Violência das torcidas e racismo no futebol: 
      
      
      o que a escola tem com isto?
      
      
      
       
      
      
      
        
        
          
            | Resumo
              
              O
              objetivo deste trabalho é fazer uma abordagem sobre a violência
              das torcidas e o racismo no futebol como conseqüências da exclusão
              provocada pelo modelo de sociedade e educação calcados no
              sistema econômico capitalista neoliberal, e a necessidade de uma
              abordagem reflexiva na escola. 
              
               Palavras-chave:
              educação, sociedade, futebol, exclusão, racismo e violência
              das torcidas .
              
               Abstract
              
               The objective of this work is to make a
              boarding on the violence of the twisted ones and the racism in the
              soccer as consequence of the exclusion provoked for the model who
              is based on a society and an education proceeding of the
              neoliberal capitalist economic system, and the necessity of a
              reflexive pertaining to school boarding. 
              
              
               
                Keyword:
                education, society, soccer, exclusion, racism and violence of
                the twisted ones.
                
                 | 
        
        
       
       
      
      
      1
      . Introdução
      
      
      Nos
      últimos anos temos presenciado o aumento da violência no futebol, não
      apenas entre jogadores no nível profissional, mas principalmente entre
      torcedores e estudantes. Em  2004 dois casos graves que ocorreram em São Paulo tiveram
      repercussão nacional: o caso do estudante de 16 anos, torcedor
      corintiano, espancado por integrantes da Mancha Alviverde no mês de maio
      e o caso do torcedor do São Paulo Futebol Clube, também estudante, 17
      anos, assassinado em setembro com um tiro dentro de um ônibus,
      supostamente por torcedores da Gaviões da Fiel, torcida organizada do
      Sport Club Corinthians Paulista. O que estas vítimas tinham em comum eram
      a alegria de viver, a adolescência em transição e, acima de tudo, freqüentavam
      uma escola. 
      
      
      Diante
      das contradições que o futebol apresenta, através de uma pesquisa numa
      escola pública da periferia da Grande São Paulo, os alunos das quintas e
      sextas séries do Ensino Fundamental foram levados a uma reflexão mais crítica
      sobre a violência que invade os estádios e o racismo presente no
      futebol. Duas pesquisas foram realizadas para melhor abordagem do tema na
      escola: uma bibliográfica e outra através de questionários junto aos
      alunos. Portanto, o professor de educação física e a escola devem
      desempenhar um papel importante na abordagem dos problemas recorrentes na
      sociedade, despertando no aluno a reflexão, 
      motivando-o e favorecendo oportunidades de inclusão na comunidade
      através do esporte. 
      
      
      2
      . Educação e reprodução social
      
      
      Durkheim
      mostra que na busca pela afirmação de sua identidade “cada tipo de
      povo tem um tipo de educação que lhe é próprio e que pode servir para
      defini-lo” (DURKHEIM, 1972, p.79). Esta mesma educação muda conforme
      mudam as necessidades e que estas necessidades mudam porque mudam as condições
      sociais das quais dependem as necessidades humanas. Há a compreensão que
      as múltiplas aptidões e necessidades que a vida social exige não podem
      se reproduzir simplesmente de maneira natural e hereditária. O sistema
      educacional pode criar no indivíduo um novo ser social, é no sistema
      educacional que o sujeito vai ser inserido num modelo de vida em
      sociedade, desenvolvendo formas de consenso ou pacto social, tendo
      oportunidades de experimentar e exercer certos padrões de sociabilidade,
      ou seja, a internalização da moral social e do grupo. Neste entendimento
      somente uma educação e uma cultura voltadas amplamente para o aspecto
      humanístico pode dar às sociedades modernas os cidadãos de que elas têm
      necessidade. De tal forma a sociedade, através da educação, forja em
      cada indivíduo o tipo humano adequado para sua conservação e sua
      sobrevivência. Não apenas idealiza o modelo que o educador deve formar
      como o constrói, “e o constrói segundo as suas necessidades” (DURKHEIM,
      1972, p.81). 
      
