A Consciência
de Angústia: uma abordagem sobre a condição existencial em Sartre
RESUMO
O
presente texto corresponde a uma investigação bibliográfica
sobre a temática da angústia
na obra de Sartre (1905-1980), O
Ser e o Nada (1943), na premissa de pensá-la como uma condição
existencial. Tal premissa parte da destituição de um Ego
presente na consciência como pólo condensador e criador de suas
manifestações. Dessa destituição, Sartre leva às últimas
conseqüências a constituição simultânea da consciência como Nada, Liberdade
e Angústia. Nesta perspectiva, o texto traça uma investigação
sobre as articulações antropológicas sartreanas, apontando para
constituição do homem enquanto lançado no mundo, num projetar
rumo à construção de seu próprio ser. Solitário (nada) e
condenado a escolher (liberdade), o homem tem que criar na sua
existência uma maneira de ser. Essa escolha deve ser realizada
pelo próprio vazio da consciência construída nos caminhos da
liberdade e na vertigem da angústia de seu próprio existir.
Palavras-chaves:
Angústia –
Consciência –
Existência
THE CONSCIENCE OF ANGUISH:
A APPROACH ABOUT THE CONDITION EXISTENCELY IN SARTRE
Abstract
This paper correspond to a
investigation bibliographic about the thematic of anguish in the
Sartre’s (1905-1980) book, L’être et le Néant (1943),
in the premise of think his like existence. This premise beginning
of the ego in the conscience like polo condense and cri creator of
his show. Of this desconstitution, Sartre conduce to the last
consequence the constitution simultaneous of conscience as nothing,
freedom and anguish. In the sense, this paper make a investigation
about the Sartre’s thesis antropological, appoint to
constitution of human being like throw in the word, inn the
project to construction of her being. Lonely and condense to
choose, the man has of creation in his existence a great of being.
This choose would be mad by empty of conscience, construct in the
road of freedom and in the vertigo of his existence.
Key
words - Anguish
– Conscience – Existence |
PRÓLOGO:
A condição existencial
O
primeiro intitulado, Consciência: A
morada do nada e o projetar na liberdade, priorizará a temática da
consciência em Sartre, definida a partir da fenomenologia de Husserl, em
que “toda consciência é consciência de alguma coisa”. Destacando a consciência
constituída pelo Nada, o que a
faz totalmente livre para escolher, para fazer-se ser. O que a caracteriza
como consciência de liberdade, e
paralelamente como consciência de
angústia.
O
segundo capítulo denominado, Angústia:
a vertigem da liberdade a captação do nada, refere-se a abordagem da
dimensão da consciência de angústia numa simultaneidade com a constatação
do nada de ser e com a liberdade. Apresentando a angústia como um
elemento intrínseco na condição existencial humana, diante da ausência
ser que a projeta na liberdade de fazer ser pelas próprias escolhas.
Por
fim, o Epílogo: E agora existo, destaca
a constatação da consciência
humana marcada profundamente pela angústia.
Pelo fato de que o homem como nada
de ser se projeta no mundo para se fazer enquanto ser aparado apenas pela liberdade.
A
CONSCIÊNCIA : a morada do nada e o projetar na liberdade
Para
Sartre, todo estudo sobre a realidade humana deve ter por princípio a
subjetividade (cf. SARTRE, 1970, p. 247), precisamente a consciência –
o cogito. O que o faz herdeiro da problemática moderna. No entanto,
difere consideravelmente das características apresentadas na origem dessa
temática, especificamente no que diz respeito a maneira de como foi
estabelecido pelo plano cartesiano. Em Descartes, o cogito corresponde na constatação de uma substância pensante –
Eu penso – cuja conseqüência resulta numa subjetividade fechada em si
mesma, que pretende estabelecer o domínio do conhecimento humano. Embora
Sartre traz no preâmbulo de seu pensamento a herança da tradição filosófica
do cogito, ele o faz na esteira fenomenológica, levando-a às últimas
conseqüências. Por este aspecto que há o distanciamento das conclusões
sobre o cogito apresentadas na modernidade com Descartes, como uma Res
cogitans; e também na
contemporaneidade no campo da fenomenologia de Husserl, em que ele concebe
algo por de trás da consciência, na forma de Ego
transcendental.
