Universidade
e movimentos sociais do campo: reflexões
acerca da experiência no curso PEC-MSC de licenciatura em História/UFPB
Andei
com homens que estavam nos lugares mais altos – os pregadores, os políticos,
os homens de negócios, professores e editores. Comi carne com eles, tomei
vinho com eles, andei de automóvel com eles e estudei com eles. É
verdade, encontrei muitos que eram honestos e nobres; mas, com raras exceções,
não estavam vivos. Realmente acredito que poderia contar as exceções
com os dedos das minhas mãos. Quando não estavam mortos pela podridão
moral, atolados na vida suja, eram apenas a morte insepulta – como múmias
preservadas, mas não vivas. Neste sentido, poderia especialmente citar
professores que conheci, homens que vivem de acordo com o decadente ideal
universitário, “a perseguição sem paixão da inteligência sem paixão”.
JACK
LONDON
(O
que a vida significa para mim)
Resumo
Enxergando
o espaço acadêmico como um lugar de acúmulo de conhecimento,
cuja finalidade, levada a cabo de uma maneira ou de outra, é a
intervenção direta na realidade, apresentamos algumas considerações
sobre a experiência de monitoria no curso PEC de História
voltado a movimentos sociais do campo: dentro da perspectiva que
tal experiência abre horizontes, pois evidencia o papel social de
cunho transformador que a universidade pode desempenhar, caso
encare sem vergonhas sua função política e social. Também é
objetivo deste trabalho refletir sobre o conhecimento produzido
dentro dos muros de nossa instituição em geral, e o conhecimento
histórico em particular, como armas nos conflitos políticos que
nos cercam, na perspectiva de uma história engajada – tendo a
consciência dos perigos que essa visão pode acarretar, mas
encarando-os como riscos necessários.
Palavras-chaves:
conhecimento histórico, engajamento, movimentos sociais do campo,
papel social da universidade.
Abstract
Seeing
the academic space as a place of accumulation of knowledge, whose
purpose, in a way or another, is the direct intervention in the
reality, we present some considerations about the experience of
being monitor in the course PEC of History directed to social
movements of the field: in the perspective that such experience
opens horizons, therefore it evidences the social role of
transforming feature that the university can fulfill, in case that
it faces with no shames its social and political function. It is
also an objective of this work to consider about the knowledge
produced inside the walls of our institution in general, and the
historical knowledge in particular, as weapons in the political
conflicts which surround us, in the perspective of an engaged
history – being conscious of the dangers that this vision can
cause, but facing them as necessary risks.
Keywords:
historical knowledge, engagement, social movements of the field,
university’s social role. |
Em
2004, ocorreu uma experiência nova no âmbito do Campus I da Universidade
Federal da Paraíba: foi aprovada a realização do curso superior de
licenciatura em história para movimentos sociais do campo. O curso
PEC-MSC (Programa estudante-convênio para movimentos sociais do campo),
ainda em andamento nesta data, é fruto de um convênio entre a Fundação
José Américo, o INCRA e a UFPB, e iniciou suas atividades no início de
agosto do referente ano, após vestibular, com 60 vagas disponibilizadas.
Pode-se
dizer que essa foi uma experiência nova, no sentido que este foi o
primeiro curso de história no Brasil realizado em tais moldes. Mas a
experiência em geral já existe em outras instituições de ensino
superior, brasileiras e estrangeiras, tanto públicas como privadas: são
cursos como pedagogia, agronomia, zootecnia, direito, medicina (o exemplo
da Escola Latino-americana de Medicina, em Cuba), jornalismo, etc. E mesmo
na própria UFPB (no CFT, localizado no município de Bananeiras, por
exemplo) já houve experiências com movimentos sociais campesinos.
