guerra à década de 70, o chamado Estado de Bem-Estar Social, atrelado aos interesses produtivos do sistema capitalista-fordista, se caracterizava pela intervenção na dinâmica social através da garantia de acesso da população aos serviços sociais, os salários indiretos, possibilitando ao trabalhador mais dinheiro para consumo em massa, paradigma do sistema de produção fordista. Configurava-se, assim, o compromisso capital/trabalho. 

O padrão de dominação do binômio taylorismo/fordismo, que se configurou nos 30 anos gloriosos (do pós-guerra à década de 70), deu sinais de crise como manifestação da crise estrutural do capital, principalmente no que diz respeito à taxa decrescente de lucros. Essa crise ganhou combustível com o ressurgimento da luta de classes dos anos 60, pondo fim ao “compromisso” estabelecido pelo Welfare State.

Como resposta à crise do padrão de acumulação então vigente, iniciou-se a reestruturação produtiva, sob o advento do neoliberalismo, com a transferência sistemática de capitais ao mercado financeiro e, ancorado na Revolução Tecnológica, implementando-se os modelos de produção idealizados no “modelo japonês”. (ANTUNES, 1995)

As repercussões dessas transformações para a classe trabalhadora são sobremaneira importantes e desastrosas, pois a desproletarialização e a precarização das formas de trabalho acarretaram a complexificação da classe trabalhadora, e o enfraquecimento da sua unidade. Essa complexificaçao da classe trabalhadora, além de fragmentar os trabalhadores, possibilitou que fossem retirados direitos historicamente conquistados, o que ocasionou o enfraquecimento do movimento sindical e, o seu controle através do “sindicato da empresa”. (ANTUNES, 2000)

A influência do projeto da reestruturação produtiva não se limitou ao mundo do trabalho, seu lastro ideológico atacou incansavelmente o Estado, culpando-o por todas as mazelas da exclusão capitalista. Concomitantemente a essa ofensiva ideológica, iniciou-se o que se visualiza hoje: a redução do Estado em relação às questões sociais em detrimento da esfera econômica e a emergência do mercado como redentor das mazelas sociais, acabando por particularizar as questões sociais e as políticas sociais.

Fonte: www.fotosearch.com A Crise do Sistema Capitalista e a Reestruturação Produtiva

O sistema de produção e acumulação capitalista, vigente do pós-guerra à década de 70, no binômio taylorismo/fordismo, se caracterizava pela produção em massa para consumo em massa, que era garantido pela política Keynesiana, firmada no compromisso capital e trabalho, estruturada pela regulação do Estado.

No entanto, esse “compromisso” e essa “regulação” do pacto do Estado Keynesiano apresentou sinais de crise, seja por uma crise de sobreprodução e de arrecadação, ou pelo fim da canalização dos conflitos entre capital e trabalho devido à eclosão dos movimentos operários da década de 60. Esse conjunto de crises, que é a reprodução da crise estrutural do capital, aliado à crise do petróleo, fez com que surgisse um novo paradigma de dominação e acumulação, caracterizado como “capitalismo flexível” (HARVEY, apud IAMAMOTO, 2003).

O capitalismo flexível, que emergiu como resposta à crise estrutural do capital e do sistema taylorista/fordista, se afirma pela prática da retirada de capitais do setor produtivo e seu investimento no mercado financeiro, pela associação à informatização, pela enorme redução da mão de obra empregada, que fez aumentar o exército de reserva, além da retirada sistemática de direitos sociais, pondo em destaque o legado neoliberal cuja dupla Tatcher-Reagan são experimentadores primeiros.

As primeiras experiências da Reestruturação Produtiva deram-se na Suécia, na Itália e no Japão, sendo que o modelo japonês galgou mais espaço, transformando-se no tão experimentado “Toyotismo”. A característica flexível e fragmentada da dinâmica produtiva toyotista se torna compreensível na explicação:

Uma produção vinculada à demanda visando atender às exigências mais individualizadas do mercado consumidor (...) [que] fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções (...) [com] processo produtivo flexível, que possibilita ao operário operar simultaneamente várias máquinas. (ANTUNES, 2000:54)

Portanto, ao contrário do operário e da produção fordistas, que se caracterizavam por uma rigidez no processo produtivo, o operário e a produção toyotistas se caracterizam pela multifuncionalidade do trabalhador, que opera até 5 máquinas, e pela produção voltada para atender necessidades individualizadas.

