A
Presença da “Esperança” na Filosofia de Thomas Hobbes
RESUMO
Trata-se
nesse trabalho de analisar o papel desempenhado pela “esperança”
no pensamento filosófico-político de Thomas Hobbes. Pretendemos
mostrar como o autor a concebe partindo do conatus
e da incidência de movimentos externos e internos ao homem.
Hobbes buscará descrever o complexo aparato passional humano, a
partir de uma formulação de caráter materialista e mecanicista.
Buscaremos através desse aparato passional, isto é, pelos olhos
das paixões humanas, mais especificamente da “esperança”,
mostrar como ela é trabalhada como ferramenta que estará
presente na viabilização do pacto (contrato) e na edificação
do Estado Civil.
Palavras
chave:
Hobbes, paixões, esperança, contrato.
ABSTRACT
It
is treated in this work to analyze the role played for the "hope"
in the thought philosophical-politician of Thomas Hobbes. We
intend to show as the author conceives breaking of conatus and the
incidence of external and internal movements the man. Hobbes will
search to describe the complex human passion apparatus, from a
formularization of materialistic and mechanist character. We will
search through this passion apparatus, that is, for the eyes of
the passions human beings, more specifically of the "hope",
to show as it is worked as tool that will be present in to make
possible of the pact (contract) and in the construction of the
Civil State.
Words
key:
Hobbes, passions, hope, contract.
|
O
pensamento de Hobbes se coloca em evidência na história da filosofia
como uma teoria de caráter profundamente racionalista. Devedor das idéias
de seu tempo, ele constrói uma teoria que traz consigo aspectos marcantes
de sua época tais como o racionalismo, um forte apego à geometria, ao método
dedutivo, à física de Galileu etc. Em sua obra, podemos notar também a
presença dos ideais filosóficos políticos que surgem no bojo do período
moderno, tais como o pensamento elaborado pelo francês Jean Bodin, o inglês
Tomas Morus, Hugo Grócio, Maquiavel, entre outros, que já no século
XVI, surgiam com grande apelo.
Hobbes
edifica, desta forma, uma teoria do Estado que possuirá suas bases
fundadas em alguns dos aspectos salientados por esses autores. Deste modo,
buscará elaborar um modelo mecanicista e materialista que possa dar conta
de uma construção que abarque “todo o lugar no homem”.
Nesse
trabalho, buscaremos, no entanto, enfatizar não o aspecto precisamente
político-jurídico de suas obras, ao menos não diretamente, mas teremos
sim, como eixo central, o objetivo de investigar outro aspecto da construção
do homem, a saber, as paixões. Por conseqüência, indiretamente,
abordaremos em alguns momentos questões de relevância para o modelo de
Estado proposto por Hobbes, isto é, enfatizaremos a presença das paixões
no homem, e a partir daí, suas implicações na formação do Estado
civil.
O
modelo de homem tal como entendido por Hobbes, assemelha-se á uma máquina,
cujo funcionamento resulta de um encadeamento gerado a partir da incidência
de movimentos externos (agente) que provocam movimentos internos
(paciente). Nesse sentido, é que podemos entender a caracterização
exposta acima de que o mecanicismo ocupa um lugar central no estudo da
composição humana (antropologicamente falando).
Entretanto,
antes de nos determos nesse processo de formação das paixões se faz
necessário alguns esclarecimentos.
É
através da sensibilidade que o homem obtém conhecimento acerca de tudo o
que lhe cerca. A sensação é trabalhada como uma “ilusão originária,
causada pela pressão, isto é, pelo movimento das coisas exteriores nos
nossos olhos, ouvidos e outros órgãos a isso determinados” (HOBBES,
1983).
Através
da sensação é que conseguimos entender o que chamamos movimentos
internos e movimentos externos. Porém, para esclarecer esses dois termos
citados (movimentos internos/ movimentos externos) é necessário antes
nos remetermos ao que vem a ser movimento.
Para
tentar elucidar a questão buscaremos auxílio nos escritos de Hobbes que
caracterizam sua Filosofia primeira, ou seja, aquela que explica a
realidade última da natureza humana.
