Por JULIANNA NASCIMENTO TOREZANI

Mestranda em Cultura e Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus, Bahia. Projeto de pesquisa: “O Patrimônio Cultural de Ilhéus em Sites Informativos de Turismo”. Orientação da Profª Drª Sandra Maria Pereira do Sacramento. Bolsista da FAPESB - Bahia. Bacharel em Comunicação Social pela UESC

 

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Um olhar na cidade de Ilhéus: 

cultura, patrimônio e turismo

Julianna Nascimento Torezani

 

Resumo

Elucida discutir conceitos de cultura, patrimônio e turismo, analisando a cidade de Ilhéus. Busca o estudo do patrimônio arquitetônico a partir dos valores históricos e culturais e sua interação com o turismo local, através de entrevistas, pesquisa bibliográfica e levantamento fotográfico. No primeiro momento, trata da cultura e dos conceitos de patrimônio histórico-cultural, memória coletiva, identidade e ações legais de preservação do patrimônio. No segundo momento, insere uma leitura histórica da cidade, desde o século XVI e analisa o turista-leitor, na ligação da literatura de Jorge Amado com o turismo. O turismo é abordado no terceiro momento, através dos conceitos de turismo cultural, por fim, relata a ligação do turismo com o patrimônio histórico-cultural e apresenta bens arquitetônicos que são os atrativos culturais da cidade. Através de conceitos e da análise da prática turística foi discutido o desenvolvimento desta atividade em Ilhéus e a preservação dos seus bens culturais imóveis.

Palavras-chave: Cultura - Ilhéus - Literatura - Patrimônio – Turismo.

Abstract

Elucidates to discuss concepts of culture, patrimony and tourism, analyzing the city of Ilhéus. Searches the study of the architectural patrimnony from historical and cultural values and its with the tourism place by of interview, bibliographer research and photographic survey. In the first moment, treat of the culture and in the concepts of historical-cultural patrimnony, collective memory, identity and legal cases of conservation of patrimony. In the second moment, inserts a historical reading of the city, since the XVI century and analyzes the tourist-reader, in the relationship of the literature of Jorge Amado with the tourism. The tourism approaches in the third moment, the concepts of cultural tourism, though relates the relationship in the tourism with the historical-cultural patrimony and presents architectural real estate that is the cultural attractive of city. About the concepts and the analyze of turistic experience was discuss the development in this activity in Ilhéus and a conservation of its cultural real estate.

Keywords: Culture - Ilhéus - Literature - Patrimony - Tourism.

 

Introdução

O trabalho tem por objetivo analisar a relação existente entre o patrimônio histórico-cultural de Ilhéus, através de seus bens culturais imóveis com o turismo. Para o estudo do patrimônio arquitetônico de Ilhéus, a partir da importância histórica e dos valores culturais que nele estão inseridos.

De acordo com o levantamento bibliográfico e os depoimentos de historiadores e pessoas da Fundação Cultural de Ilhéus, foi possível obter dados e referencial teórico para discussão do tema proposto. Para efeito metodológico, este artigo foi dividido em quatro partes, além das referências bibliográficas, teórico-críticas e eletrônicas.

A primeira parte trata dos conceitos de cultura e patrimônio histórico-cultural. Também analisa as ações de preservação do patrimônio a partir do IPHAN e da Constituição Federal e a ligação do legado cultural e a memória coletiva. Na segunda parte, é apresentado o patrimônio arquitetônico de Ilhéus, a partir dos dados históricos da cidade, bem como as ações de preservação dos bens culturais imóveis e a relação leitor-turista com as obras de Jorge Amado. A terceira parte aborda o turismo, colocando em foco o turismo cultural e discute a ligação da atividade turística com o patrimônio arquitetônico em Ilhéus.

Através deste artigo, é possível fazer uma discussão sobre os conceitos de cultura e turismo em relação ao patrimônio arquitetônico de Ilhéus, sua preservação e como está sendo utilizado este patrimônio para o desenvolvimento do turismo local.

1. Cultura: expressão da identidade do povo

Através da comunicação, o homem divide com seus semelhantes sua visão de mundo, suas experiências, suas descobertas. Este conjunto de criações, que passa de geração em geração, chama-se cultura.

No mundo globalizado, é a cultura que nos dá o direito à diferença, assim, é o universo da escolha, da opção, da produção, circulação dos sentidos e dos valores, que decorrem da ação social através de mecanismos de identificação. A cultura é o que nos torna singulares, o patrimônio, enquanto expressão cultural, é que vai edificar os costumes, a política, os interesses econômicos e as características do lugar, como explica Leff:

A cultura, entendida como as formas de organização simbólica do gênero humano remete a um conjunto de valores, formações ideológicas e sistemas de significação, que orientam o desenvolvimento técnico e as práticas produtivas, e que definem os diversos estilos de vida das populações humanas no processo de assimilação e transformação da natureza (Leff, 2000, p. 123).

Através da cultura, elemento de identidade de um povo e de um local, insere-se a ideologia e os significados desta, orientando, como afirma Leff, o desenvolvimento local, de acordo com os processos enunciativos, respeitando a alteridade, a partir das diferenças existentes na sociedade.