No Brasil, as mudanças realizadas no seio do processo produtivo iniciaram-se basicamente na década de oitenta, sobretudo com a introdução da automação e da microeletrônica, principalmente nas grandes empresas de capital financeiro e naquelas voltadas à exportação.

As repercussões dessas transformações para o mundo do trabalho e para a classe trabalhadora são, com certeza, importantes. Um sistema de trabalho flexível necessita de um sistema de regulação flexível, com “novas formas de estruturação” (IAMAMOTO, 2003: 31).

Portanto, as relações de trabalho, síntese do pacto até então vigente, se encontrariam em descompasso com a dinâmica emergente de acumulação e precisariam ser desregulamentadas em favor de práticas de negociação direta, logo, sem intermediação do Estado. É o que acontece atualmente, na passagem do modo de produção fordista para o modelo japonês.

O papel das políticas da reestruturação produtiva é definido como sendo, na ótica neoliberal:

 (...) a tendência de flexibilização das relações de trabalho, caracterizada pela perda de espaço da regulação pública para aquela que se realizava nos espaços privados das empresas (...) considera-se fundamental que as empresas tenham a capacidade de reorganizar rapidamente o processo de trabalho e, conseqüentemente, as funções e as tarefas que cada trabalhador realiza. (DEDECCA, 1998: 274)

Vê-se, portanto, um ataque frontal aos direitos do trabalho: emerge o trabalho precarizado nas mais diversas formas de contratação (terceirizados, temporários, trabalho feminino dupla jornada, entre outras.), fundamentado pela desconcentração fabril e pelo despotismo psicológico operado pela ideologia do toyotismo.

Essa redefinição do fazer produtivo levou a uma diminuição do proletariado devido, sobretudo, à Revolução Tecnológica, que operou a troca do trabalho vivo pelo trabalho morto e a retirada de capitais do processo produtivo para esfera da especulação financeira.

Essa desproletarialização levou a uma complexificação da classe trabalhadora, que para ser entendida na sua heterogeneidade e totalidade, uso o termo Classe-que-vive-do-trabalho (termo de Antunes), sendo paradigma de assalariamento, e não de emprego, para se entender a classe trabalhadora.

A Classe-que-vive-do-trabalho, de acordo com Antunes (2000), visualiza com certeza sua “crise mais intensa”, pois vê afetada não só a sua materialidade (devido a sua heterogeneizaçao), mas a sua subjetividade e consciência.

O avanço das políticas neoliberais retirou fôlego das lutas sindicais que buscavam uma nova dinâmica societária, levando à cooptação dos sindicatos no modo de sindicato de empresa ao individualizar as lutas, além de enfraquecê-las em suas realidades universais, já que a ação fragmentada do sindicalismo de empresa acirra a competição e o individualismo dentro da classe.

Dentro dessa ótica, o neoliberalismo, respaldo ideológico da reestruturação produtiva, concentrou esforços em um ataque fervoroso ao Estado e às políticas sociais universais. Esse ataque se manifestou na reorganização da estrutura estatal e de seu papel; a investida neoliberal qualificou a satanização do Estado, colocando-o como o responsável por todas as mazelas sociais: retórica do FMI e do chamado “Consenso” de Washington, sendo o mercado a única alternativa para a superação da pobreza e da exclusão.

A alternativa da busca do mercado, para que todas as esferas da vida social tenham caráter privado, torna a procura pelos fundos públicos cada vez mais consistentes, operando-se a prática da socialização dos custos e a privatização dos lucros.

Segundo Behring (2002), os argumentos economicistas da escassez de recursos viabilizam a busca por contenções do déficit público através dos cortes dos gastos estatais, a partir de então, a política social passa a ser encarada como geradora do desequilíbrio, algo que deveria ser acessado via mercado, não como direito social.

O que se realiza na verdade é o menor investimento do Estado na área social, aumentando a exclusão das massas sobrantes, que cada vez mais são de característica estrutural, ou seja, têm suas causas fundadas na estrutura de produção. As repercussões da ofensiva neoliberal acarretaram “uma redefinição das relações entre Estado e sociedade civil, que representou dentre outros aspectos, o afastamento do Estado da área social” (TEIXEIRA, 2003: 88).