      
      Assim
      a reprodução age como uma necessidade de garantir e renovar qualquer
      modelo de sociedade, e  esta tarefa  é
      atribuída à educação. A reprodução transforma o ser individual em
      ser social através de uma ação civilizatória da conduta humana, pelo
      processo de socialização, preparando o indivíduo para responder às
      necessidades da sociedade. Assim se reproduzem na sociedade os ideais, os
      valores, a cultura, a educação e o esporte que são próprios da classe
      dominante. A perpetuação e a transmissão são funções latentes que as
      classes cultas atribuem à instituição escolar, a saber, organizar o
      culto de uma cultura que pode ser proposta a todos (BOURDIEU, 1998, p.56).
      
      
      Esses
      valores e ideais variam numa hierarquia que não se repete em momentos
      diversos da história. Houve um tempo, na Grécia Antiga, em que a coragem
      estava em primeiro lugar, aspirando todas as qualidades que a virtude
      militar implica no cidadão; hoje é o pensamento crítico e a reflexão,
      amanhã quem sabe que qualidade exaltará a virtude humana? O espírito crítico
      que hoje aspiramos foi durante muito tempo considerado perigoso para a
      ordem social. A educação é, portanto, o instrumento através do qual a
      sociedade renova perpetuamente as condições de sua própria existência
      (DURKHEIM, 1971, p.42). 
      
      
      Bourdieu
      (1998), ao falar sobre as desigualdades sociais, destaca que os mecanismos
      de eliminação e exclusão ocorrem durante toda a carreira escolar, por
      meio de democráticas oportunidades de acesso que nada mais são do que
      resultado de um processo de seleção discriminatório, cujo peso é
      exercido com rigor desigual sobre os indivíduos de diferentes classes
      sociais . Atribui uma grande responsabilidade à “escola” pela reprodução
      e pela legitimação das desigualdades sociais:
      
      
      É
      provável por um efeito de inércia cultural que continuamos tomando o
      sistema escolar como um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da
      “escola libertadora”, quando, ao contrário, tudo tende a mostrar que
      ele é um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece
      a aparência de legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança
      cultural e o dom social tratado como dom natural (BOURDIEU, 1998, p.41).
      A
      reprodução da desigualdade torna-se tão eficaz que os objetivos das famílias
      reproduzem a estratificação social e os membros das classes populares
      tomam a realidade por desejos, baseando-se nas condições objetivas de
      vida e excluindo qualquer possibilidade de desejar o impossível 
      (BOURDIEU, 1998, p.47). É necessário que a escola e o esporte
      ofereçam oportunidades objetivas de êxito para que possa existir algum
      desejo razoável de ascensão, com esperanças mais objetivas, despertando
      nos sujeitos um ethos positivo de ascensão (BOURDIEU, 1998, p.49).
      
      
      
      Podemos
      usar o futebol como analogia para os outros esportes, pois suas características
      apresentam uma fonte inesgotável de estudos e pesquisas de cunho sociológico,
      histórico e antropológico. Dentre as possibilidades que se destacam
      algumas despertam interesse social relevante, como a questão da ascensão
      social, a violência do atleta e do torcedor e o racismo emergente, todas
      conseqüências da exclusão.
      
      
      O
      grito de guerra das torcidas organizadas ultrapassa os degraus das
      arquibancadas e os alambrados dos estádios de futebol, trazendo disfarçado
      apelo ideológico formado por razões e intenções que vão muito além
      do gosto pela prática do futebol, carregado de conteúdos preconceituosos
      e racistas. Apelo ideológico que nada tem que o identifique com as cores
      do clube ao qual faz alusão de identidade. Ideologia exacerbada que faz
      apologia à intolerância, que ao invés de reunir os iguais é eficaz
      exatamente por unir aqueles que são desiguais.
      
