Por HÉLIO ALEXANDRE DA SILVA

Aluno do 4º ano de Filosofia da Faculdade de Filosofia de Ciências FFC-UNESP Marília. Esse trabalho é parte de um projeto mais amplo intitulado “A Presença das Paixões na Filosofia Política de Thomas Hobbes” financiado pelo CNPq/PIBIC e orientado pelo Profº Dr.Ricardo Monteagudo.

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A Presença da “Esperança” na Filosofia de Thomas Hobbes

Hélio Alexandre da Silva

 

RESUMO

Trata-se nesse trabalho de analisar o papel desempenhado pela “esperança” no pensamento filosófico-político de Thomas Hobbes. Pretendemos mostrar como o autor a concebe partindo do conatus e da incidência de movimentos externos e internos ao homem. Hobbes buscará descrever o complexo aparato passional humano, a partir de uma formulação de caráter materialista e mecanicista. Buscaremos através desse aparato passional, isto é, pelos olhos das paixões humanas, mais especificamente da “esperança”, mostrar como ela é trabalhada como ferramenta que estará presente na viabilização do pacto (contrato) e na edificação do Estado Civil.

Palavras chave: Hobbes, paixões, esperança, contrato.

ABSTRACT

It is treated in this work to analyze the role played for the "hope" in the thought philosophical-politician of Thomas Hobbes. We intend to show as the author conceives breaking of conatus and the incidence of external and internal movements the man. Hobbes will search to describe the complex human passion apparatus, from a formularization of materialistic and mechanist character. We will search through this passion apparatus, that is, for the eyes of the passions human beings, more specifically of the "hope", to show as it is worked as tool that will be present in to make possible of the pact (contract) and in the construction of the Civil State.

Words key: Hobbes, passions, hope, contract.

 

O pensamento de Hobbes se coloca em evidência na história da filosofia como uma teoria de caráter profundamente racionalista. Devedor das idéias de seu tempo, ele constrói uma teoria que traz consigo aspectos marcantes de sua época tais como o racionalismo, um forte apego à geometria, ao método dedutivo, à física de Galileu etc. Em sua obra, podemos notar também a presença dos ideais filosóficos políticos que surgem no bojo do período moderno, tais como o pensamento elaborado pelo francês Jean Bodin, o inglês Tomas Morus, Hugo Grócio, Maquiavel, entre outros, que já no século XVI, surgiam com grande apelo.

Hobbes edifica, desta forma, uma teoria do Estado que possuirá suas bases fundadas em alguns dos aspectos salientados por esses autores. Deste modo, buscará elaborar um modelo mecanicista e materialista que possa dar conta de uma construção que abarque “todo o lugar no homem”.

Nesse trabalho, buscaremos, no entanto, enfatizar não o aspecto precisamente político-jurídico de suas obras, ao menos não diretamente, mas teremos sim, como eixo central, o objetivo de investigar outro aspecto da construção do homem, a saber, as paixões. Por conseqüência, indiretamente, abordaremos em alguns momentos questões de relevância para o modelo de Estado proposto por Hobbes, isto é, enfatizaremos a presença das paixões no homem, e a partir daí, suas implicações na formação do Estado civil.

O modelo de homem tal como entendido por Hobbes, assemelha-se á uma máquina, cujo funcionamento resulta de um encadeamento gerado a partir da incidência de movimentos externos (agente) que provocam movimentos internos (paciente). Nesse sentido, é que podemos entender a caracterização exposta acima de que o mecanicismo ocupa um lugar central no estudo da composição humana (antropologicamente falando). 

Entretanto, antes de nos determos nesse processo de formação das paixões se faz necessário alguns esclarecimentos.

É através da sensibilidade que o homem obtém conhecimento acerca de tudo o que lhe cerca. A sensação é trabalhada como uma “ilusão originária, causada pela pressão, isto é, pelo movimento das coisas exteriores nos nossos olhos, ouvidos e outros órgãos a isso determinados” (HOBBES, 1983).

Através da sensação é que conseguimos entender o que chamamos movimentos internos e movimentos externos. Porém, para esclarecer esses dois termos citados (movimentos internos/ movimentos externos) é necessário antes nos remetermos ao que vem a ser movimento.

Para tentar elucidar a questão buscaremos auxílio nos escritos de Hobbes que caracterizam sua Filosofia primeira, ou seja, aquela que explica a realidade última da natureza humana.

