Eleitorado
e população em Mato Grosso: algumas considerações para o período
1982-2004
Vinícius
de Carvalho Araújo
Resumo
O
objetivo deste trabalho consiste em identificar da evolução do
eleitorado, como subconjunto demográfico, no período 1982-2004
em Mato Grosso. Na primeira parte, é feita uma breve revisão teórico-conceitual
sobre as principais categorias utilizadas na pesquisa, com ênfase
para a definição da História Demográfica. Na metodologia,
trabalha-se a classificação da pesquisa como exploratória, da
modalidade estudo de caso e detalham-se os dados utilizados, suas
fontes e métodos de tratamento (História Quantitativa e Serial).
Na
terceira parte, são promovidas algumas considerações gerais
sobre a população em Mato Grosso, para que fosse possível
observar tendências estruturais. Em seguida, são feitas algumas
considerações sobre a evolução do eleitorado e os principais
indicadores escolhidos, para auxiliar na análise dos dados. Ao
final, são realizadas algumas observações sobre os resultados
da pesquisa, com ênfase para a dificuldade em organizar a base de
dados utilizada e o potencial das ferramentas quantitativas para a
historiografia contemporânea.
Palavras-chave:
História
Demográfica; crescimento do eleitorado; relação
eleitorado-população; História Quantitativa e Serial; e população
em Mato Grosso.
Abstract
The
purpose of this article is to identify the electorate´s evolution,
as a demographic subset, in the period between 1982-2004
in Mato Grosso. In the first part, it is made a brief theoretical
review about the main categories adopted in the research, with
emphasis to the definition of Demographic History. In methodology,
it is made the classification of the research as exploiter, in the
variant of case study and are detailed the used data, its sources
and treatment methods (Serial and Quantitative History). In
the third part, some general considerations about the population
in Mato Grosso are done, to allow a better view to the structural
trends. Afterward, some considerations about the evolution of the
electorate are made, as well as the main chosen indicators, to
help in the data analysis. By the end, some final observations
about the research´s outcomes are made, with emphasis to the
hardness to organize the data base in use and the potential for
the quantitative tools for contemporary historiography.
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1.
Introdução
Diante
do contexto de renovação da historiografia contemporânea, destacam-se
as tentativas de formulação de uma Nova História Política, distinta
daquela que foi criticada de modo direto pela Escola dos Annales e
também incorporando as contribuições teórico-metodológicas da Nova
História.
Os
dados sobre o eleitorado são de suma relevância para compreender a História
Política recente em Mato Grosso. Como a pesquisa em desenvolvimento para
dissertação propõe um exercício de história estrutural que integre as
dimensões social, econômica, política e governamental, o enfoque sobre
a relação eleitorado/população torna-se determinante e ajuda a
organizar parte das fontes ou corpus documental a ser utilizado.
Com
base na problematização detalhada na metodologia, o objetivo deste
trabalho consiste em identificar a evolução do eleitorado, como
subconjunto demográfico, no período 1982-2004 em Mato Grosso. Para tanto
ele está estruturado em cinco partes, além desta introdução e da
bibliografia. Na primeira, é feita uma breve revisão teórico-conceitual
sobre as principais categorias utilizadas na pesquisa, com ênfase para a
origem e definição da História Demográfica e caracterização do
trabalho como integrante deste campo.
Na
metodologia, trabalha-se a classificação da pesquisa como exploratória,
da modalidade estudo de caso e detalha-se os dados utilizados, suas
fontes, métodos de tratamento, bem como a importância dos instrumentais
da História Quantitativa e Serial. Na
terceira parte, são feitas algumas considerações gerais sobre a população
em Mato Grosso, num período mais longo do que o coberto pela pesquisa,
para que fosse possível observar tendências estruturais.
Em
seguida, são feitas algumas considerações sobre a evolução do
eleitorado no Estado e os principais indicadores escolhidos para auxiliar
na análise dos dados, como eleitorado/população, crescimento anual,
participação eleitoral dos jovens de 16 a 18 anos e, por fim, a
distribuição etária da população. Ao final, são feitas algumas
observações sobre os resultados da pesquisa, com ênfase para a
dificuldade em organizar a base de dados utilizada e a utilidade das
ferramentas da História Quantitativa e Serial para a produção
historiográfica contemporânea, em particular na História Demográfica.