      
      3
      . Racismo no futebol 
      
      
      O
      futebol criou uma nova e intensa onda migratória mundial. Embora a
      quantidade de jogadores que são enviados ao exterior seja grande,
      proporcionalmente à população do país ela é muito irrisória,
      manifestando a exclusão existente no esporte. As oportunidades não alcançam
      a todos na mesma condição de igualdade. O futebol pode servir como
      estratégia para fortalecer as relações de classe entre os
      participantes, mas não significa que jogando futebol o indivíduo alcançará
      a ascensão social (SADI, 2004, p.27). E a educação física escolar tem
      contribuído para o desenvolvimento e perpetuação da desigualdade ao
      reduzir as chances dos excluídos de duas formas: ao privilegiar o esporte
      de alto rendimento voltado para as competições escolares ensinado, ainda
      hoje, nas práticas de ensino das Faculdades de Educação Física, e
      através de professores que simplesmente deixam uma bola de futebol com os
      alunos,  voltando as costas
      para a quadra, deixando-os ao lassez-faire sob o pretexto de uma
      suposta pedagogia de autonomia, um mero “fazer por fazer” (SADI, 2004,
      p.25) .
      
      
      A
      presença de descendentes afros e jogadores originários das regiões
      periféricas tem sido cada vez menor, nos dias atuais, em clubes de maior
      expressão. Considerando que a maioria de nossos jogadores que vão para o
      exterior tem como destino a Europa, Ásia e Oriente, torna-se muito mais fácil
      para os clubes realizar suas transferências se eles forem brancos ou
      apresentarem traços culturais que facilitem a sua adaptação, se o
      jogador tiver ascendência é ainda mais fácil para o clube de destino
      naturaliza-lo no país, abrindo vagas para outros estrangeiros em seus
      quadros. Neste cenário em que o futebol é puramente negócio a inclusão
      da mulher é mais uma ilusão, pois o futebol feminino não tem futuro
      neste cenário voltado para o consumo.E mais: não bastasse a crescente
      exclusão, e ela é maior devido à ilusão da ascensão social através
      do futebol, surgem indícios das mais variadas formas de manifestações
      racistas e de intolerância (SADI, 2004, p.27). 
      
      
      O
      racismo tem se manifestado no futebol mundial de maneira cada vez mais
      explícita, através de atos de torcedores ou de jogadores. Em 1917,
      somente o Andaraí e o Bangu eram times multirraciais no Rio de Janeiro,
      porque havia um dilema para a elite dirigente do futebol carioca: manter a
      eugenia e perder para os paulistas ou reforçar o time e perder a pureza
      racial da organização de futebol do Rio. Era 
      aceitável um jogador “de cor” num clube de futebol, mas na
      seleção, que representava a fina flor da sociedade, era discutível
      (Agora São Paulo, 21 mar. 2005, caderno Vencer, p. B12). Em 1923 o Clube
      de Futebol e Regatas Vasco da Gama venceu o campeonato estadual do Rio de
      Janeiro com uma equipe composta por negros e mulatos, todos de origem
      pobre. Isto trouxe grandes preocupações e incomodou dirigentes e amantes
      do futebol de elite daquele tempo (AZEVEDO, SUASSUNA e DAOLIO, 2004,
      p.86).
      
      
      Em
      1938, após a vitória da Itália sobre o Brasil na semifinal da Copa do
      Mundo, os italianos manifestavam “saudamos o triunfo da inteligência itálica
      contra a força bruta dos negros”  (AGOSTINO, 2002, p.65). Outra manifestação, mais recente,
      foi em 2001, quando torcedores da Lazio exibiam faixas, slogans e hinos
      visando atacar aos jogadores Cafu, Aldair, Antonio Carlos Zago e Jonathan
      Zebina, com os dizeres “equipe de negros, corja de judeus” (AGOSTINO,
      2002, p.249). Em 2004 várias situações mostravam o crescimento do
      racismo nos estádios europeus, entre elas o momento em que o técnico da
      seleção espanhola se dirige para seu jogador, o francês Thierry Henry,
      “fale para o negro: eu sou melhor do que você, negro di merda”
      (Agora São Paulo, 18 mar. 2005, caderno Vencer, p. B6).
      
