Por LÍCIO ROMERO COSTA

Aluno do curso de História da UFPB. Ensaio originalmente apresentado na mesa-redonda intitulada Universidade e movimentos sociais: uma experiência de graduação na UFPB, durante o VII CCHLA Conhecimento em Debate, evento realizado em março de 2005.

 

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Universidade e movimentos sociais do campo: reflexões acerca da experiência no curso PEC-MSC de licenciatura em História/UFPB

Lício Romero Costa

 

Andei com homens que estavam nos lugares mais altos – os pregadores, os políticos, os homens de negócios, professores e editores. Comi carne com eles, tomei vinho com eles, andei de automóvel com eles e estudei com eles. É verdade, encontrei muitos que eram honestos e nobres; mas, com raras exceções, não estavam vivos. Realmente acredito que poderia contar as exceções com os dedos das minhas mãos. Quando não estavam mortos pela podridão moral, atolados na vida suja, eram apenas a morte insepulta – como múmias preservadas, mas não vivas. Neste sentido, poderia especialmente citar professores que conheci, homens que vivem de acordo com o decadente ideal universitário, “a perseguição sem paixão da inteligência sem paixão”.

JACK LONDON

(O que a vida significa para mim)

 

 

Resumo

Enxergando o espaço acadêmico como um lugar de acúmulo de conhecimento, cuja finalidade, levada a cabo de uma maneira ou de outra, é a intervenção direta na realidade, apresentamos algumas considerações sobre a experiência de monitoria no curso PEC de História voltado a movimentos sociais do campo: dentro da perspectiva que tal experiência abre horizontes, pois evidencia o papel social de cunho transformador que a universidade pode desempenhar, caso encare sem vergonhas sua função política e social. Também é objetivo deste trabalho refletir sobre o conhecimento produzido dentro dos muros de nossa instituição em geral, e o conhecimento histórico em particular, como armas nos conflitos políticos que nos cercam, na perspectiva de uma história engajada – tendo a consciência dos perigos que essa visão pode acarretar, mas encarando-os como riscos necessários.

Palavras-chaves: conhecimento histórico, engajamento, movimentos sociais do campo, papel social da universidade.

Abstract

Seeing the academic space as a place of accumulation of knowledge, whose purpose, in a way or another, is the direct intervention in the reality, we present some considerations about the experience of being monitor in the course PEC of History directed to social movements of the field: in the perspective that such experience opens horizons, therefore it evidences the social role of transforming feature that the university can fulfill, in case that it faces with no shames its social and political function. It is also an objective of this work to consider about the knowledge produced inside the walls of our institution in general, and the historical knowledge in particular, as weapons in the political conflicts which surround us, in the perspective of an engaged history – being conscious of the dangers that this vision can cause, but facing them as necessary risks.

Keywords: historical knowledge, engagement, social movements of the field, university’s social role.

 

Em 2004, ocorreu uma experiência nova no âmbito do Campus I da Universidade Federal da Paraíba: foi aprovada a realização do curso superior de licenciatura em história para movimentos sociais do campo. O curso PEC-MSC (Programa estudante-convênio para movimentos sociais do campo), ainda em andamento nesta data, é fruto de um convênio entre a Fundação José Américo, o INCRA e a UFPB, e iniciou suas atividades no início de agosto do referente ano, após vestibular, com 60 vagas disponibilizadas.

Pode-se dizer que essa foi uma experiência nova, no sentido que este foi o primeiro curso de história no Brasil realizado em tais moldes. Mas a experiência em geral já existe em outras instituições de ensino superior, brasileiras e estrangeiras, tanto públicas como privadas: são cursos como pedagogia, agronomia, zootecnia, direito, medicina (o exemplo da Escola Latino-americana de Medicina, em Cuba), jornalismo, etc. E mesmo na própria UFPB (no CFT, localizado no município de Bananeiras, por exemplo) já houve experiências com movimentos sociais campesinos.

Logicamente, tais iniciativas são minoritárias no quadro do ensino superior brasileiro, compondo hoje o que poderíamos chamar de exceção da regra; e não é sem dificuldades que elas conseguem furar as barreiras da mentalidade conservadora e produtivista, que possui grande influência na ampla maioria das instituições educacionais, desde sua base até o topo da pirâmide administrativa.

