por MARGARETE GARCIA MARTINS

Graduanda em Administração Pública na Faculdade de Ciências e Letras da Unesp – Campus de Araraquara, orientanda do Prof º Dr. Felipe Luiz Gomes e Silva, docente na mesma Universidade

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Uma breve reflexão sobre o terceiro setor na cidade de São Carlos

 

Margarete Garcia Martins

 

RESUMO: O propósito do artigo é refletir sobre o que se convencionou chamar de “terceiro setor”. Nesse trabalho realizou-se um estudo de caráter teórico e uma pesquisa de campo. Após uma reflexão crítica sobre a noção “terceiro setor”, foram analisados os dados coletados referentes às entidades e instituições sociais existentes na cidade de São Carlos. Dessa forma, foi possível tecer algumas considerações a respeito de certos aspectos que se encontram presentes nesse setor. Os resultados dessa pesquisa poderão estimular o aprofundamento da reflexão crítica acerca do conceito e de ações do denominado “terceiro setor”.

PALAVRAS-CHAVE: Terceiro setor; Estado; ideologia; assistencialismo.

ABSTRACT: The purpose of this article is to think over what was covenanted to call “third sector”. At this research, a theorical study and field work were made. After a critical reflection about the notion of “third sector”, the collected datas referring to corporations and social institution were analysed in the city of São Carlos. Thus, it was possible to have some regards about some aspects that are at that sector. The results of this research will stimulate to deepen the critical reflection about the conception and actions of the so called “third sector”.

KEYWORDS: Third sector, State, ideology, social work

 

Partindo do pressuposto de que há na sociedade três segmentos sociais distintos, alguns estudiosos aceitaram o desafio de refletir, criticamente ou não, sobre o significado da noção “terceiro setor”. Segundo o intelectual Fernandes (1994), o "terceiro setor" é um segmento da sociedade composto por agentes e instituições privadas que buscam a realização de objetivos coletivos e/ou públicos. Para esse estudioso o "terceiro setor" não pretende substituir o Estado na promoção do bem-estar social (primeiro setor) e nem o mercado (segundo setor) na produção de bens e serviços. A sua dinâmica é complementar às atividades do Estado e do mercado.

Nesse trabalho realizou-se um estudo de caráter teórico e uma pesquisa de campo. Após uma reflexão crítica sobre a noção “terceiro setor”, foram analisados os dados coletados sobre as entidades e instituições sociais existentes na cidade de São Carlos. Dentre as trinta e cinco entidades sociais pesquisadas, vinte e uma foram analisadas mediante a aplicação de um questionário pré-definido com o propósito de coletar dados que pudessem caracterizar uma parcela de instituições pertencentes ao chamado “terceiro setor”.

Os dados coligidos possibilitaram uma análise estatística quantitativa, dada pelas informações contidas nos gráficos, e qualitativa, mediante a realização de entrevistas presenciais para levantamento de dados mais detalhados. Dentre tais dados estão as principais dificuldades encontradas pelas instituições para perpetuar a sua atuação, ou seja, para o cumprimento dos seus objetivos. As respostas mais freqüentes dadas a esse problema são: falta de recursos financeiros, falta de voluntários para o desenvolvimento de atividades, insuficiência de recursos materiais, necessidade de pessoal qualificado para atender as especificidades, entre outras. Além disso, foi possível conhecer os objetivos gerais das organizações que se resumem, de forma genérica, ao propósito de suprir, sanar ou prevenir deficiências e necessidades de indivíduos ou grupos quanto à sobrevivência, convivência e autonomia social. Dessa forma, foi possível tecer algumas considerações a respeito de certos aspectos que se encontram presentes nesse setor na cidade de São Carlos. A tabulação dos dados permitiu avaliar aspectos relevantes da forma de atuação de tais entidades na cidade em referência.

As instituições analisadas pertencem a grupos distintos, a saber: entidades que assistem crianças e adolescentes; creches; entidades que atendem idosos; entidades que dão apoio à família carente; e entidades que cuidam de pessoas portadoras de necessidades especiais. Em maior número predominam as instituições que têm como beneficiários principais crianças ou adolescentes em desenvolvimento. A pesquisa de campo indica que a maioria das entidades desenvolve ações assistenciais e filantrópicas1, ações que tendem a substituir a ação do Estado.

