por IVAN TIAGO MACHADO OLIVEIRA

Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia e pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC/UFBA)

 

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O Sistema Multilateral de Comércio: um approach neo-institucionalista

Ivan Tiago Machado Oliveira

 

Resumo

O presente trabalho analisa o Sistema Multilateral de Comércio (SMC) e tem como objetivo oferecer subsídios ao aperfeiçoamento da política de comércio exterior do Brasil. No desenvolvimento, apresenta-se o SMC e suas justificativas econômicas na ótica do livre comércio, isto é, na visão liberal-tradicional de busca de ampliação da liberalização pautada na idéia ricardiana fundamental das vantagens comparativas. Vale ressaltar que uma visão crítica dos processos produzidos pelo capitalismo numa etapa de mundialização de suas relações será também apresentada como contraponto mais extremado à visão liberal. Ademais, duas novas visões institucionalistas ao SMC serão detalhadas: uma estática economicista e outra dinâmica política. A abordagem estática apóia-se na economia dos custos de transação e ressalta o papel do sistema multilateral na redução dos custos de transação, enquanto a abordagem dinâmica ancora-se no framework das políticas comerciais como um processo dinâmico, através do qual se destaca o processo político que antecede a formação das instituições que criam as condições para o comércio, a exemplo do SMC, destacando que em função disto ele gera ganhadores e perdedores. Como conclusão serão feitas as devidas considerações finais acerca da análise realizada sobre o SMC, trazendo elementos ao aprimoramento da política brasileira de comércio exterior, tendo por base uma inserção ativa no sistema de comércio internacional.

Palavras-chave: Sistema multilateral de comércio; OMC; GATT; política comercial; comércio internacional; neo-institucionalismo.

Abstract

This paper analyses the Multilateral Trading System (MTS) and also aims to offer subsidies to improve Brazilian external trade policy. First, the MTS will be presented and its free trade economic justifications used by the liberal-traditional view, based on Ricardo’s comparative advantages. It is worthy quoting that a critic view of the global capitalism will also be presented as an extreme opposition to the liberal approach. Furthermore, two new institutional approaches on MTS will be detailed: a static and economic based view and another dynamic and political one. The static approach is underpinned by transaction cost economics, while the dynamic one finds its roots at the trade policy framework seen as a dynamic process, through which the political process that comes before the institutional creation is remarked, as we can see in MTS analysis, showing that there are winners and losers in the process. We conclude with some final considerations on the MTS and also bringing some elements that can help to improve Brazilian trade policy and, thus, give Brazil a better and active integration into the international trade system.

Key words: Multilateral trading system; WTO; GATT; trade policy; international trade; neo-institutionalism.

1. Introdução.

Com o crescimento dos fluxos globais de comércio e o conseqüente incremento da interdependência econômico-comercial entre as nações do globo, o Sistema Multilateral de Comércio (SMC) tem estado de forma freqüente no debate acadêmico acerca do comércio internacional, hoje principalmente focado na atual rodada de negociações multilaterais da OMC, a Rodada Doha.

Foi diante desse quadro que iniciamos nossa jornada na construção e fundamentação do nosso objeto temático. Observamos que uma análise que lavasse em conta aspectos ligados a acordos de cunho mais geral, de maior impacto sobre o mundo, como os acordos multilaterais de comércio firmados via Sistema Multilateral de Comércio (SMC – GATT/OMC) seria de grande valia para o entendimento do processo de interligação, globalização comercial ora em curso de forma mais relevante.

Destarte, diante da crescente importância da compreensão do sistema de comércio mundial, visamos tecer, no presente trabalho, algumas considerações teórico-analíticas sobre o SMC e suas interfaces com e influências sobre a política comercial dos países nele inseridos, especialmente focado na política de comércio brasileira. O trabalho analisa, pois, o SMC a partir de distintas perspectivas teóricas e tem como objetivo oferecer subsídios ao aperfeiçoamento da política de comércio exterior do Brasil. Esta política vem sendo apresentada como de grande relevância no processo de crescimento e estabilização da economia brasileira. Como colocado pelo Ministério da Fazenda (2003), diante da relativa baixa participação do Brasil no comércio internacional, observa-se que:

As políticas de estímulo ao aumento da corrente de comércio exterior terão como conseqüência gerar novas oportunidades de investimentos para o setor privado e reduzir a vulnerabilidade da economia brasileira a choques externos. Países com maior volume de comércio absorvem choques externos com menor volatilidade da taxa de câmbio e menor impacto de longo prazo sobre a atividade econômica doméstica. (...) Esta é uma base importante da nova política de desenvolvimento: identificação de áreas estratégicas e dinâmicas em que ganhos de vantagens comparativas podem ser obtidos com aumentos de produtividade e desenvolvimentos tecnológicos combinados com a diversificação da pauta exportadora. Isso contribuirá para o aumento do volume de comércio do País, reduzindo a vulnerabilidade externa e implicando um maior crescimento econômico. (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2003, p.16)

Ademais, a desburocratização das exportações é peça chave na perspectiva da nova política de comércio exterior do Brasil, no sentido de que e mesma permite ganhos de eficiência que também propiciam crescimento e desenvolvimento econômico. Como observado pelo Ministério da Fazenda (2004):

O conjunto de medidas que compõem a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), tem como principal objetivo desenvolver o parque produtivo brasileiro, tornando-o mais eficiente, competitivo e inovador, por meio do estímulo à inovação tecnológica, à diferenciação produtiva e a expansão do comércio exterior. (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2004, p.95)

Tendo por base o propósito acima apresentado, o presente paper apresenta, além desta introdução, mais duas partes de desenvolvimento e uma conclusão. Na primeira parte do desenvolvimento, capítulo 2, apresenta-se o SMC e suas justificativas econômicas na ótica do livre comércio, isto é, na visão liberal-tradicional de busca de ampliação da liberalização pautada na idéia ricardiana fundamental das vantagens comparativas. O fulcro de tal capítulo está em vislumbrar como o SMC vem se configurando, desde o fim da segunda guerra mundial, a partir de uma visão liberal acerca dos benefícios do comércio internacional para o desenvolvimento das nações que nele se inserem. Uma visão crítica dos processos produzidos pelo capitalismo em na etapa de mundialização de suas relações será também apresentada enquanto contraponto mais extremado à visão liberal. 