De início, Hobbes mostra como que mesmo enfrentando um problema semelhante ao discutido por Descartes, ou seja, o problema da origem do conhecimento ou da forma com que podemos apreender algo, sua resolução não caminhará nos mesmos trilhos da resposta proposta pelo autor das Meditações Metafísicas. Hobbes mostrará que o conhecimento da proposição cartesiana “eu existo” depende realmente da proposição “eu penso” contudo questiona ainda, de onde viria essa última. E sua resposta não recorre ao dualismo ontológico entre substância extensa corpórea e substância espiritual pensante como faz Descartes quando diz:

de um lado, tenho uma idéia clara e distinta de mim mesmo, na medida em que sou apenas uma coisa pensante e inextensa, e que, de outro, tenho uma idéia distinta do corpo, na medida em que é apenas uma coisa extensa e que não pensa, é certo que este eu, isto é, minha alma, pela qual eu sou o que sou, é inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo e que ela pode ser ou existir sem ele. (DESCARTES, 1973)

De acordo com o que Descartes afirma, podemos trabalhar em dois planos distintos. O primeiro, da substância corpórea e o segundo, da substância pensante, a primeira extensa e a segunda espiritual.

Hobbes, por sua vez, aborda a mesma problemática, porém não fazendo a mesma distinção de Descartes, ou seja, não recorre ao dualismo ontológico cartesiano, e nos mostra que não podemos conceber qualquer pensamento sem uma coisa que pense, uma vez que a origem de todo pensamento está diretamente ligada a “aquilo que denominamos sensação (pois não há nenhuma concepção no espírito do homem, que primeiro não tenha sido originada, total ou parcialmente, nos órgãos dos sentidos” (HOBBES ,1983).

Desta forma, podemos observar como Hobbes enfatiza a idéia de que o sujeito de um pensamento será sempre um sujeito corporal. Assim, tanto os sujeitos como os objetos, serão corpos, e desta forma, Hobbes “corajosamente reduz toda a realidade a um conjunto de corpos em movimento” (MARGUTTI, 1988).

Portanto, podemos assentar duas questões básicas no que tange a essa primeira argumentação, quais sejam:

Primeiro: Hobbes desenvolverá sua análise do homem baseando-se em princípios mecânicos.

Segundo: ele não recorrerá a uma noção materialista dualista entre corpo e espírito, isto é, em linguagem cartesiana, ele não fará a distinção entre res-cogita e res-extensa.

Bem, ao partirmos dessas duas constatações básicas, podemos dizer que o homem hobbesiano é sim resultado de um princípio de causalidade mecânica, de modo que, é através de movimentos recebidos através da sensibilidade que teremos as paixões. E é através desse princípio de causalidade mecânico-empírica, que derivarão todas as “paixões humanas” como a alegria, tristeza, ódio, vingança, medo, esperança, etc.

Portanto, de início temos que “as paixões humanas” são resultantes da ação de corpos externos (agente) que causam movimentos internos em outros corpos (paciente). O agente “é o corpo que, ao empurrar um outro, gera movimento neste último” e paciente “é o corpo que, ao ser empurrado por um outro recebe movimento deste último” (MARGUTTI, 1988). No entanto, o processo que viabiliza as paixões não é assim tão simples, isto é, não é causado apenas por uma relação de ação e reação. Esse movimento de ação e reação de corpos externos em corpos internos, não dá conta do que realmente ocorre no âmbito das paixões humanas do ponto de vista de sua formação. Acerca dessa relação, poderíamos dizer que ela é apenas um efeito do que se processa no homem, isto é, um segundo momento que propicia a ocorrência das paixões. Antes dessa interação agente/paciente, há uma força que atua no interior do homem e que é a grande responsável pela forma com que as paixões se formam.

Essa força será um movimento primeiro que se processará no interior da mente, que por uma série de transmissões, culminará na realização do movimento corporal. Aqui estamos bem no centro da teoria hobbesiana das paixões.

Esse movimento se processa no interior do homem e precede a relação de afecção entre os movimentos externos/internos, e ainda por sua vez, é a origem interna dos movimentos externos. Ele se manifesta como um movimento original primeiro, interno e microscópico que se inicia no interior do corpo antes de se manifestar de forma definitiva em ações externas. E é o que Hobbes denomina esforço.

Mesmo que os homens não tenham conhecimento desses pequenos movimentos, eles existem, e estão nos “inícios do movimento, no interior do corpo do homem, antes de se manifestarem no andar, na fala, na luta e outras ações visíveis” (HOBBES, 1983). Esse movimento é comumente chamado “conatus” e aparece no original inglês do De Corpore como endeavour.