Logicamente,
tais iniciativas são minoritárias no quadro do ensino superior
brasileiro, compondo hoje o que poderíamos chamar de exceção da regra;
e não é sem dificuldades que elas conseguem furar as barreiras da
mentalidade conservadora e produtivista, que possui grande influência na
ampla maioria das instituições educacionais, desde sua base até o topo
da pirâmide administrativa.
O
próprio curso em questão enfrentou problemas para se concretizar, sendo
uma das causas importantes para o êxito da aprovação de sua proposta
junto aos órgãos governamentais, o poder de influência política do
Movimento dos Sem-Terra – não pretendendo aqui ensaiar uma hierarquização
das diversas forças e vontades que trabalharam em prol de sua efetivação.
É sabido que o MST, além de incentivar seus integrantes a prestarem
concurso vestibular individualmente, procura desenvolver parcerias e convênios
com as Universidades e outros órgãos e instituições, nacionais e
internacionais, com o objetivo de capacitar seus membros ao exercício de
profissões e carreiras tradicionais. E, no curso referido, a ampla
maioria dos inscritos no processo seletivo, e conseqüentemente a maioria
dos alunos, são quadros de direção do Movimento.
Quando,
pois, afirmamos que este curso PEC-MSC foi inovador, não nos referimos
apenas ao fato de que ele foi a primeira iniciativa desse tipo no Campus
I, ou à sua estrutura modular intensiva e ao período de acompanhamento
nos assentamentos e acampamentos dos movimentos nos estados; referimo-nos
ao conhecimento discutido em seu decorrer, o histórico, que tem como ambição
a compreensão crítica da realidade. Com efeito, pretende-se aqui a
discussão da perspectiva do conhecimento histórico não enquanto um fim
em si, mas enquanto um meio de conhecer a realidade, suas características
e contradições, com o objetivo concreto de transformá-la. Além de
tentar perceber o quanto tal experiência pode ajudar a própria
Universidade – entendida não apenas enquanto instituição, mas em sua
dimensão material: estudantes, professores, funcionários e sua estrutura
física de suporte – a refletir sobre seu papel político e social.
Para
tanto, se faz necessário abordar minimamente a realidade acadêmica e a
cotidiana reprodução de suas práticas institucionalizadas,
diferenciando ambas as concepções de educação que pudemos perceber,
tanto enquanto estudante do curso extensivo e parte integrante da
comunidade universitária, quanto como monitor da disciplina Introdução
aos Estudos Históricos, durante o primeiro módulo do curso, entre agosto
e outubro de 2004.
UM
FANTASMA TAYLORISTA RONDA A ACADEMIA
Os
valores que norteiam a educação de nível superior e a produção do
conhecimento científico nas Universidades brasileiras, como qualquer
pessoa pode atentar, passaram por mudanças significativas nas últimas décadas.
Não saberíamos precisar o ritmo dessas transformações ao longo do
tempo, pois isso requer um estudo específico sobre o tema; mas podemos
afirmar sem sombra de dúvidas que tal mudança do paradigma educacional
se relaciona intrinsecamente com o processo de consolidação do discurso
neoliberal na América Latina.
Cada
vez mais a educação é tratada como mercadoria: minguam os recursos para
manutenção das instituições públicas e o setor privado se expande; as
pesquisas e seu financiamento, em especial na área de tecnologias, são
determinados pelo interesse empresarial e viabilidades comerciais das
descobertas; o processo de construção do conhecimento científico passa
a ser visto dentro de uma perspectiva produtivista, assemelhando-se à
concepção taylorista da produção capitalista – aprimora-se a produção
de acordo com um melhor aproveitamento do tempo e das técnicas durante a
linha de produção, de forma a se produzir muito em quantidade de algo
pouco diferenciado, em um curto intervalo de tempo.