2.
Fundamentação teórica
A
princípio, cabe fazer uma breve retrospectiva conceitual para melhor
caracterizar o objeto desta pesquisa. Para Nazareth (1996), a História
Demográfica surgiu na Grécia, como uma reflexão corrente e sistemática
sobre a problemática populacional, em função das preocupações com a
cidade ideal e a estabilidade da população, manifestadas por autores
como Aristóteles, Platão e Políbio.
Os
romanos se distinguiram mais pela contribuição ao direito e à guerra, e
abordaram a população sob seu aspecto prático, enfatizando o controle a
ser exercido pelo Estado. No período medieval que se seguiu, o pensamento
cristão dominante na Europa passa a privilegiar a castidade e o celibato
do clero como fatores de regulação demográfica. A Igreja Católica
demonstrou, num primeiro momento, indiferença nesta matéria e depois
adotou a defesa do casamento para procriação, conforme as oscilações
populacionais causadas pelas pestes.
Na
Idade Moderna, a demografia aproxima-se da política e da economia,
seguindo a transição do feudalismo para o capitalismo, do absolutismo
para a democracia liberal-burguesa e da fonte do poder do soberano para a
população, no processo denominado por Foucault (1979) de
governamentalização do Estado. As doutrinas mercantilistas desse período
eram populacionistas, pois o fortalecimento dos Estados nacionais em formação
dependia de um grande exército e, por conseguinte, de uma população
numerosa para abastece-lo com regularidade.
A
palavra demografia ( demo = população e grafia = estudo) é usada pela
primeira vez em 1855 por Achille Guillad, em associação à estatística,
entendida como ciência do Estado, pela aplicação dos seus métodos ao
estudo das populações. A novidade estava no conhecimento matemático das
populações e de seus movimentos gerais e no reconhecimento de uma
especificidade nas variáveis demográficas, tornando-as passíveis de
tratamento científico e gerando a aritmética política. Os principais
temas de então eram as vantagens e desvantagens do crescimento
populacional e o equilíbrio homem-natureza.
Surge,
neste momento, a distinção entre Demografia Histórica e História
Demográfica. De acordo com Nazareth (1996), a demografia histórica
aplica o instrumental de análise demográfica a populações passadas. Os
fins são históricos, isto é, utiliza-se fontes e a metodologia próprias
da demografia para ajudar na compreensão de determinados acontecimentos
e/ou estruturas sociais e incluir o rigor quantitativo nos critérios de
cientificidade. Já a História Demográfica analisa a população numa
perspectiva histórica, ou melhor, atinge fins demográficos com recurso a
meios históricos, como a História Quantitativa e Serial.
A
demografia pode ser definida, portanto, com base nos seguintes critérios:
1
– A unidade de análise é sempre um conjunto de pessoas (dimensões,
estrutura, distribuição);
2
– Observa aspectos dinâmicos da população;
3
– Analisa variáveis demográficas que alteram a população
(natalidade, fecundidade, mortalidade, casamentos);
4
– Identifica efeitos estruturais das variáveis microdemográficas na
população e o contrário; e
5
– Verifica comportamentos demográficos.
3.
Metodologia
Há
inúmeros modos de classificar as pesquisas. Dentre estes, optou-se pela
categorização por objetivo e procedimentos adotados (delineamento). Este
trabalho constitui-se numa pesquisa exploratória e, de acordo com seu
delineamento, num estudo de caso. Estas têm como objetivo principal, para
Gil (1994), explorar o problema em exame e proporcionar aos pesquisadores
maior conhecimento e proximidade com o mesmo.
Em
virtude de sua flexibilidade sequencial e procedimental, o estudo de caso
é uma modalidade recomendada nas fases iniciais de abordagem a temas
complexos e multidimensionais, como o selecionado. Por tratar-se de um
objeto de estudo sobre o qual já existe volume considerável de dados e
informação disponíveis na forma bruta, podemos promover um
enquadramento teórico-analítico e situa-lo melhor. Adequa-se aos
objetivos desta pesquisa em função da incipiência em que encontram-se a
maior parte dos trabalhos em Mato Grosso, da simplicidade dos
procedimentos técnicos, da complexidade do tema selecionado e da
possibilidade apontada de reformulação do problema em busca de uma maior
depuração analítica.