O próprio curso em questão enfrentou problemas para se concretizar, sendo uma das causas importantes para o êxito da aprovação de sua proposta junto aos órgãos governamentais, o poder de influência política do Movimento dos Sem-Terra – não pretendendo aqui ensaiar uma hierarquização das diversas forças e vontades que trabalharam em prol de sua efetivação. É sabido que o MST, além de incentivar seus integrantes a prestarem concurso vestibular individualmente, procura desenvolver parcerias e convênios com as Universidades e outros órgãos e instituições, nacionais e internacionais, com o objetivo de capacitar seus membros ao exercício de profissões e carreiras tradicionais. E, no curso referido, a ampla maioria dos inscritos no processo seletivo, e conseqüentemente a maioria dos alunos, são quadros de direção do Movimento.

Quando, pois, afirmamos que este curso PEC-MSC foi inovador, não nos referimos apenas ao fato de que ele foi a primeira iniciativa desse tipo no Campus I, ou à sua estrutura modular intensiva e ao período de acompanhamento nos assentamentos e acampamentos dos movimentos nos estados; referimo-nos ao conhecimento discutido em seu decorrer, o histórico, que tem como ambição a compreensão crítica da realidade. Com efeito, pretende-se aqui a discussão da perspectiva do conhecimento histórico não enquanto um fim em si, mas enquanto um meio de conhecer a realidade, suas características e contradições, com o objetivo concreto de transformá-la. Além de tentar perceber o quanto tal experiência pode ajudar a própria Universidade – entendida não apenas enquanto instituição, mas em sua dimensão material: estudantes, professores, funcionários e sua estrutura física de suporte – a refletir sobre seu papel político e social.

Para tanto, se faz necessário abordar minimamente a realidade acadêmica e a cotidiana reprodução de suas práticas institucionalizadas, diferenciando ambas as concepções de educação que pudemos perceber, tanto enquanto estudante do curso extensivo e parte integrante da comunidade universitária, quanto como monitor da disciplina Introdução aos Estudos Históricos, durante o primeiro módulo do curso, entre agosto e outubro de 2004.

UM FANTASMA TAYLORISTA RONDA A ACADEMIA

Os valores que norteiam a educação de nível superior e a produção do conhecimento científico nas Universidades brasileiras, como qualquer pessoa pode atentar, passaram por mudanças significativas nas últimas décadas. Não saberíamos precisar o ritmo dessas transformações ao longo do tempo, pois isso requer um estudo específico sobre o tema; mas podemos afirmar sem sombra de dúvidas que tal mudança do paradigma educacional se relaciona intrinsecamente com o processo de consolidação do discurso neoliberal na América Latina.

Cada vez mais a educação é tratada como mercadoria: minguam os recursos para manutenção das instituições públicas e o setor privado se expande; as pesquisas e seu financiamento, em especial na área de tecnologias, são determinados pelo interesse empresarial e viabilidades comerciais das descobertas; o processo de construção do conhecimento científico passa a ser visto dentro de uma perspectiva produtivista, assemelhando-se à concepção taylorista da produção capitalista – aprimora-se a produção de acordo com um melhor aproveitamento do tempo e das técnicas durante a linha de produção, de forma a se produzir muito em quantidade de algo pouco diferenciado, em um curto intervalo de tempo. 

Podemos nos apropriar da denominação empregada por Maurício Tragtenberg para descrever tais posturas e práticas: delinqüência acadêmica (TRAGTENBERG, 2002). Essa nada mais é do que o processo em que o tecnicismo abafa o processo de constituição do saber, levando docentes e discentes a uma lógica em essência conservadora – que privilegia a quantidade de textos e resumos publicados, além de trabalhos apresentados e participação em bancas, em detrimento da qualidade do conhecimento produzido; que transforma o Currículo Lattes um novo ídolo a ser adorado; que torna as disputas por cargos institucionais extremamente acirradas, por vezes sem projetos políticos concretos. Ou seja, uma lógica que serve para formar intelectuais orgânicos do sistema, mantenedores e dependentes de sua estrutura.

Esta lógica da competência ganha hoje proporções colossais, pois os critérios de avaliação do pesquisador e do profissional, seja qual for sua área, baseiam-se no currículo construído de tal forma quantitativa, em que todas as atividades e funções são convertidas em valores numéricos ou conceitos. Torna-se extremamente difícil contornar essa lógica viciosa, justamente pelo fato dela existir para determinar nosso futuro.

Acaba-se por sepultar a idéia de uma educação que possa de fato desenvolver a essência humana, pois essa idéia se choca diretamente com os próprios fundamentos do sistema e da sociedade dividida em classes. A educação vigente torna-se um dos pilares basilares dessa realidade de opressão, minando a capacidade crítica dos educandos e os acomodando em uma postura de submissão aos poderes instituídos e às classes dominantes.

