Por ELÓI MARTINS SENHORAS

Graduando em Economia e Pós-Graduando Lato Sensu em Gestão e Estratégia de Empresas pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Visiting Scholar na University of Texas em Austin (UT) e na Univesidad de Buenos Aires (UBA).

 

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Cultura e Poder

Um percurso da construção dos discursos e ações sobre raça na formação nacional

Elói Martins Senhoras

 

Resumo

O artigo propõe uma análise do percurso da antropologia no Brasil através de uma introdução às principais construções sobre a problemática racial que permeiam os discursos e ações das relações de poder na formação nacional. As principais contribuições do estudo para a crítica contemporânea residem no desvelamento das relações entre a cultura e o poder enquanto pilastras intersubjetivas de construção de uma microfísica de poder que se institucionaliza em um contínuo processo de sedimentação e cristalização até atingir no limite as macropolíticas de Estado.

Palavras chaves: ação, cultura, discurso, formação nacional, raça, poder.

Abstract

This article proposes an analysis of the historical journey of the Brazilian anthropology through an introductory overview of the main racial constructions that exist inside the speeches and the actions of the power relations in the national formation. The main contributions of the study for the contemporary critics relies on the uncover of the relations among culture and power as an intersubjective field responsible for the construction of a microphysics of power that is institutionalized in a continuous process of sedimentation and cristalisation that reaches at the limit the macropolicies of the State. 

Keywords: action, culture, speech, national formation, race, power.

 

Introdução

O presente artigo busca os paradigmas e conceitos da ciência antropológica construídos anacronicamente, segundo uma percepção de um conjunto de relações e interações complexas, cuja compreensão escapa ao pensamento linear e cartesiano de uma visão científica mecanicista, mas é captada pelo entendimento da construção cultural através dos campos subjetivos e objetivos de construção do poder e do preconceito.

A partir deste campo analítico o presente trabalho está dividido em seis seções. A primeira seção dedicar-se-á à discussão da construção da antropologia brasileira através da importação do racismo científico. Em seguida será abordada a formação da identidade e do caráter nacional moderno. A terceira seção mostra a construção do mito da democracia racial na obra de Gilberto Freire. Posteriormente, é retratado o Projeto UNESCO e a desconstrução do paraíso racial brasileiro. Na quinta seção são apresentadas as principais discussões da antropologia brasileira na era da globalização. Finalmente, na última seção são apresentadas algumas últimas considerações conclusivas.

Com essa discussão são fornecidos os subsídios para a garantia de pluralidade e o aprofundamento do debate sobre os principais eixos da evolução da antropologia brasileira, que embora não conclusiva, neste novo século, tem importância estratégica e fundamental para o avanço do entendimento sobre as interconexões entre cultura e poder.

 

A Antropologia Brasileira e a Importação do Racismo Científico

O racismo é uma construção socialmente construída em diferentes época e lugares. Trata-se de uma teoria da pureza da raça ou da separação das mesmas, respaldada em uma falsidade cultural ou científica que nasce no século XIII, mas eclode no século XIX.

No segundo quartil do século XIX, o sistema capitalista passou por uma significativa revolução  na Europa Ocidental e Estados Unidos no campo industrial e financeiro, introjetando uma alta dose de racismo via científica. Nessa perspectiva, o racismo não seria o produto de mentes desequilibradas, mas apenas um dos frutos do capital, com a peculiaridade de ter crescido junto com ele e com o neo-colonialismo.

A identificação das nações fundamentada na idéia de raça suplantara, ao final do século XIX, o nacionalismo cultural elaborado pelo romantismo, no qual a língua nacional era o elemento fundamental, juntamente com o folclore demarcador das tradições populares (Anderson, 1989).

“Muitos nacionalismos, então, descobriram o que Hannah Arendt (1976) chamou de ‘nova chave da história’ – o racismo. Este termo designa as doutrinas que afirmaram a desigualdade de raças humanas, partindo do pressuposto de que a cultura é biologicamente determinada. A idéia de raça construída sobre hierarquias denotando desigualdade dominou o pensamento social em muitos lugares, inclusive no Brasil. Foi respaldada, em parte, pela ciência, principalmente pela Antropologia Física” (Seyferth, 1996: 42).

A grande contribuição de Hannah Arendt para o estudo do racismo dentro desse quadro histórico é o entendimento do poder como um fenômeno que resulta do agir intersubjetivo de uma construção conjunta de discursos e ações na esfera pública.

A cristalização do racismo neste sentido acontece enquanto uma manifestação de poder, em termos políticos, onde a persuasão da palavra para se transformar em ação exige o convencimento de um único grupo eletizado, restringindo o espaço público da liberdade para uma esfera particular de interesses.

O racismo à la brasileira vinculado às idéias e modismos os mais diversos das doutrinas científicas e religiosas do racismo europeu teve na escravatura e na tese do branqueamento o discurso necessário para a adoção de diversas ações que historicamente restringiram a) a pluralidade da intersubjetividade e b) que se cristalizaram em instituições objetivas de legitimação da dominação e da desigualdade, enquanto uma mentalidade não alargada.