De
início, Hobbes mostra como que mesmo enfrentando um problema semelhante
ao discutido por Descartes, ou seja, o problema da origem do conhecimento
ou da forma com que podemos apreender algo, sua resolução não caminhará
nos mesmos trilhos da resposta proposta pelo autor das Meditações
Metafísicas. Hobbes mostrará que o conhecimento da proposição
cartesiana “eu existo” depende realmente da proposição “eu
penso” contudo questiona ainda, de onde viria essa última. E sua
resposta não recorre ao dualismo ontológico entre substância extensa
corpórea e substância espiritual pensante como faz Descartes quando diz:
de
um lado, tenho uma idéia clara e distinta de mim mesmo, na medida em que
sou apenas uma coisa pensante e inextensa, e que, de outro, tenho uma idéia
distinta do corpo, na medida em que é apenas uma coisa extensa e que não
pensa, é certo que este eu, isto é, minha alma, pela qual eu sou o que
sou, é inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo e que ela pode ser
ou existir sem ele. (DESCARTES, 1973)
De
acordo com o que Descartes afirma, podemos trabalhar em dois planos
distintos. O primeiro, da substância corpórea e o segundo, da substância
pensante, a primeira extensa e a segunda espiritual.
Hobbes,
por sua vez, aborda a mesma problemática, porém não fazendo a mesma
distinção de Descartes, ou seja, não recorre ao dualismo ontológico
cartesiano, e nos mostra que não podemos conceber qualquer pensamento sem
uma coisa que pense, uma vez que a origem de todo pensamento está
diretamente ligada a “aquilo que denominamos sensação (pois não há
nenhuma concepção no espírito do homem, que primeiro não tenha sido
originada, total ou parcialmente, nos órgãos dos sentidos” (HOBBES
,1983).
Desta
forma, podemos observar como Hobbes enfatiza a idéia de que o sujeito de
um pensamento será sempre um sujeito corporal. Assim, tanto os sujeitos
como os objetos, serão corpos, e desta forma, Hobbes “corajosamente
reduz toda a realidade a um conjunto de corpos em movimento” (MARGUTTI,
1988).
Portanto,
podemos assentar duas questões básicas no que tange a essa primeira
argumentação, quais sejam:
Primeiro:
Hobbes desenvolverá sua análise do homem baseando-se em princípios mecânicos.
Segundo:
ele não recorrerá a uma noção materialista dualista entre corpo e espírito,
isto é, em linguagem cartesiana, ele não fará a distinção entre res-cogita
e res-extensa.
Bem,
ao partirmos dessas duas constatações básicas, podemos dizer que o
homem hobbesiano é sim resultado de um princípio de causalidade mecânica,
de modo que, é através de movimentos recebidos através da sensibilidade
que teremos as paixões. E é através desse princípio de causalidade mecânico-empírica,
que derivarão todas as “paixões humanas” como a alegria, tristeza,
ódio, vingança, medo, esperança, etc.
Portanto,
de início temos que “as paixões humanas” são resultantes da ação
de corpos externos (agente) que causam movimentos internos em outros
corpos (paciente). O agente “é o corpo que, ao empurrar um outro, gera
movimento neste último” e paciente “é o corpo que, ao ser empurrado
por um outro recebe movimento deste último” (MARGUTTI, 1988). No
entanto, o processo que viabiliza as paixões não é assim tão simples,
isto é, não é causado apenas por uma relação de ação e reação.
Esse movimento de ação e reação de corpos externos em corpos internos,
não dá conta do que realmente ocorre no âmbito das paixões humanas do
ponto de vista de sua formação. Acerca dessa relação, poderíamos
dizer que ela é apenas um efeito do que se processa no homem, isto é, um
segundo momento que propicia a ocorrência das paixões. Antes dessa
interação agente/paciente, há uma força que atua no interior do homem
e que é a grande responsável pela forma com que as paixões se formam.
Essa
força será um movimento primeiro que se processará no interior da
mente, que por uma série de transmissões, culminará na realização do
movimento corporal. Aqui estamos bem no centro da teoria hobbesiana das
paixões.
Esse
movimento se processa no interior do homem e precede a relação de afecção
entre os movimentos externos/internos, e ainda por sua vez, é a origem
interna dos movimentos externos. Ele se manifesta como um movimento
original primeiro, interno e microscópico que se inicia no interior do
corpo antes de se manifestar de forma definitiva em ações externas. E é
o que Hobbes denomina esforço.