Podemos
nos apropriar da denominação empregada por Maurício Tragtenberg para
descrever tais posturas e práticas: delinqüência
acadêmica (TRAGTENBERG, 2002). Essa nada mais é do que o processo em
que o tecnicismo abafa o processo de constituição do saber, levando
docentes e discentes a uma lógica em essência conservadora – que
privilegia a quantidade de textos e resumos publicados, além de trabalhos
apresentados e participação em bancas, em detrimento da qualidade do
conhecimento produzido; que transforma o Currículo Lattes um novo ídolo
a ser adorado; que torna as disputas por cargos institucionais
extremamente acirradas, por vezes sem projetos políticos concretos. Ou
seja, uma lógica que serve para formar intelectuais orgânicos do
sistema, mantenedores e dependentes de sua estrutura.
Esta
lógica da competência ganha hoje proporções colossais, pois os critérios
de avaliação do pesquisador e do profissional, seja qual for sua área,
baseiam-se no currículo construído de tal forma quantitativa, em que
todas as atividades e funções são convertidas em valores numéricos ou
conceitos. Torna-se extremamente difícil contornar essa lógica viciosa,
justamente pelo fato dela existir para determinar nosso futuro.
Acaba-se
por sepultar a idéia de uma educação que possa de fato desenvolver a
essência humana, pois essa idéia se choca diretamente com os próprios
fundamentos do sistema e da sociedade dividida em classes. A educação
vigente torna-se um dos pilares basilares dessa realidade de opressão,
minando a capacidade crítica dos educandos e os acomodando em uma postura
de submissão aos poderes instituídos e às classes dominantes.
É
preciso então modificar tal lógica, através de uma práxis da
transformação social, entendendo por práxis a união necessária entre
teoria e prática: pois não basta o conhecimento para que possamos
transformar as relações humanas; assim como qualquer prática sem
teoria, que lhe dê suporte, acaba por se tornar agitação e “movimentismo”.
EDUCAÇÃO
PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL E HUMANA
As
discussões trazidas por Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido,
tratam exatamente dessa necessidade de uma práxis transformadora, por
intermédio do processo pedagógico, de forma a conscientizar os educandos
da realidade opressora que os cerca, aliando tal compreensão à prática
de questionamento, intervenção e auto-organização popular.
Para
isso, é necessário que se compreenda o caráter dual da consciência do
oprimido, que, enquanto indivíduo, é integrante de uma sociedade,
adquirindo as idéias, preconceitos e costumes hegemônicos na mesma. Pois
o indivíduo não é uma ilha, cercada de água por todos os lados: assim
como exerce sua influência no meio social, sofre as determinações desse
meio desde o momento de seu nascimento. A consciência comum, que governa
as práticas sociais e todo um conjunto de idéias e pensamentos, apenas
aparentemente tem sua origem em um plano a-teórico; quando, na verdade,
reflete a concepção de mundo das classes dominantes, e possui uma
ideologia concreta que a embasa.
O
mito da caverna de Platão descreve metaforicamente bem esta realidade em
que estamos presos, acorrentados, olhando para vultos que achamos ser
coisas reais, quando na verdade são apenas aparências. E caso algum dos
presos no fundo da caverna se liberte, descubra o exterior e tente
convencer seus pares de que tudo que conheceram e que tiveram como
paradigma toda a sua vida é uma farsa, certamente ele será maltratado
por seus pares, acomodados que estão em suas vidas. É o que Paulo Freire
chama de medo da liberdade
(FREIRE, 2004).
A
pedagogia do oprimido, assim, considera a necessidade da radicalização
da práxis, encarando os processos pedagógicos e os momentos da luta de
classes numa perspectiva dialógica e radical nos objetivos de transformação
social. A libertação humana não seria atingida exclusivamente através
do pedagogo – no sentido mais amplo da palavra: aquele que guia – e
seu trabalho de conscientização, nem tampouco pelo próprio oprimido,
sozinho, em uma espécie de cruzada pessoal; tal libertação apenas pode
ser atingida através da coletividade, pois o homem é, eminentemente um
ser social.
