RESENHA
HONNETH,
Axel. Luta por reconhecimento: A
gramática moral dos conflitos sociais. Trad.
Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003
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Raízes e Formas dos
conflitos sociais
Edgar
Indalecio Smaniotto
Por
que os homens se engajam em movimentos sociais? Essa é a grande pergunta
que norteia o livro Luta por Reconhecimento - A Gramática Moral dos
Conflitos Sociais, do alemão Axel Honneth.
“Nascido
em 1949, Axel Honneth apresentou sua tese de doutoramento à Universidade
Livre de Berlim em 1983, cuja publicação em livro deu-se em 1985, sob o
título de Kritik der Macht. Reflexionsstufen einer kritischen
Gesellschaftstheorie ( Crítica do poder. Estágios de reflexão de uma
teoria social crítica). Entre 1984 e 1990, foi assistente de Jurgen
Habermas no Instituto de Filosofia da Universidade de Frankfurt, onde
apresentou sua tese de livre docência, cuja versão em livro é
exatamente este Luta por reconhecimento. A gramática Moral dos conflitos
Sociais, publicado em 1992. Em maio de 2001, Honneth assumiu também a
direção do Instituto de Pesquisa Social.” (Marcos Nobre, Apresentação
da obra: pp. 10)
Axel
Honneth propõe uma teoria do qual podemos visualizar as formas com que
indivíduos e grupos sociais se inserem na moderna sociedade democrática.
Sustenta que a formação da identidade é um processo intersubjetivo de
luta por mutuo reconhecimento em relação aos parceiros de interação.
Desta forma nos conflitos sociais o individuo não busca exatamente a
autopreservação ou o aumento de poder, idéia presente em autores como
Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel, mas, sim, um reconhecimento de sua
individualidade.
Nas
palavras do autor:
“A
formação do Eu prático está ligada à pressuposição do
reconhecimento recíproco entre dois sujeitos: só quando dois indivíduos
se vêem confirmados em sua autonomia por seu respectivo defronte, eles
podem chegar de maneira complementaria a uma compreensão de si mesmos
como um Eu autonomamente agente e individuado”. (pp. 119 e 120)
Existindo
assim diversas formas de reconhecimento recíproco, que devem
distinguir-se umas das outras segundo o grau de autonomia possibilitado ao
sujeito em cada caso. Toda a luta por reconhecimento começa a partir da
experiência do desrespeito, pois esta se torna uma fonte emotiva e
cognitiva de resistência social e de levantes coletivos.
Mesmo
a luta entre senhor e escravo é uma luta onde o escravo tenta fazer com
que o senhor reconheça suas pretensões a uma identidade. Honneth é crítico
em relação à teoria sociológica justamente por esta não levar em
consideração o reconhecimento moral em suas teorias, pois
“já
nos começos da sociologia acadêmica, foi cortado teoricamente, em larga
medida, o nexo que não raro existe entre o surgimento de movimentos
sociais e a experiência moral de desrespeito: os motivos para a rebelião,
o protesto e a resistência foram transformados categoricamente em
‘interesses’, que devem resultar da distribuição desigual objetiva
de oportunidades materiais de vida, sem estar ligados, de alguma maneira,
à rede cotidiana das atitudes emotivas”. (pp. 255)
O
autor reconhece sim que uma luta só pode ser social a partir do momento
em que ela se generaliza para além das intenções individuais,
tornando-se base para um movimento coletivo. Mas não reconhece é a
necessidade destes movimentos nascerem sempre em decorrência de lutas por
questões ligadas a necessidades econômicas. Pois estas muitas vezes
nascem ligadas a questões de reconhecimento por parte do outro.
A
primeira forma de reconhecimento com que nos deparamos é o amor. Esta é
a forma mais elementar de reconhecimento, e por si só não pode levar a
formação de conflitos sociais. Ainda que em toda a relação amorosa
esteja impregnada de uma dimensão existencial de luta, na medida em que o
equilíbrio entre os egos se da pela delimitação e superação de resistências
recíprocas, esta é uma luta restrita aos círculos de relações primárias,
não se tornando assunto de interesse público.