Mesmo
que os homens não tenham conhecimento desses pequenos movimentos, eles
existem, e estão nos “inícios do
movimento, no interior do corpo do homem, antes de se manifestarem no
andar, na fala, na luta e outras ações visíveis” (HOBBES, 1983).
Esse movimento é comumente chamado “conatus”
e aparece no original inglês do De
Corpore como endeavour.
Busquemos
esclarecer o que de fato foi dito até aqui.
O
complexo modelo científico materialista-empirista de Hobbes nos leva a
algumas conclusões que coloca o autor dentro de uma tradição que nos
remonta a Galileu e a Bacon. Ao primeiro, é devedor da concepção de física
do movimento que conduz seu pensamento, e do segundo, Hobbes recebe toda
teoria do racionalismo radical que atravessará os séculos e que perdurará
em suas bases mais fundamentais até os dias de hoje.
Dentro
dessa concepção que situa Hobbes como herdeiro de Bacon e Galileu existe
algo que tem como base um dado empírico, e que é de primordial relevância
para explicarmos o complexo aparato passional humano, esse algo é o que já
mencionamos como “conatus”.
Sabemos
que as paixões humanas são caracterizadas de acordo com aquilo que lhe
é externo, ou seja, determinada atitude será vista como uma má atitude
na medida do tipo de conseqüência que ela trará ao sujeito que a
praticou. Assim, se entre dois homens existir uma desconfiança recíproca,
e um deles, num golpe, tirar a vida do outro, essa atitude será benéfica
para aquele que desferiu o golpe, podendo reclamá-la como boa. Isso
mostra o quão relativista é a teoria das paixões, e está na trilha do
que Hobbes diz no capitulo VI do Leviatã, ou seja, que não há lei do certo ou do errado enquanto não
houver Estado.
Desse
modo, podemos observar que o bem e o mal só podem ser medidos de acordo
com a conseqüência que cada ação provoca num determinado indivíduo,
sendo que o que pode significar o bem de um pode também ser o mal de
outro, e ainda, o que é bom hoje pode não o ser amanhã. A partir dessas
definições devemos caracterizar todas as paixões humanas tais como
justiça, felicidade, amor, etc. Assim também o conatus
(endeavour) é gerado nos homens a partir da sensação produzida por
um objeto. Quando um determinado objeto consegue afetar os homens, ou
melhor, provocar neles um esforço no sentido de tentar alcançá-lo,
Hobbes chama esse impulso de “desejo”. Quando esse esforço se dá no
sentido de afastar o objeto recebe o nome de “aversão”. Em suma,
desejo e aversão significam movimentos, um de aproximação outro de
afastamento, sempre em relação aos objetos que afetam os homens. A
imobilidade diante desses objetos, ou seja, a indiferença, é o que ele
chama de “desprezo” (HOBBES, 1983).
A
teoria das paixões elaborada por Hobbes é concebida sempre em pares,
isto é, o mesmo movimento que causa o amor causa também o ódio, e a
diferença existente entre amor e ódio reside, única e exclusivamente,
na conseqüência que essas geram em cada indivíduo. Quando o movimento
primário (conatus) causa um efeito positivo, a paixão gerada é o
amor, se o efeito causado for negativo, teremos então o ódio.
O
conatus, núcleo central que se caracteriza como movimento
primeiro, deve ser pensado sempre no vetor sujeito-objeto, como aquilo que
se manifesta em direção ao que lhe provoca.
Este
esforço quando vai em direção a algo que o causa, chama-se apetite ou
desejo, sendo o segundo o nome mais geral , e o primeiro freqüentemente
limitado a significar o desejo de alimento...Quando o esforço vai no
sentido de evitar alguma coisa chama-se
geralmente aversão (HOBBES, 1983).
Deste
modo podemos dizer que o grande fundamento, o motor de todo aparato
passional reside no fato elementar do “conatus”,
ou seja, no desejo primeiro de se atingir algo. Ele é a pedra que ampara
o edifício da constituição e da composição humana do ponto de vista
de suas paixões. É o movimento que traz para si aquilo que é útil para
a conservação do homem, e também à força que repudia, que afasta tudo
que possa servir de ameaça a essa conservação.
Aqui
poderíamos objetar se o “conatus”
seria duas forças: uma que busca os objetos que visam à conservação
(apetites), e outra que afasta os objetos que a ameaçam (aversão)
aproximando assim, mais uma vez, a filosofia de Hobbes à de Descartes.