No capítulo 3, segunda parte do desenvolvimento, duas novas visões institucionalistas do SMC são apresentadas, quais sejam: 1) uma abordagem de enfoque estático e economicista; e 2) uma outra visão com fundamentação dinâmica e política. A abordagem estática e economicista identifica-se com a economia dos custos de transação e ressalta o papel do sistema multilateral na redução dos custos de transação, com foco estritamente técnico e econômico. Já a abordagem dinâmica e política configurada como um arcabouço teórico da política dos custos de transação, ancora-se no framework analítico que vê a configuração das políticas comerciais como um processo dinâmico, através do qual se destaca o processo político que é observado na formação das leis e normas negociadas as quais criam as condições para o comércio internacional, a exemplo do que acontece no SMC (GATT/OMC), destacando que, em função de tal característica, existem ganhadores e perdedores, em determinado ponto, no processo negociador em questão.

Na conclusão, capítulo 4, serão feitas as devidas considerações finais acerca da análise realizada sobre o SMC, trazendo elementos ao aprimoramento da política brasileira de comércio exterior. Além disso, espera-se apresentar as possibilidades para novos trabalhos acadêmicos serem realizados nesta área do conhecimento econômico, ajudando a eliminar possíveis insuficiências analíticas encontradas no presente trabalho.

2. A visão liberal-tradicional sobre o Sistema Multilateral de Comércio.

A abordagem da teoria do comércio internacional pautada na vantagem comparativa é a base para a defesa do livre comércio pelos liberais. Tal abordagem também é apresentada quando da defesa da racionalidade econômica para a liberalização comercial de cunho multilateral, ou mesmo unilateral. Vale lembrarmos que a teoria preconiza que ganhos gerais em termos de eficiência advirão do comércio internacional, teoricamente, não importando qual seja a dotação dos fatores e a produtividade absoluta de cada país. De acordo com embasamento histórico e estatístico, segundo os liberais, o livre cambismo é crucial para o desenvolvimento. A idéia é a de que o livre comércio se apresenta como sendo a melhor política comercial, ou seja, a melhor política comercial é não tê-la. Como relatado em Chang e Grabel (2004), os liberais dizem:

Free trade carries numerous benefits. It offers developing countries the opportunity to attain output and employment growth, to increase productivity and efficiency, and to enhance living standards and consumption choices. Free trade also corrodes corrupt systems of preference wherein those with connections to the government are granted trade licenses and other protections.[1] (CHANG; GRABEL, 2004. p. 55)

A teoria das vantagens comparativas de David Ricardo é criticada em suas bases irrealistas e especificas sobre tecnologia, estrutura industrial e condições macroeconômicas e mobilidade dos fatores trabalho e capital. Novas abordagens tentam dar conta dos irrealismos da teoria ricardiana, contudo não são observados alicerces efetivos de apresentação de uma teoria que contenha em si um suporte incontestável sobre a relação entre abertura comercial e desenvolvimento econômico.

Para os liberais, a liberalização comercial poderia trazer certos custos no curto e médio prazo, porém, os benefícios de longo prazo, após os ajustes, são superiores para compensar os possíveis custos. Além disso, fazem uso do argumento embasado na idéia de que os países hoje desenvolvidos alcançaram o todo do desenvolvimento via políticas liberais. Chang e Grabel (2004) colocam que tal argumento é uma falácia:

During their development, the governments of today’s industrialized countries used different combination of the following policy tools: tariff levies; tariff rebates on imported inputs used in the production of export; restrictions on the import of raw materials used by key industries; government regulation of the quality of goods produced for export; and government provision of information on export markets and marketing assistance.[2] (CHANG; GRABEL, 2004. p. 62)

A análise evolutiva do SMC demonstra que o mesmo tem suas bases constitutivas fincadas na idéia tradicional e liberal sobre o comércio internacional. Entrementes, o debate entre livre-cambistas e protecionistas conforma o jogo entre os países no sistema comercial mundial, onde os interesses políticos e econômicos das nações, ou de grupos dentro delas, são apresentados e discutidos nas negociações com os parceiros globais. Para alguns críticos da abordagem liberal, as teses de que o livre comércio eleva ao máximo o bem-estar mundial e de que as reduções tarifárias promovidas pelas sucessivas rodadas de negociações comerciais multilaterais levam, de forma gradual, à liberalização do comércio em âmbito mundial e à distribuição eqüitativa de ganhos, não devem ser ingenuamente defendias, mesmo porque o passado histórico já revelou algumas das conseqüências desastrosas do liberalismo exacerbado.

Vale notar, assim, que o debate econômico acerca das vantagens do livre comércio esteve como pano de fundo na discussão sobre a regulação do comércio internacional no pós-Segunda Guerra mundial. Obviamente que o desastre econômico dos anos 1930, somados à destruição causada pela guerra de 1939-45, implodiu a ordem liberal que vigorava no período anterior e levou uma tendência protecionista muito forte às políticas comerciais dos países de todo o mundo.

Nesse contexto, as negociações para a conformação de uma organização internacional que viesse regular as trocas entre as nações foram iniciadas, tendo em mente que o comércio poderia ser utilizado como meio de superação da crise, ou pelo menos, que uma organização reguladora poderia iniciar o processo de re-ordenamento dos fluxos globais de comércio num contexto de protecionismo aflorado, funcionando como um fórum de negociações onde os países poderiam acordar as formas e graus de proteção compatíveis com a realização do potencial de comércio dos países e não conflitantes com os interesses de seus principais parceiros. Com o impasse na criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, em inglês) acabou por tomar o lugar vazio no posto de “instituição” reguladora das trocas internacionais. Em 1995, surge a Organização Mundial do Comércio (OMC) como instituição, de fato, que tem como objetivo, além da regulação de caráter mais geral do comércio mundial, trazer efetividade na aplicação das leis e normas que regem o sistema internacional de comércio.

