A
cidade cria “heróis”e destrói os “fracos”
Resumo:
O
presente trabalho é o resultado de um ensaio de mestrado em
Letras apresentado no final do ano de 2004 como exigência parcial
da Pós-Graduação da UNESP de Assis para obtenção de título
de mestre. O texto faz uma breve comparação entre os personagens
Rubião de Quincas Borba (Machado de Assis) e João Romão de O
cortiço (Aluísio de Azevedo) levando em conta o contato de
ambos com o meio social carioca. Visando a um estilo ensaísta, o
texto aqui apresentado aborda alegoricamente as atitudes humanas
sob as asas dos cientificismos presentes no ambiente fluminense no
final do
século XIX. A linha básica do texto defende a idéia de
que a metrópole carioca coroou os malandros exploradores e
eliminou os explorados ingênuos. As degradações do meio e dos
sujeitos aliadas às negações dos antigos valores éticos e
morais serviram de argumentos para que nossos escritores criassem
teses sociológicas e enredos miméticos a fim de promover a obra
literária como um reflexo do ambiente social brasileiro. O
objetivo aqui presente é levantar pressupostos e reflexões
acerca dos dois romances produzidos no Realismo/Naturalismo
brasileiro e apontar a influência que o ambiente urbano exerce
sobre seus habitantes.
Palavras-chave.
Romance, Literatura, Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Meio
urbano.
Abstract:
The present work is the result of a post graduation essay
presented in the end of 2004 as a partial request of UNESP in
Assis in order to get the master title. The text brings a brief
comparison between the characters Rubião in Quincas Borba, of
Machado de Assis and João Romão, in O Cortiço, of Aluísio de
Azevedo. Taking into account the contact of both characters with
carioca social environment. Having as object a essay style, the
text represented approaches of human attitudes under scientific
wings presented in Fluminense environment in the end of nineteenth
century. The basic line of the text defends the idea that Rio de
Janeiro’s metropolis erowned the explorer “malandros” and
vanished the fool ones. The environment and subject environment
joined with the denial of old ethic and moral values with were
used as arguments so that our writers created sociological theses
and plot in order to promote the literature as a reflex of the
Brazilian social environment.
Key–Words:
Novels. Literature.
Machado de Assis. Aluísio
de Azevedo. Social
environment.
|
I
Uma
análise, mesmo que de menor fôlego, deixará transparecer aquilo que os
estudiosos afirmam: o
Realismo/Naturalismo demonstrou em suas páginas uma pintura deturpada do
modelo vivo social do final do século XIX. Ora retratando homens e
animais como idênticos, ora tentando comprovar teses científicas, os
escritores dessa Escola Literária realmente expressaram o poder das ciências,
das metrópoles e da sociedade sobre as castas humanas; castas que
abusaram da exploração do homem pelo próprio homem. Os avanços científicos
e financeiros trouxeram à tona um individualismo que visava a um triunfo
social... a competição entre os homens começou a ser uma regra, seja
por aspirações à riqueza ou, simplesmente, pelo instinto e pela fome. O
Positivismo de Augusto Comte, o Evolucionismo de Charles Darwin e,
principalmente, o Determinismo de Hypolyte Taine galvanizaram as
intelectualidades do final do século XIX. Começa a existir uma
quantidade notória de textos em prosa que vai expor o psicológico das
personagens diante de situações
deploráveis em cidades que estão parte em ascensão financeira, parte em
decadência moral. Deveras, um retrato fiel de uma sociedade maquiavélica,
que usou a “virtude” de forma desonesta, o ser humano é visto como um
animal voraz que “devora” seus semelhantes, e a cidade, como um
“habitat” que seleciona os mais fortes.
Esse
trabalho procura satisfazer o enlace da relação entre personagens e
ambientes, levantar questões acerca do envolvimento da sociedade com dois
personagens construídos pelos mais belos representantes dessa fase da
literatura brasileira: Machado
de Assis e Aluísio de Azevedo.