Existem diversas manifestações populares que fazem parte da nossa cultura, desde festas, gastronomia, arte, enfim, numa pluralidade enunciativa que torna cada local único e deve ser valorizado como tal. Antônio Arantes define cultura quando afirma que:

Em se tratando de vida social, a cultura (significação) está em toda parte. Todas as nossas ações seja na esfera do trabalho, das relações conjugais, da produção econômica ou artística, do sexo, da religião, das formas de dominação e de solidariedade, tudo nas sociedades humanas é constituído segundo os códigos e as convenções simbólicas a que denominamos “cultura” (Arantes, 1990, p. 34).

Através da visão de Arantes, a cultura é um amplo sistema de códigos, que contém elementos da identidade de um povo. Assim, o patrimônio arquitetônico de um lugar demonstra os traços culturais da comunidade, onde se encontra inserido.

1.1. Os bens culturais como patrimônio do povo

A cultura é dinâmica. Está sempre em transformação e a partir dela compreende-se as modificações que ocorrem no patrimônio arquitetônico no decorrer dos séculos, sejam as reformas públicas, as preservações, as mudanças gerais, a pluralidade arquitetônica, ou mesmo a manutenção do purismo de linhas. A cada momento, vai-se ver refletido o pensamento, os saberes, os símbolos e as criações e recriações da comunidade habitante de um determinado local.

Assim, Pellegrini (1997, p. 90 e 91) coloca que “atualmente, o significado de patrimônio cultural é muito amplo, incluindo outros produtos do sentir, do pensar e do agir humano – o que no conjunto se poderia definir como o meio ambiente artificial”.

O professor francês Hugues de Varine-Boham, de acordo com Carlos Lemos, O que é patrimônio histórico (1981), divide o patrimônio histórico-cultural em três grupos: elementos naturais, como os rios, as matas, as praias; elementos do saber, as técnicas e artes, que o homem utiliza para sobreviver, como saber cozinhar, desenhar, transformar, dançar, esculpir; e, bens culturais que surgem a partir dos outros dois grupos que são objetos, artefatos e construções.

Os bens culturais se dividem em móveis, que são setoriais e possíveis de serem colecionados como fotografias, selos, lendas, músicas, festas populares; e imóveis, que são as edificações como igrejas, residências, fortes, prédios, ruas, cidades.

Todavia, neste trabalho, utilizo a denominação patrimônio histórico-cultural de uma nação aos bens culturais, que dizem respeito a construções, costumes, culinária, formas de organização, usos, festas populares, religião, tudo que seja representativo de uma geração, como relata Rodrigo Pessoa.

Instrumento na construção da nacionalidade nas sociedades modernas, o patrimônio histórico e artístico [...] é o documento de identidade da nação brasileira. A subsistência dele é que comprova, melhor que qualquer outra coisa, nosso direito de propriedade sobre o território que habitamos. Ele é testemunho dos processos de ocupação do Brasil, das técnicas construtivas do passado, dos modos de vida e dos episódios fundamentais da nossa história, mas principalmente tem qualidades plásticas que interessam ao olhar contemporâneo (Pessoa, 2000, p. 42).

Assim, ao analisar o patrimônio histórico-cultural de um determinado local, este deve, no primeiro momento, estar ligado à identidade do grupo, o qual representa. Não devem ser esquecidas as origens étnicas, além de muitas outras, que, com o tempo e com os deslocamentos, misturaram culturas e formaram novos elementos, peculiares de cada localidade.

1.2. Patrimônio cultural e memória coletiva: garantia da identidade do povo

A memória assegura a reprodução social, age na construção cultural e na formação da imagem nacional para reforçar a identidade individual, coletiva e nacional. Enquanto instrumento da identidade, abrange e ressignifica os símbolos de comunidades, para dar legitimidade aos grupos sociais, quando se apresenta como sistema organizado de lembranças, de acordo com as mudanças ocorridas na história, ao mesmo tempo em que representa e tenta integrar a ideologia do povo.

O conceito de patrimônio nos remete ao conceito de memória quando se trata da preservação do mesmo. Como afirma Octávio Paz (apud Macedo, Ribeiro, 1999, 17), escritor mexicano, Prêmio Nobel de Literatura de 1990: “A destruição da memória afeta não apenas o passado, como também o futuro. Para mim, a memória é a forma mais alta da Imaginação Humana, não apenas a capacidade automática de recordar. Se a memória se dissolve, o homem se dissolve”. A partir da memória também são definidas as relações humanas, em que são feitas as opções do que deve ser preservado do patrimônio histórico-cultural, definindo os elementos representativos de uma comunidade. O patrimônio arquitetônico, que também faz parte do legado cultural, é a forma edificada da identidade de um povo. Le Goff também contempla este conceito em seu estudo.

A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. [...] A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens (Le Goff, 1996, p. 476 e 477).

