Por LIER PIRES FERREIRA JÚNIOR

Doutorando em Direito Internacional – UERJ.

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Mercosul: 

O Desafio da Democracia

Lier Pires Ferreira Júnior

 

Resumo:

O presente artigo discute a problemática da democracia no âmbito da implementação do MERCOSUL. Para tal empreende uma abordagem investigativa, de caráter sócio-histórico, cujos parâmetros básicos são as experiências de integração vivenciadas anteriormente pela América Latina e o próprio arcabouço institucional consagrado no Tratado de Assunção. Sua conclusão mais significativa é que, em contraposição aos objetivos manifestos, a estrutura do MERCOSUL não favorece a formação de um verdadeiro mercado comum uma vez que não possibilita espaços amplos de participação civil-popular.  

Palavras-chave: 1. MERCOSUL; 2. Democracia; 3. Integração Regional.

Abstract: This article discusses the democratic question in the MERCOSUL sphere. In this way, its proceeds an investigative approach based on the historic experiences of regional integration in Latin America and on the institutional structure of the Asuncion Agreement.  It concludes that, in spite of the objectives of the agreement, the institutional structure of MERCOSUL is inappropriate to promote a real common market by the reason that it does not give effective opportunities to the civil and popular participation.

 

1 - Introdução:

Quinze anos após a queda do Muro de Berlim, a intensidade das transformações globais contraria a tese do fim da história preconizada em alguns ensaios de teoria política e descortinam o cenário de uma nova ordem internacional. Nova ordem que se fundamenta na incorporação crescente de um modo de pensar que privilegia as contradições da realidade e permite ao cidadão compreender-se como agente e colaborador dos processos de transformação social, bem como na emergência de duas tendências aparentemente contraditórias: a globalização do sistema, em nível tecnológico e financeiro, e a estruturação de três mega-blocos cada vez mais integrados, a União Européia (UE), a América do Norte (NAFTA) e o eixo Ásia-Pacífico (APEC).

Nas Américas, onde unificação econômica dos países do norte salta aos olhos pelo peso de um mercado potencial de quase 400 milhões de pessoas e mais de 06 trilhões de dólares, o MERCOSUL é a micro integração regional mais significativa. O peso econômico dos parceiros e sua importância estratégica global e regional afiançam esta assertiva[1]. Assim, o debate que se realiza em torno do eixo democracia política e integração regional, projetado das cinzas dos anos 80 para o epicentro da discussão política e acadêmica subcontinental, é o tema deste artigo que, concomitantemente, produz um breve histórico das políticas de integração econômica na América Latina.[2]

2. Breves apontamentos sobre o processo histórico do MERCOSUL:

A tese da necessidade de integração das economias latino-americanas foi suscitada, a partir de meados do século XX, por juristas, economistas e cientistas sociais vinculados à CEPAL[3] como corolário das análises, por eles empreendidas, sobre o desenvolvimento dessas economias e suas perspectivas de crescimento. De acordo com a interpretação da CEPAL, o processo de desenvolvimento das economias latino-americanas havia chegado, em meados dos anos 50, a um impasse provocado pelas perspectivas de contração da capacidade de importar da região. A solução que se impunha era a ampliação do mercado de consumo da produção substitutiva, e o caminho apontado foi a transferência do processo de substituição de importações da escala doméstica para a continental. A expansão do comércio recíproco, por meio da distensão comercial intra-zonal, surgiu como via de escape para o problema das políticas estatais de desenvolvimento econômico (FERREIRA JÚNIOR, 2003, p. 14). 

Sob a orientação da CEPAL, surgiu um projeto integracionista que acenava para a construção de uma entidade genuinamente latino-americana, estruturada sobre uma nova base econômica – de caráter industrial e com mercados expandidos – e sobre um novo posicionamento jurídico-político, mais autônomo em relação aos EUA. Com base neste espírito independentista, foi assinado, em 1960, o Tratado de Montevidéu[4], que criou a Associação Latino-Americana de Livre Comércio - Alalc, que, em linhas gerais, incorporou as orientações básicas da CEPAL. A Alalc visava a acomodar os países meridionais, onde historicamente se concentravam os maiores índices de comércio intra-regional, com os países do Norte e do Centro-Norte, à exceção da América Central e do México, cujo envolvimento nas relações econômicas era significativamente mais baixo. A Alalc, contudo, não prosperou, entre outros fatores, devido a uma dificuldade relacionada ao balanço de ganhos e perdas associados à liberalização do comércio, que favorecia os países com maior capacidade de produção instalada, em especial o Brasil e o México.

Os parcos resultados verificados na Alalc levaram os Estados-Membros à estruturação de um novo organismo. A Associação Latino-Americana de Integração - Aladi[5], criada em agosto de 1980, também em Montevidéu, foi produto desse esforço. A Aladi buscou compatibilizar a recente tendência aos acordos bilaterais ou sub-regionais com a sobrevivência do aparelho jurídico-institucional preexistente. Seu fim último foi estabelecimento gradual de um mercado comum na América Latina, a partir de uma área de preferências tarifárias. A Aladi nasceu, contudo, em uma conjuntura extremamente negativa para a economia latino-americana, cuja expressão mais evidente foi a crise da dívida externa, de 1982. Ao longo dos anos 80, a contração econômica dos EUA e da Europa transformou a América latina em exportadora líquida de capitais, ao custo do esgotamento de seu modelo de desenvolvimento, da desestruturação de suas finanças públicas e do brutal agravamento de sua crise social. Assim sendo, após trinta anos de ensaios e frustrações, as experiências macro-integracionistas hemisférico ou subcontinental haviam chegado a um completo impasse, pelo menos a um virtual esgotamento de suas possibilidades estruturais. Encerra-se nesse momento o que o Embaixador Rubens Antônio Barbosa concebeu como fase romântica[6] do processo de integração da América do Sul (BARBOSA, apud HUSEK, 2003, p. 161). O mesmo autor concebe uma fase pragmática, que começou em 1985 e estende-se até os dias atuais.