      
      Notícias
      deste ano, 2005, dão conta de manifestações mais evidentes e próximas
      de nós: em jogo válido pela Taça Libertadores da América de 2005,
      Quilmes, da Argentina, contra o São Paulo Futebol Clube, do Brasil,
      jogadores e dirigentes do clube brasileiro foram hostilizados. O jogador
      Grafite reclamou ter sido vítima de racismo: “O Sanchez me chamou de
      negro de m... e de macaco”. O fato resultou em manifestações dos
      dirigentes de clubes brasileiros e numa carta pedido de desculpas pelo
      clube argentino (Agora São Paulo, 18 mar. 2005, caderno Vencer, p. B1).
      No segundo jogo entre as duas equipes, desta vez no Estádio Cícero
      Pompeu de Toledo, Morumbi, em São Paulo, o jogador argentino Leandro Desábato
      foi detido pela polícia, no final da partida, para prestar depoimento após
      ser acusado de racismo pelo jogador Grafite, do São Paulo Futebol Clube.
      Este caso teve repercussão internacional, exigindo uma posição política
      do governo brasileiro. Em nota à imprensa o ministro do esporte, Agnelo
      Queiroz, e a secretária especial de Políticas de Promoção da Igualdade
      Racial da Presidência da República, Matilde Ribeiro, repudiaram qualquer
      manifestação de preconceito, discriminação e xenofobia no esporte,
      considerando grave o incidente que levou à prisão do jogador argentino
      (BRASIL, 2005). 
      
      
      4
      . O futebol e a violência das torcidas 
      
      
      O
      futebol tem caráter eminentemente moderno e urbano, cuja evolução está
      vinculada às condições históricas que marcaram o fim do século XIX e
      o início do século XX, atingindo  as
      diferentes classes sociais. Tão urbano é o fenômeno que faz parte do
      cenário o andar em bando, vestindo a camisa do time, diferenciando-se do
      todo e construindo para si e para o grupo uma nova forma de sociabilidade
      e de identidade (BAUDRILLARD, 1992, p.88).
      
      
      Considerados
      os aspectos sociológicos e antropológicos, o esporte tem servido de
      instrumento para desvio de atenção da massa e atenuar as tensões
      sociais. Não apenas os governantes mas em todos os níveis hierárquicos
      os superiores têm usado o esporte como instrumento de manipulação e
      controle social (AZEVEDO, SUASSUNA e DAOLIO, 
      2004, p.62). 
      
      
      Hoje
      lucrativos loteamentos residenciais e industriais engolem terrenos onde
      outrora eram campinhos de futebol e as crianças e jovens passavam parte
      do dia jogando. Estes campinhos, que já serviram de referências nos
      bairros e cidades, deram lugar a estacionamentos ou galpões industriais.
      Uma análise mais aprofundada far-nos-á compreender que no sistema
      mundial atual, pelas suas características cada vez mais excludentes, o
      lugar das classes mais baixas da sociedade no âmbito do esporte é na
      arquibancada, como torcedor, atuando como “elemento passivo” diante do
      fenômeno do espetáculo esportivo (SADI, 2004, p.19). Mas analisando mais
      meticulosamente o capitalismo presente no futebol, este espaço também já
      tem dono: aquele que pode pagar por ele e consumir seus produtos. 
      
      
      Embora
      o esporte seja para todos, os controladores do futebol buscam um novo tipo
      de cliente, os “pós-torcedores”, sujeitos críticos, reflexivos e
      formadores de opinião, com potencial de consumo consciente. Estes por
      terem ação participativa maior são capazes de romper com a passividade
      das antigas e românticas torcidas e “abraçam” a cultura popular com
      mais facilidade ao invés de rejeitá-la, sendo consumidores culturais em
      potencial. Estão no centro da produção e do consumo presentes na mídia
      e na cultura do futebol (GIULIANOTTI, 2002, p.190). 
      