A memória evoca o passado para rever o presente e garantir a identidade. Em sua dimensão coletiva, estão gravados nos bens culturais; dos monumentos aos depoimentos das pessoas, através de lembranças, fotografias, vídeos, livros objetos e demais registros, que buscam tornar memorável os acontecimentos de uma localidade.

1.3. Ações para preservação do Patrimônio Cultural

O interesse em preservar um patrimônio histórico-cultural está ligado a vários fatores, como o político, o econômico e mesmo o social. A indústria do turismo, por exemplo, está ancorada nesse tripé e, para que, de fato, possa se manter necessita dos bens culturais diferentes de cada local, para que o turista seja atraído.

Para Barreto (2000), determinar o que deve ser preservado é uma decisão político-ideológica. Nessa, devem estar refletidos os valores e as opiniões da comunidade, envolvendo os elementos que devem ser tidos como representativos de uma determinada sociedade.  A esfera política necessita manter diálogo constante com a comunidade, para que, juntos, possam decidir o que deve se preservado ou não dos bens culturais da cidade.

Canclini coloca que os bens culturais de uma nação devem ser preservados e restaurados.

Esse conjunto de bens e práticas tradicionais que nos identificam como nação ou como povo é apreciado como um dom, algo que recebemos do passado com tal prestígio simbólico que não cabe discuti-lo. As únicas operações possíveis – preservá-lo, restaurá-lo, difundi-lo – são a base mais secreta da simulação social que nos mantém juntos. [...] A perenidade desses bens leva a imaginar que seu valor é inquestionável e torna-os fontes do consenso coletivo, para além das divisões entre classes, etnias e grupos que cindem a sociedade e difereciam os modos de apropriar-se do patrimônio (Canclini, 1998, p. 160).

No caso brasileiro, damos destaque a duas ações de preservação do seu patrimônio histórico-cultural, a criação do IPHAN na década de 30 do século passado e aquilo que prega a Constituição Federal de 1988.

A partir das preocupações de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde na época, com a preservação do patrimônio brasileiro, foi criado o SPHAN, que é o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de acordo com o Decreto-lei 25, de 30 de novembro de 1937, no qual se define patrimônio histórico e artístico nacional como: “o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Tal Decreto-lei tem o intuito de não deixar esquecer ou deteriorar os objetos materiais e as expressões imateriais da nação, bem como a sua memória coletiva.

Esse órgão foi criado a partir do anteprojeto de lei de Mário de Andrade, a pedido de Gustavo Capanema, para dar uma visão sistemática da preservação e resguardar a totalidade dos bens culturais de nosso patrimônio histórico-cultural. Mário de Andrade definiu o patrimônio como arte e agrupou em oito categorias: arte arqueológica, arte ameríndia, arte popular, arte histórica, arte erudita nacional, arte erudita estrangeira, artes aplicadas nacionais e artes aplicadas estrangeiras. O SPHAN foi implantado por Rodrigo Mello Franco de Andrade que contou com a colaboração de Manuel Bandeira, Afonso Arinos, Lúcio Costa, Carlos Drummond de Andrade e do próprio Mário de Andrade. Na gestão de Rodrigo Melo Franco de Andrade foram tombados e restaurados vários bens arquitetônicos e foi redigida uma legislação específica para proteção dos bens patrimoniais do país.

Hoje, a denominação do órgão é IPHAN, que é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional que atua em 29 unidades, além das superintendências regionais e sub-regionais, museus, escritórios técnicos e centros culturais, com o objetivo de proteger, fiscalizar, restaurar, identificar e preservar os bens culturais do país.

A Constituição Federal de 1988 também trata do patrimônio histórico-cultural do país. No Artigo 24, a lei diz que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal a proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico. O artigo 216, que trata da cultura, define: “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomadas individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Podemos incluir nestes os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

2. Ilhéus: patrimônio histórico-arquitetônico

Ao conceituar patrimônio histórico-cultural, observa-se que é um amplo conjunto de elementos Por isso, este trabalho delimita-se no estudo dos bens culturais imóveis da cidade de Ilhéus, onde as edificações constituem o patrimônio arquitetônico da cidade.

Ilhéus é uma cidade que possui 470 anos. Localizada na Região Sul da Bahia, foi Capitania Hereditária de São Jorge dos Ilhéus e principal cidade na época do ciclo do cacau, situada a 462 Km de Salvador.

O patrimônio cultural de Ilhéus começou a ser constituído quando o loco-tenente Francisco Romero que vinha, sob a ordem de Jorge Figueiredo Correia estabelecer a posse da capitania recebida do Rei de Portugal D. João III, fixou-se no outeiro de São Sebastião, onde foram edificadas as primeiras casas, a primeira igrejinha e as primeiras fortificações (Macedo, Ribeiro, 1999, p. 21).

A cidade começou a ser construída no século XVI, com estrutura colonial, quando se desenvolveram os canaviais e os engenhos, com a típica economia de auto-suficiência, na política da plantation açucareira. Em 1556, já havia a igreja matriz e boa produção de açúcar. No final deste século, a produção de açúcar entrou em decadência e a Vila passou a sobreviver da venda de madeira para estaleiros da Bahia e de Portugal.