Diante dos insucessos destas iniciativas históricas[7], outras iniciativas visando à integração regional começam a surgir. O Mercado Comum do Sul - MERCOSUL, criado pelo Tratado de Assunção, de 23 de março de 1991, entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai[8], foi uma dessas iniciativas. O objetivo do MERCOSUL é criar um mercado comum entre os países do Cone Sul. No entanto, como ensina Ana Cristina Paulo Pereira (2001, p. 3), o MERCOSUL, não pode ser entendido como um ato unitário, já que está vinculado a outras ordens internacionais, entre elas a própria Aladi, cujo tratado de criação continua em vigor e é mencionado expressamente no parágrafo 5° do preâmbulo do Tratado de Assunção. O MERCOSUL, portanto, deriva da Aladi, devendo respeito às normas desta entidade. “Trata-se do respeito do direito infra-regional (direito do MERCOSUL) ao direito regional.” (PEREIRA, 2001, p. 6). Além da Aladi, o MERCOSUL também está inserido no contexto do GATT/OMC [9].

Os aspectos mais gerais do MERCOSUL podem ser evidenciados já a partir do art. 1º do Tratado de Assunção, que revelam quais são as implicações decorrentes da criação de um mercado comum:

a livre circulação de bens serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e o compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

A norma contida no art. 1º do Tratado de Assunção tem, portanto, conteúdo programático. O Tratado infelizmente não criou mecanismos apropriados para que tais objetivos sejam realmente alcançados, conforme observa Pedro Valls Feu Rosa. (2001, p. 542)

Em 1994, foi assinado o Protocolo de Ouro Preto. Este tratado atribuiu personalidade jurídica ao MERCOSUL, que a partir de então, passou a ter existência própria independente de seus membros. Contudo, por ser pessoa jurídica derivada, “o MERCOSUL somente pode agir dentro dos limites e segundo as competências que lhe foram estabelecidas pelos Estados Partes, estes sim, pessoas jurídicas internacionais originárias.” (PEREIRA, 2001, p. 27).  Outros aspectos do Protocolo de Ouro Preto que merecem destaque são os seguintes: o MERCOSUL possui uma estrutura orgânica intergovernamental, vale dizer, são sempre os governos que negociam entre si, não havendo, portanto, órgãos supranacionais; as normas do MERCOSUL não têm aplicação direta em seus países membros, os Estados devem comprometer-se em adotar medidas para sua plena incorporação ao ordenamento jurídico nacional; reconhecimento do Tratado de Assunção, seus protocolos e instrumentos adicionais, bem como os demais acordos celebrados no âmbito do Tratado como fontes jurídicas do MERCOSUL; e aperfeiçoamento de mecanismo de solução de controvérsias do acordo, inaugurado com a aprovação do Protocolo de Brasília, ao estabelecer os procedimentos gerais para reclamações perante a Comissão de Comércio do MERCOSUL.(MERCOSUL, 2005)

3. Arcabouço institucional do MERCOSUL:

O Tratado de Assunção, complementado pelo Protocolo de Ouro Preto, criou instituições que compõem a estrutura do MERCOSUL, que conta com órgãos com poder normativo ou decisório (Conselho Mercado Comum, Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do MERCOSUL) e órgãos de representação (Comissão Parlamentar Conjunta, Foro Consultivo Econômico-Social, Fórum de Líderes do MERCOSUL e Conselho de Transportes do MERCOSUL).

O Conselho do Mercado Comum (CMC) é o órgão superior da organização, cuja função, nos termos do art. 10 do Tratado de Assunção, é conduzir a política econômica do MERCOSUL e tomar as decisões para assegurar o cumprimento e prazos estabelecidos para a constituição definitiva do Mercado Comum.[10] Integram o Conselho os ministros da Economia ou equivalentes e das Relações Exteriores dos Estados-Partes.[11] Estes últimos têm a função de coordenar as reuniões do Conselho, permitida a participação de outros ministros e autoridades em nível ministerial.[12]

O Grupo Mercado Comum (GMC) encontra-se logo abaixo do CMC na estrutura hierárquica do MERCOSUL e, nos termos do art. 13 do Tratado, tem as seguintes funções: velar pelo cumprimento do Tratado; “tomar as providências necessárias ao cumprimento das decisões adotadas pelo Conselho; propor medidas concretas tendentes á aplicação do Programa de Liberação Comercial, á coordenação de política macroeconômica e á negociação de Acordos frente a terceiros; fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do Mercado Comum.” [13] Órgão executivo, sob coordenação do Ministério das Relações Exteriores, o GMC é integrado por quatro membros titulares e subalternos por país [14], representando, além de outros que possam ser convocados quando conveniente, os seguintes órgãos públicos: Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Economia ou equivalentes (áreas de indústria, comércio exterior e ou coordenação econômica) e Banco Central. O GMC também poderá constituir subgrupos de trabalho visando ao cumprimento de seus objetivos. Alguns já foram criados pelo próprio Tratado, quais sejam: Assuntos Comerciais; Assuntos Aduaneiros; Normas Técnicas, Políticas Fiscal e Monetária para o Comércio; Transporte Terrestre; Transporte Marítimo; Política Industrial e Tecnológica; Política Agrícola; Política Energética; Coordenação de Políticas Macroeconômicas; e Assuntos Trabalhistas. (ROSA, 2001, p. 544-546).

A Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM) é órgão administrativo do MERCOSUL, subordinado ao GMC. Sua estrutura é intergovernamental, composta por oito representantes de cada Estado-Parte (quatro titulares e quatro substitutos). À CCM cabe assistir o GMC no que concerne à política comercial comum e apreciar as reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais de Comércio do MERCOSUL, entre outras funções previstas no Protocolo de Ouro Preto.

Os órgãos de representação do MERCOSUL, já mencionados anteriormente, conforme lição de Ana Cristina Paulo Pereira:

participam de forma indireta da implementação desse mercado, tendo sido criados com o principal intuito de aproximar os particulares de suas instituições, para que o processo de integração não ficasse inteiramente dissociado da realidade sócio-econômica dos cidadãos e totalmente desprovido de legitimidade. (2001, p. 37)

Em verdade, esses órgãos não possuem papel relevante na estrutura institucional do MERCOSUL. Nem mesmo a Comissão Parlamentar Conjunta, composta por representantes dos parlamentos dos Estados-Partes, em nada se assemelha ao Parlamento Europeu.

Órgão importante na estrutura orgânica do MERCOSUL é a Secretaria Administrativa, responsável pelo apoio operacional aos demais órgãos do Mercado. Trata-se de órgão de caráter permanente, desvinculado dos Estados-Partes. Seu diretor é escolhido pelo GMC, em bases rotativas, após consultas prévias aos Estados-Partes, e tem mandato de dois anos, vedada a reeleição. O Protocolo de Ouro Preto prevê, em seu art. 32, as principais funções da Secretaria Administrativa, entre as quais destacamos: servir como arquivo oficial da documentação do processo de integração; realizar a publicação e a difusão das decisões adotadas no âmbito do MERCOSUL; e informar regularmente os Estados sobre medidas implementadas por cada país para incorporar em seu ordenamento jurídico as normas emanadas dos órgãos do MERCOSUL.

Nota-se, após análise dos órgãos institucionais do MERCOSUL, que se trata de uma estrutura simples, sobretudo se comparada com a estrutura institucional das Comunidades Européias. Os órgãos do MERCOSUL são atrelados aos governos dos respectivos Estados-Partes. Apesar da personalidade jurídica que lhe foi atribuída pelo Protocolo de Ouro Preto, o MERCOSUL não conta com instituições suficientemente fortes e independentes que possam fornecer-lhe um caráter autônomo. Todas as decisões dependem de consenso entre os Estados-Partes[15], o que deixa o MERCOSUL muito vulnerável às conjunturas políticas dos Estados-Partes. [16]

Diferentemente da União Européia, no MERCOSUL não há um órgão legislativo, responsável pela produção normativa, nem um órgão jurisdicional encarregado de resolver as controvérsias que porventura venham a ocorrer entre Estados-Partes[17]. Os órgãos jurisdicionais nacionais são, portanto, competentes para conhecer de ações que versem sobre direitos previstos nas normas do MERCOSUL. Assim sendo, cada juiz nacional pode dar a interpretação à norma comunitária que, a seu juízo, pareça-lhe a mais correta. Apesar da existência de protocolos de cooperação jurisdicional entre Estados-Partes, [18] não há mecanismo que possa garantir uma uniformidade de interpretação das normas contidas nos tratados e convenções do MERCOSUL. Há um Mecanismo de Solução de Controvérsias do MERCOSUL, previsto no Protocolo de Brasília e confirmado pelo Protocolo de Ouro Preto, que prevê procedimento para apresentação de reclamações[19] à CCM, com possibilidade de recurso ao GMC, decorrentes de descumprimento, por ação ou omissão, de normas do MERCOSUL. No entanto as recomendações advindas da apreciação da reclamação pelos órgãos institucionais do MERCOSUL não têm força vinculativa em relação aos Estados-Partes.

Debruçando-se sobre o caráter das recomendações proferidas pelo GMC contra um determinado Estado-Parte vemos que, no máximo, elas podem ensejar que outro membro solicite a instauração de um tribunal arbitral ad hoc. Ainda assim, nos termos do Protocolo de Brasília, não há mecanismo efetivo que possa obrigar o Estado-Parte a cumprir um laudo arbitral que lhe seja desfavorável. Nesse sentido, a lição de Marotta Rangel, que afirma:

é evidente que meros tribunais ad hoc, compostos de três membros, não estarão em condições de exercer efetivo controle de legalidade do MERCOSUL e de realizar um sistema orgânico de constante exegese do sistema de integração regional. Não darão ensejo sequer à elaboração de um corpus de decisões que nos assegurem a uniformidade necessária à tarefa de interpretação.  (RANGEL, apud PEREIRA, 2001, p.89-90)

Por isso, acreditamos que o mecanismo de solução de controvérsias criado no âmbito do MERCOSUL é bastante precário. A necessidade de um sistema jurisdicional assentado em tribunal permanente supranacional, nos moldes do Tribunal das Comunidades Européias, é vital para criação de um direito comunitário do MERCOSUL.