Esse
tipo de romance experimental vai surgir com o francês Émile Zola que,
dentre outras coisas, vai apontar conclusões sociais por meio de exposições
espelhadas nas camadas sociais inferiores, vai também enfatizar as reflexões
embasadas em teorias biológicas e filosóficas.
Embora
o Realismo se distancie um pouco disso que acima foi exposto, é também
característica dessa Arte Literária a observação dos indivíduos para
uma possível conclusão científica e/ou moral sobre a sociedade urbana.
O
Realismo “clássico” originou-se também na França, com Gustave
Flaubert; é um tipo textual
mais documental, ligado à moral dos indivíduos de classes sociais mais
privilegiadas, contudo, o espaço das narrativas sempre será o mesmo: a
cidade, com exceção, principalmente, do Verismo Italiano – que foi um
movimento literário contemporâneo influenciado
pelo Realismo/Naturalismo Francês, mas que teve o espaço rural como
ambiente e uma Itália devastada como tema. Aqui, poucas vezes o ambiente
rural será usado como ponto de partida para as indagações miméticas, a
nossa manifestação artística tem o Rio de Janeiro como espaço e uma
atmosfera que apresenta a gravitação entre a
“plebe” e o
“clero”, entre a ascensão burguesa e o fim da escravidão.
Mas,
será que essa arte realmente ajudou a melhorar a vida das grandes
cidades? Será que essa intervenção literária no urbano por meio de
considerações cientificistas foi proveitosa? Sob uma ótica literária
foi totalmente proveitosa, no entanto, não chegaremos a conclusões
indiscutíveis, porque as respostas são demasiadamente complexas. Devido
a isso, vamos apenas tentar expor duas possibilidades de reflexão: 1) o
indivíduo vence a torpeza da cidade e torna-se
financeiramente estável e
sociável. 2) A cidade
engole seus filhos – para usar uma expressão bem ao gosto de Émile Zola.
O presente trabalho vai tentar
abordar uma possível
relação entre duas personagens da literatura brasileira com o ambiente
que as cercam, não há de se perder de vista as características teóricas
dessa Escola Literária, mas também não há de se prender totalmente a
questões de ordem histórica e de
entrechos das narrativas citadas.
Nos
espelharemos também em algumas teorias e análises recentes sobre os
romances, acreditamos que, embora não seja um trabalho de grande fôlego,
como já frisado, poderemos
apontar como o meio influenciou diretamente na ascensão do “herói
desonesto” João Romão, de O
Cortiço, e na destruição do “fraco, apaixonado e puro” Pedro
Rubião de Alvarenga, de Quincas Borba.
Aluísio
de Azevedo e Machado de Assis, os respectivos autores das obras
supracitadas, são os mais importantes escritores do Realismo/Naturalismo
brasileiro, ambos sofreram influências externas para elaborarem seus
enredos.
Entretanto,
o ambiente é tipicamente nacional e a maioria das personagens que cercam
os protagonistas também é brasileira. Essa é uma das vertentes que vai
servir de base: o ambiente social carioca do final do século XIX.
II
De
uma forma didática, apresentaremos as linhas biográficas relevantes de
ambos e, para simples contextualização,
os enredos resumidos dos dois romances; panorama histórico que
ilustra a relação obra – escritor – tema.
Machado
de Assis nasceu em 1839 no Rio de Janeiro, aos quinze anos começa a
publicar versos e a trabalhar como tipógrafo, posteriormente torna-se
jornalista. A primeira etapa da vida de Machado de Assis como escritor
inicia-se em 1870, com a publicação de Contos
Fluminenses. Em 1878 finaliza sua fase Romântica com Iaiá
Garcia. Foi a partir de Memórias
Póstumas de Brás Cubas (1881) que Machado desenvolve o seu realismo
psicológico e torna-se um grande nome na literatura brasileira. Seu último
escrito é Relíquias da Casa Velha, de 1906, morreu em 29 de setembro de 1908.