Nos séculos XVII e XVIII, a cidade sofre invasões de estrangeiros franceses, holandeses e algumas enfermidades. Os holandeses vinham interessados na produção de açúcar. No século XIX, começa o povoamento da parte baixa da cidade. Em 1815, São Jorge dos Ilhéus era uma vila com ruas cobertas de capim e de cabanas baixas e, nesta época, recebeu a visita do príncipe austríaco Maximiliano Alexandre Felipe de Wied-Neuwied. Também, neste século, em 28 de junho de 1881, pela Lei n° 2.187, a vila São Jorge dos Ilhéus passou à categoria de cidade.

No século XX, começa a epopéia do cacau, árvore dos frutos de ouro, produtora do decantado manjar dos deuses, que, de acordo com a lenda mexicana, o deus Quatzcoult, dos astecas, adquiriu imensurável sabedoria após degustá-lo. As décadas de 20 e 30, daquele século, constitui a fase áurea do cacau, mas, na década de 80, há o declínio da lavoura cacaueira devido à doença causada pelo fungo Crinipellis perniciosa, a praga vulgarmente conhecida como vassoura-de-bruxa. E, na década de 90, do mesmo século, o turismo surge como uma das alternativas para superar a crise, além de outras atividades como a pecuária, a indústria, a pscicultura e a fruticultura.

A civilização do cacau que foi responsável pelo aparecimento no cenário nacional e mesmo internacional, de várias personalidades que enriqueceram as artes e as letras do País. Na Academia Brasileira de Letras a presença de Adonias Filho e de Jorge Amado demonstrou a veracidade da afirmação. A pior crise do cacau iniciada na década de oitenta, do século XX, marcou não o fim da cacauicultura, mas estabeleceu o fim da monocultura que, se não prejudica, sempre atrofia o desenvolvimento de regiões inteiras (Barbosa, 2004, p. 05).

Deve-se levar em conta, ao analisar o patrimônio histórico-cultural de Ilhéus, as reformas urbanas que modificaram de forma significativa o patrimônio arquitetônico da cidade. Em poucos lugares, são encontrados os traços coloniais, na medida em que a maior parte dos prédios foi construída a partir das primeiras décadas do século XX, sendo exemplo a Catedral de São Sebastião, no centro da cidade, erguida no lugar de uma Capela em estilo colonial. A Catedral coube a Salomão da Silveira, construtor da época, que iniciou o prédio na década de 20, mas só foi inaugurada em 1967. Seu estilo é eclético, por possuir uma pluralidade de estilos arquitetônicos, com o objetivo de demonstrar o poder econômico, advindo da comercialização do cacau. Conta em depoimento, o historiador André Ribeiro, na UESC, em abril de 2003:

Essa reforma urbana vem a transformar a imagem da cidade, a feição de Ilhéus, que era até então uma pequena vila litorânea, no sul baiano, suas ruas, como os autores falam, revezadas e bisonhas, que havia todo um discurso, isso é, antiquado, bisonho, anti-higiênico, e por conta disso vai se fundamentando um discurso progressista. [...] A partir do final do século XIX, influenciado nas reformas urbanas de Paris e Rio de Janeiro, que era um processo de modernização, em que o passado, ele é relegado, vamos dizer assim, a um conceito de atraso, tudo que é anterior aquele período, significa um passado que deve ser esquecido, inclusive os estilos arquitetônicos, [...] a partir daí esse período entra-se à tendência a modernizar as cidades, o alinhamento das ruas. (Texto transcrito na íntegra).

Hoje, Ilhéus é uma cidade que busca, através do turismo e de várias outras atividades econômicas, se reerguer. Conta com ambientes acadêmicos para pesquisa, mas precisa de ações, por parte do poder público e da comunidade, para com o seu patrimônio histórico-cultural; valorizando não só os bens culturais imóveis, bem como o patrimônio imaterial, resgatando, preservando e reconfigurando festas, tradições religiosas, cultos afros e demais expressões artístico-culturais da cidade.

2.1. Preservação dos bens arquitetônicos de Ilhéus

A administração pública da cidade de Ilhéus, a partir da década de 80, motivada pelas medidas de preservação do patrimônio nacional, começa a ter ações mais efetivas para com o seu acervo patrimonial.

Através da administração estadual, é feito, no município, um levantamento e, ao mesmo tempo, um estudo de bens arquitetônicos por parte do IPAC, órgão de Proteção ao Acervo Cultural da Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo da Bahia de 1988, que trata dos monumentos e sítios do Litoral Sul da Microrregião Cacaueira. Constam do inventário os seguintes lugares de Ilhéus: Matriz de São Jorge, Prefeitura Municipal, Casa da Boa Vista, Palacete Ramiro de Castro, Casa a Rua 28 de Junho, Casa da Fazenda Retiro, Capela de São Tiago, Casa da Fazenda Paraíso, Casa Grande da Fazenda Cordilheira, Casa Mal Assombrada, Casa da Fazenda Primavera, Casa Grande da Fazenda Almada, Capela de Santana e Igreja de N. S. da Escada. Este estudo traz dados da situação dos prédios, ambiência, plantas, dados tipológicos, técnicos, históricos arquitetônicos, restaurações e mapas.