Uma peculiaridade importante dessas organizações é o fato de elas se autodenominarem “terceiro setor”, se proclamarem “cidadãs” e se apresentarem como sem fins lucrativos. O fato de não terem como objetivo o lucro não significa que essas organizações não cobrem pelos serviços prestados, não paguem seus funcionários e não invistam em equipamentos em propriedades. O perfil de tais organizações está mais voltado à “filantropia empresarial”, movimento que começa a se formar no Brasil e de forte tradição nos países do Primeiro Mundo.

No Brasil, segundo Coutinho (2004), as organizações do “terceiro setor” e, por conseguinte, as ONGs (organizações não-governamentais), proliferam vertiginosamente a partir da década de 1990 – principal momento de implementação das políticas de caráter neoliberal. Essa lógica neoliberal transforma as políticas sociais em programas de caridade, nos quais comunidades inteiras disputam a ação de ONGs, distanciando-se da luta por políticas mais amplas e “universais”. Tal problema ocorre porque essas organizações raramente fazem alusão às causas estruturais da pobreza, a que estão sujeitos esses mesmos grupos sociais. Assim, as entidades competem pelo “mercado da solidariedade”, pelos parcos recursos oriundos do Estado ou de Fundações Privadas, gerando rivalidades inter e intracomunidades. Dessa forma, a prática do “terceiro setor”, sob a análise de Coutinho, transforma a solidariedade em mais um mecanismo institucionalizado da exploração de classe. Ignorando a crescente precarização e flexibilização das relações de trabalho, o “voluntariado” é enaltecido como uma forma de amenizar as lacunas das políticas neoliberais. 

Coutinho enfatiza ainda que o “terceiro setor” e sua parte mais visível, as ONGs, ascenderam a um patamar de “co-responsabilização” pelas questões públicas, reforçando a “desresponsabilização” do Estado com o eufemismo de “publicização”. Em outras palavras, trata-se da inserção do “terceiro setor” nas estratégias neoliberais para desobrigar o Estado de atuar na área social. Esse “setor”, inserido na lógica do capital, visa, sim, o lucro que, segundo seus defensores, está vinculado à “responsabilidade social” e, supostamente, a uma visão “humanista”. As empresas têm a oportunidade de desenvolver os negócios e aumentar seus lucros por meio do que se chama de “marketing social”. Como não existem empresas que não visam lucros, a “responsabilidade social” é, na realidade, um investimento mercadológico que tem como objetivo usar as carências materiais de uma população explorada pelo capital para agregar valor às mercadorias (“valor ético”). A relação entre as ONGs surgidas na década de 1990 e as instituições empresariais contribui com a política do “colchão amortecedor” para amenizar os conflitos e contradições de classes. Na condição de voluntário, o trabalhador fica mais motivado para a empresa. Dessa forma, o “terceiro setor” fica totalmente aprisionado pelo mercado. A lógica neoliberal transforma as políticas sociais em práticas tradicionais de caridade e não mais em direitos dos cidadãos (COUTINHO, 2004). Complementar a essa idéia está a observação de Sposati (1995):

não se pode esquecer que as políticas estatais são um espaço para a mercantilização do social através do repasse, pelo Estado, de recursos para a iniciativa privada. (...) Produzir serviços assistenciais não é somente filantropia da iniciativa privada, é modalidade de execução das políticas sociais pelo Estado brasileiro, não chegando a constituir direitos para o cidadão.

Para Mestriner (2001), longe de assumir o formato de política social, a assistência social acaba por reproduzir a pobreza e a desigualdade na sociedade brasileira, já que opera de forma descontínua em situações pontuais. Sempre direcionada a dificuldades específicas (relativas à criança, à terceira idade, ao portador de necessidades especiais, entre outras), não cumpre a perspectiva cidadã de ruptura da subalternidade. Ao contrário, caracteriza-se como uma política paliativa, por neutralizar demandas e reivindicações. Nas palavras de Mestriner:

isto significa que a assistência social, embora tenha ingressado na agenda do Estado - desde o âmbito municipal até o federal - , sempre o fez de forma dúbia, isto é, mais reconhecendo o conjunto das iniciativas organizadas da sociedade civil no denominado campo dos “sem fins lucrativos” do que propriamente reconhecendo como de responsabilidade pública e estatal as necessidades da população atendida por tais iniciativas. (...) O reconhecimento estatal das necessidades da população permaneceu, portanto, mediado por organizações, truncando a possibilidade da efetivação da cidadania dos segmentos fragilizados.