Não obstante suas características mal definidas enquanto organização, o GATT foi o responsável pela intermediação nas negociações comerciais na segunda metade do século passado (1947-94) e podemos dizer que alcançou seus objetivos liberalizantes de forma relativamente importante. Através de suas rodadas de negociações, o sistema GATT conseguiu congregar os países mais importantes do mundo, em termos econômico-comerciais, em discussões sobre as normas a serem seguidas na elaboração e implementação de políticas industriais e de comércio exterior por cada membro. Logicamente, a ótica liberal impera no longo prazo no sentido de que as negociações multilaterais têm por fim último, malgrado o jogo de interesses intra e inter-estatal presentes no processo, a liberalização mais ampla possível em escala mundial.

Utilizando-se do instrumental analítico da Teoria dos Jogos, podemos vislumbrar de forma bastante clara e precisa como, na perspectiva liberal, o livre comércio, que vem a ser defendido no SMC, irá beneficiar as nações mundo afora. Tomemos por exemplo o caso de dois países que transacionam entre se dois bens importantes para suas economias e que tem duas alternativas de política comercial. O país A pode liberalizar a entrada do bem que é produzido pelo país B ou pode proteger sua economia através de políticas tarifárias e não-tarifárias. O país B pode fazer o mesmo relativamente aos produtos do país A. Destarte, teremos a seguinte matriz de payoffs [3]:

 

País

         

   B

Estratégias

Liberalizar

Proteger

 

A

Liberalizar

20 ; 20

10 ; 0

Proteger

0 ; 10

0 ; 0

 

 

 

 

 

Segundo a matriz de payoff, podemos observar que a estratégia de liberalização de ambos os países seria a mais indicada no sentido de aumento dos benefícios gerados ao país. Liberalizar apresenta-se como estratégia dominante tanto para o país A quanto para o B. A estratégia liberalizar/liberalizar apresenta-se como equilíbrio de Nash, no qual os países participantes do processo de negociação poderiam obter o melhor resultado a partir das perspectivas de como seus parceiros podem ou devem se comportar. A visão liberal assevera que a perspectiva de liberalização tenderá a levar a formas mais eficientes e em níveis mais altos de alocação do bem-estar das nações envolvidas no comércio internacional. Assim, podemos ver que a estratégia de proteger/proteger, significaria um payoff de zero para ambos os países (0;0), contrastando significativamente com o payoff liberalizar/liberalizar, onde o ganho seria de vinte para ambos (20;20), ponto onde se observa um equilíbrio de Nash, como já apresentado.

Observamos, pois, que a visão liberal acerca do sistema multilateral de comércio está fundamentada no princípio ricardiano de vantagens comparativas, onde os países se especializam na produção de bens e serviços nos quais suas produtividades relativas sejam maiores relativamente aos seus parceiros comerciais. O SMC teria, portanto, um papel singular no sentido de viabilizar um fórum de negociações e discussões através das quais fosse possível a realização de uma abertura comercial multilateral, negociada, objetivando a liberalização parcial e progressiva do comércio entre as nações. O fim último do SMC seria o de tornar possível uma ampla e universal liberalização comercial que venha dar aos países de todo o mundo, numa perspectiva cosmopolita e liberalizante, a oportunidade de desenvolver comércio e crescer economicamente através do mesmo, utilizando de suas vantagens relativas na produção de bens e serviços.

Assim, vale ressaltar que a visão liberal acerca do processo de liberalização comercial através do SMC – liberalização negociada – é a de que o mesmo se apresenta como uma escolha second best, dado que os liberais vêem numa liberalização geral e irrestrita de âmbito mundial, mesmo que de cunho unilateral, a melhor estratégia de comercial no sentido de alcance de maiores níveis de bem-estar social.[4]

Além do mais, com a constituição da OMC a partir de 1995, os países participantes do processo negociador passaram a ter um instrumento jurídico internacional responsável pela efetiva aplicação das regras acordadas, gerando poder punitivo contra aqueles que descumprirem as normas acordadas, o que dá ao sistema um enquadramento mais “impositivo”. Esse novo aspecto implementado com a entrada em cena da OMC traz, do ponto de vista dos liberais, maior efetividade ao processo de abertura multilateral ao comércio, motivando maiores ganhos econômicos de bem-estar em escala mundial, tendo por base a idéia de que a liberalização tenderá a seguir de forma mais consistente e perene a partir da consolidação do papel dos países inseridos no sistema.

É importante aqui colocarmos que poder-se-á encontrar posicionamentos que contrapõem mais intensamente a visão liberal em autores que apresentam a crítica embasada relativamente ao entendimento do livre cambismo no mundo moderno, como em Arrighi (2003). Giovanni Arrighi considera o sistema GATT/OMC como sendo “o principal instrumento de formação do mercado mundial sob a hegemonia norte-americana,” (ARRIGHI, 2003, p. 72) deixando nas mãos dos Estados, fundamentalmente dos EUA, o controle sobre o ritmo e a direção do processo de liberalização comercial multilateral. Neste ponto, a hegemonia dos EUA se distanciaria daquela da Grã-Bretanha do século XIX, tendo em vista que a última aplicava um regime de livre comércio unilateral enquanto que os primeiros fazem uso o livre comércio ideologizado como estratégia de negociação inter-governamental a fim de expandir as oportunidades de inserção mundial para empresas e produtos norte-americanos. Destarte, observou-se um grau de liberalização, ao nível multilateral, muito mais amplo sob a hegemonia dos EUA comparativamente ao da britânica.

Ademais, Arrighi (2003) irá colocar que os processos produzidos pelo capitalismo na etapa de mundialização de suas relações apontam para uma importância decrescente das economias nacionais no ambiente internacional enquanto pólos de poder autônomos. Por fim, vale ressaltar que o autor não descarta a tendência segundo a qual o capitalismo poderá vir a ruir num futuro indeterminado, seja por seu sucesso (à la Schumpeter) ou pelo seu fracasso.