Quincas Borba (1891) é um
romance realista que tem como figura central
Rubião, ex-professor primário da cidade de Barbacena (interior de
Minas Gerais). O protagonista recebe uma herança de Quincas Borba, um
amigo filósofo que criou a teoria filosófica do “Humanitas”.
Além
da herança e da teoria – da qual Rubião será o exemplo fiel
– há também um cão,
cujo nome é idêntico ao do seu antigo dono (ótimo exemplo, tanto no
texto quanto na realidade, de
que o cão é o melhor amigo do homem). Após recebida a herança, o
protagonista parte para a cidade do Rio de Janeiro a fim de resolver a
administração de seu dinheiro, conhece Cristiano Palha e sua esposa
Sofia, tornam-se amigos. Cristiano vê em Rubião uma oportunidade
financeira e usa sua mulher para seduzi-lo e corrompê-lo. Apaixonado, o
protagonista começa a ser manipulado e acaba enlouquecido; sintetizando a
teoria: a qual a possível divisão enfraquece as partes, ao passo que, após
a disputa, a conquista coroa o mais apto; o mais forte.
Não
nos prenderemos somente à composição narrativa nem tão menos na
estrutura metafórica do enredo, entretanto, usaremos, de uma forma
sintetizada tais características, como por exemplo; a verossimilhança,
as teorias vigentes do final do século XIX, a feição social de morais e
costumes das personagens e, principalmente, a “epopéia” de Rubião
presente na obra.
Aluísio
de Azevedo nasceu em São Luís do Maranhão em 1857, transfere-se para o
Rio de Janeiro aos 19 anos e torna-se caricaturista, em 1881 publica o
primeiro romance Naturalista brasileiro, O
Mulato.
Posteriormente
torna-se diplomata e abandona a literatura. Morre em Buenos Aires em 1913.
Também escreveu romances de folhetins, contos e
peças teatrais. O Cortiço
(1890) é um romance Naturalista que tem como uma das figuras centrais João
Romão, português ambicioso que compra um pequeno estabelecimento no subúrbio
da cidade do Rio de Janeiro.
Ao
lado morava uma negra, escrava fugitiva que possuía uma quitanda.
Bertoleza e João Romão começam a morar juntos e a aumentar o espaço em
que vivem, constroem pequenas casas e começam a alugá-las. O cortiço
começa a se formar e a dar lucros ao seu proprietário, ao lado muda-se
outro Português, Miranda, já estável financeiramente. Inicia-se uma
disputa entre os vizinhos – João Romão aspira à riqueza, Miranda, já
rico, aspira à nobreza – há também o interesse do dono do cortiço
pela filha do patrício. Peripécias que fazem o enredo ficar cada vez
mais enigmático. Ao passo que o
cortiço vai englobando os variados tipos de pessoas, ocorre também
diversos tipos de disputas e alguns homicídios. Após um incêndio
proposital, o cortiço de João Romão torna-se um “Hotel” e o seu
proprietário casa-se com uma mulher “elegante” e de fina educação;
a vizinha.
Bertoleza
tem um desfecho fatal, assim como outras personagens, João Romão
torna-se uma pessoa importante social e financeiramente. Esse nosso herói
usa de artifícios malignos para ascender socialmente, tais peripécias são
conseguidas por meio da ajuda da sociedade que o cerca, sociedade urbana
que, de certo modo, vê como legítima a ascensão de seus “ilustres
filhos”, independentemente das circunstâncias.
A
proposta aqui será a de
questionar e refletir sobre a conquista de João Romão e a derrota de
Rubião, estamos apontando situações que fazem a honestidade e a moral
serem vistas como motivos de decadência financeira, ao passo que a
“malandragem” é o caminho mais curto para a ascensão social em um
Rio de Janeiro aparentemente patriarcal e conservador. Sendo assim, seria
justo afirmar que a metrópole carioca do final do século XIX coroou os
“malandros” e eliminou os “ingênuos”? Não abandonaremos “a
Dialética da malandragem”, mas acreditamos que o metropolitano é, na
literatura, o verdadeiro
manipulador dos desvalidos.