Busquemos esclarecer o que de fato foi dito até aqui.

O complexo modelo científico materialista-empirista de Hobbes nos leva a algumas conclusões que coloca o autor dentro de uma tradição que nos remonta a Galileu e a Bacon. Ao primeiro, é devedor da concepção de física do movimento que conduz seu pensamento, e do segundo, Hobbes recebe toda teoria do racionalismo radical que atravessará os séculos e que perdurará em suas bases mais fundamentais até os dias de hoje.

Dentro dessa concepção que situa Hobbes como herdeiro de Bacon e Galileu existe algo que tem como base um dado empírico, e que é de primordial relevância para explicarmos o complexo aparato passional humano, esse algo é o que já mencionamos como “conatus”.

Sabemos que as paixões humanas são caracterizadas de acordo com aquilo que lhe é externo, ou seja, determinada atitude será vista como uma má atitude na medida do tipo de conseqüência que ela trará ao sujeito que a praticou. Assim, se entre dois homens existir uma desconfiança recíproca, e um deles, num golpe, tirar a vida do outro, essa atitude será benéfica para aquele que desferiu o golpe, podendo reclamá-la como boa. Isso mostra o quão relativista é a teoria das paixões, e está na trilha do que Hobbes diz no capitulo VI do Leviatã, ou seja, que não há lei do certo ou do errado enquanto não houver Estado.[1]

Desse modo, podemos observar que o bem e o mal só podem ser medidos de acordo com a conseqüência que cada ação provoca num determinado indivíduo, sendo que o que pode significar o bem de um pode também ser o mal de outro, e ainda, o que é bom hoje pode não o ser amanhã. A partir dessas definições devemos caracterizar todas as paixões humanas tais como justiça, felicidade, amor, etc. Assim também o conatus (endeavour) é gerado nos homens a partir da sensação produzida por um objeto. Quando um determinado objeto consegue afetar os homens, ou melhor, provocar neles um esforço no sentido de tentar alcançá-lo, Hobbes chama esse impulso de “desejo”. Quando esse esforço se dá no sentido de afastar o objeto recebe o nome de “aversão”. Em suma, desejo e aversão significam movimentos, um de aproximação outro de afastamento, sempre em relação aos objetos que afetam os homens. A imobilidade diante desses objetos, ou seja, a indiferença, é o que ele chama de “desprezo” (HOBBES, 1983).

A teoria das paixões elaborada por Hobbes é concebida sempre em pares, isto é, o mesmo movimento que causa o amor causa também o ódio, e a diferença existente entre amor e ódio reside, única e exclusivamente, na conseqüência que essas geram em cada indivíduo. Quando o movimento primário (conatus) causa um efeito positivo, a paixão gerada é o amor, se o efeito causado for negativo, teremos então o ódio.

O conatus, núcleo central que se caracteriza como movimento primeiro, deve ser pensado sempre no vetor sujeito-objeto, como aquilo que se manifesta em direção ao que lhe provoca.

Este esforço quando vai em direção a algo que o causa, chama-se apetite ou desejo, sendo o segundo o nome mais geral , e o primeiro freqüentemente limitado a significar o desejo de alimento...Quando o esforço vai no sentido de evitar alguma coisa  chama-se geralmente aversão (HOBBES, 1983).

Deste modo podemos dizer que o grande fundamento, o motor de todo aparato passional reside no fato elementar do “conatus”, ou seja, no desejo primeiro de se atingir algo. Ele é a pedra que ampara o edifício da constituição e da composição humana do ponto de vista de suas paixões. É o movimento que traz para si aquilo que é útil para a conservação do homem, e também à força que repudia, que afasta tudo que possa servir de ameaça a essa conservação.

Aqui poderíamos objetar se o “conatus” seria duas forças: uma que busca os objetos que visam à conservação (apetites), e outra que afasta os objetos que a ameaçam (aversão) aproximando assim, mais uma vez, a filosofia de Hobbes à de Descartes.

A resposta a ser dada, para sermos coerentes com o modelo hobbesiano, parece caminhar no sentido de que essa é uma única força:

Dos apetites e aversões, alguns nascem com o homem, como o apetite pela comida, o apetite de excreção e exoneração (que podem também, e mais propriamente, ser chamados aversões, em relação a algo que se sente dentro do corpo) (HOBBES, 1983).