Quanto
a Descartes, o filósofo d’O Ser e
o Nada destaca que o Eu penso (cogito), trata-se apenas de uma ação
que corresponde a um caráter funcional: “Descartes o havia questionado
em seu aspecto funcional: ‘Eu
duvido, eu penso’. E, por querer passar sem fio condutor desse
aspecto funcional à dialética existencial, caiu no erro substancialista”.
(SARTRE, 2002, p. 121). Segundo Sartre, Husserl segue o mesmo procedimento
permanecendo também numa descrição funcional do cogito, resultando numa
simples aparência (cf. SARTRE, 2002, p.121). Assim, tanto Descartes como
Husserl permaneceram numa verdade essencial. Sartre comenta:
Para
alcançar esta consciência em sua existência mesma, dispúnhamos
precisamente de uma experiência particular: o Cogito. Husserl e
Descartes, como mostrou Gaston Berger,
pedem ao cogito que lhes entre uma verdade de essência: em um, alcançamos
a conexão de duas naturezas simples, no outro, captamos a estrutura eidética
da consciência. Mas, se a consciência deve fazer sua essência ser
precedida por sua existência, ambos cometeram um erro. (SARTRE, 2002,
p.542)
A
consciência, em Sartre, no eixo da fenomenologia, tem o mesmo sentido
descrito no pensamento husserliano: “Toda consciência, mostrou Husserl,
é consciência de alguma coisa. Significa que não há consciência que não
seja posicionamento de um objeto transcendente, ou, se preferimos, que a
consciência não tem ‘conteúdo’” (SARTRE, 2002, p. 22). Esta
definição de consciência faz dela uma abertura para o mundo, o que
caracteriza, segundo Sartre sua intencionalidade,
algo próprio da consciência. “Pela intencionalidade, ela transcende-se
a si mesma, ela unifica-se escapando-se”. (SARTRE, 1994, p. 47). Ou
seja, a consciência se unifica na medida que ela própria se transcende
para alcançar os objetos. Destaca-se que este objeto não é unificado
pela consciência, pois na fenomenologia a consciência não assimila o
objeto, ela escapa a si rumo ao objeto que também é transcendente.
Assim, a consciência apenas desliza sobre o objeto sem aprendê-lo como
um conteúdo no seu interior. Neste transcender não há nenhum núcleo
que se consolida como suporte para a consciência, nem no seu interior
(Descartes), nem por detrás dela (Husserl). Isto significa que a consciência
(Para-si) se caracteriza como translúcida e vazia de qualquer habitante,
situando para fora de si,
numa relação com o mundo dos objetos (Em-si).
Esta
destituição de um Eu na consciência – temática relatada na obra A
Transcendência do Ego – trata-se de uma composição contrária a
elaboração pensada pela tradição filosófica e psicológica, que
institui de maneira formal ou material esta presença egológica na consciência.
Sartre comenta:
Para
a maioria dos filósofos, o Ego é um ‘habitante’ da consciência. Alguns afirmam a sua
presença formal no seio das Erlebnisse
como um princípio vazio de unificação. Outros – psicólogos na maior
parte – pensam descobrir a sua presença material, como centro dos
desejos e dos atos, em cada momento da nossa vida psíquica. (SARTRE,
1994, p. 43)
Nesta
perspectiva, Sartre elabora uma subjetividade, caracterizada por uma
consciência aberta, destituída de uma essência interior ou qualquer
substância que a defina como alguma coisa. Assim: “O primeiro passo de
uma filosofia dever ser, portanto, expulsar as coisas da consciência e
restabelecer a verdadeira relação entre esta e o mundo, a saber, a
consciência como consciência posicional do mundo”.(SARTRE, 2002, p.
22).
No
pensamento sartreano a consciência aparece descrita em duas instâncias:
a consciência não-posicional (pré-reflexiva)
e a consciência posicional
(reflexiva).
O que faz com que a característica marcante da consciência seja ser
posicional, devido a sua abertura ao mundo proporcionada pela
intencionalidade. Este posicionamento se evidencia sempre frente ao mundo
dos objetos – o mundo do Em-si. Isto pressupõe uma consciência não-posicional
(pré-reflexiva) de si mesma; pois não podendo colocar-se como objeto de
investigação da mesma maneira que faz diante do mundo; a consciência
(reflexiva) se volta exclusivamente para os objetos existentes fora dela.