A
resposta a ser dada, para sermos coerentes com o modelo hobbesiano, parece
caminhar no sentido de que essa é uma única força:
Dos
apetites e aversões, alguns nascem com o homem, como o apetite pela
comida, o apetite de excreção e exoneração (que podem também, e mais
propriamente, ser chamados aversões, em relação a algo que se sente
dentro do corpo) (HOBBES, 1983).
Dentro
da filosofia hobbesiana não há espaço para qualquer tipo de dualismo
original como podemos ser levados a pensar. O que de fato há é uma tendência
que nos induz a tomar certas atitudes e a repudiar outras, resguardando
sempre o mesmo desejo que se manifesta, ora em forma de aproximação, ora
em forma de distanciamento, de acordo com a realidade do sujeito, e sempre
com a finalidade de saciar o desejo de auto preservação.
O
fato de Hobbes trabalhar as paixões sempre em pares contrastantes (amor/ódio,
desejo/aversão, medo/esperança) não significa que a origem dessas paixões
também seja antagônica, ou seja, que exista um dualismo ontológico. O
que ocorre em sua filosofia é uma diferenciação modal, isto é, a
dualidade não é original, mas sim uma distinção lógica que possui uma
só origem, um só núcleo, que é o esforço (conatus).
No
pensamento de Hobbes, as paixões desempenham um papel dúbio, isto é, se
por um lado a desconfiança natural, o egoísmo e a competição por poder
e mais poder levam o homem a um estado de tensão eminente, por outro
lado, o medo de ter sua vida perpetuada nesse estado instável, e a esperança
de que se pode sair dele, leva o homem a buscar meios para construir o
corpo político.
Hobbes
não concebe, como os aristotélicos, que os homens possam ser vistos como
zoón politikon, ou seja, que
eles vivam naturalmente em sociedade. Segundo ele, ao contrário do que
havia se postulado até então, a convivência entre os homens é
potencialmente conflituosa, dado que, vivem sob o imperativo de paixões
como a desconfiança e o egoísmo, e essas condições necessariamente
levam a um estado de tensão eminente. Contudo, para eliminar esse estado,
o homem, após uma série de ponderações acerca de sua realidade,
trabalha no sentido de construir um aparato jurídico que possa regular a
vida comum, e assim não mais viver sob a tutela da pura força. Nesse
momento se fará presente a esperança,
como uma paixão ativa que atuará de mãos dadas com o medo, anulando-o e
possibilitando a crença de que, no Estado civil regido por leis (lex)
positivas, o homem não viverá em guerra e a paz poderá ser alcançada.
É
derivado da necessidade dos indivíduos celebrarem o pacto, que a esperança se fará presente, auxiliando o homem a sair dessa situação
instável, isto é, do estado de guerra. É a essa paixão que nos
deteremos nesse trabalho.
Após
termos exposto em linhas gerais a formação das paixões, vejamos como
uma delas, a saber, a esperança se articula com a formação do
Estado Civil.
Quando
publica em 1640 a obra A Natureza
Humana Hobbes formula um conceito de esperança
que contém ao mesmo tempo o que ela é, e o que caminha a seu lado quando
a expectativa de futuro propícia dessa paixão é negativa. Assim diz
Hobbes:
“A
ESPERANÇA é a expectativa de bem futuro, como o medo é expectativa de
mal. Mas quando, agindo alternadamente em nossas mentes, há algumas
causas que nos fazem ter a expectativa de bem e, se as causas que nos
fazem ter a expectativa de bem forem maiores do que as que nos fazem ter a
expectativa de mal, a paixão é toda esperança; se ocorre o contrário
é medo. A privação absoluta de esperança é DESESPERO, e um grau menor
dessa privação é DESALENTO. (HOBBES, 1983)
As
características formadoras da filosofia de Hobbes, como foi posto acima,
resultam de movimentos voluntários internos que ocorrem no indivíduo.
Esses movimentos são classificados em dois tipos: movimento vital e
movimento voluntário ou animal.