Dentro desse de mentalidade restrita, o Brasil se tornou um mundo de imigrantes ao longo de sua trajetória histórica por duas vias principais: políticas de imigração coercitiva dos escravos negros ou voluntária dos europeus pobres, de forma a partir do século XIX a questão da imigração surgir na discussão política da formação da nação.

“De fato, em muitos casos, o conteúdo político do conceito de nação é suplantado pela idéia de nacionalismo, que atribui valor excessivo à individualidade nacional – a nacionalidade pensada como atributo natural. E, tal individualidade é, em parte, construída sobre a idéia de raça por um lado, e sobre a concepção de língua nacional e cultura (ou civilização) nacional, por outro lado – o que resulta na equação 1 povo (raça) + 1 cultura (civilização) + 1 língua = 1 nação!” (Seyferth, 1996: 41).

A lógica aqui, quer se trate de grupos de origem imigrante, quer de índios ou negros, é muito clara: habitar o bojo da nação com um discurso de especificidade e enfatizando a própria diferenciação constitui, de alguma maneira, uma impossibilidade. Assim, surge a necessidade de dissolver o discurso de diferenciação e de respeito à alteridade dentro de uma retórica inclusiva cujo axioma é a nacionalidade comum.

Para tanto, as políticas de migração tinham um objetivo essencialmente de embranquecimento nacional, a fim de dar uma maior homogeneidade ao caráter nacional, segundo discursos científicos estrangeiros de superioridade do branco. Formula-se, então, uma regra muito clara: quanto mais branco o trabalhador, melhor. Assim, negros e índios são marginalizados da lógica mercantil vis-à-vis a inclusão de colonos alemães, suíços, eslavos e italianos.

Então surge a indagação, até que ponto o nacional é realmente nacional, se as ideologias do racismo científico são exógenas ao ambiente local; se os brasileiros (mulatos, cablocos, caipiras etc) são inferiores aos brancos europeus. Essa indagação nos revela os paradoxos da construção racista do ideário do branqueamento no melting pot brasileiro.

A Antropologia Brasileira e a Formação da Identidade e do Caráter Nacional Moderno

Embora a formação das identidades nacionais seja normalmente o resultado tanto da luta pelo domínio de novas comunidades políticas, como da luta das elites políticas e dos governos para criar uma nova identidade para legitimar o próprio Estado moderno, Anderson (1989) demonstra que o nacionalismo é um artefato cultural, que é socialmente construído pela adesão intersubjetiva emocional.

O Estado moderno se define propriamente como Estado-Nação, no qual o domínio sobre um território é consubstanciado na idéia da existência de uma “comunidade nacional”. Ora, a Nação, isto é, a população de um território unida pela cultura e pela tradição, pressuposto legitimador do Estado, foi, em toda parte, pelo menos de início, uma ficção criada pelo próprio Estado. Os Estados modernos se constituíram todos sobre uma diversidade étnica preexistente, num processo de unificação territorial marcado pela violência. A Comunidade nacional foi criada posteriormente pela opressão: a cultura comum foi imposta pela repressão às manifestações étnicas minoritárias e a tradição coletiva foi gerada na história da dominação de um povo sobre outro.

O que marca a especificidade da formação nacional brasileira e de outros países latino-americanos segundo Lomnitz (2001) não foram puramente os determinantes culturais como propõe Anderson, tais como a língua, a religião ou as relações de parentesco, uma vez que eles já existiam anteriormente à independência, mas sim determinações políticas e econômicas que se imbricam aos elementos culturais para a formação da nação.

No primeiro caso, a cultura articula as relações econômicas através da escravidão como elemento de existência e de consenso entre as elites de norte ao sul do Brasil, garantindo a centralização do poder devido ao determinismo econômico. No caso dos demais países da América Espanhola a cultura articula a política, pois a formação dos vários Estados nacionais fora determinada pela esfera micro-política, havendo fragmentação territorial devido às diferenças existentes entre as regiões administrativas formadas.

Dentro desse quadro nacional de construção cultural, Skidmore (1994: 71) argumenta que “há mais de um século intelectuais brasileiros agonizam sobre a identidade nacional de seu país [...] a difícil questão de como a miscigenação racial havia afetado o caráter brasileiro. Tal preocupação havia sido comum entre pensadores da elite latino-americana desde o final do século XIX, quando teorias da supremacia racial branca haviam aportado no país, dotadas do prestígio que lhe foram conferidas pela “ciência” do Atlântico Norte. As perguntas permaneceram constantes. Quem somos nós? Como chegamos a ser deste jeito? Existe futuro, num mundo ‘civilizado’ para um povo racialmente miscigenado?”

Os intelectuais, conforme a análise de Gilliam (2000) são freqüentemente incapazes de ter em conta a interligação entre, por um lado, a sua própria identidade, a sua posição, privilegiada, de sujeitos, e por outro, as análises que produzem numa sociedade dividida pela raça e pela classe.

Um dos primeiros autores, com uma postura antropológica positiva foi Sílvio Romero que argumentava que todo brasileiro seria um mestiço, quando não no sangue, nas idéias. Entretanto, sua linguagem seria ambígua o bastante para ser interpretada de duas maneiras possíveis.

