por ALAN RODRIGUES DE SOUZA

Graduando em História (UEM)

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A atualidade do americanismo e fordismo em Gramsci

Alan Rodrigues de Souza

 

Resumo

O artigo trata da análise dos conceitos indissociáveis de “Americanismo e Fordismo” elaborados por Antônio Gramsci, e a sua atualidade dentro do processo de reestruturação produtiva. De 1934, data em que Gramsci escreve “Americanismo e Fordismo”, aos dias atuais, não apenas a Europa, mas o mundo todo foi palco de diversas transformações no mundo da produção. Questões de educação e cultura foram forjadas pelo Capital no intuito de estabelecer uma nova sociedade do trabalho, bem como um novo tipo de trabalhador. O artigo propõe uma discussão atual sobre tais transformações, desde “Americanismo e Fordismo” ao nosso tempo presente.

Palavras-chave: Americanismo, Fordismo, Toyotismo, japonismo

Abstract

The article treats of the analysis of the inseparable concepts of “Americanism and fordism” elaborated inside by Antonio Gramsci and your present time inside of the process of productive restructuring. Of 1934, it dates in that Gramsci writes “Americanism and Fordism”, to the current days, not just Europe, but the whole world, was stage of several transformations in the world of the production. Education subjects and culture were wrought for the Capital in the intention of establishing a new work society, as well as a new worker type. This article proposes a current discussion about such transformations, from “Americanism and Fordism” until the present time.

Word-Key: Americanism, Fordism, Toyotism, Japonism

 

Em 1934, o líder comunista Antônio Gramsci produz um artigo intitulado americanismo e fordismo, que em linhas gerais trata da dificuldade de introduzir o fordismo na Europa. Para entender a gênese desta dificuldade, é preciso analisar as peculiaridades do americanismo e do fordismo, bem como o processo que leva a burguesia a se tornar hegemônica na América do Norte.

Grosso modo, o fordismo é um modelo de produção, que nasce na fábrica e que se expande para fora de seus muros sob um caráter ideológico, político e cultural determinando assim o americanismo. A correlação entre americanismo e fordismo, é a forma pela qual a burguesia torna-se hegemônica na América do Norte. Ou seja, a hegemonia burguesa nasce na fábrica.

Segundo Gramsci, as novas formas de produção, e de organização do trabalho que se desenvolve na América do Norte, coloca o Capital frente à necessidade de construção de um novo tipo de trabalhador. Assim, Gramsci afirma que a América do Norte proporciona de forma natural, em função da sua formação e composição histórica[1], o tipo de trabalhador que sirva a tais necessidades. Pois na América do Norte além de não existir classes sem função social no mundo produtivo, a hegemonia protestante deixa claro que é uma sociedade voltada para o trabalho.

Contraposta a esta realidade, a Europa através de sua história, possui em seu conjunto uma sedimentação de classes parasitárias, que não estão inseridas no processo de produção. Estas castas sociais, não inseridas no mundo da produção, impedem a implantação de um sistema altamente competitivo e de estrutura extremamente nova como era o fordismo na época. A indústria de automóveis européia, permanecia em sua maior parte uma indústria artesanal de alta habilidade (embora organizada corporativamente), produzia carros de luxo para consumidores da elite, sendo apenas ligeiramente influenciada pelos procedimentos de linha de montagem na produção em massa. “Foi preciso uma enorme revolução das relações de classe (uma revolução que começou nos anos 30, mas só deu frutos nos anos 50) para acomodar a disseminação do fordismo à Europa” (HARVEY, 1992, p. 124)

Esta diferença histórica, de acordo com Gramsci, dificulta a introdução do fordismo na Europa. Além do mais, o grande número de conglomerados (ausentes de indústrias) aliado a uma economia estritamente rural contribui para a dificuldade de criação do chamado americanismo. Neste sentido, afirma:

A inexistência destas sedimentações, viscosamente parasitárias, deixadas pelas fases históricas passadas, permitiu uma base sã à indústria, e especialmente ao comércio, e permite cada vez mais a redução da função econômica, representada pelos transportes e pelo comércio, a uma real atividade subalterna da produção. E tornou mesmo possível a tentativa de absorver estas atividades na própria atividade produtiva. Recordar as experiências de Ford e as poupanças feitas pela sua empresa com a gestão direta do transporte e do comércio das mercadorias produzidas, poupanças que influíram sobre os custos de produção, permitiram melhores salários, e menores preços de venda. Uma vez que existiam estas condições preliminares, já racionalizadas pelo desenvolvimento histórico, foi relativamente fácil racionalizar a produção e o trabalho, combinando habilmente a força (destruição do sindicalismo operário com base territorial) com a persuasão (altos salários, benefícios sociais diversos, propaganda ideológica e política Habilidosíssima), e conseguindo deslocar, sobre o eixo da produção, toda a vida do país. A hegemonia nasce da fábrica e não tem necessidade, para se exercer, senão de uma quantidade mínima de intermediários profissionais da política e da ideologia. (GRAMSCI, 1976, p. 295)