Os
dados primários e secundários foram coletados com recurso a vários
instrumentos. Dentre eles destacam-se documentos contendo censos
eleitorais em nível estadual e por município gerados pelo Tribunal
Regional Eleitoral de Mato Grosso, fontes bibliográficas, relatórios de
outras pesquisas e os dados sócio-econômicos extraídos do anuário
estatístico estadual, bem como das pesquisas do IBGE (Censo, PNAD).
Outro
aspecto a salientar refere-se à História Quantitativa, que é uma das
abordagens mais evidenciadas na historiografia contemporânea. Para BARROS
(2004), as abordagens consistem no modo de fazer ou métodos da história,
incluindo a tipologia de fontes, seu tratamento e a relação com o campo
observado. A História Quantitativa diz respeito ao campo de observação,
que privilegia os números e utiliza todo o instrumental matemático/estatístico
(síntese de dados, gráficos diversos, tabelas, curvas de variação,
logaritmos, cálculo diferencial e integral) e suporte tecnológico disponíveis
para tratamento destes dados.
A
quantificação por sua vez pressupõe a serialização. A História
Serial trata dos tipos de fontes que podem ser serializadas, mas não
necessariamente quantificadas para processamento. As fontes que podem ser
serializadas são cartoriais, administrativas, comerciais, paroquiais,
testamentárias, dentre outras. Serão usados recursos como gráficos e
tabelas para auxiliar na identificação de tendências e comparação dos
dados obtidos pela pesquisa.
Furet
(1979) lembra que
a
história seriada encontra-se, há dez ou vinte anos, como uma das vias
mais fecundas de desenvolvimento do conhecimento histórico; apresenta,
por outro lado, a imensa vantagem de fornecer a essa antiga disciplina, a
história, um rigor e uma eficácia superiores àqueles oferecidos pela
metodologia qualitativa (FURET, 1979, pg. 51).
Nesta
pesquisa foi necessário recorrer a estimativas para completar algumas séries
de dados e elaborar as análises importantes para o alcance de seus
objetivos. Os dados do eleitorado só estão disponíveis, por exemplo,
para os anos em que houve eleições, pois o TRE/MT realiza contagem
oficial para cumprimento da legislação eleitoral. Como a tendência de
crescimento é clara, os anos em que não houve eleições foram estimadas
pela média aritmética entre o anterior e o posterior. Estes casos são
detalhados no corpo do texto.
Foram
desenvolvidos também alguns indicadores para melhor atingir os objetivos
da pesquisa. Eles aparecem tanto na forma de taxas (crescimento do
eleitorado e população) como coeficientes, combinando duas variáveis.
Exemplos deste tipo de indicador são eleitorado/população, que aponta o
peso dos eleitores como subconjunto demográfico e também percentual de
jovens entre 16 e 18 anos alistados, que indica a participação política
desta faixa etária.
Diante
de tal exposição teórica, foi possível definir a presente pesquisa
como pertencente ao campo da História Demográfica. O seu problema pode
ser enunciado do seguinte modo: “Qual foi a evolução do eleitorado em
Mato Grosso e sua relação com o conjunto da população no período
1982-2004?”
Seu
objetivo geral é identificar a evolução do eleitorado, como subconjunto
demográfico, no período 1982-2004 em Mato Grosso. Os específicos são: 1
– Levantar dados referentes ao eleitorado junto ao Tribunal Regional
Eleitoral-MT e IBGE (censo, PNAD); 2 – Observar as tendências da
população mato-grossense no período em questão; 3 – Identificar a
evolução quantitativa do eleitorado no período selecionado e sua
composição; e 4 – Analisar a
relação entre o eleitorado e o conjunto da população.
4.
Considerações gerais sobre a população em Mato Grosso
De
início, serão feitas algumas observações gerais sobre a evolução da
população no Estado de Mato Grosso desde o período anterior à divisão
(1977). Tal procedimento torna-se necessário para que seja possível
identificar tendências demográficas estruturantes pelo prazo mais
alongado, que continuam a manifestar-se no período coberto por esta
pesquisa.
O
Estado vem apresentando elevado crescimento demográfico desde a década
de 1940. Entre 1940 e 1970, a população cresceu 251%, saindo de cerca de
455.000 habitantes para 1.600.000.