III
Podemos
afirmar que ambos os romances tratam das possibilidades de ascensão
financeira de personagens diversas em uma grande metrópole. Nos dois
textos há, por parte dos narradores, características similares.
O
narrador de Quincas Borba aponta
a ingenuidade de Rubião e o d’O
Cortiço deixa clara a “malandragem” de João Romão: o primeiro
protagonista acreditou nas pessoas e se impressionou com uma sociedade
carioca aparentemente amigável.
O
segundo explorou as pessoas e deturpou a sociedade em que vivia, ambos são
exímios exemplos das teorias cientificistas da época.
Quincas
Borba é um romance de
consciência histórica, o enredo começa a se desenvolver em 1871 e
apresenta um tempo hábil para haver a possibilidade de passagem de uma
classe social para outra.
O
Cortiço é um romance
que tem seu enredo datado na época monárquica final de D. Pedro II. Suas
personagens estão reunidas sob as asas de João Romão: há todos os
tipos brasileiros – bons e maus –
e quase todos são explorados. O desfecho da trama de Azevedo propõe
a desonestidade como liberdade e a submissão como castigo, a ascensão
ocorre quando as personagens ou exploram ou especulam o meio em que vivem.
Confrontando
os protagonistas dos dois romances, podemos afirmar que o estrangeiro toma
de empréstimo a idéia de colonização e se sobressai sobre os grupos de
brasileiros inferiorizados (João Romão), enquanto o ingênuo interiorano
que veio procurar o “tesouro” será sempre explorado quando está
diante de ambiciosos “malandros”
cariocas (Rubião). O leitor
atento também perceberá que não há sentimento de injustiça por parte
do narrador d’ O Cortiço. Já em Quincas
Borba, o narrador dá certos indícios e antecipações que vão de
encontro ao final quixotesco do protagonista.
Não
nos prenderemos somente nas belíssimas páginas de John Gledson, que
ensaiou uma perfeita representação de Rubião, mas é pertinente
percebemos que o “interiorano” representa a transição entre dois
momentos; transição que se deu tanto no local como no universal. João
Romão também é representativo, como apontou Antônio Cândido, pois
Portugal estava preste a perder sua colônia. A verdadeira natureza da
sociedade aqui tratada é representada, sobretudo, pela exploração:
Cristiano e Sofia Palha usufruem de Rubião; João Romão usufrui não só
de seus inquilinos, mas também de todos aqueles que o cercam, inclusive o
Português.
Num
sentido lato, perceberemos que os brasileiros pobres retratados no romance
de Azevedo estão acostumados com a exploração, os brasileiros de classe
média do romance machadiano visavam ao enriquecimento, e nada mais propício
para tais acontecimentos que uma grande metrópole em ascensão
financeira.
A
cidade vai fornecer as possibilidades; em Quincas
Borba, a “ajuda” oferecida ao interiorano recém chegado serve
como pressuposto para a composição da trama, no Cortiço de João Romão,
a “ajuda” da negra Bertoleza só tem fins egoístas, pois como é
sabido, ela, além de ser enganada, continuou escrava.
A
relação da comparação demonstra como a sociedade trata os fracos e
oprimidos, e como os escritores brasileiros usaram a cidade em seus
enredos. A ironia não só dos narradores, mas também da própria
sociedade, serve como sondagem da ambição e da vaidade humana. Ambos os
protagonistas têm vontades egoístas, no entanto, João Romão usa de sua
ganância para ascender, enquanto Rubião, diante de uma falta de
lealdade e esperança amorosa, se evade para a loucura. Não há
espaço para grandes sonhos amorosos dentro de uma sociedade capitalista.
Num ambiente totalmente individualista, todos se dispõem a engolir o próximo.
Em Machado, Rubião é engolido, enquanto em Azevedo, João Romão é
aquele que engole, ou seja, aquele que se sobressai, que vence os obstáculos
e com a ajuda do meio prevalece soberano.