3. O Sistema Multilateral de Comércio numa perspectiva neo-institucionalista.

Distintamente da visão liberal-tradicional, a abordagem neo-institucionalista vê o SMC como um mecanismo de relevância internacional que apresenta características institucionais marcantes no processo de trocas entre as nações. Alguns autores, como Rodrik (2001), têm buscado, através de fundamentação institucionalista, dar um enfoque mais “realista” às análises acerca da governança global do comércio, trazendo a perspectiva do desenvolvimento dos países pobres para o debate na OMC. Algumas outras avaliações, como as observadas em Lima (2004), são centradas na qualidade das instituições internacionais encarregadas da regulamentação do comércio mundial e seu aparato de enforcement. Também se analisa como são conformadas as inter-relações substantivas existentes entre as políticas comerciais e a melhora institucional dentro dos países que fazem parte do sistema de acordos mundiais ligados ao comércio, como analisado por Rodrik (2000).

Antes de adentramos especificamente na discussão sobre as distintas óticas analíticas do neo-institucionalismo sobre o SMC, vale aqui apresentarmos, de forma sucinta, alguns conceitos básicos que nos serão muito úteis no entendimento do debate institucional sobre o sistema GATT/OMC, quais sejam: a) custos de transação, e b) instituições.

Os custos de transação podem ser entendidos, seguindo uma ótica de cunho williamsoneano amplo, como sendo aqueles ligados aos custos comparativos de planejar, adaptar e monitorar a finalização de tarefas sobre estruturas alternativas de governança. São, numa perspectiva northeana, os custos de medir os atributos valorativos do que está sendo trocado e os custos de proteção de direitos, policiamento e enforcement de contratos. Ou seja, os custos de transação estão intimamente ligados ao processo de trocas e interação entre os agentes econômicos diante de quadros legais e contratuais inseridos num contexto de incerteza, limitada racionalidade e oportunismo, além da possível existência de ativos específicos envolvidos nas trocas.

Douglas North – que desenvolveu uma teoria institucional a qual tinha como foco, fundamentalmente, entender como as mudanças institucionais ocorrem e, a partir daí, elucidar porque o desenvolvimento de países não seguiu o mesmo curso, a partir de uma análise institucional comparativa – define instituições como sendo “the humanly devised constraints that structure political, economic and social interaction. They consist of both informal constraints (sanctions, taboos, customs, traditions and codes of conduct) and formal rules (constitutions, laws, property rights).”[5] (NORTH, 1991, p.97)

Podemos somar à definição de North de instituições a idéia da existência de mecanismos formais de enforcement como parâmetro caracterizador de uma instituição. Esses organismos, as instituições, reduzem o conjunto das escolhas dos indivíduos, diminuindo a incerteza nas trocas. Destarte, além de amenizar os problemas que a incompletude e a dificuldade de processamento de informação causam, as instituições também ajudam na diminuição dos custos de transação referentes à mensuração e ao enforcement, sobretudo quando o número de atores envolvidos e suas interações tornam os custos não desprezíveis.

Clarificado alguns conceitos importantes para a análise que segue, vamos tratar de apresentar as duas novas visões institucionalistas acerca do Sistema Multilateral de Comércio. Primeiramente analisando a abordagem de enfoque estático e economicista, ligado em sua base à economia dos custos de transação, e, em seguida, traçaremos considerações sobre a visão neo-institucionalista de fundamentação dinâmica e política, associada à política dos custos de transação, onde o processo político é tomado como referência fundamental.

3.1. A visão estática e economicista.

O Sistema Multilateral de Comércio, corporificado inicialmente no GATT e atualmente na OMC, é visto como uma organização internacional fundamental para a regulação do comércio entre as nações. Nesse sentido, leis, normas e debates negociadores internacionais são criados e ambientados no sistema GATT/OMC. Malgrado as distintas perspectivas analíticas, críticas ou não, acerca da participação dos países no SMC, não resta dúvidas de sua significativa importância no processo de incremento das trocas internacionais em bases menos instáveis desde o fim da Segunda Guerra mundial.

Diante deste quadro, a abordagem neo-institucionalista focada no conceito de economia de custos de transação traz à tona um instrumental de grande relevância para a análise sobre o comércio internacional e a interação das nações no SMC.

Como assinalado por North (1991), as instituições são estruturas que dão corpo às regras do jogo, definindo os incentivos e consequentemente as escolhas dos indivíduos. As instituições são criadas no sentido de diminuir os custos de transação existentes nas interações entre os agentes. Destarte, uma entidade para ser caracterizada como uma instituição deve:

1) Ter sido constituída com o objetivo de reduzir a incerteza e/ou os custos de transação.

2) Ser formada por regras tanto de cunho formal quando informal.

3) As regras que edificam a entidade devem afetar os resultados dos agentes e, por conseguinte, suas escolhas.

Feita tal caracterização, ainda que geral, vejamos como o SMC, desde o GATT até a OMC, se posiciona em relação aos requisitos caracterizadores de uma instituição, tendo como base o foco fundamentalmente econômico sobre a redução dos custos de transação.

Numa avaliação mais genérica, pode-se analisar que o sistema GATT/OMC diminui os custos de transação de maneiras distintas. Uma primeira aproximação nos aponta para o fato de que a OMC dota o sistema de comércio internacional de certa previsibilidade. Conquanto as barreiras tarifárias e não tarifárias não sejam diminuídas, este organismo estabelece limites negociados para a imposição de barreiras por cada país, o que significa que todos os entes do SMC sabem quais políticas comerciais os outros podem seguir.

Ainda ligado à questão da previsibilidade, a obtenção de redução dos custos de transação via SMC (GATT/OMC) está também ligada à determinação de regras claras de conduta que fazem dispensável o estabelecimento de acordos ou regras caso a caso. Como é abordado por Lima (2004): “O objetivo de GATT/OMC é formar um sistema multilateral que determine as políticas comerciais que os países podem praticar.” (LIMA, 2004, p.64) Uma análise histórico-evolutiva acerca do SMC clarificará a idéia de que, inicialmente, o mesmo só tratava de questões tarifárias, mas, a partir da sexta rodada de negociações do GATT (a Rodada Kennedy – de 1964 a 1967), passou a lidar de forma gradual com outros tipos de políticas atreladas ao comércio, como medidas não-tarifárias, antidumping, etc. Ademais, o sistema GATT/OMC facilita a coordenação, o que torna mais provável o estabelecimento de um diálogo e comprometimento cooperativos entre as nações, tendo em vista a existência de um fórum permanente de debate e negociações em Genebra, além do lançamento de rodadas de negociações multilaterais com certa periodicidade.