4. Ordenamento Jurídico do MERCOSUL

As fontes jurídicas do MERCOSUL, segundo o art. 41 do Protocolo de Ouro Preto, são: I - o Tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos adicionais ou complementares; II - os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção; III - as decisões do Conselho do Mercado Comum, as resoluções do Grupo Mercado Comum e as diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção. O Tratado de Assunção e os Protocolos de Ouro Preto e de Brasília são as fontes jurídicas originárias do MERCOSUL. As demais fontes, mencionadas nos incisos II e III do art. 41, são fontes jurídicas derivadas.

O art. 42 do Protocolo de Ouro Preto dispõe que as normas oriundas dos órgãos do MERCOSUL “previstos no Artigo 2º deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país.” Notamos, portanto, que, diferentemente do que acontece no Direito Comunitário Europeu, as normas jurídicas oriundas de fontes jurídicas derivadas do MERCOSUL não têm aplicabilidade imediata, [20] muito menos efeito direto. As normas que impõem obrigações aos Estados-Partes devem ser internalizadas de acordo com o procedimento de cada Estado. No caso brasileiro, as normas de competência do Executivo são implementadas na órbita interna por atos administrativos do Executivo, as demais precisam ser transformadas em lei, o que requer a participação do Congresso Nacional, que adotará o mesmo procedimento legislativo aplicável à elaboração de lei originariamente interna.(PEREIRA, 2001, p. 57-58). Destarte, a norma jurídica do MERCOSUL só é aplicável após internalização, isto é, após a sua integração ao direito interno de cada Estado-Parte.

5 - Democracia e institucionalização política:

Boa parte da bibliografia consultada relaciona as análises dessa experiência no Cone Sul com o movimento integracionista verificado em nível global. Parece não haver como negar a influência desses acontecimentos. Neste sentido, dois tipos de postura puderam ser verificadas: o otimismo bolivariano e o oportunismo histórico.

A primeira modalidade está associada aos antigos ideais de homogeneizar as diversas culturas da América Latina e apresentar suas demandas políticas e econômicas a nível global em uníssono, com vistas ao fortalecimento relativo de cada um dos parceiros. O segundo tipo é, em certa medida, auto-explicativo. Existe a percepção de que iniciativas como o Mercosul são orientadas para beneficiar grupos nacionais e multinacionais específicos. Daí vislumbra-se a possibilidade de que a integração regional seja o primeiro ato rumo à abertura multilateral das Américas, num cenário geral de liberalização. Com o fracasso da rodada Uruguai do GAAT, e o decorrente surgimento da OMC, o Mercosul foi visto por muitos como parte de um bloco interamericano de comércio, no espírito da iniciativa Bush ou, mais recentemente, da Área de Livre Comércio das Américas - ALCA.

Entretanto, no bojo dos processos seletivos de liberalização comercial que se desenham no mundo, uma postura pragmática vê a consolidação dos vínculos regionais como uma forma de se precaver contra cenários futuros adversos. Neste contexto, a integração constitui-se, basicamente, numa noção defensiva, tal como se apresenta na Europa.  Superada a Guerra Fria, o Velho Mundo utiliza mecanismos integracionistas para combater a instabilidade política, as disparidades econômicas e os aspectos violentos do nacionalismo. Esta noção está claramente enunciada no Tratado de Maastricht, que preconiza o desenvolvimento europeu rumo a uma união política que articule, por um lado, elementos comunais de política econômica e monetária, e, por outro, políticas externas e de segurança comuns.

Transposto para a América Latina, o fim dos antagonismos que potencializaram as rupturas jurídico-institucionais internas, desde o início dos anos sessenta, condiciona os esforços para o desenvolvimento político e econômico da região. Neste sentido, defensiva é a disposição de "crescerem juntos", reafirmada em todos os tratados regionais desde a Ata para a Integração Brasil-Argentina, de l986, bem como as noções coincidentes de defesa da plena vigência das instituições democráticas, celebrada pela Declaração de Iguaçu. Estas prerrogativas são vistas, hoje, como pressupostos indispensáveis para o sucesso do processo de integração.

Este parece ser o cerne das questões referidas a dimensão democrática no processo de integração sub-regional. Subjacente a própria noção de integração está a necessidade de instituições supranacionais como condição basilar para a constituição do Mercosul, conforme consagrado no Tratado de Assunção. Porém, apesar dos esforços envidados por alguns setores da sociedade civil, como círculos intelectuais e sindicalistas, o arranjo macro-institucional engendrado para viabilizá-lo não tem sido visto como o mais adequado para os fins manifestos. Centrado no Conselho do Mercado Comum e no Grupo do Mercado Comum[21], tal arranjo restringe os espaços de participação social e cerceia o envolvimento de outras esferas governamentais, como os poderes legislativos e judiciários de cada país.