Sendo assim, “o Estado fez com que assistência social transitasse sempre no campo da solidariedade, filantropia e benemerência, princípios que nem sempre representam direitos sociais, mas apenas benevolência paliativa”. (MESTRINER, 2001, p.21).

Segundo Alayón (1995), o denominado assistencialismo é uma existência própria do sistema vigente. Sobre tal fenômeno, o autor discorre:

a questão consiste em como transformar politicamente o assistencialismo em assistência (como direito), sendo urgente repolitizar a política social quando sta propende cada vez mais a sair do campo do Estado (âmbito da política por excelência), transferindo-se aos espaços e iniciativas privados, conotando a ação social como se tratasse de uma alternativa desinteressada e generosa da parte de certos setores e não como um processo complexo que expressa, dinamicamente, diversos interesses e objetivos em jogo.

Sob este ângulo, o assistencialismo constitui-se numa atividade social que historicamente as classes hegemônicas implementaram para reduzir minimamente a miséria que geram e para perpetuar o sistema de exploração dos trabalhadores. Partindo do pressuposto de que os incentivos à participação comunitária, à racionalização e maximização dos parcos recursos, à ajuda mútua, ao esforço próprio e ao trabalho voluntário sejam necessidades dos nossos Estados, articulados ao sistema mundial, Alayón revela que tais Estados “acabam por delegar a sua responsabilidade específica e atribuir aos próprios setores vulnerabilizados a alternativa da auto-solução dos seus problemas – derivados das características do funcionamento do sistema social e não de culpas suas” (ALAYÓN, 1995, p.84).

Como demonstra Montaño (2002), o "terceiro setor" tem sido funcional  às políticas neoliberais e à terceirização do Estado. O autor desmistifica o “terceiro setor”, aparentemente percebido como um “setor” independente, público não-estatal, não-governamental, autogovernado e não-lucrativo. Além da falta de rigor teórico e histórico, por parte dos próprios ideólogos do “terceiro setor”, Montaño constata que muitas ONGs são financiadas pelo Estado (por meio das “parcerias”) ou contratadas por este, colocando em cheque o caráter de ONG autogovernada. Sendo assim, a sobrevivência dessas ONGs está condicionada à política governamental. Para Montenegro (1994), por dependerem financeiramente do Estado, essas organizações podem ser caracterizadas como instituições “paraestatais”. Além disso, algumas fundações (Fundação Bradesco, Roberto Marinho etc), consideradas OSFL (organizações sem fins lucrativos), são isentas de impostos e fazem propaganda para as empresas às quais estão vinculadas, melhorando a imagem do produto e da empresa no mercado, o que demonstra o seu caráter lucrativo indireto. Montaño afirma ainda que boa parte dos recursos repassados a essas ONGs, OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) e OSFL, por meio das “parcerias”, destina-se à manutenção administrativa, desvelando claro interesse lucrativo. Vale ressaltar que a Prefeitura Municipal, o Governo Estadual e as empresas privadas são requisitados pelas entidades sociais de São Carlos como parceiros mediante recursos financeiros, humanos e materiais. Esses dados sugerem que essas organizações têm seu campo de trabalho condicionado e limitado pelas fontes de financiamento. (Gráficos I, II e III).

De acordo com a pesquisa, as instituições requerem o auxílio das Universidades por meio da contratação de alunos estagiários (18 dentre as 21 instituições) e professores (9 entidades). Os serviços prestados pelas instituições caracterizam-se, em sua maioria, por serem gratuitos (18 entidades). Em relação aos serviços pagos parcialmente ou integralmente, observa-se um número de duas instituições para o primeiro caso e apenas uma para o segundo.

Os recursos financeiros para a manutenção das entidades provêm da Prefeitura de São Carlos, na quase totalidade das instituições (90,5%), de sócios contribuintes (71,4%), de doações de pessoas físicas (66,7%), de empresas privadas (57,1%), de recursos próprios (57,1%), do Estado (52,4%), e da esfera federal (38,1%). (Gráfico IV). É importante frisar que uma mesma entidade pode receber recursos de várias instituições. Convém ressaltar que as doações de pessoas físicas são em espécie e não em dinheiro, ou seja, traduzem-se em alimentos, roupas e equipamentos para as entidades, o que confirma o caráter assistencialista por parte das entidades.

