Por LUIS RENATO DE ALCÂNTARA RUA

Graduando em Relações Internacionais pelas Faculdades de Campinas (FACAMP). Colabora semanalmente com o semanário Gazeta Guaçuana e apresentou trabalho acadêmico sobre a União Européia no X Encontro Nacional dos Estudantes de Relações Internacionais.

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União Européia: Desafios para o Século XXI*

Luis Renato de Alcântara Rua

 

Resumo:

Abordaremos o estágio atual da UE, após o seu alargamento em 2004, que integrou 10 países, o que alterou tanto as relações endógenas como as exógenas do bloco. Os novos membros além do predomínio da economia agrícola, politicamente se distanciam das democracias avançadas da Europa. Ademais, interessa-nos discutir os efeitos desse ingresso sobre as relações comerciais entre Mercosul e União Européia.

Assim, neste século que se inicia, inúmeros são os desafios que apontaríamos para a consolidação do bloco: a gigantesca disparidade econômica entre os antigos membros e os recém-chegados; a imigração dos europeus do leste para os países mais desenvolvidos; a questão dos subsídios; as dificuldades quanto à política externa comum;. Problemas que poderão ser superados com investimentos diretos no Leste, onde existe mão-de-obra qualificada e a custos bem mais reduzidos. Quanto às relações entre UE e Mercosul, as exportações do Mercosul para UE devem ser afetadas pela integração ao bloco de países eminentemente agrícolas.

Palavras-chave: Integração Regional; União Européia; Países do Leste Europeu.

Abstract

In this article, we are going to talk about the enlargement in the European Union in 2004 which changed the relationship into and out of the block. The new members have agriculturists economys and diferent way to do politics. After more, we will discuss about the relationship between European Union and Mercosul.

In this century the European Union has lot of challenges to construct a consolidated union: the gigantic economic disparity between the old members and the just-fond ones; the question of the subsidies; the difficulties about the common external politics. Problems that could be surpassed with investments in the East, where qualified man power exists well more and the reduced costs. About the relations between European Union and Mercosul, the exportations of the Mercosul for UE must eminently be affected by the integration to the block of countries agriculturists.

Key-Words: Regional Integration; European Union; Eastern European Countries

 

Introdução

Este estudo visa contribuir para as discussões acerca do fenômeno das integrações regionais. Para tanto, abordaremos o estágio atual da União Européia, após o seu alargamento em 2004 que integrou 10 países (Polônia, Estônia, Letônia, Lituânia, Republica Tcheca, Eslováquia, Hungria, Eslovênia, Malta e Chipre) aos 15 participantes anteriores em 1o de Maio de 2004[1].

É importante ressaltar que o recorte de nosso objeto, no caso a União Européia, partiu da premissa que este bloco regional é o mais consolidado, visto ser o único até o presente momento em que a adoção de uma moeda comum, o Euro, tornou-se realidade. Além do mais, o início das discussões sobre uma possível constituição de caráter continental nos demonstra o avanço deste bloco em relação aos demais.

Quando, em meados da década de 1950, alguns países do continente se encontraram para estabelecer a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), talvez fosse difícil prever os resultados posteriores desta união embrionária.

Naquele momento histórico, após o término da II Guerra Mundial, a Europa encontrava-se destruída pelos flagelos do embate ocorrido basicamente em seu território. Com efeito, era necessário que as economias do continente juntassem esforços para a reconstrução e manutenção da paz após os bárbaros acontecimentos da década de 1940. E isto, de certa forma, concretizou-se um pouco mais com o Tratado de Roma de 1957 que estabeleceu a Comunidade Econômica Européia.

Há autores que mencionam o fato de o mundo estar dividido em 2 superpotências, EUA e URSS, ser o grande impulso para uma união entre nações historicamente rivais, tais como França e Alemanha, visto que a Europa perdeu a hegemonia mundial que detinha até a II Guerra Mundial, passando assim a um papel de coadjuvante nas relações internacionais.

A partir de então, o que se notou foi um aprofundamento das relações entre nações européias, além é claro da incorporação de novos países aos já participantes. Parecia, então, que o sonho inicial do Abeé de Saint-Pierre em seu Projeto para tornar perpétua a paz na Europa obteria êxito.