Nesta perspectiva, o homem não pode pensar a si mesmo, no sentido clássico
do termo – pensar é pensar o ser.
Caso isto ocorra, ele depara com o vazio de seu ser. Desta maneira, o
homem não pode abarcar seu ser, pelo fato da destituição do ser na
consciência.
Para
Sartre, em O Ser e o Nada, a
constatação do ser da consciência (Para-si) não consiste numa coincidência
de si,
que corresponderia na plenitude
de ser, como por exemplo, no pensamento de Descartes, cujo resultado
implica na definição da consciência como algo fechado em si mesmo. Mas
a consciência, no pensamento sartreano, se caracteriza como descompressão
do ser, uma fissura causada pelo vazio
que a habita; havendo um distanciamento de si. Assim, o filósofo
francês caracteriza a consciência como aquilo “que é o que não é e
é não é o que é” (SARTRE, 2002, p. 116), ou seja, nada.
Desta
maneira, o cogito estruturado por Sartre não corresponde a uma concentração
em volta de si mesmo, pois tal fato resultaria na instauração de uma
substancialidade que constituiria a consciência como um centro de
opacidade (cf. SARTRE, 2002, p. 22). Porém, para o filósofo d’O Ser e o Nada, o procedimento se realiza de maneira contrária,
pois o cogito existe num contínuo transcender a si mesmo, ou seja, para
a exterioridade. Este sair para
fora de si que não dispensa a subjetividade, no sentido expresso no
pensamento sartreano. O que consiste a marca do pensamento sartreano,
sinteticamente relatado por Bornheim, na obra Sartre: Metafísica e Existencialismo: “Se o ser mesmo da consciência
está em sua exterioridade, se ela se esvai em ser intencional, então a
consciência se despede de tudo, ela é nada. A consciência introduz o
nada no ser, e a realidade humana revela essa síntese paradoxal de ser e
de nada” (BORNHEIM, 1971 p. 55).
Sartre
admite que a idéia de ser-no-mundo
marca uma atitude de suma importância para compreensão da realidade
humana, atribuindo a consciência (cogito) um papel considerável nesse
procedimento. Isto resulta no fato da consciência ganhar uma dimensão existencial, que não é encontrada em Descartes. Que para este a
consciência está situada na estrutura do conhecimento, tendo uma dimensão
essencialista – substancialista. Assim, a definição da consciência
sartreana corresponde ao fato de que o foco sobre pensamento deve ceder
lugar a experiência existencial. Sartre destaca:
“Toda existência
consciente existe como consciência de existir” (SARTRE, 2002, p. 25).
Esta experiência existencial possibilita a realidade humana criar um
sentido existencial de seu ser-no-mundo.
Assim,
a lei da existência da consciência em Sartre consiste na simples e pura
consciência de ter consciência do objeto, uma consciência posicional do
mundo. No entanto, caso fosse posicional de si necessitaria de uma outra
consciência posicional, que por sua vez precisaria de uma outra... esta
de uma outra..., assim sucessivamente num processo que levaria ao infinito
– uma consciência de consciência de consciência... Para não cair
numa repetição ao infinito, o autor ressalta, como caráter indispensável,
a manutenção da instância da consciência não-posicional, enquanto
vazia de conteúdo. O que a faz ser transcendente (intencional) e
caracterizada de consciência (de) consciência, a marca da
subjetividade
sartreana. Desta maneira, toda consciência se define como consciência
transcendente de um objeto. Este que, por sua vez, também se apresenta
como transcendente para a consciência. Tal procedimento corresponde a
prova ontológica da existência da consciência para Sartre: “A consciência
é consciência de alguma coisa: significa que à transcendência é
estrutura constitutiva da consciência, quer dizer, a consciência nasce
tendo por objeto um ser que ela não é. Chamamos isso de prova ontológica”
(SARTRE, 2002, p. 34).