É preciso então modificar tal lógica, através de uma práxis da transformação social, entendendo por práxis a união necessária entre teoria e prática: pois não basta o conhecimento para que possamos transformar as relações humanas; assim como qualquer prática sem teoria, que lhe dê suporte, acaba por se tornar agitação e “movimentismo”.

EDUCAÇÃO PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL E HUMANA

As discussões trazidas por Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido, tratam exatamente dessa necessidade de uma práxis transformadora, por intermédio do processo pedagógico, de forma a conscientizar os educandos da realidade opressora que os cerca, aliando tal compreensão à prática de questionamento, intervenção e auto-organização popular.

Para isso, é necessário que se compreenda o caráter dual da consciência do oprimido, que, enquanto indivíduo, é integrante de uma sociedade, adquirindo as idéias, preconceitos e costumes hegemônicos na mesma. Pois o indivíduo não é uma ilha, cercada de água por todos os lados: assim como exerce sua influência no meio social, sofre as determinações desse meio desde o momento de seu nascimento. A consciência comum, que governa as práticas sociais e todo um conjunto de idéias e pensamentos, apenas aparentemente tem sua origem em um plano a-teórico; quando, na verdade, reflete a concepção de mundo das classes dominantes, e possui uma ideologia concreta que a embasa.

O mito da caverna de Platão descreve metaforicamente bem esta realidade em que estamos presos, acorrentados, olhando para vultos que achamos ser coisas reais, quando na verdade são apenas aparências. E caso algum dos presos no fundo da caverna se liberte, descubra o exterior e tente convencer seus pares de que tudo que conheceram e que tiveram como paradigma toda a sua vida é uma farsa, certamente ele será maltratado por seus pares, acomodados que estão em suas vidas. É o que Paulo Freire chama de medo da liberdade (FREIRE, 2004).

A pedagogia do oprimido, assim, considera a necessidade da radicalização da práxis, encarando os processos pedagógicos e os momentos da luta de classes numa perspectiva dialógica e radical nos objetivos de transformação social. A libertação humana não seria atingida exclusivamente através do pedagogo – no sentido mais amplo da palavra: aquele que guia – e seu trabalho de conscientização, nem tampouco pelo próprio oprimido, sozinho, em uma espécie de cruzada pessoal; tal libertação apenas pode ser atingida através da coletividade, pois o homem é, eminentemente um ser social.

Os princípios educacionais do MST são baseados sobremaneira nos escritos de Paulo Freire. Eles são fundamentados em uma concepção de educação voltada para a transformação social, para o trabalho e a cooperação, para as diversas dimensões humanas e para o mundo, aberta ao novo, e como processo permanente de construção humana, segundo o Caderno intitulado Princípios de Educação do MST – publicação do próprio movimento. De maneira que pudemos notar, no pouco convívio que tivemos com a turma, uma postura diferente sob diversos aspectos, que parecem tão comuns na vida acadêmica para nós, que a vivenciamos há anos e acabamos por nos enquadrar – mesmo que em diferentes medidas, a favor ou contra nossa vontade – na lógica da competência.

O sentimento de coletividade talvez seja um dos aspectos que mais saltam aos olhos. Logicamente, também encontramos esse aspecto em diversos âmbitos da vida acadêmica, mas certamente em menor grau. A realidade competitiva do meio universitário instiga muito mais um sentimento de desconfiança e de individualidade do que aproxima. Os laços formados no cotidiano acadêmico, em especial entre os discentes, são certamente em menor número. Isso sem dúvida decorre de um objetivo de vida comum dos movimentos sociais campesinos: a luta pela terra, pela reforma agrária e pela mudança social – ainda mais no referido caso, cuja ampla maioria pertencia a um único movimento; mas não é fruto unicamente de tal razão: a própria cultura e práticas de convivência dentro do movimento, influenciado pelos princípios e concepções pedagógicas acima colocadas, contribuem para isso.

Para além das relações intersubjetivas, talvez a maior diferença esteja na prática militante dos educandos, que encaravam o conhecimento adquirido como instrumento de sua capacitação pessoal e de aperfeiçoamento de sua luta coletiva. Existia consenso nesse aspecto. Consenso oposto ao discurso hegemônico nas Universidades nos dias de hoje: talvez essa seja uma das razões dos receios e desconfianças mútuas, entre integrantes de “mundos” aparentemente tão distintos.