Mas
as formas de reconhecimento do direito e da auto-estima social já
representam um quadro moral de conflitos sociais
“porque
dependem de critérios socialmente generalizados, segundo o seu modo
funcional inteiro; à luz de normas como as que constituem o princípio da
imputabilidade moral ou as representações axiológicas sociais, as
experiências pessoais de desrespeito podem ser interpretadas e
apresentadas como algo capaz de afetar potencialmente também outros
sujeitos”. (pp. 256)
Neste
caso estas experiências individuais de desrespeito são interpretadas
como experiências de crucial importância para um grupo inteiro de indivíduos,
o que pode levar a coletividade a reivindicar um maior reconhecimento de
relações justas entre o agressor e o agredido (este reconhecimento deve
ser valido a toda a coletividade do qual ele faz parte).
Pode-se
então se supor que em determinado momento da vida de um movimento, a ação
privada que lesou um ou mais de seus membros vai passar por uma ponte semântica
(esta semântica coletiva permite a interpretação de experiências
pessoais de desapontamento em algo que passa do individual para toda a
coletividade), que a tornara tão resistente a ponto de transformar experiências
individuais de desrespeito em
finalidades impessoais de um movimento coletivo, dando a este uma
identidade coletiva.
Isso
acontece porque a coletividade começa a enxergar as causas sociais que
levaram a situação de desrespeito individual, gerando a resistência
coletiva. Esta comunidade será então capaz de um engajamento político
numa tentativa de sair de uma situação de rebaixamento tolerado para uma
auto-relação nova e positiva. Esta luta política além de proporcionar
a comunidade padrões ampliados de reconhecimento também será capaz de
devolver ao individuo agredido o seu auto-respeito.
Se
o desrespeito individual é gerador de conflitos coletivos, isso significa
que todos os conflitos sociais teriam este mesmo modelo? Não. Axel
Honneth reconhece que em certos casos a coletividade esta preocupada em
resguardar sua sobrevivência econômica e assim conservar pelo menos as
condições de sua reprodução. Mas também existem sentimentos coletivos
de injustiça gerados por experiências morais que os grupos sociais fazem
perante a denegação do reconhecimento jurídico ou social.
Esse
sentimento coletivo de injustiça nasce quando bens culturais e simbólicos
específicos de um grupo, e necessários a sua reprodução, não são
reconhecidos por outros grupos, temos então uma luta pelas condições
intersubjetivas da integridade pessoal. Ou seja, uma luta por
reconhecimento jurídico.
Isso
se da porque a situação econômica, ou seja, um estado insuportável de
subsistência se mede diante das expectativas morais que os atingidos expõem
consensualmente à organização da coletividade. Assim o protesto e
resistência prática só ocorrem quando a modificação na situação
econômica é vivenciada como uma lesão normativa desse consenso. Pois a
um abalo nas relações de reconhecimento tradicionalmente constituídas
entre a classe dominante e a dominada.
Neste
caso pode-se dizer que enquanto a classe burguesa dominante for capaz de
garantir o mínimo de reconhecimento social para os dominados, que em
outras palavras se refere a um respeito ou tolerância a sua cultura, e
salários capazes de manter sua subsistência e auto-reprodução.
Provavelmente não terá que se preocupar com insurreições a sua dominação.
De
acordo com que expomos até agora da teoria de
Axel Honneth, são três as formas de reconhecimento: amor, direito
e estima. Elas têm a capacidade de criar condições sociais sob as quais
os sujeitos humanos podem chegar a uma atitude positiva para com eles
mesmos. Uma vez que
“só
graças à aquisição cumulativa de autoconfiança, auto-respeito e
auto-estima, como garante sucessivamente as experiências das três formas
de reconhecimento, uma pessoa é capaz de se conceber de modo irrestrito
como um ser autônomo e individuado e de se identificar com seus objetivos
e seus desejos”. (pp. 266)
Portanto
esta inscrita na experiência do amor a possibilidade da autoconfiança,
na experiência do reconhecimento jurídico o auto-respeito e, por fim, na
experiência da solidariedade à auto-estima. A auto-realização
individual pode ser alcançada na medida em que temos uma auto-realização
positiva a ser dada na experiência do reconhecimento acima explicitada.
Afinal sem
“uma
certa medida de auto confiança, de autonomia juridicamente preservada e
de segurança sobre o valor das próprias capacidades, não é imaginável
um êxito na auto realização”. (pp.
273)
Sendo
assim são aqueles conflitos que se originam de uma experiência de
desrespeito social, de um ataque à identidade pessoal ou coletiva que são
capazes de suscitar uma ação que busque restaurar relações de
reconhecimento mútuo. Esta nova leitura das relações de poder na
sociedade moderna não pode ser ignorada pelos Cientistas Sociais por isso
merece ser melhor estudada. Tanto para ser refutada quanto aplicada. Sem
duvida uma leitura indispensável!