Os
princípios educacionais do MST são baseados sobremaneira nos escritos de
Paulo Freire. Eles são fundamentados em uma concepção de educação
voltada para a transformação social, para o trabalho e a cooperação,
para as diversas dimensões humanas e para o mundo, aberta ao novo, e como
processo permanente de construção humana, segundo o Caderno intitulado
Princípios de Educação do MST – publicação do próprio movimento.
De maneira que pudemos notar, no pouco convívio que tivemos com a turma,
uma postura diferente sob diversos aspectos, que parecem tão comuns na
vida acadêmica para nós, que a vivenciamos há anos e acabamos por nos
enquadrar – mesmo que em diferentes medidas, a favor ou contra nossa
vontade – na lógica da competência.
O
sentimento de coletividade talvez seja um dos aspectos que mais saltam aos
olhos. Logicamente, também encontramos esse aspecto em diversos âmbitos
da vida acadêmica, mas certamente em menor grau. A realidade competitiva
do meio universitário instiga muito mais um sentimento de desconfiança e
de individualidade do que aproxima. Os laços formados no cotidiano acadêmico,
em especial entre os discentes, são certamente em menor número. Isso sem
dúvida decorre de um objetivo de vida comum dos movimentos sociais
campesinos: a luta pela terra, pela reforma agrária e pela mudança
social – ainda mais no referido caso, cuja ampla maioria pertencia a um
único movimento; mas não é fruto unicamente de tal razão: a própria
cultura e práticas de convivência dentro do movimento, influenciado
pelos princípios e concepções pedagógicas acima colocadas, contribuem
para isso.
Para
além das relações intersubjetivas, talvez a maior diferença esteja na
prática militante dos educandos, que encaravam o conhecimento adquirido
como instrumento de sua capacitação pessoal e de aperfeiçoamento de sua
luta coletiva. Existia consenso nesse aspecto. Consenso oposto ao discurso
hegemônico nas Universidades nos dias de hoje: talvez essa seja uma das
razões dos receios e desconfianças mútuas, entre integrantes de
“mundos” aparentemente tão distintos.
O
CONHECIMENTO HISTÓRICO ENQUANTO ARMA POLÍTICA E OS PERIGOS DESSA CONCEPÇÃO
Apesar
das atuais condições castradoras do ensino superior brasileiro, e todo o
esforço institucional de se produzir um conhecimento “domesticado”,
especializado e descomprometido com transformações sociais que alterem
conseqüentemente o status quo, ainda acredito no potencial crítico e transformador do
espaço acadêmico. Pois mesmo que seja uma instituição integrante da
ordem social vigente, e as limitações decorrentes dessa certeza, ela
ainda é o foco primeiro de produção do conhecimento científico e de
reflexão crítica sobre a sociedade.
É
extremamente atual a necessidade de nós, enquanto pesquisadores e
educadores, docentes e discentes, nos comprometamos com o pensar o
conhecimento não como um fim em si, mas que ele possa ter uma finalidade
concreta. Não se trata aqui da defesa de uma posição científica
funcionalista, mas sim da crença de que o conhecimento não é neutro:
ele possui um intrínseco caráter de classe.
Tal
caráter do conhecimento em geral se mostra uma constatação muito
importante, especialmente no tocante ao conhecimento histórico, dada a
importância do passado na legitimação dos fundamentos ideológicos de
uma sociedade. “Controlar o passado ajuda a dominar o presente, a
legitimar tanto as dominações como as rebeldias”. (FERRO, 1999, p. 11)
Aqueles que detêm o controle sobre a história de um povo certamente estão
mais aptos a dominá-lo. Passaremos então a nos referir, a partir daqui,
especialmente ao conhecimento histórico, pensado e construído por
pessoas que se dedicam ao nosso ofício próprio; sendo que tais considerações
e pontos de vista também abrangem o conjunto das ciências sociais.