Quando dividem-se as porções do território mato-grossense que formariam
os dois novos Estados a partir de 1979, pode-se verificar que ambas
tiveram elevado crescimento após 1940. A porção setentrional teve queda
entre 1920 e 1950 e a meridional destacou-se, com crescimento de 265%
entre 1940-1970, totalizando cerca de 63% da população total em 1970
(uma das principais justificativas utilizadas pelos divisionistas para a
separação).
Entre
1970 e 2000, o crescimento foi maior e sobre um patamar mais elevado. Se
for considerada apenas a população da porção setentrional do Estado
(correspondente ao atual Mato Grosso), a população evolui de cerca de
cerca de 600.000 para 2.504.353 habitantes
em 2000, num aumento de cerca de 320%. Ao estratificar por década,
observa-se que entre 1970-1980 houve crescimento de 90,18%, decrescendo
para 78% entre 1980-1991 e 23,54% entre 1991-2000.
As
médias anuais de crescimento na década de 1980 chegavam a 8 ou até 9%,
enquanto em nível nacional ficaram em torno de 2%. A diferença de 7%
pode ser atribuída à migração de outros Estados e à imigração, após
a considerar a distância das taxas de natalidade e mortalidade nacionais
e de Mato Grosso.
Em
virtude dos limites operacionais da pesquisa, não foi possível segmentar
com precisão a origem do crescimento demográfico com base nos dados do
registro civil. Seria necessário identificar a cada ano o número de
nascimento e mortes (cuja diferença gera o denominado crescimento
vegetativo) pelos registros cartoriais e apontar a parcela do crescimento
populacional devida às migrações e imigrações.
No
entanto, pelo fato da maioria da população ser migrante, com destaque
para as regiões Sul e Sudeste, deduz-se que o fluxo migratório para Mato
Grosso foi intenso, acompanhando os surtos de expansão da fronteira agrícola,
a incorporação de terras à produção primária (extrativismo vegetal,
pecuária, grãos) e os projetos de colonização pública e privada
responsáveis pela ocupação do Estado e criação de novos municípios
neste período.
Uma
outra observação importante quanto às tendências demográficas no
intervalo examinado (1940-2004), refere-se à distribuição da população
no perímetro urbano ou na zona rural. Trata-se de fenômeno observado em
todo o Brasil e que chegou a Mato Grosso com atraso de cerca de 10 anos,
pois somente entre 1970 e 1977 a população urbana superou a rural, o que
ocorre no Brasil em meados da década de 1950.
Em
1940 25,46% da população
mato-grossense estava nas cidades e 74,54%
no meio rural. Este indicador caminha de modo lento entre as décadas de
1940 e 1970, chegando a 38,77%
em 1970. Há um primeiro surto de urbanização entre 1970 e 1977, com um
aumento de cerca de 15% na taxa (53,76%). Este fenômeno ocorre na trilha
do influxo populacional experimentado pelo Estado neste período e do padrão
de acumulação capitalista aqui adotado, com ênfase em grandes projetos
de colonização e cidades com grandes propriedades rurais no seu entorno.
Estes pautaram-se na pecuária extensiva, extração de madeira e produção
de grãos (arroz, milho, soja, feijão) para exportação em larga escala
e com elevada tecnificação, o que inviabilizava a formação de minifúndios.
Deste
modo, as cidades absorveram a maior parte do acréscimo populacional,
conforme os ciclos de desconcentração e reconcentração da terra
descritos por Araújo (2000). Durante a década de 1980 houve pouca variação
na distribuição (oscilando entre 57 e 59% da população urbana) mas,
entre 1989 e 1993 há um segundo surto de urbanização, saltando em 20%,
de 57,58% para 77,30%. Desde então, houve pequena oscilação e chega-se
a 2002 com 79,54% da população nas cidades e 20,46% na zona rural, com números
bem próximos à média nacional para estes indicadores.
Uma
explicação plausível para este fato é a elevação da área cultivada
pela soja em Mato Grosso, da sua produtividade e, sobretudo, da produção,
que gerou um fluxo intenso no sentido campo-cidade dentro do Estado, pela
alta relação capital-trabalho no setor. Quer dizer, não apenas os
trabalhadores desempregados em virtude da mecanização foram para as
cidades, mas também pessoas de outros setores podem ter migrado em busca
das oportunidades na agroindústria e no setor terciário (comércio,
serviços, administração pública) geradas pelo aumento da produção de
soja.