Nesta
perspectiva, não há consciência sem mundo (objeto) e não há mundo sem
consciência. O que resulta que, no pensamento sartreano, a consciência
aparece simultaneamente com o mundo. Isto porque a consciência transcende
a si mesma para aquilo que ela não é – o objeto que está fora dela. A
manifestação desse objeto, denominado de fenômeno, se apresenta de
maneira única para consciência, não havendo, em ambos, a distinção
entre ser
e aparecer. O que faz com que a
consciência se reconheça como absoluta. Nas palavras de Sartre:
A
consciência nada tem de substancial, é pura “aparência”, no sentido
de que só existe na medida que aparece. Mas, precisamente por ser pura
aparência, um vazio total (já que o mundo inteiro se encontra fora
dela), por essa identidade que nela existe entre aparência e existência,
a consciência pode ser considerada o absoluto. (SARTRE, 2002, p. 28)
Por
esse aspecto, o filósofo francês rompe com a característica principal
do substancialismo, o dualismo entre interior e exterior, essência e aparência.
Isto se deve pelo fato da consciência como ser que coincide com seu
aparecer, sendo um vazio, um Nada de ser, faz com que ela seja uma
abertura constituidora do mundo. Este que aparece tal com ele é
– um Em-si, enquanto a consciência surge como possibilidade de ser –
um Para-si.
Outro
aspecto que marca o pensamento sartreano consiste na caracterização da
consciência como negatividade, que
se realiza devido ao fato dela colocar-se em questão, encontrando no seu próprio ser o nada. Para Sartre: “O
homem é o ser o qual o nada vem ao mundo” (SARTRE, 2002, p. 67). Dessa
maneira, a consciência se constitui como pura negatividade,
marcada por um processo de nadificação,
que para Sartre consiste na própria interrogação de si. O que nadifica
é a abertura da consciência que se posiciona frente ao mundo, pela qual
ela não é, como também não é uma identidade tal como se apresenta no mundo. Assim, a
consciência surge tendo como objeto um que ser que ela não é, enquanto ela mesma é
nada. A negatividade corresponde justamente esta destituição de um
ser pleno no interior da consciência, e, para Sartre:
“(...) a consciência interrogativa que ao introduzir a
negatividade no mundo, como libera o nada para que ele venha a
‘cintilar’ sobre as coisas” (SARTRE, 2002, p.66).
A
partir da tese da nadificação da consciência, a parece o conceito de
liberdade como o ser da consciência, ou seja, a consciência nada mais é
do que liberdade. Simplesmente porque o Para-si (consciência) é um nada
de ser, um vazio total, pura indeterminação e totalmente livre para
criar seu ser, movendo-se pelas próprias possibilidades. Caso contrário,
o Para-si não se constituísse pelo nada
de ser e fosse algo que é, um ser Em-si, um objeto fechado, opaco, denso, estaria
fadado desde sempre e para sempre a um sentido, a uma essência. O que
acarretaria que nesse processo a essência precederia a existência. Tal
procedimento, se distancia do pensamento sartreano cuja máxima maior
consiste que a existência precede a essência. Assim, o homem existe
enquanto no bojo do seu ser há (o) nada, o que remete à uma liberdade: a
um fazer-se ser através das escolhas criando uma essência.
É
através do nada na consciência que a liberdade invade o ser humano,
fazendo dela (liberdade) o ser da consciência. Isto resulta que a
realidade humana seja caracterizada como consciência de liberdade. No
entanto, a liberdade, para Sartre, não significa uma propriedade que
pertença à essência do ser humano, nem mesmo ela se caracteriza como
uma essência, mas ao contrário, a liberdade que faz com que a essência
apareça. Nas palavras de Sartre a liberdade se consolida como o próprio
ser homem:
A
liberdade humana precede a essência do homem e torna-a possível: a essência
do ser humano acha-se em suspenso na liberdade. Logo, aquilo que chamamos
de liberdade não pode diferençar do ser da “realidade humana”. O
homem não é primeiro para ser livre depois:
não há diferença entre ser do homem e seu “ser livre”. (SARTRE,
2002, p. 68)
A
emergência da liberdade é proporcionada pela dupla nadificação do ser,
ou seja, o ser humano não é o mundo – um Em-si – tal qual não
encontra nele uma identidade, mas sim um não ser. Sartre destaca:
A
liberdade por seu próprio surgimento, determina-se em um “fazer”.