Dentro desse contexto, no Brasil, o sistema de proteção social do Estado de Bem-estar não chegou a se configurar como tal, logo, a implementação do legado ideo-político neoliberal aliado aos parâmetros produtivos flexíveis, causou a acentuação das desigualdades sociais e do desemprego no país.

A onda neoliberal no Brasil segundo Faleiros (2000), teve início na era Sarney (1985-1989), que, enquanto os trabalhos teóricos da Constituição cidadã se consolidavam, esse governo na prática realizava o início do desmanche das políticas sociais desestruturando o aparato estatal. Porém, para Raichelis (2000), Behring (2002), o verdadeiro ator a iniciar as práticas neoliberais de forma mais sistematizada foi o Presidente Collor. Este se alinhou ao projeto neoliberal desde o início da campanha presidencial, com propostas de redução da atuação do Estado, incluindo as reformas constitucionais com o seu Plano Brasil, para, assim, descaracterizar a recente Constituição promulgada em 1988, decretando a tão propalada caça aos marajás (funcionários públicos com altos salários). Dentre as características do Plano Brasil destaca-se:

Mudança significativa na natureza do Estado e nas suas formas de atuação [...] um Estado menor, mais ágil e bem informado [...] a tarefa de modernização da economia terá na iniciativa privada seu principal motor [...] ao Estado cabe porém um importante papel de articulador dos agentes privados [...] (RAICHELIS, op.cit. : 96)

Frente as denúncias de corrupção, Collor sofreu o impeachement. Itamar Franco ao assumir conseguiu controlar a inflação com o plano Real. Fernando Henrique Cardoso, ministro da fazenda de Itamar Franco, foi eleito presidente defendendo amplamente as perspectivas neoliberais, como o ajuste fiscal, a privatização, e com a retirada paulatina dos direitos sociais, sob a agenda do FMI (Fundo Monetário Internacional).

Um dos feixes de desestruturação característicos do avanço do projeto neoliberal é a Reforma da Previdência, em que as conquistas sociais têm sido solapadas sob a justificativa de ajuste fiscal, obscurecendo as verdadeiras causas políticas (corrupção, desvio de verbas etc.), que configuram o possível déficit previdenciário, acarretando o aumento do tempo de contribuição e a redução do valor dos benefícios, abrindo espaço para a emersão da previdência privada. De acordo com Cordero (2005), a realidade é que o desequilíbrio financeiro é provocado pelo desvio de contribuições destinadas à seguridade, que deveriam estar sendo utilizadas para garantir a sua ampliação, e vêm sendo utilizados para aumentar o superávit primário do governo.

Outro exemplo marcante da implementação das políticas neoliberais é o ataque e desregulamentação do SUS (Sistema Único de Saúde), sistema que foi fruto de lutas democráticas da sociedade brasileira, contempladas na Constituição de 1988.

Desde de o final da década de 80, final do governo Sarney, visualiza-se a redução efetiva dos investimentos na área da saúde. De acordo com dados do Ministério da Saúde, encontrados em Elias (2005), sob o ponto de vista quantitativo, observa-se para o período amostrado (1987-1994), índices por volta de US$ 10 bilhões durante o governo Sarney (1987-1989), e cerca de US$ 8 bilhões na gestão de Collor, com leve acréscimo no período Itamar. Durante o legado FHC[1], o orçamento da saúde teve um aumento gradativo, chegando em 1999 a um valor por volta de 20 bilhões de dólares. No entanto, o avanço dos recursos disponibilizados à saúde, não acompanhou a inflação e o acréscimo populacional. Além disso, o aumento dos recursos quantitativos se destinou menos a ampliação dos investimentos e mais a amortização da dívida. De acordo com Rizzotto (2000), em 1999 por exemplo, cerca de 2,3 bilhões do orçamento foram destinados a pagamento de dívidas, isto é, por volta de 10%.

Outro fator preponderante, é o desvio de recursos prioritariamente das áreas sociais para o pagamento de precatórios e dívidas ativas. Destaca-se dentro deste quadro, o fato de que no ano 2000, por meio de medidas e decretos, foram retirados cerca de R$ 637,7 milhões de programas sociais para o pagamento de precatórios.