“Os pessimistas podiam optar por acreditar nas teorias determinísticas que ele delineava, ao passo que os otimistas podiam concentrar-se no aspecto nacionalista da originalidade cultural brasileira (ao qual ele próprio não era sempre fiel) de que a população do Brasil tornar-se-ia  inevitavelmente mais branca” (Skidmore, 1994: 74).

Entretanto, do ponto de vista prático, portanto, as minorias étnicas, dentro do Estado-Nação brasileiro jamais foram legitimadas pelo poder de particularismos culturais para criar a unidade nacional. Gilbeto Freire transformou esse problema no seu ponto culminante, ao trazer uma postura afirmativa que englobava o “mito das três raças” na formação nacional.

 

As Vertentes de Contribuição Culturalista e Materialista para a Explicação da Formação do Caráter Nacional

Casa Grande & Senzala é considerado um dos livros mais importantes que já se escreveu no Brasil, pois através dele passa-se a entender que o Brasil não é uma Europa tropical, como desejavam alguns estudiosos, mas um país que resultou da mistura de três raças, com características próprias e que se miscigenaram, dando um produto original. Portanto, os aspectos da formação nacional brasileira são componentes sui generis, oriundos de um processo de amalgamento de raças e culturas, de uma mestiçagem positiva.

A partir do problema regional, Gilberto Freyre passou a analisar a questão nacional, propugnando por uma unidade cultural brasileira, conhecida como luso-brasileira. Existe uma especificidade na formação brasileira que é a reiteração das raízes não tipicamente européias de nossa cultura, ou seja, o componente da argumentação é a indicação do não europeísmo da sociedade portuguesa.

“[...] Contraposto conscientemente sua ‘cultura’ às forças do colonialismo ocidental que os vêm aflingindo há tanto tempo. A cultura aparece aqui como a antítese de um projeto colonialista de estabilização, uma vez que os povos a utilizam não apenas para marcar sua identidade, como para retomar o controle do próprio destino” (Sahlins, 1997: 46).

Embora enfocando a formação nacional a partir do desenvolvimento da região Nordeste, em especial Pernambuco, a explicação freyriana ganha espaço nacional, estabelecendo uma polêmica a respeito da questão racial, do determinismo geográfico e sobre o papel desempenhado pelo patriarcado na configuração da sociedade brasileira.

O livro responde a questões tais como: quem é o povo brasileiro? Podemos falar de uma unidade nacional? Podemos pressupor a existência de uma cultura brasileira?

Para Gilberto Freyre, a formação social brasileira passa necessariamente pela busca no povo, das raízes que fundam a cultura e a sociedade nacional[1]. É este ponto de partida que lhe permite operar a alteração fundamental na formulação sobre os sujeitos da história: aqueles que aparentemente se situam “fora da história” são os verdadeiros construtores da civilização brasileira. Embora o patriarca seja a figura que assegura a ordem social no Brasil colônia, seu modo de ver o mundo está permeado por elementos culturais impostos pelos personagens supostamente marginais: o escravo, a mulher, o menino e o “amarelinho”.

Segundo uma ótica de análise Sahlinsiana, o contato traz um processo de negociação cultural de mão dupla através de relações multideterminadas: a) o mais forte influencia a cultura do mais fraco, e b) o mais fraco influencia a cultura do mais forte.

A noção de cultura que emerge desse contato é de um sistema aberto poroso à microfísica intersubjetiva de interação simbólica, onde no limite as instituições se cristalizam e a determinação do poder passar a se dar um nível macro-objetivo onde persistem as relações de assimetria.

A metodologia permitiu ao autor transferir a análise da formação nacional ao âmbito privado e não ao das instituições públicas, prática usual nas análises anteriores. Segundo Soares (2002: 224), para Gilberto Freire é “na rotina de vida que se nota a continuidade social, o próprio caráter de um povo e sua história mais íntima”.

Assim, a casa-grande figura o sistema patriarcal de colonização portuguesa do Brasil, sistema de contemporização entre tendências aparentemente conflitantes, o colonizador tentando impor as formas européias à vida nacional, o colonizado funcionando como adaptador dessas formas ao meio. Nesse sentido, a casa-grande opera como centro de coesão social, representa todo um sistema econômico, social e político e age como ponto de apoio para a organização social. Ademais, explica o modo pelo qual se realiza o caráter estável da colonização portuguesa de marca agrária, sedentária, plástica e harmoniosa. Por isso, na formação nacional há uma ótica privada, que internaliza e aglutina na casa-grande a Igreja e o próprio Estado[2].

Em décadas posteriores, surge uma nova vertente para se estudar a formação do caráter nacional, através da obra “Padrões Raciais nas Américas”, onde se pode reconhecer facilmente os traços de uma concepção sui generis que legitima o chamado materialismo cultural, privilegiando fatores de caráter ecológico, tecnológico, econômico e demográfico, segundo uma estratégia eficiente que procura desvendar as causas de diferenças e similaridades entre diferentes formações nacionais, tal qual sugerido no trecho abaixo citado:

“Embora a plantation com escravos por si mesma fosse notavelmente semelhante em seus efeitos, não importa quais fossem os antecedentes culturais dos escravos ou dos senhores de escravos, o ambiente natural, demográfico e institucional com que se articulava a escravatura e com o qual mantinha interação não era de modo algum uniforme. É obrigação de todos quantos desejam explicar a diferença entre as relações raciais nos EUA e na América Latina examinar primeiro essas condições materiais, antes de concluir que foi a mística da alma portuguesa e espanhola que criou a diferença” (Harris, 1967: 129-30).