O
indicador sacas/hectare sobe de 33,43 em 1990 para 43,81 em 1994, numa
elevação de 31% num intervalo de apenas quatro anos e sobre um patamar
superior à média nacional (28,85 em 1990). Apenas para se ter uma idéia,
a produtividade em 2004 estava em 45,95 sacas/hectare, o que aponta este
período como fundamental para os ganhos tecnológicos nesta cultura em
Mato Grosso.
Muitos
demógrafos apontam que se trata de um paradoxo um Estado com forte produção
primária e elevada urbanização, com todos os problemas daí
decorrentes, em particular nos seus maiores municípios (Cuiabá, Várzea
Grande, Rondonópolis, Barra do Garças, Sinop, Cáceres, Tangará da
Serra, etc).O que possibilitou tal fenômeno foi, como dito antes, o padrão
de acumulação capitalista adotado aqui a partir da década de 1970.
5.
Considerações sobre o eleitorado em Mato Grosso
O
objetivo aqui é observar a evolução no eleitorado em Mato Grosso e sua
relação com o conjunto da população. O primeiro ponto a
salientar é seu crescimento quantitativo do eleitorado. Ele sai de
580.483 em 1982 para 1.836.140 em 2004, num salto espantoso de 216,31%,
quer dizer, aumenta em mais de três vezes. No mesmo intervalo, a população
total evoluiu de 1.337.888 para 2.749.302, registrando aumento de 105,5%.
A
principal explicação para esta grande diferença entre população e
eleitorado está no crescimento mais acelerado, como será demonstrado
adiante, da população acima de 19 anos. Entre 1982 e 2004, este
subconjunto demográfico cresce 164,39%, passando de 605.830 para
1.601.739 habitantes, ao passo que os residentes em Mato Grosso com idade
inferior a 19 anos saem de 732.058 para 1.147.763, numa variação de
56,76%.
Isto
é, um grupo teve crescimento cerca de três vezes superior ao outro, daí
o grande impacto no eleitorado. O subconjunto inferior a 19 anos chega a
apresentar, como pode ser confirmado na Tabela 1, uma semi-estagnação
desde a década de 1990. Entre 1992 e 2004 o crescimento foi de apenas
11,99%.
Os
dados demonstram também forte correlação entre o crescimento anual do
eleitorado e da população, salvo algumas exceções pontuais que podem
ser visualizadas na Figura 1. A década de 1980 apresentou as maiores
taxas de crescimento do período em questão para ambos os grupos, com
progressiva desaceleração ao longo da década de 1990 e de 2000, em
decorrência da redução dos fluxos migratórios, como já foi apontado.
As grandes discrepâncias estão em 1986, quando a população tem uma
queda de crescimento brusca e nos anos em que houve contagem populacional
completa, como 1991 e 1996.
De
acordo com a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 14°,
parágrafo primeiro, devem se alistar todos os brasileiros natos ou
naturalizados acima de 18 anos. Entre 16 e 18 anos o alistamento é
facultativo e acima dos 70 anos o voto é facultado.
Portanto,
é presumível que haja simetria entre a população acima de 18 anos
residente no Estado e o eleitorado e que suas variações reflitam tendências
microdemográficas como envelhecimento da população, redução da
parcela jovem, aumento da expectativa de vida e queda na natalidade e
fecundidade. No Brasil, entre 1980 e 2004 a natalidade e mortalidade têm
uma queda de 35,76%
e 26,37%,
respectivamente. O primeiro indicador a ser avaliado mede a relação
eleitorado/população total.
A
série foi ampliada para que se pudesse observar as tendências num prazo
mais largo. Ele varia de 12,63% em 1945 para 32,06% em 1964, recuando para
23,22% em 1970. Cabe fazer dois esclarecimentos importantes neste ponto. O
primeiro é que a Constituição de 1946 universalizou o sufrágio para
todos os cidadãos alfabetizados com idade superior a 18 anos. O segundo
refere-se às recorrentes alegações de fraude na contagem do eleitorado,
que sobrevivem de modo residual até a atualidade. A oscilação,
portanto, deste indicador no período pode corresponder a problemas desta
natureza, hoje minimizados pela informatização dos cadastros e a urna
eletrônica.