      
      Na
      interpretação de Taylor alienação dos torcedores apresenta uma
      característica tipicamente mundial: torcedor de classe operária, jovens
      de grupos subculturais, crescente violência urbana e resistência inicial
      a mercantilização no futebol. Sendo jovens de classe social baixa e
      excluída do acesso às melhores oportunidades sociais, formam em geral mão
      de obra não qualificada, de baixo nível educacional, gerando a cultura
      de arquibancada dos anos oitenta: racismo violento, sarcasmo cruel e
      poucas atrações românticas. São jovens fora da influência social de
      seu grupo familiar que se ligam a grandes grupos de companheiros com seus
      próprios valores subculturais (Taylor apud GIULIANOTTI, 2002, p.64). 
      
      
      O
      “hooliganismo”, surgido na Inglaterra, desenvolveu diferenças
      perdidas entre os trabalhadores, estabelecendo novas formas de
      sociabilidade e acirrando as desigualdades e hostilidades entre torcidas
      de agremiações diferentes, demonstrando uma visão de mundo expressa
      através de gestos, slogans e cantos transformando-se numa das mais
      extraordinárias experiências coletivas vivenciadas no universo dos estádios,
      momento privilegiado na projeção da sensação de pertencimento a um
      grupo (AGOSTINO, 2002, p.235).
      
      
      A
      prática esportiva e mesmo de torcida constitui momento de expansão das
      pulsões primárias reprimidas pelo meio social cotidiano. É no coletivo
      da torcida que o indivíduo encontra a oportunidade de extravasar seus
      sentimentos e instintos reprimidos pela sociedade (AGOSTINO, 2002, p.20).
      E é na escola, instrumento da sociedade para moldagem do indivíduo, que
      esta repressão tem início e se manifesta com maior evidência.
      
      
      Neste
      coletivo ele encontra identidade e afinidade para manifestar suas repulsas
      e fazer coisas que não faria isoladamente no seio da sociedade, seja por
      necessidade de tomar atitudes que o habilitem a pertencer ao grupo, seja
      por motivo de ritual de passagem (AGOSTINO, 2002, p.236). É a manifestação
      do sentimento de impotência e da frustração pessoal diluídas no
      coletivo das arquibancadas.
      
      
      Na
      verdade a violência é inerente ao futebol desde seu período primitivo.
      O futebol é recheado de eventos legendários e históricos que apontam
      para o lado violento e agressivo de seus praticantes, nasceu como disputa
      dual, onde as equipes representavam grupos ou identidades coletivas, nações,
      localidades geográficas e culturas específicas. Até hoje predomina a
      oposição binária em que cada jogador está comprometido com uma batalha
      pessoal com o seu número oposto, o seu marcador, e seu desempenho num
      jogo e sucesso na equipe dependerá de sua capacidade de superar seu
      rival. Também em cada cidade estão presentes, geralmente, dois clubes de
      futebol, representando classes ou grupos diferentes. Neste antagonismo estão
      embutidas velhas questões de etnia e classe, expressando a animosidade
      entre a classe dominante (GIULIANOTTI, 2002, p. 189). 
      
      
      Há
      relatos históricos em que os jogadores participavam de partidas de
      futebol portando punhais que causavam ferimentos acidentais e intencionais
      não só nos adversários como em seus companheiros de equipe. Eram comuns
      socos, pontapés e golpes de lutas, ossos quebrados, ferimentos graves e
      morte (GIULIANOTTI, 2002, p. 17). O mais surpreendente é que o futebol
      era praticado nas festas religiosas representando ritual simbólico e
      figuras da elite dominante. 
      
      
      Numa
      perspectiva sociológica de Durkheim os aspectos primitivos do futebol
      servem para integrar o indivíduo no âmbito local e manter a ordem
      social. A integração do indivíduo funciona como um rito de passagem
      celebrado publicamente, confirmando a maturidade de jovens e adultos,
      aumentando o sentimento de solidariedade e de responsabilidade sociais,
      por exemplo: jogos entre casados e solteiros, cidade versus campo,
      cidade versus cidade, paróquia versus paróquia, escola versus
      escola (GIULIANOTTI, 2002, p.17). Não é sem propósito que as tabelas de
      jogos dos campeonatos esportivos prevêem jogos de “ida e volta”, em
      casa e fora de casa.
      