Através do poder legislativo, são elaboradas leis com o objetivo de preservar o patrimônio ilheense. Os bens arquitetônicos são protegidos pela Lei 2.312 de 01 de agosto de 1989, da gestão do Prefeito João Lyrio, que cria e delimita o “Centro Histórico da Cidade de Ilhéus”, constituído por monumentos históricos pela referência simbólica que representam para a cidade. No parágrafo 1º, do artigo 4º é relatado: “define-se como área de proteção rigorosa aquela em que os elementos da paisagem construída ou natural abrigam ambiências significativas da Cidade, tanto pelo valor simbólico, associado à história, quanto por sua importância cultural, artística e paisagística”. É uma área em que devem ser mantidas as características arquitetônicas, artísticas e decorativas, como as fachadas e os telhados dos prédios.

Além dos levantamentos de órgãos de proteção estadual e das leis existentes no município, o patrimônio histórico-cultural da cidade corre o risco de ser perdido, até porque, apesar de existirem leis de proteção, no livro de tombo da prefeitura, não constam a maioria dos prédios de valor histórico-cultural para a cidade. Desta forma, devem ocorrer mais ações em relação à proteção e restauração do patrimônio edificado, além de também serem necessárias medidas de preservação dos bens imateriais da cidade, como: Puxada do Mastro de São Sebastião, Caminhada Cultural, Semana Jorge Amado, apresentações do Dilazenze e Festa de Iemanjá.

2.2. Leitor e turista: O patrimônio de Ilhéus retratado na obra de Jorge Amado

Também podemos estudar o patrimônio de Ilhéus a partir das obras do famoso escritor renomado internacionalmente, Jorge Amado. Seus livros Cacau (1933), Terras do Sem-fim (1942), São Jorge dos Ilhéus (1944), Gabriela, Cravo e Canela (1958), e Tocaia Grande: A Face Obscura (1984) foram traduzidos em vários idiomas, espalhados pelo mundo e imortalizaram locais como o Bataclan, o Vesúvio e o Teatro Municipal. Um exemplo do uso do patrimônio arquitetônico da cidade para criação de suas estórias podemos encontrar neste trecho do livro São Jorge dos Ilhéus:

Era no prédio da Associação Comercial de Ilhéus, ao lado do maior jardim da cidade, quase em frente à prefeitura. Aquele prédio atestava a força do progresso da cidade, a força das chamadas classes conservadoras, enorme, imponente, o grande vestíbulo de mármore, as escadarias suntuosas, os tapetes caros. Possuía uma biblioteca, cujos livros não estavam virgens de leitores unicamente porque o poeta Sérgio Moura vivia dos rendimentos de chefe de secretaria da Associação (Amado, 1999, p. 41).

O leitor de Jorge Amado, conhecendo através de suas obras de ficção os lugares mencionados, sente-se, muitas vezes, motivado a ir até Ilhéus e a identificar estes locais, lançando também seus próprios olhares sobre esse ambiente.

Nesse contexto, habita o leitor que, ao interpretar o imaginado ficcional tem a sua curiosidade aguçada para conhecer um mundo não familiar. Movido pela vontade de ver a paisagem que inspirou o texto literário, “passeia” pela cidade que a ficção oferece. [...] De leitor a turista é um passo: aquele que a mobilidade e o trânsito permitem. Torna-se turista-leitor, viajando para re-conhecer e observar as re-significações daquelas cidades, antes “visitadas” através da leitura (Simões, 2002, p. 178).

Aqui o turismo inaugura essa possibilidade, da ficção ao real, havendo uma relação entre a cultura e o turismo. Como em Ilhéus há esse elo entre o patrimônio e a literatura, deve ser observada a importância da preservação do legado cultural da cidade e não dispô-lo apenas em função do consumo. É necessário não transformar o patrimônio histórico-cultural em atração turística, e sim em elemento de afirmação da identidade cultural, valorizando, preservando e revitalizando os seus bens culturais.

3. Turismo: misto de descanso, conhecimento e diversão

Através do deslocamento, o homem vivencia novas experiências, conhece lugares e culturas diferentes e troca conhecimentos com outros povos. O turismo é uma atividade que conta com elementos essenciais para sua realização: os atrativos naturais, como praias, rios, matas; atrativos culturais, como monumentos históricos, museus, manifestações artísticas; equipamentos e serviços como hotéis, restaurantes, transportes; e, infra-estrutura de apoio, como sistema de comunicação, segurança, médico-hospitalar. É uma atividade econômica que está ligada ao setor de serviços e oferece empregos diretos em hotéis, agências de viagens, aeroportos e indiretos, em locadoras de veículos, bares e lojas.

Lemos (1981 p. 30) coloca que “o turismo nasceu em volta de bens culturais paisagísticos e arquitetônicos preservados, e hoje, cada vez mais, vai exigindo a criação de mais cenários, de mais exotismos, provocando quadros artificiais, inclusive”. Assim, o turismo deve trabalhar com o espaço da comunidade existente, redescobrindo seus valores, seus sentidos e suas riquezas culturais, para que possam ser valorizados, através dos viajantes, que entrem em contato com a identidade de grupos sociais, detentores, de fato, dos bens culturais de uma comunidade.