A
pouca abrangência do eleitorado em relação à população pode ser
explicada pelo elevado número de analfabetos existentes no Estado na época
e pelo perfil etário de sua população, ocasionado pela baixa
expectativa de vida ao nascer e elevada mortalidade infantil. Quer dizer,
a maior parcela da população era analfabeta e/ou possuía idade inferior
a 18 anos.
No
período escolhido para a pesquisa, este indicador vem subindo de forma
contínua, saindo de 43,39% em 1982 para 66,79% em 2004 (crescimento de
53,92% em 22 anos). As principais causas são os impactos em Mato Grosso
do já apontado processo de envelhecimento da população em escala
nacional; a queda nas taxas de natalidade, fecundidade e mortalidade, que
combinada com a elevação expectativa de vida ao nascer, reduziu a
parcela jovem; e o facultamento, após a promulgação da Constituição
de 1988, do voto aos adolescentes com idade de 16 a 18 anos e aos
analfabetos, a partir da edição da lei federal 7.332 em 01/07/1985,
recepcionada pela Constituição Federal.
No
que se refere aos analfabetos, é possível observar o salto no número de
eleitores e na relação eleitorado/população de 1982 a 1986 (de 43,39%
para 48,15%) em Mato Grosso. Pela média da região Centro-oeste em 1985,
foi possível avaliar em cerca de 100.000 analfabetos em Mato Grosso nesta
data. Embora uma parte deste montante não tivesse idade para compor o
eleitorado e outra não tenha se alistado, cabe ainda concluir que a variação
de 246.403 eleitores (42,45%), superior à população (28,35%) entre 1982
e 1986, pode ser atribuída à inclusão dos analfabetos no eleitorado.
Para
demonstrar estas causalidades, vale apontar como a estratificação etária
da população residente em Mato Grosso evoluiu no período sob avaliação.
Trabalha-se aqui com o número de habitantes registrados pelos censos
decenais (1991 e 2000) e estimados nos anos intercensitários com idade
inferior a 19 anos, pois este é o corte trabalhado pelo IBGE ao longo da
série completa. Pela proximidade com a faixa etária de alistamento
obrigatória (acima de 18 anos), trabalha-se com esta variável como uma proxy
ou substituta da população abaixo de 18 anos.
A
população menor de 19 anos evoluiu de 54,72% do total para 40,59% em
2003, numa redução de 25,83% no intervalo. A parcela maior de 19 anos
totalizou 58,28% em 2004. Isto é, como esta faixa etária guarda forte
simetria com o eleitorado, vale deduzir que a diferença com o indicador
eleitorado/população total (66,79%) pode ser explicada pela população
entre 18 e 19 anos, os jovens de 16 a 18 anos que alistaram-se e os casos
de eleitores residentes em outros Estados e vice-versa, que gera uma
distorção difícil de ser quantificada. No caso dos eleitores entre 16 e
19 anos, o número mais aproximado que pôde ser obtido foi de 3,15% da
população total.
Para
detalhar melhor, foi feita uma estimativa para a população entre 16 e 18
anos com base nos anos que possuem esta informação, com fonte na PNAD/IBGE.
Com a média em 6,5% para o período, a série foi completada para que
fosse possível ter uma noção de como esta faixa etária evoluiu no período
considerado e calcular um outro indicador importante para a pesquisa, qual
seja, a relação eleitorado entre 16 e 18 anos e a população da mesma
idade. Sua importância está na possibilidade de observar a participação
dos jovens desta faixa etária no processo eleitoral.
Este
indicador flutua de uma eleição para outra pois, ao contrário da relação
eleitorado/população total, trata-se de uma variável de fluxo, pela
constante renovação dos jovens nesta faixa. Não é possível construir
uma série para os anos em que não houve eleição pela dificuldade de
identificar uma tendência clara no intervalo. Os valores vão de 21,44%
em 1998 a 47,57% em 2000, tendendo a manter-se em níveis mais elevados
nos anos de eleições municipais (1996, 2000 e 2004) e acompanhando
ciclos de participação política, como a queda no ano de 1998, em que
houve reeleição para Presidente da República e Governador e a alta
expressiva em 2000 (primeiro ano de eleições para prefeito e vereador
com urnas eletrônicas em todos os municípios brasileiros).