Mas, como vimos, fazer pressupõe a nadificação de algo dado. Fazemos alguma de
alguma coisa. Assim, a liberdade é falta de ser em relação a um ser
dado, e não surgimento de um ser pleno. (SARTRE, 2002, pp. 597-598)
Assim,
a liberdade para Sartre não é entendida como um simples poder
indeterminado do Em-si (objeto) ou do Para-si (nada), mas é uma síntese
entre ambas que pressupõe a escolha. Neste caso, para Sartre, a liberdade
é autonomia
de escolha. Para o filósofo francês
a liberdade é radical, pois o fato de não escolher, destaca o autor, já
trata-se de uma escolha: a de não escolher (cf. SARTRE, 2002, p. 592).
Nota-se que, as escolhas providas da liberdade não são deliberadas, mas
conscientes, ou seja, a consciência se identifica com a escolha que faz,
o que torna o ser humano totalmente responsável por elas.
A
liberdade como consciência (nada), revela ao ser humano a angústia. Para
Sartre, o nada no ser humano torna possível tanto a experiência da
liberdade de escolha como também da angústia. Ambas surgem de maneira
simultânea num contexto de ausência total de conteúdo ou fundamento na
consciência. Dito de outro modo, ao sentir-se como nada de ser,
totalmente ancorado na liberdade de escolha, a realidade humana
experimenta a angústia. Marcando a existência humana como angústia, ou
melhor como consciência de angústia.
ANGÚSTIA:
a vertigem da liberdade e a captação do nada
A
temática da angústia desenvolvida por Sartre tem influência considerável
de Kierkergaard, em que ela surge frente à liberdade. N’O
Ser e o Nada, a angústia é descrita da seguinte maneira: “É na
angústia que o homem toma consciência de sua liberdade, ou se prefere, a
angústia é o modo de ser da liberdade como consciência de ser, é na
angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesmo em
questão”. (SARTRE, 2002, p.72). Como também, o conceito de angústia
aparece sobre uma forte influência do filósofo alemão Heidegger,
enquanto captação do nada. Ou seja, trata-se da captação de si mesmo
enquanto nada ser. Nas palavras de Sartre: “(...) aparece a angústia
como captação de si mesmo na medida em que existe como modo perpétuo de
arrancamento aquilo de que se é, ou melhor na medida que o si-mesmo se
faz existir como tal” (SARTRE, 2002, p. 79). As duas descrições que
aparecem no pensamento sartreano sobre a angústia não se excluem, mas
corroboram para constituir a consciência de angústia. O que define o
homem como a própria angústia, como algo constitutivo da sua existência.
Para
Sartre, no que se refere a angústia diante da liberdade, ela aparece com
o mesmo sentido retratado por Kierkergaard, ou seja, a angústia não é o
medo. Isto porque o medo aparece sempre frente há algo externo, algo fora
do ser humano. Já a angústia corresponde a algo diante de si mesmo,
daquilo que constitui a própria realidade humana. No entanto, as relações
entre a angústia e o medo podem, em certos casos, aparecerem juntas; ou
quanto uma se torna presente posteriormente exclui a outra; ou ainda há
momentos em que uma surge sozinha sem que haja necessidade da presença da
outra. No caso em que aparecem juntas, Sartre cita o exemplo de estar
diante de um precipício:
A
vertigem é a angústia na medida que tenho medo, não de cair no precipício,
mas de me jogar nele. Uma situação provoca medo, pois ameaça modificar
de fora minha vida e meu ser, provoca angústia na medida em que desconfio
de minhas reações adequadas a ela. (SARTRE, 2002, p. 73)
Nas
situações em que o medo e a angústia são totalmente excludentes, o
medo surge como uma apreensão irrefletida do transcendente, daquilo que
está fora; já a angústia consiste numa reflexão de si. O que resulta
que uma aparece sobre a destruição da outra, consolidando numa transição
de uma para outra. Sartre comenta o exemplo de homem que perdeu todos seus
bens na bolsa valores:
O
homem acaba de receber “um rude golpe”, tendo perdido em quebra de
bolsa grande parte de seus bens, pode temer a pobreza que o ameaça. Irá
angustiar-se logo depois, quando, esfregando nervosamente as mãos (reação
simbólica à ação que se impõe mas permanece ainda inteiramente
indeterminada), exclama: “Que fazer? Mas que fazer?”