Dessa forma, Harris se distancia de uma explicação da formação nacional que passe necessariamente pela busca no povo das raízes que fundamentam a cultura e a sociedade nacional, conforme proposto por Freire (1933), mas converge essencialmente para uma explicação materialista.

Assim, Harris conduz a análise das relações sociais de modo que se possa observar a causalidade dessas estruturas a partir dos mecanismos da sua reprodução e das suas transformações. O materialismo cultural proposto não se trata de um materialismo reducionista que encerra toda a realidade na economia, ou um funcionalismo simplista que limita todas as estruturas de uma sociedade. Por isso, Harris, influenciado pelos estudos de Julian Steward, sublinha a necessidade e urgência de estudar com cuidado as bases materiais das sociedades e de reinterpretar  todas as culturas humanas segundo uma forma funcionalista, encarando-as como processos específicos de adaptação a ambientes determinados.

Com isso, Harris se distancia de Franz Boas, que tenta captar ao mesmo tempo a interpenetração das culturas e a trama das relações sociais segundo uma perspectiva que adota anterioridade dos elementos de caráter cultural. Não obstante, apesar do distanciamento com as propostas culturalistas, o polêmico Harris, juntamente com diversos antropologistas americanos, segue as influências de Boas na coleta de dados em estudos de campo.

Fato esse que teve importante contribuição na legitimação dos estudos sociais como ciência no Brasil. Com isso, após 1960, o diálogo sobre a identidade nacional do Brasil modificou-se à medida que o surgimento da moderna ciência social criava uma nova e importante força intelectual. Estudiosos agora passaram a ter uma nova perspectiva que poderia substituir o popular ensaio de estilo literário através das pesquisas de campo.

A Construção do Mito da Democracia Racial na Antropologia Brasileira

Casa-Grande & Senzala é um livro inovador. Primeiramente, ao apresentar propostas que superam as explicações sócio-biológicas racistas (“darwinismo social”) e aquelas fundadas no determinismo geográfico, representa uma inegável ruptura com as explicações anteriores e coloca em um novo patamar analítico as interpretações do Brasil. Nesse sentido, sua publicação representou uma verdadeira revolução nos estudos sociais no país, ao construir o “mito da democracia racial”.

Em Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freire mostra como a experiência cultural no Brasil constitui-se a partir da forma peculiar do capitalismo no país. Várias combinações culturais nativas, africanas e européias, apresentar-se-iam integrando uma “visão do mundo” brasileira, com um pé na senzala dos escravos, e o outro na casa senhorial. A cultura assim se constrói em cima de elementos anteriores à orientação política dominante a que corresponde. Tem uma história própria, em que se reproduzem elementos que, em princípio, nada têm a ver com os interesses políticos, podendo até atrapalhá-los. São elementos tão fortes que se impõem à atividade política. Esta apenas consegue vesti-los desta ou daquela maneira.

Esse desenvolvimento teórico proposto por Freire muito se aproxima ao entendimento da colonização da África de Balandier (1963), segundo um recorte de entendimento da especificidade histórica. Ambos autores destacam a importância do entendimento das especificidades históricas da colonização e da cultura do contato como elementos sui generis na formação das estruturas e das relações de poder das formações nacionais.

Dessa forma, ambos os estudos compartilham um recorte epistemológico culturalista assentado em uma análise sistêmica totalizante da especificidade de uma cultura de contato, que transcende a origem e perpassa as estruturas históricas de cada local, ao possibilitar o entendimento da dimensão conflitiva na África por Balandier e da dimensão coesa da “democracia racial” no Brasil por Freire.

A cordialidade brasileira, nada mais seria do que uma máscara para esconder o autoritarismo das relações duras do trabalho, seja do  escravo, seja do trabalhador livre. Esta mesma cordialidade, porém, não existe em outras localizações onde há a exploração capitalista. É resultado por tanto da imposição de uma situação específica brasileira; não é necessária para o capital, que foi obrigado a se utilizar dela, mascarando-a, por imposição cultural.

O estudo da casa-grade acaba por ser “a história íntima de quase todo brasileiro”. Foi aí “que se exprimiu o caráter brasileiro: a nossa continuidade social”. Daí o título: Casa-grande é o símbolo de um status – o de dominação; Senzala – o de subordinação ou submissão. O & entre as 2 palavras é símbolo de interpenetração, mostra a “dinâmica democratizante como corretivo à estabelecida à hierarquia”. Em outras palavras, no Brasil não se realizam as formas tradicionais de dominação, havendo uma inversão do processo, mudando-se os sinais que alocam socialmente os indivíduos.