As atividades desenvolvidas pelas instituições de São Carlos pertencem, predominantemente, à área de Educação e de Assistência Social e Defesa dos Direitos. A estas seguem atividades exercidas nas áreas de Esporte e Lazer, Saúde e Cultura. Vale ressaltar que uma mesma instituição desenvolve atividades em diferentes áreas. Outros tipos de atividades foram citados, como demonstra o Gráfico V.

Quanto ao nível de escolaridade dos funcionários pertencentes a essas entidades (345 no total), 32,2% concluíram apenas o ensino fundamental, seguido de 29,6% que possuem ensino médio completo, 24,9% com ensino superior, 9,3% com ensino técnico e 4,1% em outras situações, nas quais estão inclusos funcionários analfabetos, com primário completo, cursando a faculdade ou com superior incompleto. O ensino médio corresponde à maior porcentagem (38,1%) quando se trata da escolaridade dos 459 voluntários que atuam nessas entidades. Quanto aos demais níveis de escolaridade, 26,6% dos voluntários possuem ensino superior, 16,8% têm ensino fundamental completo e 5,4% concluíram o ensino técnico. Pela análise, observa-se que 70,1% dos voluntários possuem, no mínimo, ensino médio (Gráficos VI e VII).

Em relação ao regime de funcionamento das instituições, 43% delas trabalham em regime aberto, 39,1% em semi-internato e 17,4% atuam sob o regime de internato, como mostra o Gráfico VIII.

Eis a relação das vinte e uma entidades pesquisadas de São Carlos:

CRECHES

1. Casa do Caminho "Instituição Espírita Cristã" - Creche Meimei

2. C.A.S.A. - Centro Assistencial Santo Antônio de Vila Prado - Creche Aracy Pereira Lopes

3. Centro Promocional de Menores “Padre Teixeira”

4. Clube das Mães - Creche Anita Costa

5. Nosso Lar - Trabalhando pela criança

6. Sociedade de Amigos da Paróquia Santa Isabel - Creche da Divina Providência

CRIANÇAS E ADOLESCENTES

7. Associação da Missão Evangélica para assistência à criança - Casa da Criança

8. CEFA - Centro de Educação e Formação ao Adolescente "Prof º. Cid da Silva César" (Patrulheiro).

9. Lar Rosa de Sarom

10. Obra de Assistência Social Sacramentinas

11. Núcleo Kardecista Paz, Amor e Fraternidade (PAF)

FAMÍLIA

12. Grupo Espírita Consciência e Caridade

IDOSOS

13. Sociedade Presbiteriana de Assistência Social - Abrigo de idosos "D. Helena Dornfeld”.

14. Cantinho Fraterno "Dona Maria Jacinta"

15. Núcleo Cristão "Os Guardiões do Amor" - Abrigo de idosos "Cantinho de Luz"

PESSOAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS

16. ACORDE - Associação de capacitação, orientação e desenvolvimento do excepcional.

17. APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

18. AFISC - Associação de Apoio aos fissurados lápios palatais de São Carlos

19. EAPA - Associação de Apoio às pessoas portadoras de HIV/AIDS de São Carlos

20. Rede Feminina de Combate ao Câncer

21. Serviço de Obras Sociais Santa Isabel - S.O.S.

Conclusão

Mediante uma pesquisa de campo e uma análise crítica pertinente ao “terceiro setor”, procurou-se discutir a emergência deste segmento social como uma ideologia e uma “prática solidária” funcional às políticas neoliberais. Isto porque o Estado não pode ser visto como um setor autônomo voltado aos interesses públicos, que existe acima das classes sociais. À luz dos autores estudados, essa reflexão crítica permitiu confrontar diversas interpretações e análises científicas. A partir de tais análises, constata-se que o denominado “terceiro setor” participa da reprodução da injustiça social com um discurso benevolente, ideologia da generosidade que oculta, com seu messianismo, a sua funcionalidade ao Estado neoliberal. A pesquisa empírica realizada em São Carlos demonstrou o assistencialismo característico das entidades sociais, além da luta pela ampliação do seu “rebanho” com financiamento do Estado. A atuação dessas organizações enquanto meras instituições filantrópicas e assistenciais reproduz, de certa forma, as desigualdades sociais, econômicas e políticas inerentes ao modo de produção capitalista.

Kurz (1997) chama de “efeito curativo do terceiro setor” a sua capacidade de amenizar parcialmente o sofrimento humano mediante práticas assistencialistas. O autor avalia o “terceiro setor” como “o irmão caçula do mercado”, pois as migalhas de caridade deixadas pela produção que visa ao lucro constituem as fontes de “financiamento”.