(SARTRE, 2002, p. 73).
Nos
casos específicos em que a angústia aparece completamente ausente de
qualquer relação como o medo, o filósofo francês destaca, n’O
Ser e o Nada, a seguinte situação: “(...) ganho novo status
e sou incumbido de missão delicada e lisonjeira, posso me angustiar com a
idéia de que talvez não consiga cumpri-la, sem ter o mínimo medo das
conseqüências de meu possível fracasso” (SARTRE, 2002, p. 73).
Para
o filósofo francês a liberdade ao se revelar pela angústia, faz com que
a realidade humana se apresente sempre como uma renovação contínua:
“Eu que designa o ser livre” (SARTRE, 2002, p. 79). Este procedimento
é marcado pelo possível – algo próprio do ser humano – porque
trata-se daquilo que depende somente dele. Isto não significa que haja a
existência de um Eu na consciência ou que a angústia deriva dele.
Sartre comenta: “Esse eu, com seu conteúdo a
priori e histórico, é a essência do homem. E a angústia, como
manifestação da liberdade frente a si, significa que o homem acha-se
sempre separado de sua essência por um nada” (SARTRE, 2002, p. 79).
Assim,
na existência o ser humano se faz livremente como um possível, sem a
exigência de um fundamento ou um conteúdo na consciência. Isto
caracteriza a existência como angustiante. Sartre comenta: “Com efeito,
angústia é reconhecimento de uma possibilidade como minha possibilidade,
constitui-se quando a consciência se vê cortada de sua essência pelo
nada ou separada do futuro por sua própria liberdade” (SARTRE, 2002, p.
80). Este nada, por um lado, deixa sem desculpas, e, por outro, faz com
que haja um projetar-se como ser rumo ao futuro.
Para
Sartre cada decisão está desprovida de fundamento ou de uma eficácia
justificável que sustente certa decisão. Havendo apenas a liberdade das
condutas frente ao futuro e ao passado, emergindo dessa liberdade a angústia.O que faz
do ser humano o único responsável, tanto pela suas ações livres como
pela constituição do seu ser – da sua maneira de ser no mundo. Assim,
o ser humano como criador dos valores, faz com que se constitua uma ética
que não está livre da angústia. Sartre comenta:
(...)
o que se poderia chamar de moralidade cotidiana exclui a angústia ética.
Há angústia ética quando me considero em minha relação original com
os valores. Estes, com feito, são exigências que reclamam um fundamento.
Mas fundamento que não poderia ser modo algum o ser, pois todo o
valor que fundamentasse sua natureza ideal sobre seu próprio ser deixaria
por isso de ser valor e realizaria a heteronomia de minha vontade.
(SARTRE, 2002, p. 82)
O
valor para Sartre se revela pela liberdade ativa. Ele destaca, que a
“(...) liberdade é o único fundamento dos valores e nada absolutamente
nada justifica minha doação dessa ou daquela escala de valores (SARTRE,
2002, p. 83). Assim, a liberdade se angustia por ser fundamento sem
fundamento dos valores. Estes que uma vez criados são também colocados
em questão, pois há a possibilidade de inverter as escalas de valores a
partir da própria possibilidade do ser humano. Este que se apresenta
sozinho e na angústia, lançado rumo ao projeto de ser em que todas as
barreiras são nadificadas pela consciência de liberdade. O que torna ser
humano o criador dos valores, sendo que nada pode impedir de criá-los.
Sartre destaca: “(...) separado do mundo e de minha essência por esse
nada que sou, tenho de realizar o sentido do mundo e de minha essência:
eu decido sozinho, injustificável e sem desculpas” (SARTRE, 2002, p.
84).