Os elementos psicológicos da formação nacional na obra de Freire são redefinidos pelo contato, tal como acontece nos estudos da África por Balandier (1963), Mandani (1998) e Cohen (1978), embora com resultados diferentes entre o caso africano e o brasileiro, uma vez que no Brasil o contato cria um novo caldo cultural, reifica uma série de relações sociais que são assimétricas e incorpora uma série de preconceitos, mas que têm na ideologia oculta da integração racial do sistema um elemento transversal e direcionador das hierarquias, mantendo coesa uma estrutura social extremamente heterogênea vis-à-vis o caráter conflitivo do continente africano advindo de diferenças étnicas em uma sociedade muito mais homogênea.

Gilberto Freyre parte da tese de que a população brasileira tem raízes nas três raças – branca, índia e negra. Afirma que os tipos eugênicos provêm antes do africano do que do indígena, indicando que são de origem africana muitas das melhores expressões de vigor ou de beleza física em nosso país. Busca mostrar que o perfil da formação social nacional deve-se ao africano e que todo brasileiro é racial ou culturalmente negro.

Analisando a adaptabilidade do colonizador português às condições tropicais, assinala que isso foi possível pela assimilação de elementos provindos dos outros povos - os indígenas nativos e os negros africanos – que constituirão com ele a população nacional, via mestiçagem racial e cultural.

Essa aptidão do português, de um lado, permite um “bambo equilíbrio de antagonismos” (Freyre, 1980: 6), refletindo-se em um comportamento flexível; de outro, possibilita a mobilidade, a miscibilidade e a aclimatabilidade, elementos fundamentais para o triunfo do empreendimento português no Brasil, compensando a deficiência de volume humano para a colonização em tão amplo território. Tais traços levam a que se forme “a primeira sociedade moderna constituída nos trópicos com características nacionais e qualidades de permanência”.

Refletindo sobre o papel desempenhado pelo indígena na formação nacional, Gilberto Freyre encaminha a análise no sentido de demonstrar que as relações sociais no Brasil, desde os primeiros momentos da colonização, constituíram-se harmonicamente, sem conflitos de caráter violento, devido à reinvenção dos discursos, valores e ações a partir do contato. Através da assimilação racial e a formação de um melting pot brasileiro há a translação de valores segundo uma estratégia própria que é a via nacional. Ao incorporar a questão da dinâmica do contato como determinante cultural, Freire aproxima a sua reinvenção dos valores às teorias da escola de Manchester, que centram-se nas questões do conflito da mudança e da dinâmica, embora sua teoria abstraia o caráter conflitivo pelo consensual, como democracia racial.

Híbrida e harmoniosa quanto às relações de raça, a sociedade brasileira teria se formado em um ambiente “de quase reciprocidade cultural”, aproveitando com sua cultura. A mulher indígena foi incorporada à sociedade cristã, tornando-se esposa e mãe de família, transmitindo suas tradições à família do colonizador. As tensões resultantes dos choques entre as duas culturas – européia e indígena – ao se explicitarem em conflitos encontram o caminho da integração, do equilíbrio dos elementos antagônicos. Freire aponta 2 caminhos, aparentemente antagônicos, pelos quais o processo se desenvolveu: de um lado, a degradação da “raça atrasada”; de outro, a assimilação pela “raça adiantada” da cultura dominada. Da combinação das 2 vias resulta uma expressiva harmonia social.

Em Casa-Grande & Senzala, há um estudo, sobretudo do escravo negro que trabalhava na casa-grande, o negro doméstico e a sua influência, valorizando a miscigenação e a morenidade e salientando os hábitos da vida cotidiana.

Como ressalta Skidmore (1994: 83), Casa-grande & Senzala é essencialmente “uma história social do mundo escravo nordestino nos séculos XVI e XVII, época em que o açúcar era a base produtiva para a sociedade multirracial brasileira. Freyre descreveu compassiva e graficamente as relações pessoais íntimas entre as famílias dos senhores e seus escravos”.

Na definição do papel do escravo negro na formação brasileira, Gilberto Freyre dialoga com os autores de sua época e com alguns que o precedem, principalmente os racistas e os que superestimam o papel do indígena na formação nacional.

Quatro são os pontos principais desse debate: Primeiramente, levanta os traços psicossociais do negro, apontando para sua adaptabilidade ao trópico, um dos indicativos da não-inferioridade da raça negra em relação à branca. Em segundo lugar, procura demonstrar que na formação nacional existe uma marca profunda, menos racial do que cultural, do estoque africano no Brasil; e como resultado disso, a partir da interpenetração das culturas lusa e africana, origina-se um processo que aproxima os antagonismos decorrentes da oposição senhor/escravo. Em terceiro lugar, atribui uma função social diferente da convencionalmente atribuída ao negro na formação brasileira, a partir da qualificação dele como colonizador, isto é, dando ênfase ao papel civilizador por ele representado. E, como resultado dos pontos levantados anteriormente, indica a sociedade brasileira como caracterizada pela democracia racial.

Projeto UNESCO e a Desconstrução do Paraíso Racial Brasileiro

Vários movimentos sociais e estudiosos da questão racial no Brasil têm denunciado a tese da democracia racial como mito que funda uma consciência falsa da realidade. Ou seja, a partir dela acredita-se que o negro não tem problemas de integração, já que não existem distinções raciais entre nós, e as oportunidades são iguais para brancos e negros.