Uma segunda condição caracterizadora do SMC (GATT/OMC) como uma instituição é a existência de regras tanto formais quanto informais. O próprio Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1947 (GATT/1947, em inglês), e sua versão mais atual o GATT/1994, é, em si próprio, um arcabouço de regras que concebem a codificação de um sistema comercial. Ele é constituído não apenas de si mesmo, mas de diversos acordos negociados e fechados nas rodadas de negociação multilateral ou sob seu arcabouço jurisdicional. Lima (2004) nos lembra que “a OMC herdou do GATT sua estrutura formal e a sofisticou, adotando novos acordos sobre diferentes assuntos.” (LIMA, 2004, p.65) Além disso, vale aqui frisar que a OMC é também composta por regras e procedimentos informais. Um caso exemplar neste aspecto é o fato de que, mesmo sem a permissão formal do GATT/1947, o sistema criou, seguindo regras e procedimentos próprios, seu modo de resolução de disputas, o qual resultou no que hoje conhecemos como sistema de controvérsias da OMC.

Um último ponto a ser considerado na caracterização do sistema GATT/OMC como uma instituição é o de se observar se o mesmo pode realmente alterar os resultados do jogo, modificando o conjunto de estratégias dos países. Nesse sentido, cabe aqui questionarmos a relevância das regras da OMC na geração de comércio entre as nações, ponto de grande discussão e embate teórico-ideológico. Lima (2004), comentando um estudo realizado por Subramanian e Wei, por ela citado, relata:

A conclusão a que chegaram é que, entre os países e os setores sobre os quais GATT/OMC impuseram regras de liberalização comercial efetivas, essas regras tiveram um relevante papel. [...] As conclusões de Subramanian e Wei (2003) apontam para a efetividade de GATT/OMC como instituições capazes de alterar os payoffs do jogo. (LIMA, 2004, p. 67)

Como pudemos analisar, seguindo a perspectiva analítica da economia dos custos de transação, o SMC (GATT/OMC) apresenta-se claramente como uma instituição de grande relevância para o mundo do comércio internacional. É importante que tenhamos em mente, contudo, que esta tende a ser uma visão muito fechada e de forte cunho econômico, onde se deixa de considerar aspectos dinâmicos do processo de criação e regulamentação prática das leis e normas ligadas ao comércio entre as nações participantes do SMC. Tal característica econômico-estática da abordagem que agora apresentamos pode ser bem observada quando se considera a idéia de que o SMC é visto como um mecanismo/instituição que se coloca como regulador das trocas internacionais numa perspectiva técnica.

Considerando-se o que foi dito, podemos tentar traçar uma avaliação comparativa do SMC, na perspectiva neo-institucionalista agora trabalhada, com o esquema de níveis da análise social apresentados por Williamson (2000, p. 596-600). Observando-se a caracterização feita por Williamson (2000), o atual enquadramento analítico poderia ser analisado enquanto um esquema de segundo nível, onde o foco está na estrutura institucional. Tal caracterização estaria embasada na idéia de que no segundo nível encontramos as regras formais do jogo e, como já foi salientado no presente trabalho, a visão da economia dos custos de transação, quando utilizada na análise do SMC, tem como elemento fulcral a consideração de que a instituição GATT/OMC é uma estrutura que dá corpo às regras do jogo, definindo os estímulos e, por conseguinte, as opções estratégicas dos indivíduos/nações.

Vale também traçarmos, aqui, um paralelo, ainda que superficial, entre a teoria econômica e a teoria das relações internacionais, apontando para uma integração parcial na discussão ora em curso e tendo por base a visão que temos acerca de uma possível complementaridade e convergência analítica entre as teorias dessas duas áreas do conhecimento humano. A perspectiva teórico-analítica da economia dos custos de transação, conformada na visão neo-institucionalista de enfoque estático e economicista sobre o SMC, propõe de forma patente a idéia de que a instituição está vinculada a uma questão de ordem técnica, a qual é vista como de relevância na redução dos custos de transação entre os países que a integram, realizando-se, desta forma, uma avaliação estática e “a-política” da formação das regras do sistema mundial do comércio.

Na teoria das relações internacionais, a visão institucionalista observa a cooperação como algo essencial num mundo de interdependência econômica e afirma que interesses econômicos compartilhados criam a demanda por instituições e regras internacionais, A ênfase é colocada, pois, nas funções realizadas pelas instituições internacionais, tendo a abordagem técnica e universal a primazia.[6] Observamos, portanto, certa confluência analítica entre a teoria neo-institucionalista fundamentada na economia dos custos de transação e a teoria institucionalista das relações internacionais, não obstante o caráter superficial de tal comparação.

Como abordado em Moraes (2005), uma avaliação acerca da crescente importância do entendimento técnico em detrimento do político pode ser observada quando da análise do sistema de solução de controvérsias da OMC. Quando do reinado do GATT enquanto “instituição” reguladora do comércio mundial, observava-se que uma de suas maiores falhas se encontrava na falta de um arcabouço de enforcement efetivo, deixando que decisões políticas sobrepusessem aquelas de ordem técnica nos painéis de solução de controvérsias. Contudo, com a entrada em cena da OMC, a partir de 1995, vemos este quadro mudar. Moraes (2005) relata:

No novo procedimento, os painéis continuam sendo utilizados. A diferença está em uma regra procedimental que, segundo a doutrina jurídica, dotou o mecanismo de maior efetividade; cuida-se, no entanto, de uma regra que tão-somente garante o privilégio a decisão técnica: a chamada regra do consenso negativo. (MORAES, 2005, p.04)

Através do consenso negativo, as recomendações elaboradas pelos painéis passarão ao Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC e só não serão aprovadas se houver unanimidade em não aprová-la. Isto é, o mero voto do Estado vitorioso já é suficiente para tornar a recomendação imperativa. Destarte, tendo em vista que é visivelmente dificílimo que o OSC não ratifique uma recomendação, a deliberação do órgão técnico é sustentada na totalidade dos casos.