      
      Numa
      análise taylorista, de perspectiva marxista, as causas da violência das
      torcidas de futebol estão relacionadas às “mudanças econômicas e
      sociais mais amplas” ocorridas no pós-guerra (Taylor apud GIULIANOTTI,
      2002, p.63). A influência inglesa dominante na expansão da economia
      mundial e do futebol colaborou para a globalização da violência das
      torcidas. O futebol praticado enquanto classe operária, lá pelos românticos
      e históricos anos finais do século XIX e primeiras décadas do século
      XX, de âmbito local, envolvendo comunidades locais ou vizinhas, criava no
      torcedor-operário a falsa idéia de que ele exercia influência nas decisões
      do clube e considerava a agremiação como uma “democracia
      participativa”. Para a elite dominante que administra os clubes o espetáculo
      visa atrair expectadores consumistas e não satisfazer os torcedores
      apaixonados. A perda da influência direta sobre o clube marca o início
      da marginalização do torcedor (AGOSTINO, 2002, p.235). No mercado
      capitalista do esporte os clubes perdem a afetividade, porém ganham a
      fidelidade consumista do torcedor.  E o mesmo interesse opera nas ideologias das torcidas
      organizadas.  
      
      
      O
      aparecimento da televisão contribuiu para difundir os gritos de guerra,
      os cantos, os símbolos, os emblemas e os slogans das torcidas, fazendo
      acirrar ainda mais os antagonismos ocultos, ampliando a “arena” de
      confronto (AGOSTINO, 2002, p.235).
      
      
      No
      Brasil a história  das
      torcidas mostra-se culturalmente complexa e ilusória. Tendo origem na década
      de 40, era composta de indivíduos socialmente estabelecidos que foram
      substituídos ao longo dos anos pela cultura jovem, partidária e
      agressiva. Primeiro a torcida do Clube de Regatas Flamengo, no Rio de
      Janeiro, depois a torcida do Sport Club Corinthians Paulista, em São
      Paulo, constituíram-se em grupos que cresceram muito ao longo das décadas
      e estavam fortemente ligados ao hooliganismo europeu nos anos 80 e 90 (GIULIANOTTI,
      2002, p. 85). A participação dos torcedores no futebol tornou-se mais
      “problemática em razão de um contexto mais complexo e dinâmico que
      aquele vivido pelos torcedores símbolos desde a década de 40” (TOLEDO,
      1996, p.30). As torcidas latinas, do Brasil e do norte da Europa
      principalmente, são consideradas “carnavalescas” pelos estudiosos em
      sociologia do futebol por isso vale lembrar Bakhtin: “Os risos do
      carnaval sempre carregam consigo a possibilidade de violência” (Bakhtin
      apud GIULIANOTTI, 2002, p. 87).
      
      
      5
      . O que a escola tem com isto?
      
      
      Que
      visão podemos ter sobre o esporte escolar neste processo de reprodução,
      uma vez que a Educação Física é um componente curricular desta educação
      que aí se efetiva? Muitas vezes somos surpreendidos seguindo à risca
      certos elementos tradicionais da prática esportiva e da educação física.
      A escola é o lugar na sociedade que deve permitir ao indivíduo o acesso
      às manifestações culturais e participação na construção de uma
      cidadania democrática. Dentro da escola, o esporte deve ser ensinado para
      todos, em igualdade de condições de participação, sem qualquer forma
      de discriminação. Na escola os comportamentos e as regras da sociedade são
      largamente difundidos e onde também podem ser contestados, e construídas
      as alternativas através dos valores educativos encontrados no esporte
      (Bento apud SOUZA & SCAGLIA, 2004, p.10).
      
      
      A
      violência no futebol não se limita aos torcedores: envolve jogadores
      (profissionais que são, contra outros seus iguais), alunos contra alunos
      e professores contra professores. Nos jogos entre escolares as observações
      têm demonstrado que as menores ocorrências de agressão e violência são
      os casos envolvendo aluno-atleta contra aluno-atleta devido ao respeito
      entre iguais e quando perdura após os eventos revela outras origens como
      gangues e outras rivalidades mais antigas; aluno-atleta contra professor-árbitro
      pela dupla autoridade deste e técnico-professor contra árbitro pelo
      reconhecimento do domínio técnico deste e neutralidade nas relações diárias.
      