Nesse contexto a maior contribuição ao estudo das relações raciais no Brasil foi realizada por uma série de estudos financiados pela UNESCO, na década de 50, que procuravam desvendar os “segredos” da democracia racial brasileira, através de uma comparação das relações de raça entre as regiões brasileiras.

A idéia de que o preconceito racial poderia existir no Brasil contradizia a imagem que havia sido apresentada em 1933 por Gilberto Freire e aparentemente confirmada por Donaldo Pierson (1942), que explora as virtudes da “democracia racial” brasileira ao sustentar que o aparente preconceito racial podia ser reduzido a um preconceito de classe. Freire e Pierson estavam analisando o Nordeste brasileiro, em uma época onde a natureza do racismo nacional certamente seria mais tênue quando comparado com o extremo e violento racismo do sul dos Estados Unidos.

Aponta-se para o caráter hipócrita da formulação, uma vez que o mito se baseia na afirmação de que a ordem social é aberta a todos igualmente, forjando-se a crença de que existe um paralelismo entre a estrutura social e a estrutura racial na sociedade brasileira; não obstante, a mesma crítica admite a invisibilidade da discriminação racial no Brasil devido a atribuição à marca ou classe do preconceito e não à cor, pois conforme Guimarães (2002: 47) “falar em discriminação significaria, incorrer num equívoco teórico, já que não existem raças humanas”.

Outro aspecto da crítica diz respeito ao equívoco de se estabelecer uma ponte entre miscigenação e democratização – o primeiro um fato biológico e o outro um fato sociopolítico -, identificando-se como semelhantes 2 processos independentes entre si. Esse continuum[3] falso permite que se deixe de lado a análise do modo como se ordenou a população descendente dos escravos e os mecanismos que impediram a mobilidade social vertical dela, criando-se uma estrutura social que descrimina grandes contingentes populacionais.

Segundo DaMatta (1987) o que parece ter ocorrido no caso brasileiro foi uma junção ideológica básica entre um sistema hierarquizado real, vertical, concreto e historicamente dado, onde cada indivíduo tem um lugar claro na sociedade, conforme a sua marca. A partir da constatação da existência de um gradiente de aceitação social – o indivíduo é mais aceito socialmente na medida em que se aproxima dos padrões brancos, e menos, se próximo dos padrões negros – denuncia-se a falsidade do mito da democracia racial, uma vez que a sociedade é altamente hierarquizada e cada indivíduo tem sua posição, portanto a relação social é uma válvula de escape, ou seja, a mestiçagem no Brasil é de fato, um elemento positivo à medida que mantém a coesão, porém em uma sociedade altamente hierarquizada.

A maioria dos estudos patrocinados pela UNESCO chegaram a conclusões convergentes quanto ao tipo de identidade racial e preconceitos existentes nas diversas regiões. Oracy Nogueira, Thales de Azevedo, Marvin Harris, Charles Wagley e a Escola Paulista (representada por Florestan Fernandes, Roger Bastide e alunos) se aproximavam quanto à nova visão do Brasil; surge então o preconceito de marca para diferenciar do preconceito de origem.

Ironicamente, como esses pesquisadores da UNESCO encontraram preconceito racial e intolerância no Brasil, a agência internacional cancelou o suporte financeiro, alegando que nada poderia ser apreendido do caso brasileiro (Corrêa, 1989 apud Telles, 1993: 2). No entanto as descobertas do time de pesquisadores contribuíram enormemente para um entendimento geral das relações de raça no Brasil, bem como para ampliação dos instrumentais de análise antropológica.

A problemática de uma Antropologia Brasileira da Discriminação de Marca

Com a desconstrução do mito do racial brasileiro houve a criação científica de um novo discurso de preconceito e discriminação no Brasil, sendo de classe. Por isso, o conceito jamais se efetivou em realidades sociais, permanecendo sempre como um “tipo ideal”, ao modo weberiano, uma vez que existe o preconceito da cor e da raça.

Em seguida, surgiu então o discurso de preconceito de “marca” (cor) brasileiro (devido a alta miscigenação entre brancos e negros)[4], em comparação ao preconceito de “raça” (sangue negro) americano (devido a baixa miscigenação entre brancos e negros e formação de um grupo majoritário branco e um grupo minoritário negro).

Talvez por isso, diversos estudiosos ficaram presos em armadilhas antropológicas, tal como no debate entre a bipolaridade e multipolaridade das relações raciais brasileiras ou na distinção da discriminação entre racial, cor ou de classe.

Se por um lado a desconstrução do mito da democracia racial foi importante para mostrar que há um preconceito contra o negro e que ele é silencioso e não latente. Por outro lado, os três diferentes discursos de desconstrução do mito da democracia racial e do papel do negro na sociedade foram superficiais e muito abstratos, uma vez que a discriminação contra os negros é causada pela sua condição de raça, cor ou classe simultaneamente e não de forma pura. A dominação exercida sobre os negros é causada por interesses práticos e configura relações sociais substantivas.