O
Cortiço traz dentro
de si uma completa caricatura do ambiente carioca. Há diversos tipos
sociais que direta ou indiretamente ajudarão João Romão a conquistar
seus objetivos. Quincas Borba
tem também alguns tipos sociais que demonstrarão, ora por meio de
discurso direto ora por meio do narrador, qual é a verdadeira intenção
da amizade do casal Palha com o protagonista. Essa sociedade vai
permanecer condizente com seus exploradores. Não haverá manifestações
contrárias às atitudes de João Romão nem tampouco às enganações do
casal Palha.
O
ambiente carioca é, nos romances, fator sine
qua non para a ascensão social dos “malandros”. A sociedade,
vista como personagem, faz
seus “heróis” e “destrói” os puros e ingênuos.
As
degradações são também ocasionadas pelos fatores torpes existentes nas
cidades: mentiras, sexo, desejos ilícitos, bebidas e violência fazem a
promiscuidade ser ora condição para a destruição ora condição para a
loucura. Quem as pratica será punido; quem as comanda será beneficiado
em um sistema marginalizado, mas nem por isso inexistente em um Rio de
Janeiro pecaminoso e capitalista, conservador e monárquico. Outro fator
presente nas duas obras é a coexistência entre o explorador e o
explorado. Mesmo que em Quincas
Borba a exploração se dê mais sutilmente, o casal Palha e o
protagonista usufruem, na maior parte do romance, do mesmo ambiente físico,
similar ao cortiço de João Romão, ou seja, a sociedade.., a cidade, só
vê distinção quando há ascensão. Caso contrário, estão todos
confinados num mesmo ambiente, cujo nível é totalmente inferiorizado.
A
acumulação de riqueza é a verdadeira forma de emancipação no ambiente
social carioca, não há questionamentos sobre a forma que se dá tal
enriquecimento, pois a sociedade, como já foi dito, é o meio que
determina as possíveis mudanças de classes sociais.
Numa
conclusão ampla, podemos afirmar que a exploração praticada por João
Romão em O Cortiço e a sofrida
por Rubião em Quincas Borba são,
deveras, situações aceitáveis em uma sociedade capitalista que se
deparava com um início de revolução política.
Mas,
novamente, frisamos a total independência acerca
das questões políticas, religiosas e, sobretudo, morais. Das
quais não nos prendemos totalmente, nem para tentar apontar uma única
vertente literária que prezará as feições conservadoras de uma metrópole
que serviu como exemplo decadente, nem de um país que estava em ascensão
e ao mesmo tempo em emancipação.
Nessa
nova etapa, o fraco falhará diante das mudanças e o “malandro” vai
se adequar às novas possibilidades políticas, o representante do velho
sistema – interiorano “puro” de Barbacena – não consegue
permanecer em uma sociedade que suga os valores morais, o contato com uma
grande cidade faz o protagonista perder sua unidade de sentido, embora a
retome no final da trama.
Já
o Português, acostumado com uma sociedade capitalista e iniciado na
“arte da exploração” – ‘já que tudo vale a pena se alma não é
pequena’, conquista seus objetivos financeiros e sociais. Em uma visão
mais cômica, podemos traçar quais foram os objetivos dos protagonistas
em cada uma das narrativas: João Romão quer ascender socialmente e
casar-se com a vizinha Zulmira – filha do Português Miranda. Por meio
de intrigas, explorações e mentiras, vence o meio e torna-se “quase um
nobre carioca”. Rubião queria administrar a herança, cuidar do cão
Quincas, ter Sofia Palha como esposa e, num delírio de grandeza, ser
“imperador”. Após ser enganado e explorado, perde todo o dinheiro, não
se casa com Sofia, esquece a sua responsabilidade sobre “o melhor amigo
do homem” e, num momento de sandice e desejo, coroa-se imperador.