Os dados acima apresentados, com certeza, dão a direção política/ ideológica que o Estado brasileiro tem seguido nos últimos anos, contribuindo para uma reordenação da intervenção estatal, garantido a precarização dos serviços e o persistente ataque à legitimidade do Estado social. De acordo com Soares (1999), os “ajustes” neoliberais têm garantido, na verdade, um desajuste social nos países latino americano. Um peculiar exemplo desses “ajustes” é o projeto colocado pelo Banco Mundial em parceria com governo FHC quanto à estruturação do SUS, o chamado REFORSUS, que nas entrelinhas busca a focalização do sistema aos mais pobres, rompendo a universalidade preconizada no Sistema Único.

Quanto ao projeto de reforma do SUS, Rizzotto aponta:

 O discurso do prosseguimento e aprofundamento das reformas e mesmo a retórica que o defende tem servido como estratégia para ofuscar a realidade e diminuir as resistências à implementação das reformas de cunho neoliberal (...) enquanto no plano do discurso, permanece a defesa do SUS como um sistema difuso, que por não ser um projeto concluso, permite o seu redesenho no processo de implantação; no plano prático, realizam-se mudanças profundas (...) que estão descaracterizando a proposta inicial de um Sistema Único de Saúde, em nível nacional. (RIZZOTTO, 2000:216)

Em bases gerais, a política e a economia da era FHC implementaram um modelo “de maior favorecimento do mercado e de redução do Estado, priorizando os que vivem da especulação em detrimento dos que vivem do trabalho” (FALEIROS, 2000: 206).

Essa reordenação das relações entre Estado e sociedade civil, com a redefinição do papel do Estado, ocasionou o que Telles (1998) denomina “privatização do espaço público”: as leis do mercado passam a ditar as regras de proteção e de direitos sociais, relegando o papel do cidadão à função de consumidor. A submissão do Estado aos condicionantes do mercado confirma o caráter das políticas sociais neoliberais. Segundo Teixeira (op.cit: 91):

Na atual esfera do neoliberalismo, depreendemos as possibilidades das políticas sociais apresentarem como característica a subordinação do político ao econômico (...) além de obscurecer as verdadeiras causas políticas e econômicas da exclusão social de parte considerável da população, impõe o processo de competição e individualismo.

A reestruturação produtiva provoca expressivas mudanças tanto na estrutura ocupacional quanto nos requerimentos de qualificação do trabalho, o que determina a necessidade de modificações na orientação de políticas públicas e empresariais de formação profissional e treinamento de trabalhadores.     

Por exemplo, o novo padrão das políticas de emprego no Brasil vivência o que muitos autores como Teixeira (2003), Faleiros (2000), caracterizam por “empregabilidade”, em que o verdadeiro causador da exclusão do processo de trabalho e do emprego é obscurecido, e o trabalhador é responsabilizado por sua situação. Podemos depreender essas realidades nas políticas de emprego no Brasil, em que as alternativas se relacionam ao “indivíduo empreendedor”, com grande respaldo na educação como redentora dos problemas e atraso social do país.

Portanto, o verdadeiro papel das políticas implementadas pelo neoliberalismo, impulsionado pelo capitalismo monopolista em nível global, é a diminuição do Estado, de seu papel social, com aplicação de parâmetros administrativos privados na ação estatal, que por sua vez não responde as demandas dos trabalhadores do exército de reserva, já que, há uma pressão pelo aumento dos gastos, vis-a-vis pela pressão para a queda da receita, dinamizando a meritocracia e a culpabilização das vítimas, pois, os trabalhadores de maneira perversa são culpados por sua situação de atraso social/econômico.

Considerações finais

A reestruturação produtiva iniciada na década de 70, concomitante à ideologia neoliberal, interferiu em grande medida na organização da produção, bem como nas esferas do Estado e das políticas públicas.

O redimensionamento do processo de trabalho fabril, contemporâneo à informática e aos procedimentos do capitalismo flexível, exige um trabalhador de estilo multifuncional, que saiba se adaptar às mudanças, o que é justificado inclusive pela variedade de produtos fabricados na indústria. A organização flexível da produção, ancorada na informatização, levou a uma redução nos postos de trabalho, seja pelo caráter descartável que tomou o trabalho ou pela troca do trabalho vivo pelo trabalho morto.