Segundo Beni (2000, p. 168), “o turismo é um elemento importante da vida social e econômica da comunidade regional. Reflete as aspirações legítimas das pessoas no sentido de desfrutar de novos lugares, assimilar culturas diferentes, beneficiar-se de atividades ou descansar longe do local habitual de residência”. A partir deste pensamento, viajar também implica conhecer a cultura de um povo, na busca pelo diferente. A atração cultural torna-se a principal motivação da viagem, existindo uma relação intrínseca entre patrimônio e turismo cultural, na medida em que as localidades turísticas se apresentam vinculadas aos fatores culturais, através do artesanato, da gastronomia, da arquitetura e da história.

3.1. Turismo Cultural: busca pela história, cultura e arte

O patrimônio histórico-cultural é capaz de possibilitar a busca pela continuidade da experiência humana e o turismo cultural, especificamente, permite que o visitante entre em contato com outros modos de vida, despertando a curiosidade pelas crenças, os valores e as expressões culturais.  

Por turismo cultural, entendemos a viagem em busca de novos conhecimentos, a partir da herança histórica, artística e científica de uma comunidade para: saber os hábitos de outras populações; conviver com pessoas de culturas diferentes; participar de manifestações artísticas; experimentar outros modos de vida; e, desfrutar dos conhecimentos de outros povos e suas expressões. Inclui visitas a ruínas, teatros, grutas, museus, templos, monumentos, centros de peregrinação e sítios arqueológicos.

É nesse cenário que o turismo cultural desponta fortalecido como uma das vertentes mais significativas da dimensão cultural do desenvolvimento: pela riqueza de variantes que comporta; pelas interfaces que motiva; pelos desdobramentos que pode estimular; pelos efeitos possíveis na construção da cidadania; pela valorização da alteridade, isto é, a compreensão da existência de outros patrimônios e ações culturais que, assim como os nossos, merecem igual respeito. Também pelo retorno econômico que propicia e, sobretudo, pelo compromisso que assume com as gerações futuras (Azevedo, 2002, p. 151).

A partir do turismo cultural vários aspectos podem ser explorados para atrair visitantes. Através da arte, desde objetos plásticos da pintura, do artesanato, das peças de museu, como de expressões populares como as festas, os eventos religiosos, os carnavais e os festivais. Através da gastronomia típica, que é bastante valorizada pelos turistas, com pratos representativos da culinária local, bem como o modo de preparar a comida. E através da arquitetura histórica, em que há sempre uma demanda de turistas que se deslocam para conhecer edificações únicas, que representam as características de um povo e, através dos prédios, é possível contar a história de uma civilização.

O patrimônio histórico-cultural é importante para a atividade turística, pois o turismo é o eixo da promoção e da divulgação da cultura, garantindo também o desenvolvimento sustentável da localidade. O turismo cria o espaço do encontro, de um lado está a cultura do anfitrião, do outro, está a cultura do visitante.

Assistimos à intensificação do turismo cultural, na medida em que, contando com a infra-estrutura proporcionada pela economia globalizada, essa prática oferece entretenimento de boa qualidade, não massivo, àqueles que entendem que o global é produto da soma diferenciada das partes e não a negação destas em nome do controle. Desse modo, ao procurar a diferença, o turista cultural propõe-se o consumo não alienado, desautomatizado do pós-fordismo. Oposto, portanto, àquele da fase da industrialização, quando o trabalhador distanciava-se completamente do produto de seu trabalho, devido ao princípio de racionalidade, negando, em síntese, a sua condição de sujeito e sua dimensão de ser crítico diante do mundo (Sacramento, 2005 – no prelo).

Assim, como afirma Sacramento, o turismo na pós-modernidade vai ser formatado pela alteridade. Neste período, diferente da modernidade, em que o turismo era organizado para a massa, aqui é planejado para pequenos grupos, que buscam peculiaridades em suas viagens. De acordo com o processo de globalização, o turismo passa a ter uma visão fragmentária, sendo altamente segmentado, oferecendo aos clientes roteiros diferenciados. O turismo cultural, assim, é privilegiado, uma vez que proporciona aos turistas que querem experiências individuais, o conhecimento e a pesquisa de lugares escolhidos por motivos pessoais, indo, assim, além do lazer, porque afirma a diferença.

3.2. A atividade turística e o patrimônio arquitetônico de Ilhéus

O patrimônio histórico-cultural enriquece a atividade turística local com o “diferencial” procurado pelos viajantes. O turismo, por outro lado, preserva e reconfigura os bens culturais, importantes para a memória, enquanto elementos do legado cultural de um povo.

Em se tratando do patrimônio arquitetônico de uma localidade, este é capaz de desencadear o turismo cultural, ao despertar a curiosidade do visitante, em relação a lugares, como ruas, igrejas, palácios, castelos, cemitérios, monumentos, museus, teatros, conjuntos arquitetônicos e cidades inteiras, colocando-o em dimensão com o lugar.