Dentro da filosofia hobbesiana não há espaço para qualquer tipo de dualismo original como podemos ser levados a pensar. O que de fato há é uma tendência que nos induz a tomar certas atitudes e a repudiar outras, resguardando sempre o mesmo desejo que se manifesta, ora em forma de aproximação, ora em forma de distanciamento, de acordo com a realidade do sujeito, e sempre com a finalidade de saciar o desejo de auto preservação.

O fato de Hobbes trabalhar as paixões sempre em pares contrastantes (amor/ódio, desejo/aversão, medo/esperança) não significa que a origem dessas paixões também seja antagônica, ou seja, que exista um dualismo ontológico. O que ocorre em sua filosofia é uma diferenciação modal, isto é, a dualidade não é original, mas sim uma distinção lógica que possui uma só origem, um só núcleo, que é o esforço (conatus).

No pensamento de Hobbes, as paixões desempenham um papel dúbio, isto é, se por um lado a desconfiança natural, o egoísmo e a competição por poder e mais poder levam o homem a um estado de tensão eminente, por outro lado, o medo de ter sua vida perpetuada nesse estado instável, e a esperança de que se pode sair dele, leva o homem a buscar meios para construir o corpo político.

Hobbes não concebe, como os aristotélicos, que os homens possam ser vistos como zoón politikon, ou seja, que eles vivam naturalmente em sociedade. Segundo ele, ao contrário do que havia se postulado até então, a convivência entre os homens é potencialmente conflituosa, dado que, vivem sob o imperativo de paixões como a desconfiança e o egoísmo, e essas condições necessariamente levam a um estado de tensão eminente. Contudo, para eliminar esse estado, o homem, após uma série de ponderações acerca de sua realidade, trabalha no sentido de construir um aparato jurídico que possa regular a vida comum, e assim não mais viver sob a tutela da pura força. Nesse momento se fará presente a esperança, como uma paixão ativa que atuará de mãos dadas com o medo, anulando-o e possibilitando a crença de que, no Estado civil regido por leis (lex) positivas, o homem não viverá em guerra e a paz poderá ser alcançada.

É derivado da necessidade dos indivíduos celebrarem o pacto, que a esperança se fará presente, auxiliando o homem a sair dessa situação instável, isto é, do estado de guerra. É a essa paixão que nos deteremos nesse trabalho.

Após termos exposto em linhas gerais a formação das paixões, vejamos como uma delas, a saber, a esperança se articula com a formação do Estado Civil.

Quando publica em 1640 a obra A Natureza Humana Hobbes formula um conceito de esperança que contém ao mesmo tempo o que ela é, e o que caminha a seu lado quando a expectativa de futuro propícia dessa paixão é negativa. Assim diz Hobbes:

“A ESPERANÇA é a expectativa de bem futuro, como o medo é expectativa de mal. Mas quando, agindo alternadamente em nossas mentes, há algumas causas que nos fazem ter a expectativa de bem e, se as causas que nos fazem ter a expectativa de bem forem maiores do que as que nos fazem ter a expectativa de mal, a paixão é toda esperança; se ocorre o contrário é medo. A privação absoluta de esperança é DESESPERO, e um grau menor dessa privação é DESALENTO. (HOBBES, 1983)

As características formadoras da filosofia de Hobbes, como foi posto acima, resultam de movimentos voluntários internos que ocorrem no indivíduo. Esses movimentos são classificados em dois tipos: movimento vital e movimento voluntário ou animal.

Movimentos vitais são aqueles que compõem a própria condição de “ser vivo” do homem, circulação do sangue, o pulso, a respiração, a digestão, a nutrição, a excreção etc. Já os movimentos voluntários são aqueles resultantes das sensações externas causadas no interior do indivíduo através do que vemos, ouvimos etc, de onde derivam o nosso “falar, andar ou mover qualquer dos membros da maneira como anteriormente foi imaginada pela mente” (HOBBES, 1983).

Para entender o conceito de esperança, no âmbito em que nos propomos, não será necessário abordar os movimentos vitais, ficaremos então apenas nos movimentos voluntários, que são os causadores dos esforços (endeavour) que são o núcleo de formação das paixões. O esforço pode ser tomado como um “movimento pontual num dado instante” (MARGUTTI, 1998) que quando direcionado a algo que o causa recebe o nome de apetite ou desejo. Porém quando direcionado a evitar algo que possa significar sinal de alguma ocorrência negativa derivada desse movimento, Hobbes o nomeia aversão. Todas as vezes que a palavra “desejo” for mencionada ela estará imbuída de uma significação que buscará salientar a ausência do objeto, o que caracteriza o desejo é sua relação com a busca de algo que ainda não se possui. A aversão, no entanto, se caracteriza por mais um componente, isto é, não só podemos ter um sentimento negativo (ódio) com relação a algo que eu tenha conhecimento, como também referente a algo que não se sabe se pode ou não nos causar dano. Nesse momento mais uma vez nos deteremos apenas aos desejos e apetites, pois deles derivarão a esperança.