Vale advertir que nosso estudo não abordará profundamente as questões históricas da formação da União Européia, mas sim as conseqüências e oportunidades a partir da entrada dos 10 novos países, o que, de fato, alterou tanto as relações endógenas como exógenas do bloco, tornando-o maior – a população passou de 380 milhões para aproximadamente 500 milhões de habitantes, além de análises de agências especializadas, que mencionam que o Produto Interno Bruto (PIB) dos membros reunidos em uma única estatística ultrapassará o PIB dos EUA, a maior economia global – e mais complexo - posto que as estruturas econômicas e política tornaram-se mais heterogêneas. Os novos membros além do predomínio de economias baseadas no setor primário, isto é, em produtos agrícolas, politicamente se distanciam das democracias avançadas da Europa em muitos aspectos, tais como o sistema partidário ainda não consolidado nestes novos membros, governos nacionais engessados pela relação entre a dívida pública interna e externa com o PIB, baixa inclusão social, etc.

Ademais, interessa-nos discutir os efeitos da entrada de 10 novos países sobre as relações comerciais externas, especialmente Mercosul e União Européia, pois consideramos de grande importância as relações bilaterais entre o bloco do qual o Brasil é membro com o bloco europeu, principalmente no que tange a possível relação estabelecida sobre produtos agrícolas nesta nova fase da União Européia.

Posto isto, passaremos para o desenvolvimento do tema através dos resultados obtidos e/ou esperados.

Metodologia

Os procedimentos metodológicos envolveram, fundamentalmente, a pesquisa bibliográfica sobre a formação, estágio atual e perspectivas futuras da União Européia. Na pesquisa das fontes primárias – documentos, jornais, revistas – o recurso à internet foi deveras utilizado. Entrevistas com professores da área de Relações Internacionais também foram realizadas para nos auxiliar no entendimento de questões fundamentais para este estudo.

Resultados

Para entendermos o que altera com a entrada dos 10 novos países na União Européia, devemos ressaltar que 8 deles tiveram o socialismo como sistema político-econômico a partir da segunda metade do século XX. Excluindo Malta e Chipre, todos os outros novos participantes do bloco europeu foram socialistas, tornando-se assim países satélites da então superpotência URSS, ou, nas palavras do estadista inglês Winston Churchill, membros da Cortina de Ferro que, de certa forma, “protegiam” territorialmente a potência maior do sistema que se formou a partir da Revolução Bolchevique de 1917.

Deste modo, devido aos caprichos originários da disputa ideológico-político-econômica bipolar, a Europa se viu repartida em dois “blocos” distintos: o ocidental, liderado por países como França e Inglaterra no âmbito europeu e pelos EUA em uma esfera mundial; e o oriental, este, como já dito no parágrafo anterior, capitaneado pela URSS.

Como é sabido, o bloco soviético começou a ruir em meados de 1970, sendo que o ponto final deste declínio ocorreu em 1989, com a Queda do Muro de Berlim, o símbolo maior da Guerra Fria. Com efeito, o que se notou foi uma Europa Ocidental desenvolvida e coesa em torno de um bloco econômico, a CEE, embrião, como já mencionado, da atual União Européia, e uma Europa Oriental em situação oposta, com diversos problemas estruturais e conjunturais. Assim, ao adentrar no bloco europeu, as nações orientais da Europa se uniram novamente aos países ocidentais, porém com muitas desigualdades entre ambos.

A maior dificuldade à integração do bloco (no sentido da sua maior homogeneização) consiste, sobretudo, no “atraso estrutural” dos países recém integrados; de passado socialista, os novos membros são “estranhos” ao “clube” dos países ditos desenvolvidos. Devemos entender que os novos membros não possuem, de modo algum, o dinamismo encontrado, por exemplo, na economia alemã. Apenas a título de curiosidade, para que, por exemplo, a Polônia atinja o PIB per capita médio da União Européia, que ronda US$ 25 mil dólares, será necessário, segundo estimativas, aproximadamente 60 anos, o que de certa forma pode engessar os planos de grandeza do bloco num curto prazo de tempo, pois os novos membros irão necessitar de grandes investimentos para atingir o patamar de renda encontrado nos países que já participavam da União Européia. Vale ressaltar neste ponto que o bloco europeu já teve uma experiência de integração que exigiu grandes inversões.

Entre os anos de 1981 e 1986 aconteceu o alargamento ao Sul, isto é, países geograficamente situados no Mediterrâneo europeu aderiram à CEE, sendo eles: Grécia, Espanha e Portugal, que após um longo período sob regimes autoritários passaram a adotar o sistema “democrático liberal”. No entanto, com esta adesão apareceram os entraves basicamente de natureza econômica, já que não se encontrava nestas economias o dinamismo dos antigos membros. É claro que o impacto gerado por estas adesões não foi tão grande, sendo estes países absorvidos paulatinamente pelo sistema. Atualmente as economias destes países acima citados se desenvolvem de maneira satisfatória, mostrando assim que, neste caso, a incorporação foi válida tanto para os antigos membros como para os países que entraram neste período.