É
importante, aqui, ratificar a necessidade de uma história que tenha
compromisso com a objetividade dos fatos históricos, e ao mesmo tempo
tenha clareza que o indivíduo é determinado, em última instância, pelo
meio material e pelas relações produtivas que o cercam. Assim, a exigência
pela objetividade do conhecimento histórico que fazemos não se confunde
com as aspirações encontradas no modelo da teoria do reflexo mecanicista
descrito por Schaff (1987), defendida pela corrente de pensamento
positivista, entre outras que também partilham de sua ânsia
cientificista: nossa exigência parte, justamente, da compreensão de que
o conhecimento possui um caráter objetivo-subjetivo, e de que o
pesquisador inevitavelmente deixa no que pensa e produz sua marca pessoal,
assim como a marca do meio em que o próprio existe. Mesmo que
constatemos, pois, que não existe conhecimento neutro, cabe ao
historiador buscar evitar a “má subjetividade”, aquela que distorce a
realidade ao bel prazer dos interesses individuais ou de um grupo específico.
Não
é apenas a história-propaganda, tanto de esquerda como de direita, que
se mostra negativa, caso o objetivo esperado seja a aproximação da
verdade. A própria lógica da competência acima exposta colabora
demasiadamente com a manutenção do status
quo, mostrando-se conservadora por excelência, até mesmo reacionária,
contrária a transformações. Gostaríamos de frisar nossa concepção de
verdade histórica, entendida aqui, em decorrência e consonância com a
própria visão do conhecimento exposta, enquanto uma verdade processual e
parcial; rejeita-se aqui, pois, a noção de verdade absoluta.
A
história-problema, defendida pelos historiadores da primeira geração do
movimento dos Annales, nos mostra uma perspectiva correta da íntima relação
entre passado e presente no ofício do historiador, nos mostrando por
outro ângulo a discussão sobre o caráter dual do conhecimento histórico.
Para eles, o historiador, enquanto ser social, apenas consegue formular
suas questões às fontes e ao passado – com vistas a compreendê-lo –
através dos problemas que encontra no presente, e através de seu olhar
próprio; da mesma forma que o passado e o processo histórico fazem o
historiador e a sociedade na qual ele está inserido serem o que são.
Deve-se, assim compreender o presente pelo passado, e o passado pelo
presente.
Apesar
de apresentarem um conjunto de idéias acerca da metodologia e da própria
teoria da história – com relação às fontes, à
interdisciplinaridade, à concepção de tempo como antítese entre duração
e mudança, a própria idéia de história-problema, etc. – opostas à
escola metódica e suas limitações cientificistas, os fundadores dos
Annales acabaram por incorrer em uma postura que tenho por equivocada:
eles acabaram por se distanciar da história política, em virtude de suas
críticas à história tradicional e da tentativa de diferenciação com
as outras escolas históricas, através da aproximação com outras
disciplinas – em especial a sociologia, a economia e a psicologia
social. O próprio Marc Bloch reconhece tal erro, em obra em que analisa a
derrota dos franceses frente ao avanço da máquina de guerra nazista, que
culminou com a ocupação de Paris: “nós não ousamos ser, na praça pública,
a voz que grita, a primeira vista no deserto /.../ preferimos nosso
confinamento na quietude temerosa de nossos escritórios. Possam nossos
herdeiros perdoar-nos o sangue que está sobre nossas mãos” (BLOCH, Apud.
DOSSE, 19872003, p. 96).
Mas
não devemos esquecer que a perspectiva da história engajada, que
defendemos com afinco neste texto, pode trazer diversas dificuldades ao
historiador e suas análises do processo histórico. Nossa concepção de
mundo e firmeza de ideais e princípios pode, por vezes, nos render uma
falsa caracterização dos fatos históricos. Este é um grande perigo de
uma concepção teleológica da história: que mesmo de forma
inconsciente, tendamos a entender o passado enquanto “um prólogo
daquilo que veio e virá”, como algo pré-determinado; tal como fazemos
com um quebra-cabeça, encaixando as peças com dificuldade, mas tendo a
certeza de que a imagem que se formará é a mesma estampada na caixa do
brinquedo. Deve-se ter claro que a história não faz previsões do
futuro, sendo o máximo que podemos fazer, nesse sentido, é observar as
tendências dos acontecimentos passados e presentes, como forma de tentar
visualizar os possíveis desdobramentos dos fatos. Apesar de tais conclusões
se basearem em probabilidades, ainda não passariam de conjecturas.