O turismo, em Ilhéus, é uma das atividades econômicas, que ainda não despontou, no cenário turístico, como um pólo forte que desencadeia, por si só, a economia local. Ainda necessita de uma administração que redescubra o seu potencial, através dos atrativos naturais e culturais e forneça uma infra-estrutura de acordo com as suas necessidades. A criação de projetos de políticas públicas devem organizar a atividade turística, com roteiros e programas capazes de aumentar o número de turistas e sua permanência no local. Andrade aborda sobre o turismo em Ilhéus:

Até o final da década de 70, o turismo não tinha expressão econômica. Os administradores de Ilhéus estiveram desatentos a esse grande pólo turístico, deixando de explorá-lo como fonte de renda, não preparando uma estrutura urbana capaz de servir de atração ao turismo nacional e internacional. A rede hoteleira era incipiente e os serviços de saneamento básico e de transportes coletivos, muito deficientes. O turismo de Ilhéus começou a ser explorado após a mudança de mentalidade da administração municipal, mostrando claramente a vocação da cidade para este ramo, gerando assim mais uma fonte de renda, uma forma de diversificar a economia do município (Andrade, 2003, p. 117).

Em Ilhéus, muitos lugares que fazem parte do patrimônio histórico-cultural, entre os bens culturais imóveis podem ser lembrados como atrativos turísticos.

  No Quarteirão Jorge Amado, temos a Catedral de São Sebastião (Fig. 01)[1], inaugurada na década de 60, possui torres e vitrais franceses, colunas coríntias, abóbadas romanas, cúpulas renascentistas e adornos barrocos. Está localizada ao lado do famoso Bar Vesúvio (Fig. 02), imortalizado na obra de Jorge Amado e é um dos pontos mais freqüentados da cidade, onde é vendido o quibe, comida que se tornou típica no local, por causa dos imigrantes sírios e libaneses. Próximo do Vesúvio, encontra-se o Teatro Municipal de Ilhéus (Fig. 03), antigo Cine-teatro Ilhéos. Prédio da década de 30 que já recebeu grandes

Catedral de São Sebastião (Fig. 01) Bar Vesúvio (Fig. 02)
Teatro Municipal de Ilhéus (Fig. 03) Casa de Cultura Jorge Amado (Fig. 04)

Próxima ao teatro, está a Casa de Cultura Jorge Amado (Fig. 04), um museu com objetos e fotografias da

Também em frente à Praça J. J. Seabra está o Palácio da Associação Comercial (fig. 07), construído em 1932, representando a ostentação dos tempos áureos do cacau. Este imponente prédio possui aposentos refinados que lembram a Belle Époque.

Casa dos Artistas (fig. 05) Palácio Paranaguá (Fig. 06)
Palácio da Associação Comercial (fig. 07) Bataclan (Fig. 08)

Na baía do Pontal, na qual estava localizado o antigo porto, encontra-se o Bataclan (Fig. 08), hoje reconfigurado como espaço cultural. Era o famoso cabaré, onde acontecia a vida noturna da região com música, charutos e mesas de pôquer, tendo ficado famoso, ao ambientar o romance Gabriela, Cravo e Canela de Jorge Amado. Também na baía do Pontal, localiza-se o Ilhéus Hotel (Fig. 09), construído em 1930 pelo Cel. Misael Tavares, para hospedar os visitantes que desembarcavam nas imediações do porto. Na inauguração, serviu-se cardápio com comida francesa e foi o primeiro prédio a ter elevador no interior da Bahia.

Em outro ponto da cidade, está a Igreja de São Jorge (fig. 10), em estilo colonial do século XVI. Foi construída com pedras de Cantaria e abriga um museu de arte sacra. Bem próximo a essa, encontra-se o Palácio Misael Tavares (fig. 11), atualmente sediando a Loja Maçônica Regeneração Sul Baiano e foi construído em 1914. No antigo Grupo Escolar Gal. Osório, estão instalados a Biblioteca Pública Municipal Adonias Filho e o Arquivo Público Municipal João Mangabeira (fig. 12), em construção que data de 1915, com quatorze amplas salas.

Ilhéus Hotel (Fig. 09) Igreja de São Jorge (fig. 10)
Palácio Misael Tavares (fig. 11) Arquivo Público Municipal João Mangabeira (fig. 12)
Igreja de Nossa Senhora da Vitória (Fig. 13) Conjunto Arquitetônico da Piedade (Fig. 14)

 

Palácio Episcopal (Fig. 15)A Igreja de Nossa Senhora da Vitória (Fig. 13), que abriga em seu conjunto o Cemitério Municipal, passou por diversas reformas, alterando seu estilo original. Próximo a esta edificação, encontra-se o Conjunto Arquitetônico da Piedade (Fig. 14), composto pelo convento, capela, escola, museu e também abriga o Palácio Episcopal (Fig. 15), hoje prédio de uma escola pública.