Portanto, a forma de produção fordista e o chamado americanismo são particularidades da América do Norte. O americanismo seria a forma ideológica e cultural, necessárias para constituição de um modo de vida e de um tipo de trabalhador. Nesse sentido o americanismo é condição sine quo non para que haja o desenvolvimento da forma de produção fordista e vice e versa.

O americanismo não surge espontaneamente na “mentalidade” social. A sua origem está estritamente ligada à base material da sociedade. A forma de acumulação e produção capitalista produziu um processo sociometabólico que nasce na fábrica. Em outras palavras, a forma de produção fordista determina e exige a formação de uma mentalidade e um modo de vida, que gera a existência deste modelo de produção, sendo uma relação mutua.

Na composição do chamado americanismo, o princípio fundamental está nas políticas “puritanas” de sistematização do indivíduo[2], condição necessária para que haja um equilíbrio psicofísico do trabalhador. Este equilíbrio seria responsável pelo aumento da produtividade, menores gastos com saúde, constituição moral adequada, conservação física do trabalhador, entre outros fatores.

A disciplinarização da força de trabalho para os propósitos de acumulação do capital, envolve uma mistura de repressão, familiarização, cooptação e cooperação, elementos que são organizados não somente no local de trabalho, mas também na sociedade como um todo. Nesta perspectiva, Gramsci enfatiza que os homens que vivem do trabalho não podem ser “domesticados” e “adestrados” através exclusivamente da coerção. É indispensável educá-los para persuadi-los e obter o seu consentimento para este novo modo de trabalho e de vida.

A socialização do trabalhador nas condições de produção capitalista envolve o controle social bem amplo das capacidades físicas e mentais. A educação, o treinamento, a persuasão, a mobilização de certos sentimentos sociais (a ética do trabalho, a lealdade aos companheiros, o orgulho local ou nacional) e propensões psicológicas (a busca da identidade através do trabalho, a iniciativa individual ou a solidariedade social) desempenham um papel e estão claramente presentes na formação de ideologias dominantes cultivadas pelos meios de comunicação de massa, pelas instituições religiosas e educacionais, pelos vários setores do aparelho do Estado, e afirmadas pela simples articulação de sua experiência por parte dos que fazem o trabalho (HARVEY, 1992, p.119)

Segundo Harvey, este conjunto de práticas de controle do trabalho se estendeu de forma acentuada de 1945 a 1973, período caracterizado pelo autor de fordista-keynesiano. “O fordismo se aliou firmemente ao keynesianismo[3], e o capitalismo se dedicou a um surto de expansões internacionalistas de alcance mundial que atraiu para sua rede inúmeras nações descolonizadas.” (HARVEY, 1992, p. 125) O modelo fordista-keynesiano irá se esgotar com a aguda recessão de 1973.

Este modelo fordista-keynesiano no pós-guerra se assume também como modelo ideológico para fazer frente à URSS. Em plena guerra fria, é preciso mais do que nunca caracterizar o modelo americano de trabalho.

Desta forma, no pós-II guerra, o modelo americano de trabalhar e de viver precisa fazer frente ao novo modo socialista de trabalhar e de viver, em construção a partir da Revolução Russa. Mais do que nunca, portanto, é fundamental, para a América e para a Europa, a consolidação e a amplificação das práticas fordistas, agora também rearticuladas com as propostas de políticas de “pleno emprego” e de proteção social do Estado, a fim de garantir um determinado padrão e qualidade de vida exigidos pelos movimentos de trabalhadores contaminados pela vitória socialista. (DRUCK, 1999, p. 37)

Hoje a mundialização dos mercados é muito superior à do passado, até por que está sob uma nova realidade. Gramsci em suas análises coloca toda uma problemática de introdução do fordismo na Europa, em função das peculiaridades históricas. Mas da década de trinta aos dias atuais, houve muitas alterações no âmbito da produção e do capital. Como diz Chesnais: “não é mais um Henry Ford ou um Carnegie, e sim o administrador praticamente anônimo de um fundo de pensão com ativos financeiros de várias dezenas de bilhões de dólares, que personifica o “novo capitalismo” de fins do século XX” (CHESNAIS, 1996, p. 15)

O caráter mundializado da concorrência não eliminou, mas superou todos os empecilhos históricos que estavam postos ao desenvolvimento produtivo na Europa, além de possibilitar uma equiparação de forma global no âmbito da produção.