A estrutura básica de organização institucional do MERCOSUL parece seguir, para fins de um enquadramento teórico, o “modelo de equilíbrio” proposto pela primeira vez por Joseph Schumpeter, em 1942. [22] Também denominado de “elitismo pluralista”, esse modelo concebe as modernas sociedades industriais - dentre as quais se encontram, em maior ou menor grau, as sociedades latino-americanas - a partir de três categorias básicas: equilíbrio, pluralismo e elitismo.

A questão do equilíbrio, para além da harmonização sistêmica entre os diversos grupos que disputam o poder, diz respeito, modernamente, à consolidação da ordem política e à estabilidade dos modelos nacionais de desenvolvimento econômico. Aqui, a manutenção das regras, expressa na continuidade de macro-políticas e na transição pacífica do poder, é o elemento primordial. A importância deste equilíbrio, que deverá ser preferencialmente democrático, define, inclusive, políticas multinacionais de ajuda e investimento[23]. A problemática do pluralismo diz respeito à forma pela qual grupos e indivíduos orientam suas condutas sociais. Neste plano, a atuação dos atores sociais é definida pela identificação mais ou menos precisa de seus interesses no plano político, cultural e econômico. Por fim, a questão do elitismo evidencia-se na exclusão do conjunto da sociedade civil das esferas de planejamento, implementação e gestão de políticas públicas, em sua caracterização mais ampla. Capitaneadas por grupos políticos e econômicos mais ou menos perenes e restritos, tais políticas buscam na sociedade, de um modo geral, apenas legitimação para suas ações e recursos para sua implantação e continuidade. Assim sendo, a estrutura político-institucional do Mercosul, além de anti-popular e excludente, parece inadequada para realizar seu principal objetivo: a construção de um novo modelo econômico-produtivo fundamentado num verdadeiro mercado comum.

Em La Dimensión Político-Institucional y los Desafios del Mercosur en el período de Transición, José Maria Gómez (s.d.) corrobora esta afirmação destacando três pontos básicos de assimetria entre meios e fins que caracterizam o MERCOSUL. Em primeiro lugar, o autor aponta seu caráter contratual, expresso pela dimensão alfandegária e pela fragilidade das iniciativas de coordenação de políticas macroeconômicas por parte dos Estados[24]. Em seguida, destaca a provisoriedade a qual os mecanismos, as normas e as instituições até aqui engendrados para dinamizar o projeto estão submetidos, posto possuírem validade restrita à fase inicial do processo de integração. Por fim, aponta seu caráter intergovernamental como um dos aspectos mais incongruentes. Para Gómez, a atual estrutura contrapõe, por um lado, a natureza dos problemas e das tarefas da agenda atual do acordo, cuja resolução pressupõe a existência de uma autoridade supranacional capaz de produzir direitos e políticas comunitárias, e, por outro, a afirmação do caráter intergovernamental dos organismos e regras que efetivamente administram a integração.

Assim estruturadas, tais bases são vistas como insuficientes para responder ao problema crucial enfrentado pela proposta neste período de transição, qual seja,

ou continua aperfeiçoando este esquema estrutural com fins a torná-lo mais congruente com um objetivo último mais realista - talvez aspirar uma zona de livre comércio e não um mercado comum -, ou, se o que se pretende efetivamente é caminhar em direção a um mercado comum, que se institua no projeto instâncias dotadas de atribuições  supranacionais, em termos de instituições, burocracia, políticas e normas comunitárias" (GÓMEZ, s.d., p. 456).

A rigor, para adequar-se aos propósitos de um mercado comum, que pressupõe a coordenação de políticas alfandegárias e livre circulação de fatores de produção dentro da Comunidade, o atual processo de integração sub-regional deve ampliar suas esferas de participação política, não só a nível governamental, mas em termos da incorporação efetiva de outros atores. Nota-se, portanto, que para além das considerações de caráter estrutural, o escopo do MERCOSUL expõe os limites e a forma da presente dinâmica de democratização verificada no continente, centrada fortemente nas propostas e iniciativas do poder executivo.

Desta forma, democracia e integração assumem significados específicos no contexto da integração dos países do Cone Sul. Democracia opõe-se diretamente a um passado imediato, fortemente marcado pelo autoritarismo dos regimes militares. Neste sentido, a discussão sobre democracia participativa, em debate na Europa e nos EUA desde a segunda metade dos anos 60, parece não repercutir na região. Em que pese experiências como o orçamento participativo, implementado pela na cidade de Porto Alegre desde 1986 (e de certa forma tornadas modelares face à eleição de Lula), e a emergente figura do consumidor-cidadão, elemento que interage na dinâmica de oferta de bens e serviços públicos e privados - para nos atermos somente a alguns aspectos da realidade brasileira - formas ampliadas de intervenção popular são secundarizadas pelas elites políticas e econômicas do MERCOSUL.  O segundo termo, integração, refere-se basicamente a uma estratégia de desenvolvimento que, a partir do reconhecimento das alterações na ordem econômica mundial, busca na constituição de mercados integrados as opções de intercâmbio comercial e o aumento da produtividade das economias envolvidas. 

Esta estratégia, como podemos perceber, parte de cinco pontos básicos: inserção competitiva da economia regional em um mundo de grandes blocos econômicos, incremento da produtividade através de economias de escala, estímulo ao acompanhamento dos fluxos do mercado mundial, contínua expansão para atrair países vizinhos e, por fim, o envolvimento do setor privado como principal agente econômico do processo. A partir deste contexto, no qual a consolidação do processo democrático é condição básica para viabilizar os esforços de integração e de cujo sucesso econômico depende a própria estabilidade política do continente, José Maria Gómez afirma que:

os dois temas tornaram-se, então, objeto de intensa valorização: a democracia passou a ser considerada um fim em si mesmo, enquanto a integração passa a ser visualizada como um meio econômico factível e necessário". (GÓMEZ, 1991, p. 227).