O CONHECIMENTO HISTÓRICO ENQUANTO ARMA POLÍTICA E OS PERIGOS DESSA CONCEPÇÃO

Apesar das atuais condições castradoras do ensino superior brasileiro, e todo o esforço institucional de se produzir um conhecimento “domesticado”, especializado e descomprometido com transformações sociais que alterem conseqüentemente o status quo, ainda acredito no potencial crítico e transformador do espaço acadêmico. Pois mesmo que seja uma instituição integrante da ordem social vigente, e as limitações decorrentes dessa certeza, ela ainda é o foco primeiro de produção do conhecimento científico e de reflexão crítica sobre a sociedade.

É extremamente atual a necessidade de nós, enquanto pesquisadores e educadores, docentes e discentes, nos comprometamos com o pensar o conhecimento não como um fim em si, mas que ele possa ter uma finalidade concreta. Não se trata aqui da defesa de uma posição científica funcionalista, mas sim da crença de que o conhecimento não é neutro: ele possui um intrínseco caráter de classe.

Tal caráter do conhecimento em geral se mostra uma constatação muito importante, especialmente no tocante ao conhecimento histórico, dada a importância do passado na legitimação dos fundamentos ideológicos de uma sociedade. “Controlar o passado ajuda a dominar o presente, a legitimar tanto as dominações como as rebeldias”. (FERRO, 1999, p. 11) Aqueles que detêm o controle sobre a história de um povo certamente estão mais aptos a dominá-lo. Passaremos então a nos referir, a partir daqui, especialmente ao conhecimento histórico, pensado e construído por pessoas que se dedicam ao nosso ofício próprio; sendo que tais considerações e pontos de vista também abrangem o conjunto das ciências sociais.

É importante, aqui, ratificar a necessidade de uma história que tenha compromisso com a objetividade dos fatos históricos, e ao mesmo tempo tenha clareza que o indivíduo é determinado, em última instância, pelo meio material e pelas relações produtivas que o cercam. Assim, a exigência pela objetividade do conhecimento histórico que fazemos não se confunde com as aspirações encontradas no modelo da teoria do reflexo mecanicista descrito por Schaff (1987), defendida pela corrente de pensamento positivista, entre outras que também partilham de sua ânsia cientificista: nossa exigência parte, justamente, da compreensão de que o conhecimento possui um caráter objetivo-subjetivo, e de que o pesquisador inevitavelmente deixa no que pensa e produz sua marca pessoal, assim como a marca do meio em que o próprio existe. Mesmo que constatemos, pois, que não existe conhecimento neutro, cabe ao historiador buscar evitar a “má subjetividade”, aquela que distorce a realidade ao bel prazer dos interesses individuais ou de um grupo específico.

Não é apenas a história-propaganda, tanto de esquerda como de direita, que se mostra negativa, caso o objetivo esperado seja a aproximação da verdade. A própria lógica da competência acima exposta colabora demasiadamente com a manutenção do status quo, mostrando-se conservadora por excelência, até mesmo reacionária, contrária a transformações. Gostaríamos de frisar nossa concepção de verdade histórica, entendida aqui, em decorrência e consonância com a própria visão do conhecimento exposta, enquanto uma verdade processual e parcial; rejeita-se aqui, pois, a noção de verdade absoluta.

A história-problema, defendida pelos historiadores da primeira geração do movimento dos Annales, nos mostra uma perspectiva correta da íntima relação entre passado e presente no ofício do historiador, nos mostrando por outro ângulo a discussão sobre o caráter dual do conhecimento histórico. Para eles, o historiador, enquanto ser social, apenas consegue formular suas questões às fontes e ao passado – com vistas a compreendê-lo – através dos problemas que encontra no presente, e através de seu olhar próprio; da mesma forma que o passado e o processo histórico fazem o historiador e a sociedade na qual ele está inserido serem o que são. Deve-se, assim compreender o presente pelo passado, e o passado pelo presente.

Apesar de apresentarem um conjunto de idéias acerca da metodologia e da própria teoria da história – com relação às fontes, à interdisciplinaridade, à concepção de tempo como antítese entre duração e mudança, a própria idéia de história-problema, etc. – opostas à escola metódica e suas limitações cientificistas, os fundadores dos Annales acabaram por incorrer em uma postura que tenho por equivocada: eles acabaram por se distanciar da história política, em virtude de suas críticas à história tradicional e da tentativa de diferenciação com as outras escolas históricas, através da aproximação com outras disciplinas – em especial a sociologia, a economia e a psicologia social. O próprio Marc Bloch reconhece tal erro, em obra em que analisa a derrota dos franceses frente ao avanço da máquina de guerra nazista, que culminou com a ocupação de Paris: “nós não ousamos ser, na praça pública, a voz que grita, a primeira vista no deserto /.../ preferimos nosso confinamento na quietude temerosa de nossos escritórios. Possam nossos herdeiros perdoar-nos o sangue que está sobre nossas mãos” (BLOCH, Apud. DOSSE, 19872003, p. 96).