Para as empresas puramente nacionais e para as pequenas e médias empresas, especialmente européias, ela é (mundialização da concorrência), em grande parte, conseqüência direta da liberalização do intercâmbio, dentro do contexto do GATT (hoje, a OMC) e do Mercado Único Europeu.” (CHESNAIS, 1996,. p. 115).

Para que as grandes empresas industriais sobrevivam, é necessário que elas se integrem ao mercado mundial. O que acontece na América, interfere na Europa, e vice e versa.

Ao perder fatias do mercado norte americano, atira-se em uma guerra de preços, a Itália; vende seu Fiesta 16% mais barato que o Fiat, que cai de 58 para 54,5%, coloca um terço de seus operários em desemprego técnico. Cada batalha dessa guerra é vencida quando se reduzem ao máximo todos os custos, inclusive os de mão-de-obra. (GOUNET, 1999, p. 15)

Nem sempre o que é bom para os EUA, também é bom para outros países. O Japão é o maior exemplo disto. Com o toyotismo[4], ou modelo japonês, o Japão torna-se o maior concorrente industrial dos EUA pós 50. Mesmo arrasados pela segunda guerra mundial, os japoneses introduziram em seu país um fordismo às avessas do original, no intuito de atender às necessidades nacionais. Desta forma, a burguesia industrial de cada país procura aproveitar o que há de bom para a sua realidade, e inovar de acordo com as suas necessidades. Esta flexibilização no modo produção é que torna a mundialização da concorrência possível.

Com a intensificação da competição, as grandes indústrias se viram obrigadas a entrar em um período de racionalização, reestruturação e intensificação do controle do trabalho e da produção. Sendo que, as décadas de 70 e 80 foram caracterizadas por um conturbado período de reestruturação econômica e reajustamento social e político. Isso significou a passagem para um regime de acumulação inteiramente novo, a chamada acumulação flexível.

Na definição de Harvey, a acumulação flexível:

É marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. (HARVEY, 1992, p. 140)

Se o caráter mundializado da concorrência colocou sob forma equiparada o mundo da produção em escala global. O tipo de trabalhador exigido para as novas competências e habilidades também se equiparou concomitantemente. É claro que obedecendo às necessidades específicas postas pelo capital[5].

Esta relação de equiparação entre o modo de produção e o tipo de trabalhador necessário, ocorre pela generalização do modo de produção, em vista da mundialização da concorrência. Porém esta generalização é responsável ao mesmo tempo, pela degeneração do modelo, em função à tendência à queda das taxas de lucro[6].

Quando se introduz uma nova organização da produção, o aceleramento da rotação do capital permite que as empresas líderes contornem essa lei. Elas elevam suas taxas de lucro tomam fatias do mercado. As empresas que não podem acompanha-las são eliminadas. As outras, copiam. De maneira que, ao fim de certo tempo, todo mundo está de volta ao mesmo ponto, com um bolo para repartir. O bolo talvez seja maior, graças à redução do preço alcançada pelos novos métodos. Talvez haja menos fabricantes para reivindicar sua fatia. Mas o bolo é aquele mesmo e a luta por ele nada tem de original: as empresas investem em novas tecnologias para se desenvolver. Ao faze-lo, o sistema cai outra vez na lei da tendência à queda da taxa de lucro. A crise do fordismo é fruto dessa contradição entre as acumulações individuais e acumulação da sociedade em seu conjunto. Pode-se predizer que o toyotismo será destronado por essa mesma lógica. (GOUNET, 1999, p. 50)

Neste ciclo, Gounet demonstra a contradição inerente às formas de produção do capital. A cada nova organização da produção também há uma nova forma de organização das forças produtivas.