6.
Conclusão
Ao
final deste trabalho cabem algumas considerações finais sobre a pesquisa
desenvolvida. Para tanto, torna-se imperativo retomar seu arcabouço
metodológico. O problema foi enunciado da seguinte forma: Qual
foi a evolução do eleitorado em Mato Grosso e sua relação com o
conjunto da população no período 1982-2004?
As
duas partes que o compõem foram tratadas em separado, merecendo itens
distintos do trabalho. No que refere-se à evolução do eleitorado tomado
de forma isolada, ficou claro seu crescimento em termos absolutos
(216,15%), numa velocidade mais de duas vezes superior à população
(105,5%). Entretanto, a explicação para este salto e as principais
conclusões surgiram apenas quando foram observadas as relações deste
subconjunto demográfico com o restante da população.
Há
dois grandes motivos para o crescimento do eleitorado no período em questão:
ampliação do voto aos analfabetos a partir de 1985, aos jovens de 16 a
18 anos pela Constituição de 1988 e a mudança no perfil etário da
população, com aumento da participação do subgrupo com idade superior
a 19 anos.
Os
jovens de 16 a 18 anos significaram pouco no eleitorado, uma vez que seu número
é pequeno, oscilando em torno de 6,5% da população no período ou
180.000 habitantes em 2004, e o alistamento é facultativo, não chegando
a cobrir nem metade da população (máximo de 47,57% nas eleições
municipais de 2000).
O
número de analfabetos em 1985 foi estimado, com base nos dados da PNAD,
em cerca de 100.000. Seu alistamento deve ter sido a principal razão para
o aumento do eleitorado numa razão superior à população entre 1982 e
1986 (28,35% a 42,45%) e do aumento repentino do indicador
eleitorado/população de 45,01% para 48,15% entre 1985 e 1986.
Contudo,
o fenômeno que melhor explica o crescimento do indicador
eleitorado/população em 53,92% (de 43,39% para 66,79%) entre 1982 e 2004
é a evolução do subgrupo demográfico com idade superior a 19 anos. Seu
crescimento absoluto foi de 164,39%, enquanto o grupo inferior a 19 anos
cresceu apenas 56,76%, sendo 11,99% entre 1992 e 2004, o que caracteriza
uma semi-estagnação. O subgrupo superior a 19 anos totalizou em 2004
58,26%, que somado aos eleitores entre 16 e 18 anos e aqueles em trânsito,
justifica a cobertura do eleitorado de 66,79%. Presume-se, portanto, que o
problema da pesquisa encontrou resposta adequada com base nos dados
compilados e na análise possibilitada por eles.
Uma
das grandes dificuldades encontradas nesta pesquisa foi a desorganização
da base empírica. Os dados encontram-se dispersos em diversas fontes,
como os censos do PNAD´s do IBGE, os cadastros eleitorais realizados pelo
TRE/MT e os Anuários Estatísticos estaduais elaborados pela SEPLAN/MT,
que compilam informações de diversas fontes. Em alguns casos, foi necessário
trabalhar com fontes secundárias pela escassez de dados eleitorais
anteriores à informatização do TRE/MT.
Há
uma complicação, portanto, no manejo destes dados por seu caráter
incompleto e pela quase inexistência de séries históricas para informações
como a distribuição da população em Mato Grosso em urbana e rural, por
exemplo. Tal situação levou a pesquisa a recorrer a instrumentais da
História Serial como estimativa nos anos faltantes para completar as séries
e possibilitar uma análise melhor. Estes demonstraram mais uma vez sua
utilidade na produção historiográfica ao permitir conclusões mais sólidas
sobre o problema sob avaliação.
Uma
última consideração a ser feita refere-se ao enquadramento da pesquisa
no campo da História Demográfica. Foram utilizadas fontes e métodos
históricos para compreender melhor a dinâmica de evolução do
eleitorado e sua relação com o conjunto da população no período. Por
fim, espera-se que a pesquisa tenha obtido êxito no alcance dos seus
objetivos e clareado um pouco mais a discussão sobre o tema.
Tabela 1 – Principais dados utilizados na pesquisa