O fato desses modelos puros não conseguirem explicar a identidade do brasileiro reflete como é variável e numerosa a classificação do negro e do mulato. O que se pode dizer sobre o retrato do negro contemporâneo é que:

a) Não existe uma imagem de autoidentificação, uma vez que a classificação não acontece somente, como no caso americano por origem, “raça” ou sangue negro, mas por critérios múltiplos, que inclui a classificação anterior, a classe, a renda, a cor, o gênero, a idade, etc. A imagem do negro é heterogênea e difusa, portanto.

b) O retrato do negro no Brasil é heterogêneo e difuso, pois há racismo e outros preconceitos (classe, renda, cor, gênero, idade), porém não é étnico como acontece na África (onde a identidade não é racial, pois há uma homogeneidade negra, mas étnica, através da diferentes origens e tradições).

A Antropologia Brasileira na Era da Globalização: O Paradigma do Desmoronamento Nacional

A globalização não se refere somente a relações entre nações, mas a forças supranacionais que, sem ter compromissos maiores com suas bases territoriais de origem, condicionam por toda parte o funcionamento das sociedades nacionais.

A globalização pode ser descrita como um fenômeno a) cujo antônimo seria a nacionalização (global é o oposto de nacional); b) cuja natureza seria o predomínio dos mecanismos de mercado sobre os fatores constitutivos da vida sociocultural, e finalmente; c) cuja pré-condição necessária - embora não suficiente - seria a liberdade de todos os atores sociais, destacando-se, em primeiro lugar, a liberdade de movimento das unidades de capital.

“Proliferam por toda parte as comunidades étnico-regionais e os movimentos separatistas que fragmentam tanto pequenos estados unitários quanto grandes federações, como quem diz: façamos a segregação – a nosso favor – antes que alguém faça – contra nós. Surgem novas seitas religiosas e renovam-se ou exacerbam-se as mais antigas visando justamente reanimar o fervor comunitário. Grupos de adolescentes organizam-se em tribos, cada qual com seus usos e costumes particularizantes e diferenciadores. No mundo do crime multiplicam-se as máfias. Enquanto o espaço da política institucional se encolhe, o da não-institucional se amplia, dando lugar à proliferação de ONGs que tendem a mimetizar o fenômeno comunitário ao se representarem como seres da “cidadania auto-organizada”. Antigas mobilizações sociais, como é o caso dos negros norte-americanos, ressurgem ampliadas e revigoradas, sob o acicate dos Black Muslims. Os próprios índios por excelência, como que também se dinamizaram: os zapatistas em Chiapas, os mesquitos na Nicarágua, os aimarás na Bolívia” (Martins, 1996: 16-17).

As novas redes de tecnologia das comunicações e de informações têm estimulado novas formas de identidade cultural, ao mesmo tempo que reavivam e intensificam velhas no fenômeno da globalização. Isso acarreta em complexo conjunto de processos carregados de implicações para o reordenamento das identidades.

Existem relações de poder desiguais no núcleo próprio dos fluxos culturais que afetam profundamente aos distintos atores. Por outro lado, muitos destes fluxos têm sido, em essência, o resultado da exportação de uma cultura particular.

Embora surja uma crescente disjuntiva entre as pressões das identidades nacionais e as diversas orientações dos sistemas culturais contemporâneos, de modo algum está claro qual será o resultado exato deste heterogêneo conjunto de forças, mas o que está claro, segundo Foucault (1983) é que independente de macroestruturas e instituições de poder, as relações de produção do poder persistem dispersas horizontalmente e hierarquizadas verticalmente na sociedade. Enquanto relacional o poder está dentro de um campo microfísico que cria e recria o poder através das ações e discursos.

Nesse complexo locus de relações, as formas de erosão do princípio da igualdade resultantes da dinâmica da globalização percorrem distintos caminhos na atual reconstrução social do conceito de raças no Brasil e nos EUA.

“O cuidado pelos aspectos internacionais e pelo processo de globalização de identidade negra (e do racismo) não deve significar a diminuição da curiosidade pelo s segredos no jogo das relações raciais no Brasil. As relações raciais têm experimentado mudanças e desprovincialização, mas não de forma unívoca na direção de uma maior polarização como nos EUA. Cor, pobreza e discriminação racial não combinam da mesma forma em todos os países” (Sansone, 1999: 216).

Ademais, enquanto nos Estados Unidos a affirmative action, que foi de fundamental importância para a consolidação dos direitos civis dos negros americanos na década de 60, é retaliada pelas políticas sociais de economia liberal, no Brasil a affirmative action tem sido proposta pelos setores que mais apóiam o neoliberalismo, o que revela que essa postura não reflete a luta dos negros pelo acesso à cidadania, mas antes, seria um componente estrangeiro ligado ao neoliberalismo. (Gilliam, 2000).

Dentro de um enquadramento foucaultiano, o entendimento e o enfrentamento do problema “racial” contemporâneo trata-se de uma questão que permeia a condição humana através da construção, reconstrução e destruição dos discursos e ações de forma intersubjetiva até se cristalizar em instituições objetivas do poder, pois sua visibilidade tanto pode ser correlacionada às formas através das quais se manifesta quanto à capacidade da sociedade em efetivamente percebê-la através do tempo, conforme foi-se observado através de diferentes autores em diferentes épocas.

À Guisa de Últimas Considerações

O estudo precedente revelou que existem dois campos públicos de construção das relações de poder – o campo da subjetividade e da objetividade - que foram culturalmente construídos e cristalizados historicamente através dos discursos e ações ao redor das proposições de raça na formação nacional brasileira.