Movimentos
vitais são aqueles que compõem a própria condição de “ser vivo”
do homem, circulação do sangue, o pulso, a respiração, a digestão, a
nutrição, a excreção etc. Já os movimentos voluntários são aqueles
resultantes das sensações externas causadas no interior do indivíduo
através do que vemos, ouvimos etc, de onde derivam o nosso “falar,
andar ou mover qualquer dos membros da maneira como anteriormente foi
imaginada pela mente” (HOBBES, 1983).
Para
entender o conceito de esperança, no âmbito em que nos propomos,
não será necessário abordar os movimentos vitais, ficaremos então
apenas nos movimentos voluntários, que são os causadores dos esforços (endeavour)
que são o núcleo de formação das paixões. O esforço pode ser
tomado como um “movimento pontual num dado instante” (MARGUTTI, 1998)
que quando direcionado a algo que o causa recebe o nome de apetite ou
desejo. Porém quando direcionado a evitar algo que possa significar sinal
de alguma ocorrência negativa derivada desse movimento, Hobbes o nomeia
aversão. Todas as vezes que a palavra “desejo” for mencionada ela
estará imbuída de uma significação que buscará salientar a ausência
do objeto, o que caracteriza o desejo é sua relação com a busca de algo
que ainda não se possui. A aversão, no entanto, se caracteriza por mais
um componente, isto é, não só podemos ter um sentimento negativo (ódio)
com relação a algo que eu tenha conhecimento, como também referente a
algo que não se sabe se pode ou não nos causar dano. Nesse momento mais
uma vez nos deteremos apenas aos desejos e apetites, pois deles derivarão
a esperança.
O
objeto do apetite ou dos desejos dos homens é o que pode ser chamado de
“bom”, pois quem julga sobre o que é bom ou ruim quando não há
Estado, é o próprio homem. A viabilização do Estado civil através do
pacto é o que irá possibilitar um poder (soberano) para decidir sobre o
que é justo ou injusto, na medida em que isso será benéfico para a
preservação da paz dentro do Estado soberano.
Hobbes
não acredita em um “valor intrínseco” de conceitos como a justiça,
injustiça, bom, mal, mas sim que isso será arbitrado pelo soberano,
quando houver Estado, ou por cada pessoa quando não houver. Desta forma
“não há nada que o seja simples e absolutamente, nem há qualquer
regra comum do bem ou do mal, que possa ser extraída da natureza dos próprios
objetos” (HOBBES, 1983).
O
homem, concebido em sua integralidade natural, se vê entregue às mais
terríveis possibilidades de guerra, e essa impressão é corroborada graças
à memória, pois essa pode remeter a lembranças de possíveis situações
de conflitos vividos, e essas lembranças causam, por sua vez, movimentos
internos no indivíduo. Esses movimentos, quando aliados a uma crença de
que se consiga o que se está almejando, é nomeado “esperança”.
É
importante salientar que, no pensamento de Hobbes, a cadeia dedutiva de
relações de causa e efeito não estão isentas de uma participação
efetiva das paixões, ou seja, elas estarão presentes em todos os atos de
deliberação do homem.
Ao
serem inclinados pela recta ratio, na direção de realizar o pacto, os indivíduos não o
fazem apenas com o intuito de alcançar a paz que não há no estado de
natureza. O pacto só pode ser possível, graças a crença que possuem no
ato de sua celebração. Essa crença é que anuncia que, a esperança da paz tão desejada poderá vigorar no Estado civil, e
através desse Estado, os homens não mais viverão sob a égide do medo
que é característico do estado de guerra.
Nesse
momento, podemos observar o quanto ás paixões são importantes para
Hobbes, pois, não está presente apenas a esperança
resultante do desejo de paz que o homem nutre ao ser guiado pela razão,
mas também está presente o medo que caminha lado a lado com a esperança,
como já foi dito. Ambos são derivados do desejo de se conquistar algo,
quando esse desejo é seguido da expectativa de bem, o chamamos esperança,
quando é seguido de uma expectativa de algo negativo, o chamamos medo.
No
Leviatã, Hobbes atribui à esperança
além da conotação já prescrita no A
Natureza Humana uma outra, a saber, ele a compara à confiança, ao
dizer que “A esperança constante chama-se confiança em si mesmo”
(HOBBES, 1987).
Tal
comparação pode ser compreendida na medida em que nos voltarmos, mais
uma vez, à obra de 1640, lá Hobbes define confiança como “a paixão
que procede da crença de quem tem uma expectativa de bem, ou de quem
espera o bem” (HOBBES, 1983).