      
      
      Os
      casos de média ocorrência são entre aluno-atleta contra árbitro por
      este ser, em geral,  externo
      à comunidade envolvida, portanto desconhecido e apresentar neutralidade.
      Os casos de maior ocorrência são aqueles que envolvem o técnico-professor
      contra o árbitro-professor, manifestando desrespeito entre iguais,
      deixando seqüelas graves após os eventos e influenciando negativamente
      os alunos.
      
      
      A
      educação física e o esporte na escola devem ser experiências
      significativas e desejáveis, envolvendo o aluno no seu contexto social.
      Dentro desta perspectiva, em 2004 as aulas de educação física numa
      Escola Estadual da periferia da Grande São Paulo tiveram sua realização
      voltada para os projetos interdisciplinares da escola. Diante das ocorrências
      de violência na escola e a repercussão da morte de jovens torcedores em
      confrontos de torcidas após os jogos de seus times, no segundo semestre
      foi desenvolvida uma pesquisa entre os alunos das quintas e sextas séries,
      concluindo com momentos de discussão e reflexão sobre o assunto. 
      
      
      Inicialmente
      a curiosidade era para saber para quais times os alunos da escola torciam
      e, num primeiro momento, os alunos saíram em grupos pela escola, de sala
      em sala, e aplicaram um questionário a seus colegas, após explicarem os
      procedimentos para o preenchimento. Depois surgiu a necessidade de
      ampliarmos as informações, por isso esta pesquisa constou de um questionário
      com um total de dez perguntas. Numa delas:   Quantas vezes você já foi a um estádio de futebol
      assistir a um jogo profissional?  Nunca,
      uma vez, duas vezes, três vezes ou mais, o resultado mostrou que
      84,5% dos 374 alunos pesquisados, na faixa de 11 a 14 anos, nunca foram a
      um estádio assistir uma partida de futebol profissional oficial. Apenas
      9% estiveram num estádio de futebol uma vez e 2% três vezes.
      
      
      Na
      pergunta Para qual time você torce? para levantar quanto ao time
      de preferência, 49,5% registrou torcer pelo Sport Club Corinthians
      Paulista (SP), 23% para o São Paulo Futebol Clube (SP), 12,5% para a
      Sociedade Esportiva Palmeiras (SP), 5,3% não torce por nenhum time, 3% se
      abstiveram e o restante foi distribuído entre Santos Futebol Clube (SP),
      Clube de Regatas Flamengo (RJ), Clube de Regatas Vasco da Gama (RJ) e Grêmio
      Foot Ball Portoalegrense (RS). 
      
      
      Estas
      três questões, Você gostaria de participar da torcida organizada do
      seu time? Você brigaria por causa do seu time? Você brigaria para
      defender a torcida organizada do seu time?, são analisadas
      conjuntamente porque apresentam uma relação estreita entre seus
      resultados. As respostas deveriam ser assinaladas objetivamente SIM ou NÃO
      e assim analisadas: enquanto 70% dos alunos assinalaram afirmativamente
      que gostaria de participar da torcida organizada de seu time, cerca de 47%
      brigaria para defendê-la e apenas 35,5% brigaria pelo próprio time. Não
      ficou evidenciada qualquer relação entre os números referentes às
      torcidas de equipes específicas com as ocorrências de violência nos estádios
      e jogos de futebol. Isto significa dizer que, embora cerca de metade dos
      alunos tenham o Sport Club Corinthians Paulista como o time de preferência,
      não seja esta a torcida mais violenta. 
      