Porém, no referente à incorporação dos 10 novos membros em 2004, temos que, além de um número muito mais expressivo de novos países integrados ao mesmo tempo, estes possuem problemas não só econômicos, mas também político-sociais de grande magnitude. Os novos membros possuem, em geral, uma cultura política autoritária fruto dos anos de governos socialistas repressivos, o que pode engessar as conversações sobre uma possível União não só econômica, mas também política, isto é, com uma Constituição em comum, quiçá também Forças Armadas reunindo oficiais militares de todos os países-membros.

Porém, mesmo com as diversas dificuldades que se apresentam à “solidificação” do bloco, vale ressaltar que uma das qualidades herdadas do regime socialista foi um sistema educacional, de certo modo, fortificado, o que nos leva a interpretar que nos países do Leste existe certa mão-de-obra qualificada e a custos bem mais reduzidos dos que os encontrados em países desenvolvidos, como a França e a Alemanha, por exemplo. O que pode determinar uma fuga de empresas com planta nos antigos membros com alto custo de mão-de-obra e, assim, desenvolver os parques industriais dos novos membros eminentemente agrícolas. Isso, no entanto, nos remete a dois caminhos: há a possibilidade desta fuga ser vista como maléfica pelos antigos membros, dependendo do grau e quantidade de empresas; ou então como algo benéfico, visto que o desenvolvimento dos novos membros tanto pode ampliar o mercado consumidor na Europa, como desestimular as imigrações da população do Leste rumo aos países europeus mais desenvolvidos.

O problema das imigrações é um dos pontos mais críticos da integração dos novos membros à União Européia, por serem países menos desenvolvidos, a busca de uma vida melhor nos antigos membros seria quase que o caminho natural dos europeus do Leste, já que não há barreiras formais que impeçam o trânsito de europeus de qualquer membro para qualquer outro. Portanto, a fuga de empresas e/ou investimentos maciços no Leste existem como formas de conter ondas imigratórias. Do contrário, poderemos assistir, nos próximos anos, a uma desestabilização e sobrecarga das estruturas funcionais do welfare state, isto é, Estado do Bem-Estar Social das nações mais desenvolvidas, o que pode denegrir o tão conhecido sistema europeu “planejado”, cuja inspiração remete a obra de Jonh Maynard Keynes.

Por último, vale notar que o acréscimo de 10 novos membros, com características distintas ao dos antigos membros, aumenta as dificuldades para uma possível formulação de política externa comum. Já percebemos tal dificuldade de consenso na Guerra do Iraque, a qual foi defendida abertamente por Itália, Espanha, e, principalmente, Inglaterra e preterida por França e Alemanha, basicamente. Deste modo, a consecução de uma política externa comum que agregue as diferentes tendências é algo extremamente complexo e pode engessar os planos de unificação total na Europa.

Dentre os vários desafios e oportunidades surgidas depois do alargamento está a questão da agricultura. A disparidade entre as novas nações e os antigos membros é mais pronunciada no âmbito rural por uma combinação de baixa renda e alto desemprego. O desafio principal nesse campo é o aumento da prosperidade da agricultura e da sociedade rural européia. A agricultura também deve ser estudada porque será o campo que, aparentemente, trará novos paradigmas relacionais para o Brasil e o Mercosul na relação com a “fortaleza Europa”. Abordaremos, a seguir, os dispositivos constantes da Política Agrícola Comum (PAC) e as reformulações para a adequação ao alargamento que incorporou os 10 novos membros. Na conclusão do trabalho serão apresentados os desdobramentos da entrada dos novos membros para o Brasil e o Mercosul.

Numericamente, o impacto da entrada de 10 novos membros, com características internas peculiares e distintas daqueles outros 15 paises que já formavam o bloco antes de 1º de maio de 2004, trouxe impactos profundos à agricultura. Novos 4 milhões de fazendeiros se juntaram aos 7 milhões já existentes. A entrada desses 10 novos membros acrescentou 38 milhões de hectares de área utilizada na agricultura aos já existentes 130 milhões. Isso representa um aumento de 30%. Porém, apesar de trazer um incremento em área e agricultores, a produção agrícola da União Européia só cresceu 6%. Isso demonstra que os novos membros possuem um incrível potencial agrícola que ainda não é utilizado em sua máxima eficiência.