Portanto, a partir de uma análise neo-institucionalista fundamentada na economia dos custos de transação, juntamente com algumas avaliações comparativas e complementares, pode-se observar que o SMC apresenta caráter institucional claro e evidente, desempenhando um importante papel na facilitação das trocas entre as nações através do uso de instrumentos de ordem técnica na redução da incerteza e dos custos de transação existentes nos processos de “negociações contratuais” internacionais e também no que se refere ao uso de políticas comercias nos países que formam a instituição GATT/OMC.

3.2. A abordagem dinâmica e política.

Em Dixit (1998), podemos observar a geração e sistematização de uma interpretação renovada, dentro do neo-institucionalismo, acerca do modo de vislumbrar a análise do SMC. Considerando o GATT/1947 como a primeira “constituição” do comércio mundial, Dixit (1998) irá realizar uma abordagem do mesmo seguindo uma perspectiva de fundada na política dos custos de transação. O processo político na construção das regras e normas internacionais no SMC será levado em conta de forma marcante, pois.

Em sua busca de análise acerca do processo político, Dixit vê as constituições como contratos incompletos onde se observam as seguintes características: 1) a complexidade do processo de especificação das regras para todas as contingências possíveis, 2) a inabilidade de antecipar todas as futuras contingências e 3) as dificuldades de se analisar e se verificar de forma objetiva as contingências, do modo que os procedimentos característicos possam ser postos em efetiva ação. Ademais, como as constituições são mais dilatadas e difusas, estes problemas são majorados, tornando imprescindível que as constituições sejam estruturadas de forma suficientemente universal para que elas possam ser compreendidas e aplicadas, seguindo as transformações aperiódicas e substanciais da economia.  No procedimento de aplicação e interpretação que relatamos, existe uma significativa variação na desenho no qual   uma certa regra opera. Estas variações acontecem em resposta às realidades políticas do tempo, existindo a possibilidade de uma constituição incompleta ser manipulada pelos participantes para servir seus próprios interesses, a exemplo do que pode ser observado em alguns casos no sistema comercial do GATT/OMC.

Avinash K. Dixit (1998) observa o processo político como um contínuo, sendo possível de ser modelado como um jogo de características dinâmicas fundamentado em condições de incerteza e mudança.  Dessa forma, pelo menos parcialmente, as regras são formadas pelos partícipes durante o jogo, tendo por fundamento a idéia de que cada participante busca manipular a operação do jogo seguinte, de forma a obter um payoff que beneficie seu próprio interesse. Isto é o que o autor chama de strategic move. (DIXIT, 1998, p. 30).

Vale assim ressaltarmos que a visão a qual permite a observação da formulação de política como um processo imperfeito e incompleto, apresentando uma dinâmica rica, mas lenta, tem muitas similitudes com o approach da economia dos custos de transação desenvolvida por Williamson. A partir desta abordagem, Dixit (1998) se propõe a avaliar o processo político de formação da política nas instituições seguindo o arcabouço teórico-analítico da política dos custos de transação, sistematizado por North. (DIXIT, 1998, p. 32). Dixit propõe, assim, o framework da política dos custos de transação como a ferramenta para examinar os vários mecanismos pelos quais os processos políticos e as instituições buscam reduzir os custos de transação ou minimizar seus efeitos.

Tendo por base a idéia de que as causas relacionadas aos custos de transação existentes nos processos produtivos também são observáveis no processo político, às vezes até com maior proeminência, Dixit nos relata:

By analogy with Williamson´s name transaction costs on economic organizations and outcomes, such a framework might be called “transaction-cost politics”.  […] I elaborate on this theme of transaction-cost politics and its implications for economic policy. A natural way to begin is by examining   the ways in which the political process fails to produce the ideal outcome of the Coase benchmark.  That will pave the way for the analysis of the reasons for this failure.[7] (DIXIT, 1998, p. 38)

É diante deste arcabouço analítico e teórico bem definido, consubstanciado no conceito de política dos custos de transação, que Dixit (1998) irá realizar seu estudo aplicado acerca do SMC (GATT/OMC). A compreensão do ambiente e das condições reais em que se opera o processo político é de fundamental importância para que se possa ter em mente, de forma clara, o resultado analítico da apreciação fundada na política dos custos de transação. Tendo por base, como já colocado, o tratamento do GATT/OMC como a constituição do comércio mundial e, dessa forma, como um contrato incompleto, onde se observa um jogo dinâmico com a existência de strategic moves, vale ressaltar que, numa perspectiva política, os interesses dos países estão inseridos no contexto específico.

Tal contexto, no qual os contratos políticos são firmados e colocados em prática, é caracterizado pela racionalidade limitada dos agentes os quais se encontram num jogo onde posições oportunistas (sejam elas de oportunismo ex-ante, consubstanciado na seleção adversa, ou de oportunismo ex-post, observado com o risco moral) são assumidas diante de um quadro de incerteza e assimetria informacional, inclusive com a existência de ativos específicos. Ao problema apresentado, soma-se o elemento da inconsistência dinâmica, através da qual as decisões ótimas de ontem não são mais ótimas hoje e assim por diante.

É no ambiente acima descrito que Dixit traça suas considerações analíticas sobre o SMC. Neste aspecto, vale lembrar para a idéia da necessidade do debate acerca da estrutura de governança dos mecanismos de enforcement na instituição internacional em questão, tornando possível o aproveitamento das economias de escala e de escopo do processo político.

Sobre o GATT e suas interfaces com os processos políticos nacionais e internacionais, Dixit (1998) relata:

Since GATT mixes elements of domestic and international politics, it is not surprising that its mechanisms to cope with transaction costs work less well than those in domestic politics alone. Shortfalls from an ideal standard of efficiency are easy to spot, but finding feasible changes – remediability – is much harder. The only general findings seems to be the merit of accepting the second- or third-best, for example, allowing some limited and temporary escape clauses even when they depart from the ideal, so long as they are an important requirement to help preserve the larger system over the longer haul.[8] (DIXIT, 1998, p. 141)

Observamos, aqui, a importância dada pelo autor citado à adaptabilidade das regras e normas do SMC no sentido de conferir um caráter mais palatável e permanente aos acordos firmados no sistema GATT/OMC. As cláusulas de escape são, pois, de fundamental importância na lida com os custos de transação ao nível institucional. Além do mais, a existência de mecanismos de enforcement, consolidados com o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, tem um papel primordial no processo político dentro do SMC, tendo em vista o caráter incompleto da constituição do comércio internacional (GATT/OMC).