Para
Sartre a fuga da angústia consiste na tentativa de afirmar-se numa essência
a maneira de um Em-si, ou seja, um ser maciço, denso, pleno e fechado. O
que seria contrário, a característica da consciência como abertura ao
mundo, proporcionada pelo nada de ser. Tal ameaça pode ser caracterizada
pela instauração de um Eu (Ego) na consciência, consolidando assim uma
essência. Sartre destaca:
Trata-se
de encarar o Eu como um pequeno Deus que me habitasse e possuísse minha
liberdade como virtude metafísica. Já não seria meu ser que seria livre
enquanto ser, mas meu Eu que seria no seio de minha consciência. Ficção
eminentemente tranqüilizadora, pois a liberdade estaria enterrada no seio
de um ser opaco: na medida em que minha essência não é translucidez e
é transcendente na imanência, a liberdade se torna uma de suas
propriedades. (SARTRE, 2002, p. 87)
O
que significa que o Eu seria a origem dos atos, como também resultaria no
fato que o ser humano seria um ser já constituído desde sempre e para
sempre como uma essência dada. Todavia, este procedimento é totalmente
contrário ao pensamento sartreano, que define o homem, enquanto consciência,
um nada de
ser.
A
fuga da consciência em assumir o nada, a liberdade e angústia
corresponde a uma tentativa de mascará-la com uma verdade que agrada. No
entanto, Sartre destaca que da angústia (conseqüentemente do nada e da
liberdade) não se pode fugir, nem suprimi-la, pois o homem se constitui
como a própria angústia (nada, liberdade).
(...)
fujo para ignorar, mas não posso ignorar que fujo, e a fuga da angústia
não passa de um modo de tomar consciência angústia. Assim, esta não
pode ser, propriamente falando, nem mascarada nem evitada. Fugir da angústia
e ser angústia, todavia, não podem ser exatamente a mesma coisa: se eu
sou minha angústia para dela fugir, isso pressupõe que sou capaz de me
desconcentrar com relação ao que sou, posso ser angústia sob a forma de
“não sê-la”, posso dispor de um poder nadificador no bojo da própria
angústia. Este poder nadifica enquanto dela fujo e nadifica a si enquanto
sou angústia para dela fugir.
(SARTRE, 2002, p. 89)
A
tentativa de fuga da angústia denomina-se no pensamento sartreano de Má-Fé (cf. SARTRE, 2002, p.89). Ela consiste no fato de mascarar a
consciência de nada, liberdade e a angústia, instaurando um ser, uma essência
na qual a consciência se identifique e pela qual possa justificar seus
atos ou como também atribuir a um outro a livre decisão da escolha.
Por
fim, na conferência Existencialismo
é um Humanismo, Sartre diz que o pensamento existencialista define o
homem como a própria angústia:
O
existencialista não tem pejo em declarar que o homem é angústia.
Significa isso: o homem ligado por um compromisso e que se dá conta de
que não é apenas aquele que escolhe ser, mas de que é também um
legislador pronto a escolher, ao mesmo tempo que a si próprio, a
humanidade inteira, não poderia escapar ao sentimento da sua total e
profunda responsabilidade. (SARTRE, 1970, p. 221)
Isto
reforça a posição de que a angústia está ligada a liberdade. O homem
escolhe livremente seus atos, sendo o único capaz de realizá-los. Como
também está ligado ao nada de ser, fazendo que o ser humano se projeta
na sua existência rumo a possibilidade de ser. Assim, a angústia não
significa, segundo Sartre, num quietismo, nem numa inércia, (cf. SARTRE,
1970, p. 224), mas numa responsabilidade diante dos seus atos e de seu
ser. A angústia resulta na ação livre, que nada impede de fazê-la, não
há algo que condiciona os atos do ser humano, a não ser ele próprio.
Trata-se de encarar a pluralidade das possibilidades e escolher livremente
suas condutas, atribuindo-as um valor. É nesta perspectiva que se define
a angústia em Sartre. Ele conclui:
Esta
espécie de angústia, que é a que descreve o existencialismo, veremos
que se explica, além do mais por uma responsabilidade directa frente aos
outros homens que ela envolve. Não é ela uma cortina que nos separa da
acção, mas faz parte da própria acção. (SARTRE, 1970, p. 225)
Ao
destacar no pensamento sartreano a abordagem da condição humana que tem
como ponto de partida a consciência enquanto Nada de ser, simultaneamente
aparece a liberdade e a angústia. Isto significa que, a realidade humana
como consciência nada mais é do que a constatação da liberdade
de escolha, na angústia da existir como
projeto rumo às próprias possibilidades, na construção do seu ser no
mundo.
POSFÁCIO:
E agora, existo!