A queda no nível de emprego e o crescimento do setor de serviços e da informalidade fragmentaram a classe trabalhadora devido às diversas formas de serviço, tendo grande impacto nas entidades sindicais, que não conseguiram unificar as lutas e “abraçar” as diversas formas de manifestação de assalariamento, nova forma de leitura para entendimento da classe trabalhadora, passando a ser entendida como Classe-que-vive-do-trabalho. 

As novas exigências do processo de trabalho flexível levaram a uma flexibilidade das leis do trabalho, sendo afetados diretamente os direitos conquistados historicamente pelos trabalhadores. A nova dinâmica das exigências ao trabalhador, aliada à flexibilização das leis trabalhistas, acabou por fazer emergir novos modos de trabalho, nas formas dos subcontratados, terceirizados, part-time, sem descartar a dupla jornada do trabalho feminino indispensável para a reprodução do capital.

Para acompanhar as mudanças no seio produtivo, foi dedicada atenção especial à educação para o trabalho como meio de superação da condição de atraso e pobreza de um país. A formação profissional passou a ser ponto chave para a inserção do trabalhador no emprego, sendo esta uma manipulação mais ideológica do que concreta.

As políticas públicas, executadas sob a agenda neoliberal, desviaram a discussão do direito ao trabalho, para o empreendedorismo individual, que passou a julgar o indivíduo isoladamente sobre a sua condição. O que se vê, por exemplo, nas políticas de emprego e renda no Brasil, é o enfoque na “empregabilidade”, que além do enfoque particularizado, suscita a competição e o individualismo entre os trabalhadores.

A empregabilidade significa a capacidade individual de encontrar emprego ou trabalho no mercado, pelo esforço de capacitação e de busca de competitividade pessoal. A competitividade é que está na base da empregabilidade, fazendo com que os trabalhadores se inscrevam em programas de formação profissional (...) Os programas têm o efeito de manter a expectativa de trabalhar, fazer crer no esforço individual, no seu fracasso e de diminuir a busca do emprego. (FALEIROS, 2000: 193)

A retirada do papel central do Estado no combate às questões sociais, levou a um arcabouço de políticas sociais particularizadas e isoladas, que na maioria das vezes não ataca as questões na gênese, buscando somente remediar os problemas sociais particularizados, criando as chamadas “populações-alvo”.

O papel das políticas de reforma do Estado e de sua intervenção, aliado às condições de produção, além da falta de visibilidade de alternativas concretas ao sindicalismo, levam a uma crise de materialidade e de consciência da Classe-que-vive-do-trabalho, em que a mesma é controlada e manipulada ideologicamente pelas estratégias de integração patrão / empregado.

Tendo visto todas as transformações ocorridas no seio da produção, e suas repercussões para a classe trabalhadora, bem como na esfera estatal, chega-se a conclusão de que todas as mudanças do lastro neoliberal têm reforçado a retirada de direitos, mudando a noção básica de cidadania, que é direito a ter direitos, reforçando ainda mais as estratégias que transformam os direitos sociais em segmentos mercadológicos.

Apesar da invisibilidade de alternativas concretas para a superação da lógica neoliberal, Salama (1995) avalia que há de se pensar alternativas democráticas para a superação da crise, em que se deve privilegiar, através de políticas efetivas de distribuição de renda, um novo modelo de produção industrial mais inclusivo e eqüitativo, retomando o papel do Estado no controle de capitais, na busca de viabilizar a inserção da população no processo produtivo, incentivando nesta a sua capacidade de ação política. É neste sentido que termino este ensaio com as palavras de Teixeira (op.cit; p.93): “É tarefa urgente ultrapassar o reino das aparências para estabelecer as verdadeiras relações que conferem uma nova materialidade ao discurso da pedagogia das competências e da empregabilidade”.

Referências bibliográficas:

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TELLES, Vera da S. Direitos Sociais: afinal do que se trata?  Revista. USP (37): 34-45 Março / Maio/ 1998

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[1] Os dados coletados durante o período FHC estão presentes em Rizzotto (2000)

 

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 17 agosto, 2006.