Porém, em que pese esta relação imediatizada, Gómez aponta graves problemas de ordem teórico/prática no que concerne a sua especificidade no contexto latino-americano.  Inicialmente, são destacadas as fragilidades dos resultados alcançados após aproximadamente 10 anos de experiência. Embora considerando todos os aspectos conjunturais e estruturais que permeiam esta relação, os resultados alcançados se situam muito abaixo das expectativas iniciais, não só no que se refere às relações comerciais stricto sensu, mas também no que tange ao envolvimento real dos principais atores do processo.  Em seguida, são apontadas as dificuldades referentes às alterações na ordem internacional, como a abertura de imensos mercados no leste europeu, na China e na América do Norte, via NAFTA, bem como a perda de importância estratégica do continente com o fim da Guerra Fria. Por fim, são destacados os empecilhos que o contexto sócio-histórico latino-americano impõe à relação democratização x integração econômica, como produto dos diversos tipos de consolidação democrática e inter-relação econômica que estão em curso na América Latina.

Este último aspecto parece absolutamente essencial. O modelo de integração regional que vem sendo ostensivamente mostrado para a América Latina é o modelo Europeu. No entanto, apenas as diferenças sócio-econômicas e culturais entre os signatários dos dois processos, bem como o tempo de gestação de cada um deles, já seriam sinais suficientemente claros do abismo que os separa[25]. Em termos mais precisos, seria fundamental a reflexão e a objetivação de um processo mais afinado com a realidade latino-americana, não só no que concerne a sua posição econômica e social global, mas também no que tange a sua especificidade cultural.

Igualmente, duas outras variáveis de ordem política merecem ser consideradas. Primeiramente, com exceção do Uruguai, os demais países não completaram seus processos de consolidação democrática. Isto significa que são institucionalmente frágeis e politicamente instáveis, características advindas das prolongadas dominações autoritárias e agravadas pela crise econômico-social do Estado, assim como pelo estilo político com que se tem, historicamente, governado cada uma destas unidades nacionais.  Em segundo lugar, é mister reafirmar o caráter interestatal da empresa - talvez por se tratar de uma alternativa governamental de desenvolvimento e consolidação institucional - onde os agentes civis, mesmo os mais diretamente afetados, não possuem participação efetiva.

A própria dinâmica imprimida por seus agentes mais significativos - burocracia interestatal e setores empresariais - revela o caráter excludente da proposta de integração. Percebida fundamentalmente por seu potencial desenvolvimentista a nível econômico, ela assume uma identidade direta com a consolidação da democracia a nível subcontinental. Este aprofundamento democrático, entretanto, não busca chamar a sociedade civil para uma efetiva participação na vida política e econômica do Estado.

O caminho até aqui trilhado pelo Mercosul, portanto, aponta uma ambigüidade estrutural. Por um lado, assume um caráter primordialmente desenvolvimentista, deflagrado por elites políticas e econômicas (fato que o expõe a sucessivas crises, como a que hora se verifica nas relações Brasil – Argentina em função do setor de eletrodomésticos), embora a meta seja a construção de um mercado comum.  Por outro, sua contrapartida política, a consolidação democrática em curso, parece não possuir a envergadura necessária para realizá-lo, na medida em que limita a participação societal.

6 - Considerações finais:

Este trabalho procurou mostrar como se desenvolve a relação entre democracia e integração regional no âmbito do processo de integração econômica dos países do Cone Sul. Para tal, após projetarmos um foco sobre a história dos movimentos de integração econômica que precederam o Mercosul, buscamos realizar uma análise do significado desta relação, chamando atenção para os principais problemas presentes. Neste ponto, foram especialmente destacados seu caráter contratual e sua condição de provisoriedade, que impede a construção de instituições supranacionais de caráter mais abrangente, tanto no que concerne às suas funções, quanto no que se refere aos setores sociais efetivamente envolvidos. Por fim, aludimos ao caráter intergovernamental que o processo de integração sub-regional vem apresentando.

As conclusões mais gerais apontam que o processo de integração em tela caracteriza-se por ser uma estratégia interestatal de desenvolvimento econômico e consolidação do modelo de democracia que se instalou no continente a partir de meados dos anos oitenta.  Este modelo tende a aproximar-se da matriz "elitista pluralista" de Joseph Schumpeter, fato indicado pela baixa mobilização social condicionada à própria gestão política do processo até então, que privilegia sobremaneira as esferas estatal-burocráticas e empresariais. Neste contexto, a identidade latino-americana apresenta-se mais como substrato ideológico, do que necessariamente como matriz basilar, apesar do histórico consenso em favor da integração.

Este trabalho, não obstante, buscou apenas mapear estas questões, possibilitando-nos uma primeira sistematização acerca de problemas cruciais não só para a temática em tela, mas, sobretudo para a questão do poder e do desenvolvimento na América Latina.

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[1] Segundo o censo sócio-econômico do IBGE, com dados atualizados até outubro de 1996, os países do cone sul agregavam uma população de 201.035 milhões de habitantes, um PIB de US$ 1.097.988 bilhões e uma renda per capita de US$ 4.820 mil.