O
pensamento de Sartre transita pelas obras filosóficas, pela literatura e
também pelas peças teatrais, cujo propósito visa primordialmente a
compreensão da existência humana. Isto faz com que o pensamento
sartreano se apresente como uma ontologia antropológica existencial.
Embora, esta compreensão da realidade tenha como ponto de partida a
subjetividade (cogito), o pensamento sartreano se distancia das definições
sobre o cogito desenvolvidas na modernidade (Descartes) e na
contemporaneidade (Husserl).
Para
apontar Sartre como herdeiro da tradição moderna do cogito e ao mesmo
tempo sinalizar seu distanciamento, cabe destacar uma outra sentença que
relate a autenticidade de seu pensamento. Frente à conclusão afirmativa
do Cogito ergo sum (Penso logo
sou): a indubitável prova da existência do ser pensante para Descartes,
aparece em detrimento a ela a premissa exclamativa
do E agora, Existo! uma
constatação do próprio cogito – a consciência. Isto significa que:
“Toda existência consciente existe como consciência de existir”
(SARTRE, 2002, p. 25). Não há um Ego habitando no interior da consciência
como se fosse uma essência dada desde sempre e para sempre. Porque o agora,
consiste em estar só e sem desculpas (nada), condenado a fazer
escolhas (liberdade) que criem na existência seu ser num projeto rumo as
próprios fins. Enquanto a existência, o agora,
caracteriza-se como angustiante.
A
angústia (presente) coloca o ser humano diante de seu futuro, pela qual
nada se sabe; levando consigo apenas uma certa compreensão do seu ser,
como “tendo sido” (passado). Contudo, não pode fundamentar-se nele.
Assim, a angústia, no agora,
corresponde à constatação (presente) da consciência (nada) de ser seu
próprio porvir à maneira de não sê-lo, um “ainda-não” (futuro).
Um projetar-se livre que se lança num contínuo fazer-se ser.
Para
Sartre, a consciência capta a angústia e a constatação de sentir-se
existindo, porque o sujeito se impõe, através de suas ações, na condição
existencial. A ação move o existir sem que haja uma pré-determinação
para ela. Assim, a angústia do agora corresponde a uma ação livre em que nada impede de fazê-la,
a não ser o próprio homem, o autor da ação.
Nesta
perspectiva, a realidade humana corresponde a um ser lançado (projetado)
no mundo, em que a consciência assume um papel de suma importância; não
numa ordem do conhecimento, comportando uma dimensão
essencial,
tal como em Descartes. Mas em Sartre, a consciência assume uma dimensão
existencialista,
em que a experiência contida nessa dimensão possibilita criar um sentido
existencial ao ser-no-mundo.
O
existo! consiste na maneira
consciente de existir enquanto transcendência de si rumo ao projeto de
ser. Este modo de sentir-se existindo corresponde, segundo Sartre, a angústia:
o existir na ausência (nada) de fundamento, sem ter algo pela qual se
apóie o projetar (livre) rumo ao ser. Este lançar-se na constituição
do ser se caracteriza como algo sempre inacabado, em que cada escolha se dá
a partir da fragilidade das possibilidades, daquilo que pode ser sem saber
se de fato será, pois, a existência se constitui de maneira injustificável,
tal como a ação pela qual o sujeito atua nela. Não há um princípio
necessário para ação tal como há uma finalidade necessária,
caracterizando uma teleologia. O que faz da existência – o
existo! – um movimento perene de transcendência.
Existir,
portanto, é um verbo que se conjuga na primeira pessoa somente no modo
contingente, porque o Ego não é uma propriedade originária da consciência.
A ipseidade é a totalidade de si que a realidade humana busca
transcendendo-se, existindo para
as suas possibilidades. Esse existir para as possibilidades é a articulação
temporal da relação entre a consciência e o ser. É no tempo que ocorre
o projetar-se do existente. (SILVA, 2004, p. 181)
Dessa
maneira – e agora, existo! –
há a constatação do ser humano, no agora, como nada de ser;
que existe lançado no mundo
para fazer-se ser pela liberdade
de escolha; assumindo a angústia
como uma exclamação (!) diante das próprias possibilidades de sua existência. Aspectos
estes, que se constituem como elementos intrínsecos ao ser humano, na
articulação ontológica antropológica existencial de Jean-Paul Sartre.