      
      Pode-se
      constatar pela pesquisa escolar realizada que a maioria dos jovens raríssimas
      vezes tem oportunidade de ir a um estádio assistir um jogo de futebol
      oficial; poucos não tem preferência em torcer para algum time; embora a
      maioria gostaria de integrar a torcida organizada de seu time, cerca da
      metade destes brigaria por ela. Percebe-se que a relação de fidelidade
      é maior pela torcida organizada do que pelo clube. Outra informação que
      aparece é a ocorrência de torcida para equipes de outros estados ou regiões
      longínquas, fora da familiaridade dos alunos.
      
      
      Vale
      destacar o caráter pedagógico e que foi o mais importante neste
      trabalho: ao saírem de classe em classe distribuindo e recolhendo os
      questionários, os alunos passaram por uma experiência de introdução à
      metodologia da pesquisa, necessidade fundamental aos estudantes tão
      carentes de perspectivas e motivação nos dias atuais.
      
      
      6
      . Considerações finais
      
      
      Confirmando
      a lógica globalizante mundial, está acontecendo aqui o mesmo que ocorreu
      na Europa, principalmente na Inglaterra. Os problemas de violência que
      atingiram seu ápice, nos anos sessenta, despertando a atenção e grandes
      preocupações na Europa, só foram sentidos no Brasil a partir de 1974,
      com o advento da transmissão de jogos pela televisão e a profusão de
      torcidas organizadas, passando nos anos seguintes pelos mesmos aspectos e
      mesmas tentativas de solução ocorridas na Europa, tanto no âmbito político
      quanto policial. 
      
      
      No
      contexto da violência e rivalidade no futebol, entre torcidas e nações,
      é preocupante o evento em que Carlos Alberto Parreira, técnico da seleção
      brasileira de futebol, toma água que lhe foi servida 
      por um comediante argentino. O fator mais relevante foi a revelação,
      e a televisão mostrou, de que jogadores argentinos cuspiram no galão de
      água, supostamente o mesmo que fora oferecido ao técnico brasileiro.
      Encarado no início de forma jocosa por um programa humorístico da
      televisão argentina, o evento remonta a um episódio antigo de partida válida
      por Copa do Mundo em que jogadores brasileiros foram dopados após beberem
      água oferecida pelos argentinos. Também nos faz lembrar uma partida de tênis
      válida pelas oitavas de final do Aberto da Austrália de 2005, em que o
      argentino Juan Ignácio Chela, derrotado, deu uma cusparada em seu adversário.
      
      
      O
      mais preocupante é sabermos que, mesmo em tom humorístico, certos jargões,
      práticas e atitudes do futebol ganham o cotidiano do povo e invadem a
      escola. Uma cusparada no chão, no adversário ou num galão de água, e
      outros gestos de desagravo demonstram sinais de incivilidade e que beiram
      à barbárie. São atitudes e comportamentos que deseducam a sociedade.
      Torna-se, portanto, imprescindível “educar o soberano”, preocupação
      manifestada por Tamarit (1996) ao referir-se à educação como “uma série
      de práticas dirigidas à formação integral do homem, à sua plena
      humanização” (TAMARIT, 1996, p.58 e 64) e referindo-se à inquietude
      de Sarmiento, compartilhada também por Mitre, sobre a necessidade de
      “educar o maior número possível de ignorantes para que a barbárie não
      vença” (Mitre apud Tamarit, 1996, p.58).
      
      
      Portanto
      o professor de educação física e a escola devem desempenhar um papel
      importante na abordagem dos problemas recorrentes na sociedade,
      despertando no aluno a reflexão,  motivando-o
      e favorecendo oportunidades de inclusão na sociedade através do esporte.
      Devem, portanto, estar bem preparados não apenas nas especificidades do
      esporte mas também nas questões sociais emergentes que caracterizam a
      comunidade onde atuam. Assim poderão integrar a atividade física e o
      esporte ao cotidiano  da escola e da população com a qual se relaciona. A
      preocupação da Escola deve ser contribuir com a formação do homem
      enquanto cidadão, através de um processo pedagógico humanizante. Assim
      o cidadão será formado e capaz de organizar e praticar o lazer com maior
      aproveitamento, difundindo-o na comunidade. Num mundo em que a 
      violência é barata e, às vezes, gratuita, a paz custa vidas.