Inevitavelmente, a competição será mais dura. No entanto, as oportunidades e desafios desse novo mercado de aproximadamente 500 milhões de consumidores, livre de restrições tarifárias, cotas de exportação ou barreiras ao comércio criaram a possibilidade de maior estabilidade a mercados agrícolas antes voláteis (os dos novos membros que não eram contemplados pelas políticas do bloco). A integração deve levar uma maior prosperidade aos fazendeiros europeus tanto dos antigos como dos novos membros.

Para atingir os objetivos agrícolas europeus, a PAC (Política Agrícola Comum) foi criada em 1958, ainda quando o projeto integracionista estava em sua fase embrionária. A PAC começou subsidiando a produção de produtos alimentares de base, com o objetivo de assegurar a auto-suficiência agrícola para a Europa.  No entanto, com seu desenvolvimento, a PAC passou a incentivar os pagamentos diretos em favor dos agricultores; estes pagamentos são considerados a melhor forma de garantir os rendimentos agrícolas, a segurança e qualidade dos alimentos, bem como a produção sustentável do ponto de vista ambiental. Nos seus primórdios, à PAC era destinado cerca de 70 % do orçamento da Comunidade. Nos dias de hoje, com a intensificação de outras políticas comuns e a redução das despesas, representa menos de metade - porém ainda com uma representação expressiva. Paralelamente, o financiamento começou a abranger outras atividades agrícolas, incluindo o desenvolvimento rural e o ambiente.

A PAC sofreu reformulações sendo a mais recente em 2003 e conhecida como Agenda 2000. Essas reformas permitiram à União Européia lidar com a questão do alargamento estudado nesse trabalho. Sem o alargamento, os fazendeiros dos novos membros não desfrutariam de inúmeros benefícios, tais como: o livre acesso a esse enorme e vigoroso mercado e a possibilidade de se beneficiar de políticas feitas para desenvolver sua agricultura de uma maneira sustentável e lucrativa. O ingresso no bloco deve causar uma modernização e reestruturação da agricultura e processamento de alimentos nos novos membros. Isso resultará não só do acesso a esse imenso mercado, mas também dos investimentos co-financiados pelos fundos de desenvolvimento agrícola do bloco.

As disparidades entre as situações econômicas dos proprietários agrícolas dos novos e antigos membros são evidentes. Para se tornarem competitivos internacionalmente, os fazendeiros dos novos 10 necessitam de modernização e investimento, para isso lhes falta capital. Os dispositivos da PAC têm como objetivo equacionar esse problema. A União Européia sustenta sua agricultura, basicamente, via suporte direto à renda dos agricultores. Esse suporte é dado através de medidas que estabilizam os preços de mercado, por pagamentos diretos aos agricultores e por financiamento de uma gama de atividades ligadas ao desenvolvimento rural.

Os pagamentos diretos fornecem um mecanismo de garantia de renda. No entanto, no longo prazo, esses pagamentos inibem o investimento. Por isso, a PAC dispõe de instrumentos para encorajar o investimento e a reestruturação agrária das áreas menos desenvolvidas.

Devido às disparidades da agricultura nos novos e antigos membros, é sensata a posição européia de direcionar vastos recursos para resolver os problemas estruturais e de longo prazo, bem como manter as políticas de auxílio direto à renda e suporte de mercado. Os novos membros necessitam investir para alcançar novos padrões e expandir o market share dessas economias ingressantes. As medidas delineadas na PAC têm como um de seus objetivos tornar os fazendeiros do Leste mais competitivos e orientados para o mercado, sem perder a estabilidade da renda. Com tudo isso, os novos membros vão se beneficiar não só dos tradicionais dispositivos da PAC, mas também de outras medidas específicas para os 10 novos membros.

Como exemplos dessas medidas específicas estão: suporte à renda familiar de fazendas de subsistência por um período de 5 anos durante a modernização das velhas formas de cultivo agrícola; subsídios aos serviços acessórios para que os fazendeiros possam receber suporte profissional para o cultivo ambientalmente sustentável, para a diversificação das culturas ou para melhorar sua infra-estrutura. Existem também fundos de investimento direcionados especificamente aos novos membros.

Conclusão

Neste século que se inicia, inúmeros são os desafios que apontaríamos para a consolidação do bloco: a gigantesca disparidade econômica entre os antigos membros e os recém-chegados; a imigração dos europeus do leste para os países mais desenvolvidos, que pode desestabilizar e sobrecarregar as estruturas de bem-estar social das nações mais ricas; a questão dos subsídios, quase todos os países recentemente integrados à UE são países agrícolas, dependentes das exportações e os membros mais antigos dificilmente abrirão mão da proteção em prol dos novos membros; as dificuldades quanto à política externa comum, evidenciadas na guerra no Oriente Médio. Problemas que poderão ser enfrentados com investimentos diretos no Leste, onde existe mão-de-obra qualificada e a custos bem mais reduzidos.