O objeto do apetite ou dos desejos dos homens é o que pode ser chamado de “bom”, pois quem julga sobre o que é bom ou ruim quando não há Estado, é o próprio homem. A viabilização do Estado civil através do pacto é o que irá possibilitar um poder (soberano) para decidir sobre o que é justo ou injusto, na medida em que isso será benéfico para a preservação da paz dentro do Estado soberano.

Hobbes não acredita em um “valor intrínseco” de conceitos como a justiça, injustiça, bom, mal, mas sim que isso será arbitrado pelo soberano, quando houver Estado, ou por cada pessoa quando não houver. Desta forma “não há nada que o seja simples e absolutamente, nem há qualquer regra comum do bem ou do mal, que possa ser extraída da natureza dos próprios objetos” (HOBBES, 1983).

O homem, concebido em sua integralidade natural, se vê entregue às mais terríveis possibilidades de guerra, e essa impressão é corroborada graças à memória, pois essa pode remeter a lembranças de possíveis situações de conflitos vividos, e essas lembranças causam, por sua vez, movimentos internos no indivíduo. Esses movimentos, quando aliados a uma crença de que se consiga o que se está almejando, é nomeado “esperança”.

É importante salientar que, no pensamento de Hobbes, a cadeia dedutiva de relações de causa e efeito não estão isentas de uma participação efetiva das paixões, ou seja, elas estarão presentes em todos os atos de deliberação do homem.

Ao serem inclinados pela recta ratio, na direção de realizar o pacto, os indivíduos não o fazem apenas com o intuito de alcançar a paz que não há no estado de natureza. O pacto só pode ser possível, graças a crença que possuem no ato de sua celebração. Essa crença é que anuncia que, a esperança da paz tão desejada poderá vigorar no Estado civil, e através desse Estado, os homens não mais viverão sob a égide do medo que é característico do estado de guerra.

Nesse momento, podemos observar o quanto ás paixões são importantes para Hobbes, pois, não está presente apenas a esperança resultante do desejo de paz que o homem nutre ao ser guiado pela razão[2], mas também está presente o medo que caminha lado a lado com a esperança, como já foi dito. Ambos são derivados do desejo de se conquistar algo, quando esse desejo é seguido da expectativa de bem, o chamamos esperança, quando é seguido de uma expectativa de algo negativo, o chamamos medo.

No Leviatã, Hobbes atribui à esperança além da conotação já prescrita no A Natureza Humana uma outra, a saber, ele a compara à confiança, ao dizer que “A esperança constante chama-se confiança em si mesmo” (HOBBES, 1987).

Tal comparação pode ser compreendida na medida em que nos voltarmos, mais uma vez, à obra de 1640, lá Hobbes define confiança como “a paixão que procede da crença de quem tem uma expectativa de bem, ou de quem espera o bem” (HOBBES, 1983).

Ora, a semelhança das definições de esperança dada no Leviatã e de confiança dada no A Natureza Humana é visível, pois ambas são movidas pela expectativa de bem. Porém, a confiança é de certa forma derivada da esperança na medida em que “procede da crença” de um sujeito que tenha a expectativa constante de bem, ou seja, que tenha esperança.

A palavra constante é importante nesse contexto dado que o movimento externo, ou seja, tudo o que afeta o homem e que está fora dele e é recebido por ele através da sensibilidade, pode ser mudado. Quando se processa tal mudança, mudará também o movimento provocado nos órgãos dos sentidos, que por sua vez, significará a ocorrência de mudanças nas paixões. Essa diversificação acarreta uma transformação no diagnóstico dado pela sensibilidade, e ainda interfere na continuidade das paixões, na medida que elas são efeitos sofridos pelos movimentos internos causados por movimentos externos.

Deste modo, podemos dizer que, é pelo fato da expectativa de bem nomeada “esperança” ser uma expectativa constante que ela pode também ser chamada de confiança. Portanto, a esperança só pode ser tomada confiança na medida de sua constância.