Mas não devemos esquecer que a perspectiva da história engajada, que defendemos com afinco neste texto, pode trazer diversas dificuldades ao historiador e suas análises do processo histórico. Nossa concepção de mundo e firmeza de ideais e princípios pode, por vezes, nos render uma falsa caracterização dos fatos históricos. Este é um grande perigo de uma concepção teleológica da história: que mesmo de forma inconsciente, tendamos a entender o passado enquanto “um prólogo daquilo que veio e virá”, como algo pré-determinado; tal como fazemos com um quebra-cabeça, encaixando as peças com dificuldade, mas tendo a certeza de que a imagem que se formará é a mesma estampada na caixa do brinquedo. Deve-se ter claro que a história não faz previsões do futuro, sendo o máximo que podemos fazer, nesse sentido, é observar as tendências dos acontecimentos passados e presentes, como forma de tentar visualizar os possíveis desdobramentos dos fatos. Apesar de tais conclusões se basearem em probabilidades, ainda não passariam de conjecturas.

Corremos sim o risco de escrever uma história panfletária, perigosa por natureza, pois distorce e falseia a realidade, servindo apenas ao controle social. Mas talvez seja pior que, através da apatia e da busca constante pela ampliação dos horizontes na escrita da história, continuemos a diluir a importância do que fazemos, transformando nossa produção e saber em meros relatos de casos e curiosidades.

CONCLUSÃO

Assim como não existe conhecimento neutro, também não existem historiadores neutros. O ser humano, enquanto ser coletivo inserido em uma sociedade classista, vive e respira política todos os momentos de sua vida. Até mesmo quando se abstém dos processos objetivos de discussão, enfrentamento e luta, toma partido em relação a algum grupo social. O historiador deve aceitar esse fato, e fazer sua escolha: se ele pretende agir enquanto agente colaborador das permanências e da conservação de uma sociedade baseada na divisão e na exploração humana; ou se pretende atuar enquanto agente ativo que busca a transformação objetiva da realidade.

Devemos encarar o espaço acadêmico, enquanto local de vanguarda da produção do conhecimento científico nacional, como um lugar de acúmulo do conhecimento para a intervenção concreta na realidade. Só assim a universidade desempenhará o papel político e social que lhe compete.

Esta talvez seja uma das lições que temos a aprender com nossos companheiros de curso e militantes dos movimentos sociais. O resultado dialético da conjunção destas duas concepções da função do historiador, considerando o engajamento em consonância com a busca pela objetividade inerente à academia, pode nos fazer não só historiadores melhores, mais críticos e alinhados com os problemas sociais, mas nos fornecer uma concepção de humanidade mais tangível, baseada no desejo de nossa libertação coletiva. A dimensão política e social que falta na licenciatura em história da UFPB pode ser encontrada no curso PEC-MSC. Devemos, pois, tentar balancear corretamente os pratos dessa balança, sempre existindo o risco dela, ora pender para um dos lados, ora para o outro.

Uma das características principais do materialismo histórico é a centralidade da noção de práxis, em toda a sua elaboração teórica – entendendo-a nos termos explicitados no início deste texto, como uma união umbilical entre teoria e prática transformadoras. Pois essa noção não deveria se limitar à concepção marxista de história: todo historiador comprometido com os problemas de seu tempo e a solução dos mesmos deveria tê-la como uma idéia fixa. Não devemos ter vergonha de escrever história engajada. Pois se não for esta a característica de nosso esforço – a busca de um objetivo concreto – qual será? Ou talvez a pergunta mais pertinente seja: terá nosso trabalho valido à pena?

 

BIBLIOGRAFIA

DOSSE, François. A história em migalhas: dos annales à nova história. São Paulo: EDUSC, 2003.

FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. 2ª ed. São Paulo: IBRASA, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 38ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

 

SCHAFF, Adam. História e verdade. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

SCHAFF, Adam. O Marxismo e o indivíduo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

TRAGTENBERG, Maurício. A Delinqüência Acadêmica. 2002. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/014/14mtrag1990.htm >. Acesso em: 23 mar. 2005.

CADERNO Nº 8 – Princípios de Educação do MST.  Disponível em: <http://www.mst.org.br >. Acesso em: 25 mar. 2005.

 

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 07 dezembro, 2005.