No campo intersubjetivo mostrou-se a partir de Hannah Arendt que na condição humana a palavra e a ação requerem um espaço público para o aparecimento da liberdade, enquanto concepção que surge do diálogo intersubjetivo no plural. Comprovou-se que a ausência de uma esfera pública de deliberação brasileira tem persistentemente na história agravado os problemas da “raça”, uma vez que foram construídos pela cristalização histórica das relações assimétricas, e que per se é um espaço restrito pelo âmbito privado da palavra e da ação, já que não respeita a alteridade e é lócus exclusivo de poder particular.

No campo objetivo diversos autores como Balandier (1963), Mandani (1998) e Cohen (1978) demonstraram que, enquanto estágios finais das relações de poder, o Estado e as instituições foram e continuam sendo importantes elementos objetivos da construção e desconstrução racial na cultura através da história, apesar de acontecer um crescente processo enfraquecimento do imaginário nacional.

“Por sua vez, as ansiedades sobre o fim iminente da variedade cultural humana se mostram sem objeto: a globalização e outras peripécias capitalistas, longe de impor uma hegemonia monótona sobre o planeta, têm gerado uma diversidade de formas e conteúdos culturais historicamente sem precedentes” (Sahlins, 1997: 73).

Nesse cenário de globalização e desfalecimento do Estado-Nação, a construção imaginária e cultural persiste, embora criando e reafirmando outras identidades do poder além do racial, que não se restringem à objetividade do Estado, mas são potencializadas pela subjetividade da construção individual de novos preconceitos e intersubjetividade da construção de ações e discursos na esfera pública transescalar.

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[1] Ao discutir sobre a formação nacional brasileira, Gilberto Freire apresenta uma tese adequada à conceituação de Anderson (1989), segundo o qual o nacional, nation-ness, bem como o  nacionalismo são “artefatos culturais de um tipo peculiar [...]. O nacionalismo não é o despertar das nações para a autoconsciência: ele inventa nações onde elas não existem” (Gellner apud Anderson, 1989: 14) e é esse o processo de invenção da formação nacional brasileira em Freyre, através da unidade cultural da teoria luso-brasileira, onde há um amalgamento de raças e culturas que trazem toda a plasticidade da sociedade brasileira.

[2] As análises da afirmação de Freyre sobre a formação brasileira ter sido um processo de equilíbrio de antagonismos querem demonstrar que os velhos setores da sociedade detêm uma sabedoria que lhes permitiu organizar a sociedade de modo a evitar rupturas que afetassem o equilíbrio social. Portanto, naquela ocasião - década de 30 - os grupos tradicionais, momentaneamente alijados da direção política, deveriam estar presentes na nova configuração do poder. Nessa direção é possível a compreensão da importância, na década de 30, da discussão das teses sobre o patriarcalismo. Gilberto Freyre, ao relembrar a sobrevivência das velhas formas de organização social, põe no centro do debate o papel daqueles setores que teriam perdido sua importância econômica e política, mas que preservam fundamental função social: a manutenção da ordem secularmente garantida pelas relações fundadas, desenvolvidas e consolidadas pelas oligarquias. Estas soluções se exprimem na formulação das relações entre o privado e o público: o privado estende-se em um centro de gravitação até atingir o público: não existe solução de continuidade entre o privado e o público, não havendo diferenças de natureza entre um e outro.

[3] Conforme Corrêa (1996: 47), “ao contrário da fluidez e circulação supostamente permitidas nesse continuum aos ‘elementos de cor’, à mulata é reservado um lugar definido, ou definitivo, do ‘encontro das raças’: uma espécie de pororoca cultural. Ou, como observa DaMatta, nosso sistema de classificação, ainda que funcione por gradações, postula um lugar para cada coisa, cada coisa em seu lugar”, assim, a mulata tem no imaginário social um estatuto próprio, símbolo de uma sociedade que se quer mestiça quando jovem (mito da sensualidade mestiça-brasileira) e rejeitada quando velha (mito da vó-negra). Para maiores detalhes sobre a questão de raça e gênero e sobre a idealização da mulata brasileira ver, Gilliam & Gilliam (1995) e Pscitelli (1996).

[4] Conforme Corrêa (1996: 47), “ao contrário da fluidez e circulação supostamente permitidas nesse continuum aos ‘elementos de cor’, à mulata é reservado um lugar definido, ou definitivo, do ‘encontro das raças’: uma espécie de pororoca cultural. Ou, como observa DaMatta, nosso sistema de classificação, ainda que funcione por gradações, postula um lugar para cada coisa, cada coisa em seu lugar”, assim, a mulata tem no imaginário social um estatuto próprio, símbolo de uma sociedade que se quer mestiça quando jovem (mito da sensualidade mestiça-brasileira) e rejeitada quando velha (mito da vó-negra). Portanto além da questão da cor, o gênero tem importância. A mulher mulata é melhor vista e aceita na sociedade que o homem negro ou o mulato. A idade também, pois a mulata mais jovem é melhor aceita que a mulata velha.

 

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 30 novembro, 2005.