A proliferação de organizações não-governamentais, com seus programas voltados para atender a todo tipo de carência, faz parte de um “mercado da solidariedade” que ignora as raízes do desemprego e a crescente precarização e flexibilização das relações de trabalho. A terceirização da responsabilidade social do Estado aparece com o eufemismo de “publicização” (COUTINHO, 2004), destruindo a universalização dos direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora.

Para Arantes (2000), essa “publicização” é resultado de uma simbiose entre poder e dinheiro, um processo destinado a ampliar ainda mais o “espaço de participação cidadã” com a introdução de novos “atores emergentes”. Nas palavras do autor:

as organizações sociais resultam da transformação dos serviços públicos em entidades públicas de direito privado que celebram com o estado um contrato de gestão, cujas atividades são controladas de forma mista pelo Estado (financiamento parcial pelo orçamento público, poder de veto e cooptação nos conselhos de administração) e pelo Mercado (cobrança de serviços prestados pela mão invisível da concorrência entre as entidades).

Segundo Rifkin (1997), em conseqüência do desemprego estrutural, provocado pela introdução de novas tecnologias, da redução do papel do Estado em relação ao desenvolvimento de políticas sociais e do crescimento do que se denomina “economia informal”, o “terceiro setor” apresenta-se como uma alternativa pela qual as ONGs e as Fundações Privadas deverão assumir a responsabilidade da vida cívica no interior das relações sociais de produção capitalistas harmonizadas.

Sob a análise de outros pesquisadores, no entanto, essa alternativa é extremamente limitada para a absorção do contingente de trabalhadores que está fora do “mercado formal”. Não há nenhum dado que comprove que a atuação das ONGs tenha reduzido o desemprego estrutural, os deslocamentos em massa de camponeses, nem criado níveis salariais dignos para o crescente exército de trabalhadores informais (PETRAS, 1999). Como ressalta Mestriner (2001):

o Estado brasileiro favorece de forma mais intensa a reprodução do capital, e não as condições sociais de sobrevivência e qualidade de vida das classes trabalhadoras. Essa regulação trunca a consagração de direitos sociais e faz das reformas adotadas processos predominantemente regressivos para a universalização da cidadania. Transmuta em proteção das organizações sem fins lucrativos o que deveria ser a proteção social ás vulnerabilidades do cidadão.

Deve-se considerar, portanto, o papel ideológico que essas organizações cumprem ao assumirem responsabilidades que antes eram do Estado, e sem a capacidade de universalização. Assim, elas podem desmobilizar movimentos, ao invés de organizá-los. (COUTINHO, 2004).

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1 No sentido mais restrito, (a filantropia) constitui-se no sentimento, na preocupação do favorecido com o outro que nada tem, portanto, no gesto voluntarista, sem intenção de lucro, de apropriação de qualquer bem. No sentido mais amplo, supõe o sentimento mais humanitário: a intenção de que o ser humano tenha garantida condição digna de vida. É a preocupação de praticar o bem. E aí confunde-se com a solidariedade. (MESTRINER, 2001).

Referências bibliográficas

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ARANTES, Paulo Eduardo. Esquerda e Direita no Espelho das ONGs. Em: ONGs, identidade e desafios atuais. Cadernos ABONG, número 27. São Paulo: Autores Associados, 2000. 

COUTINHO, Joana Aparecida. O que está por trás do “não” das ONGs. Em: ONGs e Políticas Neoliberais no Brasil – Tese (Doutorado) PUC – São Paulo, 2004.

COUTINHO, Joana Aparecida. ONGs e “Responsabilidade social” das empresas: “solidariedade às avessas”. Em: ONGs e Políticas Neoliberais no Brasil – Tese (Doutorado) PUC – São Paulo, 2004.

FERNANDES, Rubem César. “O que é terceiro setor?”. Em IOSHPE, Evelyn Berg (org), 3º setor: desenvolvimento social sustentado. São Paulo/Rio de Janeiro: Gife/Paz e Terra, 1997.

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MONTENEGRO, Thereza. O que é ONG?. São Paulo: Brasiliense, 1994.

PETRAS, J. Globalização: América Latina, Europa, Estados Unidos. Blumenau: FURB, 1999.

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 18 abril, 2006.