Uma rápida olhada no histórico do sistema GATT/OMC nos trará alguns elementos confirmatórios da análise acima realizada. Um primeiro ponto a ser considerado é o lançamento periódico de rodadas de negociação que criam todo um ambiente mais propício ao debate político-diplomático, tendendo a ter uma melhora apreciável na facilitação do processo político de construção de regras no GATT/OMC. Ademais, os Acordos Multi-fibras, exceções e cláusulas de escape, ligadas a temas de negociações ou mesmo a transgressões parciais às normas e princípios gattianos, têm como ponto fundamental a adaptação do SMC à realidade sócio-política, de poder e interesses daquele momento histórico, o que permitirá ao sistema, como colocado por Dixit (1998), uma preservação em termos mais efetivos ao longo do curso.

Assim, o aspecto de grande relevância para o entendimento da importância analítica da observação do processo político está ligado ao caráter legislador do SMC, isto é, o papel desempenhado pela OMC na criação de normas. Como acerta o acordo constitutivo da OMC, tal papel pode ser realizado apenas no sentido de fornecer o fórum de negociações entre seus Estados-membros no relativo às relações comerciais multilaterais em assuntos que sejam objeto dos acordos nos anexos do Acordo Geral. Igualmente, a instituição pode do mesmo modo servir de fórum para diversas negociações referentes às relações comerciais internacionais entre seus Estados-membros, assim como fornecer o arcabouço para a implementação dos frutos de tais processos negociadores. Sobre este aspecto, Moraes (2005) nos coloca que:

A despeito das normas fiscalizadas pela OMC tratarem, sobretudo de regulamentar a atuação dos Estados sobre o comércio internacional – com vistas a manter um padrão de “liberdade” e “lealdade” (free e fair trade) – há verdadeiros espaços em branco não preenchidos por normas jurídicas. É o caso, já notabilizado, da regulamentação do livre comércio de produtos agrícolas, cuja verdadeira regulamentação começou apenas na Rodada Uruguai; tais assimetrias na regulamentação, que permitem que certos setores de comércio sejam mais liberalizados do que outros, encontram sua explicação no óbvio controle que os Estados membros têm sobre a produção de normas. (MORAES, 2005, p. 08)

E, ainda relativo ao aspecto político inerente ao SMC, Moraes (2005) continua:

O caráter técnico dos procedimentos de solução de controvérsias no quadro da OMC não autoriza dizer que os Estados tenham perdido todo o espaço de manobra política sobre uma controvérsia. Em primeiro lugar, o argumento decorre do fato de que a via da solução negociada permanece sempre aberta, independentemente da fase em que se encontra o procedimento. Através dela, a concordância dos Estados litigantes em negociar um termo para a controvérsia é suficiente para desprezar o conteúdo das decisões técnicas eventualmente proferidas. Sob essa ótica, a vantagem do procedimento técnico está em garantir ao litigante uma solução imparcial, caso não veja perspectiva na solução negociada (é o que se convencionou chamar de “direito a um painel”). Em segundo lugar, cada Estado controla o acesso das queixas à OMC. O que pareceria um truísmo se revela algo paradoxal quando examinada a natureza das obrigações que as normas da OMC ensejam. (MORAES, 2005, p. 10)

O controle que os Estados-membros têm sobre o comportamento do sistema GATT/OMC nos remete, numa perspectiva de comparação teórica superficial, à análise da teoria realista das relações internacionais, na qual o Estado nacional é o elemento fundamental da análise e onde a cooperação internacional pode ser explicada pelas “vontades egoísticas” dos Estados. Dessa forma, as instituições internacionais podem ser vistas como criadas por Estados que buscam seu próprio interesse. Tal fato, como salienta Moraes (2005), “implica mostrar que a criação de organizações internacionais não provoca qualquer “quebra” no ambiente anárquico que estrutura as relações internacionais.” (MORAES, 2005, p. 08) O papel ainda importante reservado aos Estados na Organização Mundial do Comércio atestam para a relevância da consideração analítica da política dos custos de transação, observando a criação de normas internacionais como um processo político, um jogo onde os jogadores buscam melhorar suas posições de forma competitiva, gerando, pois, ganhadores e perdedores.

A fundamentação analítica realizada com bases na política dos custos de transação consegue trazer à tona o aspecto do poder, dos interesses estatais (inter-estatais ou intra-estatais), do jogo dinâmico que ocorre no SMC entre os países dele participantes. O Sistema é visto, portanto, numa perspectiva de mudança, dinâmica, política. Este passo importante na tentativa de trazer realismo à análise econômica sobre os processos políticos de construção de regras e normas – com o novo enquadramento contextual de informação imperfeita, oportunismo, racionalidade limitada, etc. – o que deixa claro que não só de questões de ordem técnica são constituídas as instituições como a OMC, onde o ordenamento jurídico do comércio internacional é moldado.

É, por fim, muito importante notarmos que no jogo existente no SMC (GATT/OMC) por trás dos países participantes estão interesses muito bem definidos, os quais podem não ser os mais universais e benéficos à sociedade em geral, mas sim favoráveis a alguns poucos. Neste contexto, podemos dizer que tanto o processo político nacional quando o em nível internacional têm aspectos específicos e se entrelaçam numa teia de contatos que trás ainda maior complexidade aos acordos políticos.

4. Conclusão.

No presente trabalho, buscamos analisar o Sistema Multilateral de Comércio a partir de distintas perspectivas teóricas, tendo como objetivo o entendimento mais acurado da tomada de decisões no GATT/OMC no sentido de oferecer subsídios ao aperfeiçoamento da política exterior de comércio do Brasil, política esta que vem sendo apresentada como de grande importância no processo de desenvolvimento e estabilização da economia brasileira.