Pelo que foi dito nesse texto, pretendemos ter deixado claro, a relevância que deve ser atribuída ao aparato passional Hobbesiano. Mesmo sabendo de seu forte apego ao racionalismo, sabemos que o que caracteriza o pensamento hobbesiano, não necessariamente caracteriza, como um todo, o homem hobbesiano.

A razão que ampara o pensamento de Hobbes nos leva a concluir que, seu processo investigativo, isto é, seu método, conduz a um diagnóstico da natureza humana que a situa dentro de um sistema altamente influenciado pelas paixões. Nessa perspectiva é que a esperança será um fator de grande importância na construção do Estado civil, pois em parte, é calcado na crença alimentada por ela que os homens se propõe a edificar o constructo racional que é o Estado soberano.

A esperança é parte componente desse processo de passagem Estado de natureza/Estado civil, pois na medida em que é trabalhada pela razão, ela causa no homem o desejo, isto é, “a expectativa de bem futuro”, de instituir o pacto fundante que é o mensageiro da paz entre os homens.

O Estado Civil surgirá também por estar amparado na confiança, que é “a paixão que procede da crença de quem tem uma expectativa de bem, ou de quem espera o bem” (HOBBES, 1983).

Portanto, a expectativa de futuro proporcionada pela esperança e a expectativa de bem proporcionada pela confiança, serão dois pilares que sustentarão a edificação do Estado soberano. A expectativa de futuro, por si só, não garante que o projeto de construção do Estado seja bem sucedido, é preciso que ela seja direcionada por uma expectativa de bem, isto é, a esperança não conduzirá sozinha o processo de instauração do corpo político. Se não for amparada por uma expectativa de bem, ou seja, por uma confiança, a esperança será como uma expectativa indeterminada, e assim, ela não poderá garantir que um sujeito esteja agindo na direção de possibilitar a saída do estado de guerra.

Para essa paixão se tornar determinada, ou seja, para que ela atue em função do Estado, é necessário que ela tenha um objeto, e esse objeto será a expectativa de bem contida na definição de confiança.

Assim, a articulação entre as definições de esperança e confiança, será fundamental para definir o papel desempenhado pela esperança na filosofia política de Hobbes. Do contrário, ou seja, se for auxiliada por uma expectativa negativa, a paixão não será esperança e sim medo.

Essas duas paixões quase que sintetizam o processo de construção do Estado civil. Se por um lado o medo nega o estado de guerra, por outro, a esperança posta no trabalho o induz a buscar o Estado. Complementam-se nesse instante a negação da guerra e a afirmação da paz.

Procuramos mostrar nesse trabalho, que Hobbes faz em sua obra uma discussão acerca do engate entre afetividade (paixões) e a política. Nesse sentido, ele nos mostra ainda que, temer a guerra apenas, não será profícuo se não tivermos a esperança de que, se atuarmos em prol do contrato, conseguiremos construir o Estado e alcançar o grande objetivo, que é a paz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1.                  DESCARTES, René. Meditações Metafísicas, Tradução, J. Guinsburg e Bento Prado Junior, Coleção Os Pensadores, 1ª edição, 1973.

2.                    HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, Coleção Os Pensadores, 3° edição,1983.

3.                    _____________. A Natureza Humana. Tradução João Aloísio Lopes, Lisboa, Imprensa Nacional casa da moeda, 1987.

4.                    _____________. Do Cidadão, Tradução e apresentação, Renato Janine Ribeiro, 2ª Ed, São Paulo, Martins Fontes, 1988.

5.                    MARGUTTI PINTO, Paulo Roberto. A questão da transmissão do movimento na Filosofia primeira de Hobbes, In: Kritérion, volume XXXIX nº 98, Belo Horizonte, UFMG, 1998.

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[1] Além dessa citação do Leviatã, Hobbes nos dá duas outras. No A Natureza Humana diz: “Todo homem por sua própria conta, chama BEM aquilo que lhe agrada e que lhe é deleitável; e chama MAL aquilo que lhe desagrada. De modo que, tanto quanto os homens diferem entre si pela sua compleição, eles também diferem no que se refere à distinção comum entre o bem e o mal. Tão pouco existe algo que seja... um bem absoluto”. (A NATUREZA HUMANA, 94) Ver Também Do Cidadão III, § 31-2.

[2] Como diz Hobbes no A Natureza Humana “o ditado da reta razão – isto é, a lei de natureza – é que procuremos a paz, quando houver qualquer esperança de obtê-la...”. (HOBBES, 1987).

 

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 05 dezembro, 2005.