Ora,
a semelhança das definições de esperança
dada no Leviatã e de confiança dada no A
Natureza Humana é visível, pois ambas são movidas pela expectativa
de bem. Porém, a confiança é de certa forma derivada da esperança na medida em que “procede da crença” de um sujeito
que tenha a expectativa constante de bem, ou seja, que tenha esperança.
A
palavra constante é importante nesse contexto dado que o movimento
externo, ou seja, tudo o que afeta o homem e que está fora dele e é
recebido por ele através da sensibilidade, pode ser mudado. Quando se
processa tal mudança, mudará também o movimento provocado nos órgãos
dos sentidos, que por sua vez, significará a ocorrência de mudanças nas
paixões. Essa diversificação acarreta uma transformação no diagnóstico
dado pela sensibilidade, e ainda interfere na continuidade das paixões,
na medida que elas são efeitos sofridos pelos movimentos internos
causados por movimentos externos.
Deste
modo, podemos dizer que, é pelo fato da expectativa de bem nomeada “esperança”
ser uma expectativa constante que ela pode também ser chamada de confiança.
Portanto, a esperança só pode
ser tomada confiança na medida de sua constância.
Pelo
que foi dito nesse texto, pretendemos ter deixado claro, a relevância que
deve ser atribuída ao aparato passional Hobbesiano. Mesmo sabendo de seu
forte apego ao racionalismo, sabemos que o que caracteriza o pensamento
hobbesiano, não necessariamente caracteriza, como um todo, o homem
hobbesiano.
A
razão que ampara o pensamento de Hobbes nos leva a concluir que, seu
processo investigativo, isto é, seu método, conduz a um diagnóstico da
natureza humana que a situa dentro de um sistema altamente influenciado
pelas paixões. Nessa perspectiva é que a esperança será um fator de grande importância na construção do
Estado civil, pois em parte, é calcado na crença alimentada por ela que
os homens se propõe a edificar o constructo racional que é o Estado
soberano.
A
esperança é parte componente
desse processo de passagem Estado de natureza/Estado civil, pois na medida
em que é trabalhada pela razão, ela causa no homem o desejo, isto é,
“a expectativa de bem futuro”, de instituir o pacto fundante que é o
mensageiro da paz entre os homens.
O
Estado Civil surgirá também por estar amparado na confiança, que é
“a paixão que procede da crença de quem tem uma expectativa de bem, ou
de quem espera o bem” (HOBBES, 1983).
Portanto,
a expectativa de futuro proporcionada pela esperança e a
expectativa de bem proporcionada pela confiança, serão dois
pilares que sustentarão a edificação do Estado soberano. A expectativa
de futuro, por si só, não garante que o projeto de construção do
Estado seja bem sucedido, é preciso que ela seja direcionada por uma
expectativa de bem, isto é, a esperança não conduzirá sozinha o
processo de instauração do corpo político. Se não for amparada por uma
expectativa de bem, ou seja, por uma confiança, a esperança será
como uma expectativa indeterminada, e assim, ela não poderá garantir que
um sujeito esteja agindo na direção de possibilitar a saída do estado
de guerra.
Para
essa paixão se tornar determinada, ou seja, para que ela atue em função
do Estado, é necessário que ela tenha um objeto, e esse objeto será a
expectativa de bem contida na definição de confiança.
Assim,
a articulação entre as definições de esperança e confiança,
será fundamental para definir o papel desempenhado pela esperança
na filosofia política de Hobbes. Do contrário, ou seja, se for auxiliada
por uma expectativa negativa, a paixão não será esperança e sim
medo.
Essas
duas paixões quase que sintetizam o processo de construção do Estado
civil. Se por um lado o medo nega o estado de guerra, por outro, a esperança
posta no trabalho o induz a buscar o Estado. Complementam-se nesse
instante a negação da guerra e a afirmação da paz.
Procuramos
mostrar nesse trabalho, que Hobbes faz em sua obra uma discussão acerca
do engate entre afetividade (paixões) e a política. Nesse sentido, ele
nos mostra ainda que, temer a guerra apenas, não será profícuo se não
tivermos a esperança de que, se atuarmos em prol do contrato,
conseguiremos construir o Estado e alcançar o grande objetivo, que é a
paz.