[2] O Foco sobre a democracia que se pretende destacar no presente artigo não diz respeito às significativas contribuições que o MERCOSUL vem facultando à estabilidade institucional dos Estados Parte, bem como dos Estados Associados. Dessa forma, não se nega que, do ponto de vista da manutenção do Estado Democrático de Direito, a dimensão democrática do Mercosul, que se espraia para toda a América Latina, é, talvez, uma de suas dimensões mais exitosas.  Como base para essa assertiva, se pode evocar algumas mediações que direta ou indiretamente o Acordo vem possibilitando, dentre as quais se destacam a composição no Paraguai, após a conturbada saída do Gal. Oviedo; o respeito às instituições políticas na convulsão que antecedeu a ascensão de Kirchner, na Argentina; a estabilização na crise venezuelana, com Hugo Chaves; a deposição de Aristide, no Haiti; e, no exato momento em que este artigo está sendo finalizado, os conflitos na Bolívia, que resultaram na renúncia do presidente Mesa. Diferentemente, no entanto, o que se pretende focar no presente artigo é o déficit democrático relacionado à efetiva participação das respectivas sociedades civis no processo de formação/desenvolvimento do Acordo, que, tal como revela sua estrutura jurídico-institucional, parece não avançar para além de uma dinâmica intergovernamental, onde os espaços de participação dos agentes civis parecem extremamente limitados.

[3] Comissão Econômica para a América Latina, criada em 1948 para promover o desenvolvimento econômico latino-americano.

[4] Esse tratado foi assinado por Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, México, Paraguai, Peru, Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela.

[5] Foram signatários do Tratado de Montevidéu, que criou a Aladi, os seguintes países: Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, México, Paraguai, Peru, Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela.

[6] Explica Carlos Roberto Husek (2001, 161) que a denominação “fase romântica” deve-se às retóricas de intenções, sem a preocupação com a realidade de cada país. “É um período caracterizado por grandes linhas políticas de desenvolvimento baseadas no mercado interno e por incipiente abertura da economia para o mercado mundial.”

[7] Note-se que, em sua gênese, o objetivo da Alalc/Aladi seria a criação de um mercado comum. No entanto, nem mesmo a primeira etapa, a zona de livre comércio, foi efetivamente estabelecida.

[8] Atualmente, além desses signatários originais, o Chile e a Bolívia assinaram tratados com o MERCOSUL e são considerados países associados.

[9] O Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) entrou em vigor em 1948 visando à promoção do comércio entre os signatários. O GATT foi substituído, em 1995, pela Organização Mundial de Comércio (OMC), que surgiu como organização internacional e possui regras mais fortes e objetivas, aplicáveis a todas as áreas do comércio mundial.

[10] Adicionalmente, as seguintes funções lhe foram atribuídas pelo art. 8° do Protocolo de Ouro Preto: I Velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito; II - Formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do Mercado Comum; III - Exercer a titularidade da personalidade jurídica do MERCOSUL. IV -  Negociar e firmar acordos em nome do MERCOSUL com terceiros países, grupos de países e organizações internacionais. Estas funções podem ser delegadas ao Grupo Mercado Comum por mandato expresso, nas condições estipuladas no Inciso VII do Artigo 14;  V -  Manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam elevadas pelo Grupo Mercado Comum; VI -  Criar reuniões de ministros e pronunciar-se sobre os acordos que lhe sejam remetidos pelas mesmas; VII -  Criar os órgãos que estime pertinentes, assim como modificá-los ou extingui-los; VIII - Esclarecer, quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suas decisões; IX -  Designar o diretor da Secretaria Administrativa do MERCOSUL; X - Adotar decisões em matéria financeira e orçamentária; XI -  Homologar o regimento interno do Grupo Mercado Comum.

[11] Art. 11 do Tratado de Assunção

[12] Art. 12 do Tratado de Assunção

[13] Além dessas, o art. 9° do Protocolo de Ouro Preto prevê outras funções, entre as quais se destacam: Formular recomendações ao CMC que estime necessárias para a implementação e execução do Tratado de Assunção; Fixar programas de trabalho que estabeleçam as tarefas necessárias para levar a cabo o processo de integração do MERCOSUL; Adotar resoluções em matéria financeira e orçamentária, com base nas orientações emanadas do Conselho do Mercado Comum.

[14] Art. 14 do Tratado de Assunção.

[15] Vale mencionar o pensamento de Pedro Vals Feu Rosa (2001, p. 546-547) que critica o Tratado do Assunção na medida em que este trata igualmente situações desiguais. Segundo o jurista, as diferenças político-econômicas entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai são grandes e não foram levadas em contas na criação do mecanismo decisório do MERCOSUL, já que todas as decisões são tomadas por consenso. Não foi criado um sistema de contrapesos, conforme o existente na União Européia, onde países mais populosos, como Alemanha, França, Itália e Reino Unido, têm uma representatividade maior no Parlamento Europeu.

[16] Um exemplo recente dessa vulnerabilidade é a decisão da Argentina de impor cotas às importações de eletrodomésticos brasileiros, que vai de encontro ao que fora acordado e prejudica a efetivação do livre comércio no bloco.