O americanismo então assume a forma de japonismo no Japão. O toyotismo que é uma forma de produção e nasce dentro da fábrica irá se expandir para fora de seus muros sob um caráter ideológico político e cultural, determinando assim o japonismo. Dessa maneira, cada modelo de organização da produção (fordismo, toyotismo), tem a necessidade de um determinado tipo de trabalhador. Fordismo = americanismo, toyotismo = japonismo. Ou seja, da mesma forma que o americanismo é o jeito americano de viver, o japonismo torna-se o jeito japonês de viver. É claro que esta discussão é polêmica, pois para alguns estudiosos o modelo japonês só é aplicado nas grandes corporações, onde as relações de trabalho são mais organizadas, sendo que esta relação intrafabril não chega a se expandir para fora dos muros da fábrica, ou seja, não se torna hegemônica. Mas é possível percebermos relações que hoje são comuns em escala planetária, como o caso da terceirização de serviços. A terceirização começou dentro das fábricas japonesas com o toyotismo, e hoje se expandiu para fora dos muros das fábricas em escala global. Por exemplo, algumas donas de casa terceirizam tudo, desde os cuidados com a sua beleza aos serviços domésticos.

Neste contexto, as formas de disciplinarização e socialização do trabalhador se acentuam de forma vertiginosa, pois as altas cadências de trabalho frente às novas formas de organização da produção exigem um trabalhador comprometido com o aumento da produção. Desta forma não pode em hipótese alguma haver dispêndio de energia com coisas que possam levar a uma possível perda de rendimento do trabalhador como: noitadas, consumo de álcool em demasia; freqüência a bordéis; uso de drogas. Exige-se que o trabalhador seja monogâmico; que saia do trabalho e vá direto para casa; que faça exercícios físicos diariamente. Neste sentido, as políticas “puritanistas” invadem acentuadamente os departamentos de RH (Recursos Humanos) no intuito de racionalizar ao extremo a vida do trabalhador. Racionalizada a vida do trabalhador, o próximo passo é racionalizar a produção e o trabalho.

Este modelo de trabalhador “puritano” faz parte dos planos das empresas para aumentar a sua produtividade, para tornarem-se mais competitivas, logo a mundialização da concorrência faz com que seja perseguido este modelo de trabalhador.

Atualmente, são introduzidas academias de ginástica dentro das fábricas, vários intervalos intercalados durante o expediente, acompanhamento da vida do trabalhador fora dos muros da fábrica pelos RH. Além de haver uma forte difusão ideológica por instituições como as igrejas e as escolas, para formação do tipo ideal de trabalhador.

Para concluir, vale a pena ressaltar que, a intensificação da mundialização da concorrência, supera as dificuldades históricas da Europa, apontadas por Gramsci, no que diz respeito à implantação de sistemas altamente competitivos no âmbito da produção, como no caso o fordismo. Atualmente o que demonstram os indicadores de produção, é que a Europa concorre em “pé” de igualdade com a América, no que diz respeito à produção industrial.

 

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[1] composição histórica seria a composição cultural, política, econômica, religiosa, que formava a identidade dos norte americanos, desde a fundação de sua colônia.

[2] A questão da sistematização do indivíduo em vista às políticas “puritanas”, seria o enquadramento de certos tipos de valores morais e religiosos que compõe a formação deste sujeito.

[3] As idéias de John Maynard Keynes orientaram a política norte americana durante a década de 30 e várias outras economias em crise no mundo a partir de então. Fundamentalmente, Keynes defendia a interferência do Estado para regulamenta-la. Desta forma, o modelo Keynesiano se enquadra dentro da perspectiva baseada no planejamento econômico a partir do comando Estatal.

[4] O toyotismo é um sistema de organização da produção baseado em uma resposta imediata às variações da demanda e que exige portanto, uma organização flexível do trabalho.

[5] Para exemplificar esta questão: da mesma forma que os japoneses adaptaram o fordismo às suas necessidades, o tipo de trabalhador necessário para atuar dentro do modelo japonês também se configura de acordo com as necessidades postas por tal forma de organização da produção.

[6] A lei da tendência decrescente da taxa de lucro expressa o resultado da análise de Marx sobre as forças básicas que dão origem aos ritmos de longo prazo da acumulação capitalista. Longos períodos de crescimento acelerado, necessariamente seguidos de períodos correspondentes de crescimento desacelerado, e de eventuais convulsões econômicas generalizadas. A grande depressão da década de 1930 foi um desses períodos.

REFERÊNCIAS

CHESNAIS, François. A mundialização do Capital. São Paulo: Xamã, 1996.

DRUCK, Maria da Graça. Fordismo e/ou Japonismo. Revista de economia política, v. 19, n. 2, abril – junho 1999.

GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

GOUNET, Thomas. Fordismo e Toyotismo: na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999.

HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

 

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 11 abril, 2006.