Corremos
sim o risco de escrever uma história panfletária, perigosa por natureza,
pois distorce e falseia a realidade, servindo apenas ao controle social.
Mas talvez seja pior que, através da apatia e da busca constante pela
ampliação dos horizontes na escrita da história, continuemos a diluir a
importância do que fazemos, transformando nossa produção e saber em
meros relatos de casos e curiosidades.
CONCLUSÃO
Assim
como não existe conhecimento neutro, também não existem historiadores
neutros. O ser humano, enquanto ser coletivo inserido em uma sociedade
classista, vive e respira política todos os momentos de sua vida. Até
mesmo quando se abstém dos processos objetivos de discussão,
enfrentamento e luta, toma partido em relação a algum grupo social. O
historiador deve aceitar esse fato, e fazer sua escolha: se ele pretende
agir enquanto agente colaborador das permanências e da conservação de
uma sociedade baseada na divisão e na exploração humana; ou se pretende
atuar enquanto agente ativo que busca a transformação objetiva da
realidade.
Devemos
encarar o espaço acadêmico, enquanto local de vanguarda da produção do
conhecimento científico nacional, como um lugar de acúmulo do
conhecimento para a intervenção concreta na realidade. Só assim a
universidade desempenhará o papel político e social que lhe compete.
Esta
talvez seja uma das lições que temos a aprender com nossos companheiros
de curso e militantes dos movimentos sociais. O resultado dialético da
conjunção destas duas concepções da função do historiador,
considerando o engajamento em consonância com a busca pela objetividade
inerente à academia, pode nos fazer não só historiadores melhores, mais
críticos e alinhados com os problemas sociais, mas nos fornecer uma
concepção de humanidade mais tangível, baseada no desejo de nossa
libertação coletiva. A dimensão política e social que falta na
licenciatura em história da UFPB pode ser encontrada no curso PEC-MSC.
Devemos, pois, tentar balancear corretamente os pratos dessa balança,
sempre existindo o risco dela, ora pender para um dos lados, ora para o
outro.
Uma
das características principais do materialismo histórico é a
centralidade da noção de práxis, em toda a sua elaboração teórica
– entendendo-a nos termos explicitados no início deste texto, como uma
união umbilical entre teoria e prática transformadoras. Pois essa noção
não deveria se limitar à concepção marxista de história: todo
historiador comprometido com os problemas de seu tempo e a solução dos
mesmos deveria tê-la como uma idéia fixa. Não devemos ter vergonha de
escrever história engajada. Pois se não for esta a característica de
nosso esforço – a busca de um objetivo concreto – qual será? Ou
talvez a pergunta mais pertinente seja: terá nosso trabalho valido à
pena?
BIBLIOGRAFIA
DOSSE,
François. A história em migalhas:
dos annales à nova história. São Paulo: EDUSC, 2003.
FERRO,
Marc. A manipulação da história
no ensino e nos meios de comunicação. 2ª ed. São Paulo: IBRASA,
1999.
FREIRE,
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38ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
SCHAFF,
Adam. História e verdade. 4ª
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SCHAFF,
Adam. O Marxismo e o indivíduo.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
TRAGTENBERG,
Maurício. A Delinqüência Acadêmica. 2002. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/014/14mtrag1990.htm
>. Acesso em: 23 mar. 2005.
CADERNO
Nº 8 – Princípios de Educação do MST.
Disponível em: <http://www.mst.org.br
>. Acesso em: 25 mar. 2005.