[17] Ao contrário do que imaginado por muitos, o Parlamento Latino-Americano - Parlatino não integra a estrutura institucional do MERCOSUL.  Ente ancestral, o Parlatino foi criado no dia 7 de dezembro de 1964, na cidade de Lima. Segundo a Declaração de Lima, subscrita nesta oportunidade, ele é uma instituição democrática de caráter permanente, representativa de todas as tendências políticas existentes em nossos corpos legislativos; encarregado de promover, harmonizar e canalizar o movimento em direção à integração.  O Parlatino é uma organização regional, permanente e unicameral, integrada pelos Parlamentos Nacionais da América Latina, eleitos democraticamente mediante sufrágio popular, cujos países subscreveram o correspondente Tratado de Institucionalização no dia 16 de novembro de 1987, em Lima - Peru, e aqueles cujos Estados aderiram ao mesmo ou o façam no decorrer do tempo, de acordo com os procedimentos assinalados neste Estatuto.

[18] Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em matéria contratual; Protocolo de São Luís em Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidente de Trânsito entre os Estados-Membros; Protocolo de Las Leñas sobre Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa; Protocolo de Assistência Mútua em Assuntos Penais; Protocolo sobre Arbitragem Comercial Internacional.

[19] Possuem legitimidade ativa os Estados-Partes e particulares que tenham direitos subjetivos violados em decorrência de interpretação, aplicação ou descumprimento de norma do MERCOSUL. A legitimidade passiva é tão-somente dos Estados-Partes. As instituições do MERCOSUL e particulares não são sujeitos passivos de reclamação interposta junto à CCM.

[20] Por força do art. 249 do Tratado de Roma, no âmbito da União Européia,  os regulamentos, diretivas e decisões são obrigatórias a todos os Estados-Membros, não fincando a mercê de eventuais mecanismos de recepção previstos no direito nacional dos Estados-Membros.

[21] O Conselho do Mercado Comum - CMC, órgão superior do MERCOSUL, tem como atribuição básica a condução política do processo.  O Grupo do Mercado Comum - GMC é um órgão executivo, centrado nos Ministérios da Fazenda e Relações Exteriores dos quatro Estados Membros, cuja principal função é propor medidas concernentes à aplicação do Programa de Liberalização Comercial e à coordenação de políticas macroeconômicas.

[22] No início deste século a teoria democrática clássica, de caráter liberal, sofreu profundas críticas dos autores realistas, que colocaram abaixo os pressupostos básicos de um modelo de democracia calcado no sistema capitalista de mercado. Pensadores importantes como Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca, Robert Michels, Carl Schmitt, Sigmund Freud e Max Weber questionaram, por caminhos e finalidades distintas, a concepção liberal clássica de mundo social e de tipo humano, afirmando o caráter conflitivo e adversarial da política, a singularidade e potencialidade do inconsciente humano, a relação entre elites-massas e a oligarquização das organizações inerentes a democracia.  Deixaram, então, um legado pessimista em relação a excelência do ser humano comum, bem como da esfera pública para o alcance da felicidade societal.  No final dos anos trinta, superando os realistas do princípio do século, Joseph Schumpeter argumentou contra a tradição socialista, rompeu com as utopias liberais e criticou a concepção clássica da democracia. Através de várias obras, dentre as quais destacamos Capitalismo, Socialismo e Democracia, postulou a tese de que a democracia nada mais é que um método de produção dos governos e que a atividade política, e não a sociedade, possui a mesma lógica do mercado, abrigando consumidores ordinários e empresários políticos, estes considerados empreendedores responsáveis pela administração, organização e produção de alternativas de governo. Neste mercado, os políticos competem disputando as preferências dos consumidores, intimamente relacionadas aos interesses individuais.  Em sua concepção ultra-realista, Schumpeter inverteu a concepção liberal sobre o indivíduo autônomo, racional e hiperparticipativo, descaracterizando a idéia de vontade geral como vontade única e resultado da agregação das vontades individuais em prol do bem comum. Para ele, com a trivialização dos direitos políticos e a massificação das informações (democratização?), a capacidade do cidadão em obter conhecimentos é inversamente proporcional a sua possibilidade de processá-los. A participação então, se dá em relação aos interesses de cada um e o cidadão nem sempre sabe o que está ocorrendo, existindo um dissenso entre pessoas e grupos. 

[23] Em artigo publicado na edição 1533 da revista Veja, onde avaliava a participação diplomática brasileira na Conferência Internacional de Davos, Suíça, o historiador Luís Felipe de Alencastro referendou esta proposição ao afirmar que a principal diferença entre a organização econômica brasileira frente ao México e aos países do sudeste asiático é que, malgrado suas imperfeições, ela assenta-se sobre uma estrutura política democrática. Tal fato, defendeu, deveria inclusive ser mais bem aproveitado pelo governo FHC.

[24] Vários analistas vêem o Plano Real, em curso desde 1993, como um esforço do governo brasileiro em reunir condições macro-econômicas para efetivar sua pretensa liderança no cone meridional latino-americano.

[25] Este abismo empírico deveria suscitar, necessariamente, uma postulação teórico-metodológica igualmente diversificada, uma vez que, objetivamente, tratam-se de processos diferenciados, embora algumas semelhanças mais gerais, como o fato de constituírem-se como alternativas de desenvolvimento econômico para os parceiros envolvidos e realizarem-se em um plano sócio-cultural com algumas referências em comum.

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 06 dezembro, 2005.