Pudemos observar, através de três óticas distintas, como o SMC pode ser entendido. A visão liberal, como foco na expansão da liberalização comercial a todo custo, vê o SMC como um arranjo second best no sentido de que promove, de forma gradual a liberalização do comércio de bens e serviços entre as nações do globo. A perspectiva teórica neo-institucionalista embasada na economia dos custos de transação e de enfoque estático e economicista, observa o Sistema a partir de seu importante papel desempenhado na facilitação das trocas entre as nações através do uso de mecanismos de cunho técnico na redução da incerteza e dos custos de transação encontrados nas negociações internacionais e também no que se refere ao uso de políticas comercias nos países que formam a instituição OMC. Já a abordagem fundada no conceito de política dos custos de transação vê o processo de criação de normas internacionais no âmbito da OMC como um processo político. Apresenta, pois, uma visão dinâmica do processo, deixando clara a idéia de que existem ganhadores e perdedores no jogo comercial internacional, o qual tem suas regras definidas pelo sistema GATT/OMC.

Acreditamos que muitos dos elementos aqui tratados, relativos ao SMC, podem servir como auxílio de grande valia no aprimoramento da política brasileira de comércio exterior. Como também tivemos a oportunidade de ver, a busca de novos mercados para os produtos brasileiros, juntamente com a identificação de áreas estratégicas e a diversificação da pauta exportadora, são colocados como focos da nossa política de comércio atual no sentido de aumentar o volume de comércio do país, reduzindo a vulnerabilidade externa e implicando um maior crescimento econômico.  Não resta dúvida que, para que tal inserção seja concretizada, a participação brasileira no SMC terá de ser muito importante. É na OMC que se trata, de forma multilateral, das regras e normas que regem o comércio internacional. Cabe, assim, ao Brasil saber coordenar e aglutinar seus interesses e poderes com aqueles países que apresentem semelhanças ou confluências de interesses com os dele, tendo em mente poderem participar do jogo internacional de forma mais pró-ativa na defesa dos verdadeiros interessantes de suas respectivas nações. O quadro analítico traçado no presente trabalho parece agregar muito valor a tal perspectiva de inserção positiva no SMC.

Esperamos, com este paper, poder ter apresentado novas possibilidades e caminhos para trabalhos acadêmicos inovadores a serem realizados nesta área do conhecimento econômico, ajudando a eliminar possíveis insuficiências analíticas encontradas no presente trabalho e gerando ricos subsídios ao processo de aperfeiçoamento da política externa comercial do Brasil. Com isso, a busca por uma inserção mais ativa e altiva do país no sistema de comércio mundial estará mais próxima de uma configuração positiva à economia nacional.

 

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Referências

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MORAES, Henrique Choer. A OMC entre o realismo e o institucionalismo. 12 p. Disponível em: < www.ilea.ufrgs.br/nerint >. Acesso em: 12 nov. 2005.

NORTH, Douglas C. Institutions. The journal of economic perspectives, v. 5, 1991.

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WILLIAMSON, Olivier E. The new institutional economics: taking stock, looking ahead. Journal of economic literature, v. 38, set. 2000. p. 595-613.

[1] O livre comércio traz inúmeros benefícios. Ele oferece aos países em desenvolvimento a oportunidade de conquistar o crescimento do produto e do emprego, incrementar a produtividade e a eficiência, e aumentar os padrões de vida e as possibilidades das escolhas no consumo. O livre comércio também corrói sistemas corruptos de preferência onde, àqueles com ligações com o governo, são garantidas licenças de comércio e outros tipos de proteção. (Tradução livre)

[2] Durante seus processos de desenvolvimento, os governos dos países industrializados de hoje fizeram uso de diferentes combinações das seguintes ferramentas de política: impostos tarifários; reembolsos tarifários sobre insumos importados para a produção de produtos de exportação; restrições sobre a importação de matérias-primas utilizadas por indústrias-chaves; regulação governamental da qualidade dos bens produzidos para exportação; e provisão governamental de informações sobre mercados de exportação e assistência de marketing. (Tradução livre)

[3] Vale salientar que a lógica presente na matriz de payoff que segue é uma lógica puramente liberal, tendo em vista a desconsideração do protecionismo como meio também gerador de algum benefício a um país. O exemplo, apesar de bastante simplificado, tem valor explicativo acera dos benefícios do livre comércio na ótica liberal, aspecto que queremos aqui enfatizar.

[4] Para uma análise mais aprofundada ver OHLIN (1966).

[5] “... os constrangimentos humanamente criados que estruturam a interação política, econômica e social. Consistem tanto em constrangimentos informais (sanções, tabus, costumes, tradições e códigos de conduta) e regras formais (constituições, leis, direitos de propriedade).” (Tradução livre)

[6] Para uma análise um pouco mais detalhada ver MORAES (2005).

[7] Por analogia com o conceito de Williamson de custos de transação relativos a organizações e resultados econômicos, tal construção pode ser chamada de “política dos custos de transação”. [...] Trabalho sobre este tema da política dos custos de transação e suas implicações para a política econômica. Uma forma natural de se começar é examinando as maneiras nas quais o processo político falha em produzir o resultado ideal Coseano. Isso abrirá o caminho para análises acerca das razões explicativas para tal falha. (Tradução livre)

[8] Tendo em vista que o GATT mistura elementos tanto da política doméstica quanto da internacional, não é surpreendente que seus mecanismos para lidar com os custos de transação não funcionem tão bem quanto aqueles da política doméstica isoladamente. Perdas relativamente a um padrão ideal de eficiência são fáceis de apontar, mas encontrar mudanças razoáveis – remediar – é bem mais difícil. As únicas conclusões gerais parecem ser o mérito em aceitar resultados do tipo segundo-, ou terceiro-melhor, por exemplo, permitindo algumas cláusulas de escape limitadas e temporárias mesmo quando elas fogem do ideal, dado que as mesmas são conformam pré-condições importantes para preservação do sistema mais geral no longo prazo. (Tradução livre)

 

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 12 abril, 2006.