Nos distritos de Ilhéus, há ainda a Capela de Nossa Senhora de Santana, considerado um dos templos mais antigos da Bahia de 1563 e, em Olivença, encontra-se a Igreja de Nossa Senhora da Escada de 1700.

Quando se discute porque o patrimônio histórico-cultural deve ser preservado, podem-se analisar os interesses envolvidos, nesse processo. A partir dos interesses econômicos, há a preservação do patrimônio em função do turismo, tornando a cultura uma mercadoria. Assim, o patrimônio cultural passa a ser mais preservado, na medida em que o interesse turístico por prédios históricos, torna-os economicamente viáveis, ao serem ressignificados. A exemplo de outros lugares, onde são transformados em centros culturais, museus, restaurantes, pousadas, centros de eventos e outras atividades, que visam a se beneficiar dos monumentos históricos já existentes para atrair turistas e, conseqüentemente, obter lucros diretamente do uso e da potencialidade do local.

Deve-se ter o cuidado para que o turismo não transforme a cultura em negócio, em um produto turístico. Um exemplo disso está acontecendo em Ilhéus, pois o prédio do Memorial da Cultura Negra, espaço das expressões afro-brasileiras, foi fechado no Bairro da Conquista, em função da mudança para outro imóvel no centro da cidade, para torná-lo um ponto apenas turístico, como uma forma de facilitar a visita dos turistas. Em entrevista com a Sra. Adriana Castro, assessora da Presidente da Fundação Cultural de Ilhéus é relatado, em maio, deste ano:

O Memorial da Cultura Negra tem uma sede num lugar meio impróprio [...], é uma discussão muito grande sobre isso, uma das preocupações da Fundação é trazer o Memorial da Cultura Negra mais para o centro, nós estamos procurando um imóvel, que parece que está em via de se resolver, um imóvel numa localização estratégica em Ilhéus, há um projeto de retornar com um certo vigor, dentro do possível evidentemente o trabalho do Memorial.

O que ela quis dizer com localização estratégica para a Fundação Cultural de Ilhéus? Será que, na mudança, houve diálogo com a comunidade que faz parte do Memorial da Cultura Negra? É possível que esta “estratégia” seja apenas interesse político em função do interesse econômico para aumentar as divisas do turismo e tornar um espaço “apenas para turista ver”.

Além disso, para garantir a atividade turística, de forma organizada, são necessárias várias ações, como: limpeza, higiene da cidade; preservação ambiental; educação da população; pessoal qualificado para trabalhar com o turismo e, logicamente, a preservação do patrimônio histórico-cultural.

Considerações Finais

O turismo só funciona, eficientemente, quando a comunidade é beneficiada com a atividade. Porque, quando a comunidade conhece sua cultura e sua história, sabe imortalizar suas tradições, suas expressões, seus costumes, e assim cabe ao poder público incluir a população em suas ações, levando em consideração o valor atribuído pela mesma ao patrimônio local. Assim, a atividade turística passa a ser um elemento capaz de alavancar a economia local, ao mesmo tempo em que os bens patrimoniais constituem fator de orgulho e inclusão social, na medida em que se apresentam como símbolos identitários, nos quais a história local se torna um instrumento do saber e de sua prática turística.

Deve haver uma preservação ativa em relação ao patrimônio, que ressignifique tanto as edificações históricas quanto os objetos que representam as características de um povo. O bem patrimonial, assim, pode revitalizar, integrando espaços e necessidades da comunidade, através de centros culturais e locais para eventos, cursos, exposições artísticas, museus, apresentações teatrais, feiras, exposições gastronômicas, festivais, festas, saraus, enfim, tornando-o útil à população e, ao mesmo tempo, rentável, financeiramente, conseqüentemente, atendendo às atividades do turismo.

O turismo é organizado a partir dos atrativos naturais e culturais, no misto entre as belezas naturais e o simbolismo, o imaginário e todo o patrimônio histórico-cultural do povo. Em Ilhéus, já existem algumas ações na tentativa de formatação e de preservação de produtos turístico-culturais, como exemplo, o Quarteirão Jorge Amado e a ressignificação do Bataclan.

A relação do patrimônio arquitetônico de Ilhéus com o turismo cultural está diretamente ligada aos fatores econômicos, políticos e sociais. Ao fator econômico, pelo retorno financeiro que os bens patrimoniais podem gerar pelo uso em atividades turísticas; ao fator político, pelo interesse que o poder público venha a dispensar para este setor, de acordo com os projetos a serem desenvolvidos, inclusive com parcerias com a iniciativa privada; e, ao fator social, em que a comunidade tem uma relação de identificação com os bens culturais, que são importantes para a memória coletiva, contando, através das edificações, os fatos históricos e sua representação simbólica. Assim, todo o patrimônio histórico-cultural da cidade deve ser preservado e ressignificado por ações não apenas da prefeitura e sim por um sistema organizado entre a esfera pública, a iniciativa privada e a comunidade.

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Referências

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[1]Todas as imagens foram registradas pela autora do artigo, na pesquisa de campo, para levantamento fotográfico do patrimônio arquitetônico de Ilhéus.
 

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 22 agosto, 2005.