As discussões acerca da política agrícola, especialmente no que concerne aos novos membros, iluminam para uma análise critica da posição brasileira e do Mercosul nas questões do comércio mundial. É latente o fato de que a incorporação dos 10 novos membros demandará medidas que irão proteger essas nações, de situação financeiro-econômica-tecnológica tão diferente dos 15 membros já participantes do bloco antes de 1º de maio de 2004. A análise da PAC evidencia esse cunho protecionista.

Protecionismo que vai contra os preceitos do comércio mundial atual, que pede cada vez mais por liberalização. Os pagamentos diretos, os suportes à renda, as garantias de preços de mercado são todas práticas condenadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), e principalmente, no advento da Rodada Doha de Negociações. Os interesses brasileiros e do Mercosul estão exatamente na agenda da Agricultura. Nosso dinamismo, no âmbito agrícola, nos permite concorrer de igual para igual no mercado internacional. No entanto, medidas protecionistas como as adotadas na Europa trazem profundas distorções para o comércio mundial e devem ser combatidas por nossos esforços de política externa. O ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, já deixou claro que a agricultura é o tema principal da agenda e nada será decidido caso não se chegue a um acordo nesses temas tão sensíveis às transações comerciais.

A União Européia argumenta que a PAC não tem por único objetivo garantir aos agricultores um nível de vida adequado, fazendo com que seus produtos se tornem competitivos no mercado internacional. A PAC tem uma preocupação peculiar com os consumidores. Admitindo que um de seus objetivos deve ser o fornecimento de alimentos seguros e de elevada qualidade. Desta forma, a União Européia procura assegurar elevados padrões de bem estar animal e higiene em toda a cadeia alimentar, da exploração ao consumidor final. O curioso é que esses argumentos se tornam, por si só, barreiras não tarifárias (barreiras fito sanitárias) aos produtos de outros paises externos ao bloco, como os produtos brasileiros e das outras nações do Mercosul. Mais uma vez o protecionismo é latente e, devido as já iluminadas disparidades, deve continuar ou se aprofundar para a garantia de prosperidade e desenvolvimento rural.

Além dos argumentos do âmbito agrícola, a promessa de aumento de mercado para os produtos agrícolas de outras nações se mostra falho. Como bem demonstrou Geraldo Holanda Cavalcanti: “Assim, as progressivas ampliações da Comunidade têm contribuído para diluir e não ampliar a participação brasileira no comércio global” (CAVALCANTI, 1997, p.75). Isso é claro pelo fato de que, apesar de ampliar numericamente o mercado, foram internalizadas nações que agora, mesmo sem a mesma eficiência brasileira, fornecem produtos, dos quais o Brasil era fornecedor. Além disso, a diluição de taxas de importação só ocorreu nas transações internas ao bloco. As proteções externas estão ainda presentes na economia européia. “(...) as sucessivas ampliações na sua composição e a continuada expansão do número de países beneficiados por acordos preferenciais alteravam o peso da Comunidade no comércio internacional e introduziam novas distorções nas correntes de comércio” (CAVALCANTI, 1997, p.76), deixando o Brasil e o Mercosul um pouco afastados do grande mercado europeu. Mas a despeito de perspectivas pessimistas para o Mercosul, a União Européia pode ser considerada um modelo de integração bem sucedida que tem muito a nos ensinar sobre a edificação de instituições e políticas comuns.

* Trabalho orientado (e considerado adequado para publicação) pela Professora Dra. Angelita Matos Souza. Bacharel em Ciências Sociais pelo IFCH/Unicamp; Mestre em Ciência Política pelo IFCH/Unicamp; Doutora em Economia pelo IE/Unicamp. Professora de Ciência Política na Facamp.

[1] Esta data refere-se ao dia em que os 10 novos membros passaram a participar da União Européia.

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Referências Bibliográficas

SAINT-PIERRE, Abeé de. Projeto para tornar perpétua a paz na Europa. Brasília: Ed. UnB,   2002.

CAVALCANTI, Geraldo Holanda. O Brasil e a CEE in FONSECA Jr, Gelson e CASTRO, Sérgio Henrique Nabuco de (orgs.).Temas de Política Externa Brasileira II. São Paulo: Paz e Terra; Brasília: FUNAG, 1997.

 

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 18 agosto, 2005.