Ou
seja, o tipo “malandro explorador” é que acaba por ser coroado pela
sociedade, já o puro e honesto homem cai diante de uma cidade que
seleciona os indivíduos mais fortes. A sociedade realmente destrói os
fracos e os pobres, talvez por isso que ela se tornou condizente com as
atitudes torpes das personagens criadas pelos dois ficcionistas
brasileiros.
Não
nos causa surpresa, hoje, o fato de que os planos de conteúdo dos dois
romances estavam ligados diretamente à sociedade que os cercavam. Ambos
os personagens aqui tratados têm como influência o meio em que estão
vivendo e a sociedade que em um coage e em outro é coagida. Talvez, a
manipulação das classes inferiores seja mais viável, mais fácil;
explicando assim a “vitória” de João Romão.
Contudo,
Rubião parece alcançar o reconhecimento aristotélico antes de seu
desfecho fatal, um pouco tarde em se tratando de plano de expressão.
Acreditamos que em ambos os casos os autores tinham a plena noção do que
aqui foi tratado, mesmo que tais pressupostos contidos nesse trabalho
tenham se apresentado de forma rápida, superficial e concisa.
A
cidade e seus habitantes formam uma sociedade egoísta que visa somente a
ascensão financeira, temos, num pano de fundo, mesmo que sutilmente, um
sistema capitalista que ou emperra ou funciona perfeitamente, o que
determina a evolução ou a estagnação desse sistema é a forma como os
indivíduos o controlam. Especificamente aqui, vimos que a evolução se
deu por meio de atitudes torpes, a coroação ou a deposição dos
“ilustres filhos” caracteriza como os exímios escritores brasileiros
do final do século XIX viam o Rio de Janeiro : um lugar deplorável e sórdido,
onde os desonestos exploradores ascendiam social e financeiramente,
enquanto o homem cordial e honesto era enterrado com o sistema monárquico
e com o fim do século XIX.
Tais
considerações são pressupostos de uma análise espacial de dois
romances significativos da Escola Literária Realista/Naturalista. Não
apontamos verdades indiscutíveis nem possibilidades questionáveis. A
priori, pretendíamos relacionar dois protagonistas com a sociedade
carioca que os cercavam para, a posteriori, constatar a influência que o
ambiente exerce sobre seus habitantes.
Independentemente
de se apoiar demasiadamente em questões morais, demonstramos como o
pensamento coletivo existente dentro das obras poderia ser relacionado com
o modelo vigente exterior, lançamos questões de ordens práticas sociais
e teóricas, não para serem respondidas, e sim
refletidas.
Se
Aristóteles afirmou que “o personagem trágico é o homem bom que
cai” e algum tempo depois Shakespeare concluiu afirmando que há uma
“vontade invisível que empurra a humanidade para o chão”, tentamos
ilustrar tais pensamentos. Rubião era um bom homem, puro e cordial, que
em contato com os malefícios da sociedade carioca tomba, definha-se. João
Romão se apóia na ‘vontade invisível que empurra a humanidade’ para
baixo e constrói seu “império” por meio de mentiras e exploração.
Vira um “herói” para a sociedade que o cercava,
não aquele clássico, que já vem fadado pelos oráculos, mas um
herói moderno que, por meio de atitudes torpes e deploráveis, torna-se
um representante do modelo capitalista social carioca.
Aquilo
que se parecia justo e certo na literatura – que é o meio mais
representativo das atitudes sociais de determinada época – aparece como
avesso. Não temos mais questões morais nem éticas, parece-nos que a
evolução da humanidade dentro das obras aqui tratadas vai se dar por
meio da exploração. O capital é o único objetivo do homem; não há
questionamento sobre os meios, somente o fim é analisado.
Se
pensarmos que a arte realmente imita a sociedade – para usarmos um
antigo clichê, mas nem por isso ultrapassado – definitivamente temos em
Machado de Assis e Aluísio de Azevedo uma pintura canônica social, que
vai ser lida, estudada e analisada por mais cem anos.